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Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 16 a 18

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Laringomalácia: experiência com tratamento cirúrgico da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Laryngomalacia: experience with surgical management in São José do Rio Preto University School of Medicine.

Autor(es): Raquel C. de Oliveira,
Fernando D. Molina,
Claudiane M. Assis,
Alexandre R. Coraçari,
José V. Maniglia

Palavras-chave: laringomalácia, malformação congênita, estridor, refluxo gastroesofágico, supraglotoplastia.

Keywords: laryngomalacia, congenital anomaly, stridor, gastroesophageal reflux, and supraglottoplasty.

Resumo:
A laringomalácia é a causa mais comum de estridor respiratório na infância, sendo a malformação congênita da laringe de maior incidência. Geralmente, associa-se a outras doenças e/ou malformações, dentre elas a doença do refluxo gastroesofágico. Sua etiologia é desconhecida e a doença normalmente é autolimitada, com resolução espontânea em cerca de 85% dos casos, no entanto, 10 a 15% dos pacientes apresentam quadro severo, com obstrução respiratória, necessitando de intervenção cirúrgica. Esse estudo de revisão avalia os resultados do Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no tratamento da laringomalácia severa, onde quinze pacientes com diagnóstico clínico e nasofibroscópico foram submetidos a supraglotoplastia unilateral e avaliação de lesões sincrônicas associadas.

Abstract:
Laryngomalacia is the most common cause of stridor and the most common congenital laryngeal anomaly in infants. Usually, it occurs in association with other abnormalities or diseases, such as gastroesophageal reflux disease. The etiology of laryngomalacia remains unknown; it's a self-limited condition that resolves without therapy on 85% of affected infants. However, surgical management is necessary in 10-15% of patients who present with severe upper airway obstruction. This study intends to review the experience with supraglottoplasty in 15 patients with severe laryngomalacia in the Department of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, Section of Pediatric Otolaryngology, São José do Rio Preto Medical School, submitted to unilateral section of aryepiglotic fold and the diagnosis of associated synchronic anomalies.

INTRODUÇÃO

A laringomalácia é a malformação mais comum da laringe e a principal causa de estridor respiratório na infância1, e acomete com maior freqüência o sexo masculino. Consiste em um colapso das estruturas supraglóticas2,3, epiglote, pregas ariepiglóticas e a mucosa aritenoidéia durante a inspiração, sendo caracterizada por um estridor inspiratório que pode estar presente logo após o nascimento, mas que comumente é notado pelos pais após alguns dias ou semanas de vida. O estridor é exacerbado por agitação, alimentação, choro ou na posição supina com flexão da cabeça e do pescoço, atenuando-se com a criança em decúbito ventral ou com extensão da cabeça e pescoço4.

Sua etiologia é desconhecida, porém, teorias apontam para uma flacidez ou incoordenação das estruturas supraglóticas, as quais colabam durante a inspiração, causando o estridor e obstrução respiratória. Essa hipotonia laríngea é provavelmente uma disfunção fisiológica que se resolve com o crescimento, em geral, em torno do 2º ano de vida. Alguns autores acreditam que a laringomalácia é uma manifestação do atraso do desenvolvimento neuromuscular5,6. O diagnóstico pode ser confirmado pelo exame endoscópico, no qual observa-se a epiglote em ômega ou tubular, pregas ariepiglóticas curtas e mucosa supraglótica redundante que durante a inspiração colabam no intróito laríngeo, sendo expelidas na expiração.

A doença normalmente é autolimitada, com um aumento da intensidade do estridor nos primeiros 6 a 9 meses, seguido pela resolução gradual ao redor dos 18 aos 24 meses de vida3,4,7. Essas crianças desenvolvem-se normalmente, sendo apenas acompanhadas clinicamente. No entanto, 10 a 15% dos pacientes apresentam estridor severo, dificuldade respiratória intensa, apnéia obstrutiva do sono, crises de cianose, incapacidade de manter adequada saturação sangüínea de oxigênio acarretando hipóxia crônica e cor pulmonale1,4,5, podendo ocorrer atraso no desenvolvimento pôndero-estatural e pneumonias de repetição. Essa pequena porcentagem dos pacientes é a que necessita de intervenção cirúrgica4.

O procedimento cirúrgico mais comumente realizado é a supraglotoplastia, que consiste na excisão de tecidos supraglóticos flácidos e/ou a secção das pregas ariepiglóticas curtas responsáveis pela obstrução respiratória, que pode ser realizado uni ou bilateralteralmente4. A traqueotomia é reservada para os casos onde há falha no tratamento anterior1 e naqueles pacientes com patologias sincrônicas na árvore respiratória.

A laringomalácia, geralmente, associa-se a outras doenças e/ou malformações, dentre elas a doença do refluxo gastroesofágico que está presente em cerca de 100% dos casos, e o seu tratamento é de fundamental importância para o controle do quadro respiratório destas crianças2,4,7,8.
Esse estudo tem como objetivo avaliar os resultados do Serviço de Otorrinolaringologia Pediátrica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no tratamento da laringomalácia severa, por meio da secção unilateral da prega ariepiglótica, bem como, avaliar a presença de patologias associadas.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de revisão de prontuários de pacientes tratados pelo serviço de Otorrinolaringologia pediátrica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, no período de janeiro de 1996 a janeiro de 2002, onde quinze pacientes formaram a amostra, todos com diagnóstico clínico e nasofibroscópico de laringomalácia severa e submetidos a tratamento cirúrgico.
As indicações cirúrgicas, basicamente, foram: a evidência clínica de obstrução respiratória severa, apnéia obstrutiva do sono, pneumonias de repetição, crises de cianose, com queda dos níveis de saturação sanguínea de oxigênio abaixo de 80% e falha no desenvolvimento.

A cirurgia inicialmente realizada foi a secção da prega ariepiglótica unilateral, da seguinte forma: paciente sob anestesia geral e entubação orotraqueal, com a exposição da laringe por meio do laringoscópio de suspensão, foi realizada a secção da prega ariepiglótica unilateral com uso da micro-tesoura ou do bisturi de alta freqüência e havendo tecido redundante na luz laríngea ou na região pós cricóide, o mesmo foi cauterizado. A seguir, realizou-se traqueoscopia e broncoscopia para pesquisa de patologias sincrônicas na árvore respiratória. Os pacientes que não evoluíram de forma satisfatória foram submetidos a secção da prega ariepiglótica contralateral, utilizando-se a mesma técnica cirúrgica, e aqueles que permaneceram com obstrução respiratória importante foram submetidos à traqueotomia.

RESULTADOS

Dos quinze pacientes que participaram deste estudo, nove eram do sexo masculino e seis do sexo feminino, sendo a idade média no momento do diagnóstico de 10,8 meses, com tempo de início dos sintomas variando desde do nascimento aos 3 meses de vida.

O tratamento cirúrgico inicialmente realizado foi a secção da prega ariepiglótica unilateral, que foi realizada em todos os casos. Dentre os quinze pacientes submetidos a este tratamento, três não tiveram uma evolução satisfatória, permaneceram com dificuldade respiratória, sendo então submetidos a secção de prega ariepiglótica contralateral. Desses três pacientes, um ainda permaneceu com obstrução respiratória e foi submetido a traqueotomia.

Evidências de refluxo gastroesofágico; regurgitação freqüente, edema, hiperemia do terço posterior da laringe e da área pós-cricóide fez-se presente em 100% da amostra, cardiopatias congênitas em 13,3% e atresia de coana unilateral em 6,66%.

DISCUSSÃO

A laringomalácia além de ser a patologia congênita mais comum da laringe, na grande maioria dos casos é autolimitada, com resolução espontânea em cerca de 85% dos casos. A melhora do quadro clínico é gradual, passando o estridor a ser notado apenas nos períodos de agitação. Embora ocorra com freqüência a associação com outras patologias, nos casos não severos, o período de resolução espontânea não é alterado6.

Os casos severos, cerca de 10 a 15% dos pacientes, devem ser tratados cirurgicamente, sendo a supraglotoplastia uni ou bilateral o procedimento mais utilizado. Esses apresentam uma obstrução respiratória importante, com crises de apnéia, cianose, atraso de crescimento, pneumonias de repetição e podem evoluir para hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Certos autores, como Bent et al., acreditam que além das manifestações da infância em decorrência das pregas ariepiglóticas curtas e do formato tubular e alongado da epiglote, na vida adulta esses indivíduos podem apresentar dificuldades respiratórias em situações de estresse físico, mais acentuado que na população normal, tendo sido diagnosticada como asma desencadeada por esforço físico ou de origem constitucional9.

Nesse trabalho, 80% dos pacientes evoluíram para um bom padrão respiratório com a secção de prega ariepiglótica unilateral e, nos casos onde fez-se necessário a cirurgia contralateral, esse índice foi de 93,5%, não evidenciando-se complicações com o ato cirúrgico. Esses resultados assemelham-se com dados da literatura, onde Kelly e Gray, 1995, relatam 94% de sucesso no tratamento de seus pacientes; Reddy e Bruce, 2001, em uma amostra de 47 crianças relatam 85% de sucesso cirúrgico com a secção de prega ariepiglótica unilateral e 95% com a secção da prega ariepiglótica contralateral, relatando complicações apenas nos pacientes submetidos à cirurgia bilateral, 2 casos de estenose supraglótica. Assim, o procedimento unilateral é vantajoso por ser rápido e apresentar menor incidência de complicações, mesmo que tenha que ser repetido.
Um fato curioso observado na amostra em estudo foi o de um paciente do sexo masculino de 2 anos, que apresentava um bom padrão respiratório, segundo a mãe, e que veio a apresentar um abscesso cervical profundo, tipo angina de Ludwig.

Necessitou de tratamento de urgência, com falha em tentativas de intubação orotraqueal, foi realizado traqueotomia. Cerca de 20 dias após a resolução do processo infeccioso e da decanulação, o menor retornou ao ambulatório com dificuldade respiratória, estridor importante e alterações laríngeas compatíveis com laringomalácia. Foi submetido a secção de prega ariepiglótica unilateral com resolução do quadro respiratório.

Outro caso interresante da nossa amostra que devemos comentar é sobre a criança de 4 anos de idade com história de obstrução respiratória e pneumonia de repetição, submetida a adenoamidalectomia em outro serviço, sem melhora clínica. Foi diagnosticado laringomalácia após nossa avaliação, sendo submetida a secção de prega ariepiglótica unilateral e tratamento cirúrgico do refluxo gastroesofágico associado, evoluindo com bom padrão respiratório.

Com relação as patologias associadas, as evidências de refluxo gastroesofágico neste estudo foram semelhantes a de outros autores; Belmont e Grundfast, 1984 encontraram sinais desta patologia em 80% de sua amostra. As cardiopatias congênitas fizeram-se presentes em 13,3% e a atresia de coana em 6,66% dos nossos casos, mostrando a necessidade de um estudo clínico minucioso destes pacientes. Outras lesões sincrônicas das vias aéreas não foram observadas na nossa amostra, apesar de serem relatadas na literatura em até 19% das crianças com laringomalácia, as principais encontradas foram cisto glótico, traqueomalácia, estenose subglótica e paralisia de prega vocal unilateral6. Assim, os pacientes que apresentam obstrução respiratória por comprometimento de vários sítios anatômicos, provavelmente, pouco se beneficiarão de procedimentos conservadores como a supraglotoplastia, fazendo-se necessário a traqueotomia9.

CONCLUSÃO

A supraglotoplastia unilateral mostrou-se um procedimento eficiente e seguro no tratamento da laringomalácia severa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Fauroux B, Pigeot J, Polkey MI, Roger G, Boulé M, Clément A, Lofaso F. Chronic Stridor Caused by Laryngomalacia in Children. Am J Respir Crit Care Med 2001;164: 1874-1878.
2. Bibi H, Khvolis E, Shoseyov D, Ohaly M, Ben Dor D, London D, Ater D. The Prevalence of Gastroesophageal Reflux in Children With Tracheomalacia and Laryngomalacia. CHEST 2001;119:409-413.
3. Shah UK, Wetmore RF. Laryngomalacia: A Proposed Classification Form. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology 1998;46:21-26.
4. Reddy DK, Matt BH. Unilateral vs Bilateral Supraglottoplasty for Severe Laryngomalacia in Children. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2001;127:694-699.
5. Belmont JR, Grundfast K. Congenital laryngeal stridor (laryngomalacia): etiologic factors and associated disorders. Ann otol Rhinol Laryngol 1984;93:430-437.
6. Olney DR, Greinwald Jr JH, Smith RJH, Bauman NM. Laryngomalacia and Its Treatment. Laryngoscope 1999;109:1770-1775.
7. Zalzal GH, Anon JB, Cotton R. T.Epiglottoplasty for the treatment of laryngomalacia. Ann Ool Rhinol laryngol 1987;96:72-76.
8. Yellon RF, Goldberg H. Update on Gastroesophageal Reflux disease in Pediatric Airway Disorders. The American Journal of Medicine 2001;111:78-74.
9. Cotton RT, Myer CM et al. Practical Pediatric Otolaryngology. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott-Raven Publishers; 1999. 30:497-537.




Residente do 3º ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
Médico Responsável pelo Serviço de Otorrinopediatria do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
Residente do 3º ano do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Clínica Maniglia.
Residente do 2º ano do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.
Diretor geral da FAMERP e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FAMERP.

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.
Endereço para correspondência: Claudiane Mozer de Assis - Rua Ondina nº 45, Redentora 15015-200 São José do Rio Preto, São Paulo - Tel/fax (0xx17)235.3366 - E-mail: clauorl@yahoo.com.br.

Trabalho apresentado no 35º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, 16 a 20 de outubro, Natal, RN.

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