Ano: 2006 Vol. 72 Ed. 4 - Julho - Agosto - (16º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 541 a 548
Aplicação do modelo morfométrico de Kushida em pacientes com distúrbios respiratórios do sono
Application of the Kushida morphometric model in patients with sleep-disordered breathing
Autor(es): Maria Claudia Mattos Soares1, Lia Rita de Azeredo Bittencourt2, Adriane Iurck Zonato3, Luis Carlos Gregório4
Palavras-chave: apnéia do sono tipo obstrutiva, boca, medidas, obesidade.
Keywords: obstrutive sleep apnea, mouth, measurements, obesity.
Resumo:
O modelo proposto serve para triar os pacientes com alto risco para síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono. Objetivo: Avaliar a aplicabilidade clínica do modelo morfométrico de Kushida em uma amostra de pacientes com distúrbios respiratórios do sono e definir um valor de corte para discriminar os pacientes com apnéia leve, moderada e grave. Forma de Estudo: Coorte contemporânea longitudinal. Método: Foram estudados 80 pacientes com distúrbios respiratórios obstrutivos do sono, com idade entre 18 e 75 anos, de ambos os sexos e realizaram polissonografia prévia. O valor de corte do modelo morfométrico para distinguir os pacientes sem e com apnéia é de 70. Resultado: Na amostra estudada, os valores do modelo nos quatro grupos foram menores que 70. Não foi possível estabelecer um valor de corte de acordo com a gravidade da doença, devido à proximidade e ao aumento não-linear dos valores entre os pacientes não-apnéicos, com apnéia leve e moderada. Conclusão: O modelo morfométrico de Kushida é aplicável na prática clínica para a amostra selecionada e não foi possível estabelecer um valor de corte para separar os pacientes com síndrome da apnéia e hipopnéia do sono conforme sua gravidade.
Abstract:
The morphometric model is a useful screening test to investigate the possibility of OSAS in patients during initial office visits. Aim: To evaluate the clinical applicability of the Kushida morphometric model in a sample of patients with sleep-disordered breathing, and to define a cutoff value to differentiate patients with mild, moderate and severe apnea. Method: A sample of 80 patients with sleep respisratory disorder was studied. Patients were aged between 18 and 75 years, of both genders and had been submitted previously to polysomnography. The model cutoff value to distinguish between patients with or without apnea is 70. Results: In this sample, the model cutoff value in all four groups was less than 70. It was impossible to establish a cutoff value according to the gravity of the condition, due to the proximity and the nonlinear increase in the values presented by the nonapneic group and those with mild and moderate apnea. Conclusion: The Kushida morphometric model can be applied in clinical practice to a selected sample and it was impossible to establish a cutoff value to separate patients with obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome according to severity.
INTRODUÇÃO
Estudos envolvendo algumas das principais características dos pacientes com Síndrome da Apnéia e Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS) iniciaram com Burwell, Robin, Waley e Bickelmann (1956)1. Eles descreveram a Síndrome de Pickwickian, em homenagem ao novelista inglês Charles Dickens, autor do clássico "The Posthumous Papers of the Pickwickian Club" (1837), cujo personagem principal era um garoto obeso, roncador e sonolento. A síndrome é classicamente composta por obesidade, hipercapnia, cor pulmonale, eritrocitose e sonolência diurna excessiva.
De acordo com as definições publicadas pela Academia Americana de Distúrbios do Sono (AASM) numa força tarefa lançada em 1999, a SAHOS é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono. Manifesta-se como uma redução (hipopnéia) ou cessação (apnéia) do fluxo aéreo, apesar do esforço inspiratório, com duração de pelo menos 10 segundos. A hipopnéia é definida como redução maior que 50% na amplitude respiratória ou menor que 50%, desde que seja associada à dessaturação de oxigênio maior que 3% e/ou a um despertar (AASM Task Force, 1999)2.
Young, Palta, Dempsey, Skatrud, Weber e Badr (1993)3 concluíram, em um importante estudo epidemiológico, que a SAHOS é mais prevalente em obesos e atinge 2% das mulheres e 4% dos homens quando considerado o índice de apnéia e hipopnéia (IAH) maior que 5 na polissonografia (PSG) e a presença de sonolência diurna excessiva, sendo mais comum entre a 4ª e 5ª década (Olson, King, Hensley e Saunders, 1995)4.
A fisiopatologia da SAHOS ainda não é totalmente conhecida, mas sabe-se que o fenômeno principal da doença é o colapso da faringe decorrente, em parte, das alterações anatômicas das VAS, esqueléticas faciais e do tônus neuromuscular (Arens e Marcus, 2004)5.
As principais alterações anatômicas de VAS relacionadas à SAHOS são: hipertrofia amigdaliana, língua volumosa, pilares amigdalianos medianizados, palato mole posteriorizado e/ou espesso e/ou web (membrana formada pela inserção baixa do pilar amigdaliano posterior na úvula) e úvula longa e/ou espessa6-9.
Diversos estudos são realizados para avaliar o dismorfismo craniofacial nos pacientes com SAHOS, valendo-se de cefalometria, tomografia computadorizada, ressonância magnética e reflexão acústica. Embora haja controvérsias entre os trabalhos, as alterações craniofaciais que mais se relacionam com a ocorrência e gravidade da SAHOS são: retroposição da maxila, encurtamento do corpo da mandíbula, osso hióide deslocado inferiormente, retrognatia, oclusão dentária classe II (sulco mesial do 1º molar inferior permanente se articula posteriormente à cúspide mesiovestibular do 1º molar superior permanente) e palato duro ogival5,7-12.
Atualmente, a SAHOS é considerada uma doença crônica, progressiva e incapacitante, com alta morbidade e mortalidade, pois está associada a riscos aumentados de doenças cardiovasculares, acidentes automobilísticos e depressão, sendo considerada um problema de saúde pública13-16.
A PSG é considerada uma ferramenta essencial para avaliação e diagnóstico em Medicina do Sono, no entanto, é um exame demorado, dispendioso e que necessita de técnicos especializados, o que muita vezes limita a sua realização e colabora para que a SAHOS seja subdiagnosticada. Young, Evans, Finn e Palta (1997)17 estimaram que 93% das mulheres e 82% dos homens com SAHOS moderada ou grave deixam de ser diagnosticados pelos médicos.
Diferentes investigadores desenvolveram regras clínicas preditivas de SAHOS através de fórmulas matemáticas que envolvem diversas variáveis, como índice de massa corpórea (IMC), circunferência cervical (CC), saturação de oxigênio, IAH e questionários6,7,18-21. Porém, esses modelos não levam em conta as alterações craniofaciais e, portanto, são considerados falhos por alguns autores22. Kushida, Efron e Guilleminault (1997)22 propuseram um modelo morfométrico (MM), descrito abaixo, com medidas da cavidade oral, IMC e CC que pudesse predizer quais pacientes apresentavam alto risco (e necessitam de PSG rapidamente) para SAHOS. Este modelo foi aplicado em 300 pacientes, sendo 224 homens e 76 mulheres, com idade entre 15 e 75 anos, todos foram submetidos à PSG, mas o examinador não tinha acesso aos resultados desse exame. O critério usado para o diagnóstico de SAHOS foi a presença de sintomas característicos (ronco, pausas respiratórias, sonolência diurna excessiva, escala de sonolência de Epworth >10) e IAH> 5.
{P + (Mx - Mn) + 3 x OJ} + 3 x [Max (IMC - 25)] x (CC / IMC)
P: altura palatal em milímetros
Mx: distância entre a face mesial dos 2º molares superiores em milímetros
Mn: distância entre a face mesial dos 2º molares inferiores em milímetros
OJ: overjet (distância horizontal entre a face incisal dos incisivos centrais superiores e inferiores)
IMC: peso (quilogramas)/altura2 (metro2)
CC: circunferência cervical em centímetros
Em pacientes com IMC ? 25 aplica-se somente a primeira parte da fórmula (entre chaves), de tal forma que a segunda parte da fórmula (entre colchetes) seja sempre um número positivo ou zero.
Após a aplicação do MM, os pacientes foram divididos em dois grupos: sem SAHOS (MM< 70) e com SAHOS (MM? 70); 46 pacientes foram classificados no primeiro grupo e 254 no segundo. Houve falha em 6 pacientes que apresentavam SAHOS, mas pelo MM foram classificados com não-apnéicos. A sensibilidade foi de 97%, especificidade de 100%, valor preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo de 88,5%.
O IMC e a CC também foram utilizados para separar os pacientes nos dois grupos, com valores de corte de 25 kg/m2 e 40cm respectivamente. Comparou-se a capacidade isolada do MM, IMC e CC em distinguir os pacientes com e sem SAHOS, e o primeiro mostrou-se superior neste aspecto, seguido pelo IMC e CC.
Os autores concluem que o MM é uma maneira rápida e segura de triar os pacientes que irão necessitar de avaliação especializada, de PSG para caracterização da gravidade da doença e tratamento adequado.
Os objetivos do presente estudo são: avaliar a aplicabilidade clínica do MM de Kushida em uma amostra de pacientes com distúrbios respiratórios do sono (DRS) e definir um valor de corte para discriminar os pacientes com apnéia leve, moderada e grave.
MÉTODO
Foram estudados 80 pacientes dos ambulatórios de distúrbios do sono do Departamento de Otorrinolaringologia (ORL) e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (CCP) e do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), durante o período de setembro de 2003 a agosto de 2004. Todos os pacientes submeteram-se a estudo polissonográfico prévio e aceitaram o termo de consentimento livre e esclarecido proposto. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP-EPM.
1. Critérios de inclusão
pacientes com queixas de ronco, apnéia e/ou sonolência diurna excessiva
adultos entre 18 e 75 anos
ambos os sexos
realização de polissonografia prévia.
2. Critérios de exclusão
história prévia de neoplasia benigna ou maligna de VAS
pacientes com limitação da abertura de boca
ausência dos dentes incisivos centrais superiores e/ou inferiores
ausência de 2o molar superior e/ou inferior
pacientes inaptos ou indisponíveis a cooperar com o estudo
tratamento prévio para SAHOS
uso de drogas ilícitas, álcool e hipnóticos.
3. Seleção de pacientes
Os 80 pacientes foram selecionados no ambulatório de distúrbio do sono do Departamento de ORL e CCP da UNIFESP durante a consulta com médico otorrinolaringologista ou no dia da realização da PSG, sendo 20 pacientes com SAHOS leve (5>IAH?15), 20 com SAHOS moderada (15>IAH?30), 20 com SAHOS grave (IAH >30 e 20 com IAH normal (IAH?5).
4. Polissonografia
A polissonografia consistiu em um registro de noite inteira com monitorização de eletroencefalograma (EEG), eletrooculograma (EOG), eletromiograma (EMG) tibial e mentoniano, eletrocardiograma (ECG), fluxo aéreo por cânula nasal e termístor oral, movimentos respiratórios por cintas tóraco-abdominais, SaO2 por oximetria e registro do ronco por microfone. O polissonígrafo utilizado foi o SAC-Oxford, versão 10.0.
O estadiamento da arquitetura do sono foi realizado através da interpretação do EEG, EOG e EMG; seguindo os critérios propostos por Rechtschtaffen e Kales (1968).
O estadiamento dos eventos respiratórios foi realizado de acordo com os critérios propostos pela AASM (AASM Task Force, 1999).
5. Forma de avaliação dos pacientes
A partir da seleção, os pacientes foram indagados quanto à idade, sexo, peso, altura e freqüência do ronco (todos os dias, quase todos os dias, ocasionalmente ou nunca). Aqueles pacientes com IAH? 5, mas que responderam roncar todos ou quase todos os dias, foram classificados como roncadores; os que roncavam ocasionalmente ou nunca, foram considerados como não roncadores se a PSG registrasse roncos intermitentes, caso fosse identificado roncos constantes, esses pacientes foram considerados como roncadores.
A seguir, iniciou-se a aplicação do MM de Kushida. Todas as medidas foram feitas pelo mesmo examinador, com paciente em posição de Frankfurt e utilizando instrumental padronizado. As medidas da cavidade oral, exceto o overjet (OJ), foram realizadas com a língua em posição relaxada e abertura de boca com ângulo de 20o em relação ao côndilo mandibular. Para tanto, utilizou-se um compasso de ponta seca com abertura fixa de 20o que foi colocado na topografia da articulação têmporo-mandibular, a ponta da sua haste superior alinhou-se com os incisivos centrais superiores e a da haste inferior com os incisivos centrais inferiores, obtendo-se a abertura oral desejada. Com um outro compasso de ponta seca, realizaram-se as medidas de cavidade oral (distância intermolar maxila-Mx, distância intermolar mandíbula-Mn e altura palatal-P), as quais foram transpostas para uma régua. Para medida do OJ utilizou-se uma régua de 40 milímetros (mm) e para CC, uma fita métrica locada na altura da membrana cricotireoídea.
6. Forma de avaliação dos resultados
As variáveis foram expressas em média, desvio padrão, valores mínimos e máximos, pois as mesmas mostraram distribuição normal.
Para a comparação entre os grupos foi utilizada a análise de variância ANOVA e quando se fez necessário, o pós-teste de Ducan para distinção de grupos.
Para comparação entre dois grupos foi utilizado o teste T de Students para amostras independentes.
Para avaliar as correlações entre as variáveis foi utilizado o teste de Pearson.
Foi realizado análise de regressão multivariada para avaliar os fatores que poderiam distinguir o peso de algumas medidas.
RESULTADOS
Os dados referentes à idade e IMC dos 80 pacientes encontram-se na Tabela 1. Houve predomínio do sexo masculino (54 homens/26 mulheres) e os pacientes apresentava idade média de 40,5 ± 13,6 anos, com um grau leve de sobrepeso.
Os dados referentes às medidas orofaciais, CC e valor final do MM dos 80 pacientes encontram-se na Tabela 2.
A comparação da média de todas as variáveis estudadas entre os 4 subgrupos encontram-se na Tabela 3. Ao compararmos os quatro grupos de pacientes, verificou-se que foram significativas (p?0,05) as seguintes variáveis: idade, IMC, E1 e 2, SaO2 mín, OJ, CC e MM. Não foram significantes (p>0,05): ES, E3 e 4, REM, P, Mx e Mn.
Foram comparadas todas as variáveis de acordo com sexo e presença ou ausência de ronco, e as que apresentaram diferenças são apresentados nas Tabelas 4 e 5, respectivamente. As que foram estatisticamente significativas em relação ao sexo foram: IAH, SaO2 mín, Mn e CC e em relação ao ronco foram: idade, IMC, SaO2 mín, IAH e CC.
Quando correlacionamos o IAH com IMC, P, Mx, Mn, OJ, CC e MM, as variáveis estatisticamente significantes (p?0,05) foram: IMC, CC e MM (Figuras 1, 2 e 3). Realizando a mesma análise para a SaO2 mín, as variáveis estatisticamente significantes (p?0,05) foram as mesmas (Figuras 4, 5 e 6).
Foram avaliados por regressão linear multivariada considerando o IAH e SaO2 mín e as demais variáveis. Dentre essas variáveis, a CC demonstrou ser significativa (p=0,03) para determinar o IAH. Na determinação da SaO2 mín, a Mx foi a medida responsável (p=0,016).
Figura 1. IAH x IMC - IAH: índice de apnéia e hipopnéia IMC: índice de massa corpórea
Figura 2. IAH x CC - IAH: índice de apnéia e hipopnéia CC: circunferência cervical
Figura 3. IAH x MM - IAH: índice de apnéia e hipopnéia MM: modelo morfométrico
Figura 4. SaO2min x IMC - SaO2min: saturação mínima da oxihemoglobina IMC: índice de massa corpórea
Figura 5. SaO2min x CC - SaO2min: saturação mínima da oxihemoglobina CC: circunferência cervical
Figura 6. SaO2min x MM - SaO2min: saturação mínima da oxihemoglobina MM: modelo morfométrico
DISCUSSÃO
A média de idade dos pacientes foi de 40,5 ± 13,6 anos, sendo maior no grupo com SAHOS moderada do que nos demais, concordando com os estudos da literatura que mostram maior prevalência da doença entre a 4ª e 5ª década. Houve diferença estatisticamente significante comparando a idade dos pacientes com SAHOS moderada em relação ao grupo com SAHOS leve e não-apnéicos, confirmando o aumento da gravidade da doença com o avançar da idade, devido à maior da flacidez da musculatura associada à diminuição do tônus neuromuscular, tornando a faringe mais colapsável e predispondo à apnéia3,4,22.
Houve predomínio do sexo masculino na proporção aproximada de 2:1, quando analisado os grupos separadamente, notou-se que o predomínio do sexo masculino mantém-se apenas nos pacientes com apnéia; coincidindo com os achados da literatura que evidenciam maior prevalência da doença em homens3,4.
A média do IMC foi de 27,4 ± 4,9 kg/m2, caracterizando assim o grupo como pré- obesos (IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 ), segundo a Organização Mundial de Saúde (1998). Os subgrupos de pacientes com SAHOS grave apresentaram diferença estatisticamente significante em relação ao grupo com SAHOS moderada, leve e não-apnéicos, ratificando que o IMC está relacionado com a ocorrência e gravidade da doença3,6,8.
Quanto aos achados polissonográficos, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os parâmetros de SaO2 mín. Os pacientes com SAHOS têm uma faringe com maior tendência ao colapso, ocasionando redução do fluxo aéreo e queda na SaO2 mín, assim quanto maior o grau da doença, maior é a dessaturação da oxihemoglobina.
A SAHOS ocasiona aumento dos estágios 1 e 2 do sono, diminuição do estágio 3 e 4 e do sono REM 2. Os resultados da Tabela 3 evidenciam tal fato, porém houve diferença estatisticamente significante entre os grupos apenas nos estágios 1 e 2.
A porcentagem de sono de ondas lentas tende a diminuir gradativamente a partir da 2ª década de vida, talvez seja por isso que o grupo com SAHOS moderada, cuja média de idade foi a maior, apresentou menor porcentagem de estágios 3 e 4.
As medidas de cavidade oral (P, Mx e Mn) apresentaram valores médios menores do que os descritos por Kushida, Efron e Guilleminault (1997)22 e não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os quatro grupos. No estudo realizado pelos autores acima, foi encontrado diferença estatística entre os pacientes com e sem SAHOS. Essas medidas estão fortemente relacionadas com fatores genéticos e/ou respiração oral. As populações estudadas são de origem diferente (latino e norte-americanos), não houve padronização quanto a etnicidade e alguns pacientes desse estudo são provenientes do ambulatório do Sono do Departamento de Otorrinolaringologia, o que pode ter induzido à seleção de maior número de respiradores orais, tais fatos podem justificar as diferenças encontradas entre os dois trabalhos.
De acordo com o encontrado por Kushida, Efron e Guilleminault (1997)22 e Schellenberg, Maislin e Schwab (2000)8, a medida de overjet apresentou diferença estatisticamente significante entre os subgrupos em nossa amostra.
O valor médio medida de circunferência cervical foi 40,4 ± 4,1 cm e apresentou diferença estatisticamente significante entre os subgrupos, com valores crescentes de acordo com a gravidade do distúrbio respiratório obstrutivo do sono (DROS), confirmando os achados da literatura que correlacionam a CC com a ocorrência e a gravidade da SAHOS19. Kushida, Efron e Guilleminault (1997)22 estabeleceram o valor de corte de 40 cm para distinguir pacientes com e sem SAHOS pela CC. Neste estudo, a média da CC em pacientes não-apnéicos foi de 36,7cm (31 a 43cm) e em pacientes com SAHOS manteve valores médios acima de 40cm, com diferença estatisticamente significante, coincidindo com os achados dos autores acima citados.
O valor de corte do MM definido pelo modelo em questão foi de 70, no presente estudo, os valores encontrados foram menores que 70, porém o subgrupo com SAHOS grave foi o que mais se aproximou desse valor (média de 66,7), com diferença estatisticamente significante em relação aos demais. Apesar de ter havido diferença significativa entre os subgrupos, não foi possível estabelecer um valor de corte de acordo com a gravidade da doença, devido à proximidade e ao aumento não linear dos valores entre os pacientes não apnéicos, com SAHOS leve e moderada. No entanto, os próprios autores do modelo afirmam em seu artigo que, assim como outros modelos preditivos, este serve para triar inicialmente os casos mais leves dos mais graves, priorizando o seu tratamento e ressaltam a importância da PSG para estabelecer o diagnóstico e tratamento adequados.
Comparando as variáveis de acordo com o sexo, as que apresentaram diferença foram: IAH, SaO2 mín, CC e Mn, todas elas indicando maior gravidade nos homens. O sexo masculino é um fator de risco importante para ocorrência e gravidade da SAHOS2,3,8, assim é esperado que variáveis extremamente relacionadas com a doença, como IAH, SaO2 mín e CC apresentem valores estatisticamente significativos. Além disso, o homem é mais propenso a acumular gordura no pescoço e a CC correlaciona-se com a presença de SAHOS melhor que o peso corporal19. Dentre as medidas de cavidade oral, a única que apresentou diferença entre os sexos foi a Mn (37,5 ± 5,1cm em homens e 34,4 ± 7,3cm em mulheres). Após a publicação do artigo científico no qual baseou-se este estudo e até o momento da conclusão do levantamento bibliográfico realizado, não houve nenhuma publicação reproduzindo o modelo, o que restringe a comparação dos dados obtidos, sendo assim, existe a necessidade de novos trabalhos enfocando este tema para que possamos avaliar a correlação entre as novas medidas propostas (P, Mx e Mn) e os DROS.
A queixa de ronco esteve presente em 92,5% dos pacientes; essa alta prevalência é explicada por tratar-se de uma população selecionada com DROS. Comparando-se as variáveis de acordo com a presença ou ausência de ronco, observamos que a idade, o IMC, a SaO2 mín, o IAH e a CC apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, evidenciando maior gravidade para os pacientes com queixa de ronco, fato já esperado, pois ressaltamos anteriormente a importância de cada uma dessas variáveis nos DRS.
Ao correlacionarmos separadamente o IAH e a SaO2 mín com IMC, P, Mx, Mn, OJ, CC e MM, as variáveis estatisticamente significantes foram IMC, CC e MM, em ambas as análises. O IAH e a SaO2 mín são fatores fortemente vinculados com a SAHOS, e dentre essas variáveis, as que apresentam maior comprovação na literatura de sua relação com DROS são IMC e CC7,11,18,19,21. Estes resultados confirmam os dos trabalhos citados.
Isoladamente, as medidas de cavidade oral (P, Mx, Mn e OJ) não apresentaram correlação estatisticamente significativa com o IAH e a SaO2 mín, porém quando agrupadas no MM, este mostrou correlação positiva. O cálculo do MM envolve as medidas de cavidade oral, a CC e o IMC, e talvez isso justifique o resultado encontrado, além de ressaltar a interação dos fatores envolvidos na fisiopatologia da SAHOS.
A análise de regressão linear multivariada evidenciou que a CC foi significativa na determinação do IAH, este achado, associado ao fato desta medida ter sido a única que apresentou valores crescentes conforme a gravidade da doença (com diferença estatisticamente significativa entre todos os grupos), além de ter se correlacionado com o IAH e a SaO2 mín; sustenta a importância da relação entre CC e SAHOS já descrita previamente.
Realizando a mesma análise, mas levando em consideração a SaO2 mín, a Mx é que mostrou-se significativa. A escassez de trabalhos abordando medidas diretas do esqueleto facial dificulta a comparação deste resultado com a literatura, mas ressalta o valor do dismorfismo craniofacial na SAHOS, comprovado em diversos trabalhos5,7-12.
CONCLUSÕES
1. O modelo morfométrico proposto por Kushida, Efron e Guilleminault é aplicável na prática clínica para a amostra selecionada.
2. Não foi possível estabelecer um valor de corte para distinguir os pacientes com síndrome da apnéia e hipopnéia do sono conforme a sua gravidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Burwell CD, Robin ED, Whaley RD, Bickelmann AG. Extreme obesity associated with alveolar hypoventilation: a Pickwickian syndrome. Am J Med 1956;2:811-8.
2. American Academy of Sleep Medicine Task Force. Sleep-related breathing disorders in adults: recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. Sleep 1999;22(5):667-89.
3. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Med 1993;328:1230-5.
4. Olson LG, King MT, Hensley MJ, Saunders NA. A community study of snoring and sleep-disordered breathing. Am J Respir Care Med 1995;152:711-6.
5. Arens R, Marcus CL. Pathophysiology of upper airway obstruction: a developmental perspective. Sleep 2004;27(5):997-1019.
6. Deegan PC, McNicholas WT. Predictive value of clinical features for the obstructive sleep apnea syndrome. Eur Respir 1996;J9:117-24.
7. Friedman M, Tanyeri H, La Rosa M, Vaidyanathan K, Pieri S, Caldarell D. Clinical predictors of obstructive sleep apnea. Laryngoscope 1999;109:1901-7.
8. Schellenberg JB, Greg M, Richard JS. Physical finding and the risk for obstructive sleep apnea - The importance of oropharyngeal structures. Am J Respir Crit Care Med 2000;162:740-8.
9. Zonato AI, Bittencort LRA, Martinho FL, Santos Jr JF, Gregório LC, Tufik S. Association of systematic head and neck physical examination with severity of obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome. Laryngoscope 113:973-80.
10. Lowe AA, Santamaria JD, Fleetham JA, Price C. Facial morphology and obstructive sleep apnea. Am J Orthod Dentofac Orthop 1986;90:484-91.
11. Fergunson KA, Ono T, Lowe AA, Ryan F, Fleetham JA. The relationship between obesity and craniofacial structure in obstructive sleep apnea. Chest 1995;108:375-81.
12. Li KK, Powell NB, Kushida C, Robert WR, Adornato B, Guilleminault C. A comparison of Asian and white patients with obstructive sleep apnea syndrome. Laryngoscope 1999;109:1937-40.
13. Norton PG, Dunn EV. Snoring as a risk factor for disease: an epidemiological survey. Br Med J 1985;291:630-2.
14. Sox Jr. HC. Sleep apnea - a major public health problem: N Engl J Med 1993;328:1271-3.
15. Kapur V, Blough DK, Sandblom RE, Hert R, Maine JB, Sullivan SD et al. The medical cost of undiagnosed sleep apnea. Sleep 1999;22(6):749-55.
16. Davies RJO, Ali NJ, Stradling JR. Neck circumference and other clinical features in the diagnosis of the obstructive sleep apnea syndrome. Thorax 1992;47:101-5.
17. Lattimore JD, Celermajer DS, Wilcox I. Obstructive sleep apnea and cardiovascular disease. J Am Coll Cardiol 2003;41(9):1429-37.
18. Young T, Evans L, Finn L, Palta M. Estimation of the clinically diagnosed proportion of sleep apnea syndrome on middle-aged men and women. Sleep 1997;20:705-6.
19. Viner S, Szalai JP, Hoffstein V. Are history and physical examination a good screening test for sleep apnea? Ann Intern Med 1991;115:356-9.
20. Davies RJO, Ali NJ, Stradling JR. Neck circumference and other clinical features in the diagnosis of the obstructive sleep apnea syndrome. Thorax 1992;47:101-5.
21. Rauscher H., Popp W., Zwick H. Model for investigating snorers with suspected sleep apnea. Thorax 1993;48:275-9.
22. Ross SD, Sheinhait IA, Harrison KJ, Kvasz M, Connely JE, Shea S et al. Systematic review and meta-analysis of the literature regarding the diagnosis of sleep apnea. Sleep 2000;23(4):519-32.
23. Kushida CA, Bradley E, Guilleminault C. A predictive morphometric model for obstructive sleep apnea syndrome. Ann Intern Med 1997;127(8):581-7.
1 Otorrinolaringologista e especialista em medicina do sono, pós-graduanda em nível de mestrado pela UNIFESP médica colaboradora da disciplina de ORL da FMABC.
2 Doutora em Medicina, Pneumologista e especialista em medicina do sono.
3 Doutora em medicina, otorrinolaringologista especialista em medicina do sono.
4 Doutor em Medicina, Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - UNIFESP.
Universidade Federal de São Paulo.
Endereço para correspondência: Maria Claudia Mattos Soares - R. Prof. Zoraide de Campos Helú 4 Ipiranga São Paulo SP 04265-020.
Capes.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 7 de fevereiro de 2006.
Artigo aceito em 30 de maio de 2006.