Versão Inglês

Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (14º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 776 a 783

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Qualidade de vida em pacientes com vertigem posicional paroxística benigna e/ou doença de Ménière

Quality of life in patients with benign paroxysmal positional vertigo and/or Ménière's disease

Autor(es): Patrícia Rumi Handa1, Ana Maria Baccari Kuhn2, Fabiana Cunha3, Ricardo Schaffleln4, Fernando Freitas Ganança5

Palavras-chave: qualidade de vida, vertigem, doença de Ménière, atividades cotidianas, questionários.

Keywords: quality of life, vertigo, Ménière's disease, activities of daily living.

Resumo:
Pacientes com vertigem posicional paroxística benigna e/ou doença de Ménière relatam prejuízos na qualidade de vida. Objetivo: Comparar o impacto da tontura na qualidade de vida destes pacientes e avaliar a influência do gênero, faixa etária e canal semicircular afetado. Forma de estudo: clínico com coorte transversal. Material e Método: Estudo prospectivo realizado na Universidade Federal de São Paulo, em 2003/04. O Dizziness Handicap Inventory foi aplicado em 70 pacientes com vertigem posicional, 70 com doença de Ménière e 15 com ambas. Utilizou-se o teste de igualdade de duas proporções e a análise de variância para a avaliação estatística. Resultados: Os escores obtidos com a aplicação do questionário foram superiores, na crise e fora dela, no grupo com doença de Ménière, em relação ao com vertigem posicional, mas apenas na crise em relação ao grupo com associação (p<0,05). Não houve correlação com a faixa etária, gênero e nos casos de vertigem posicional, com o acometimento do canal semicircular. Conclusões: Os pacientes com doença de Ménière apresentaram pior qualidade de vida, na crise e fora dela, em relação aos com vertigem posicional paroxística benigna e aos com associação de ambas labirintopatias, quando na crise da vertigem posicional. O prejuízo da qualidade de vida foi independente do gênero, da faixa etária e nos casos com vertigem posicional, do canal semicircular acometido.

Abstract:
Patients with benign paroxysmal positional vertigo and/or Ménière's disease relate damages in quality of life. Aim: To compare the impact of dizziness on quality of life, in patients with benign paroxysmal positional vertigo and/or Ménière's disease, in crisis and out of crisis, and to evaluate the influence of gender, age and impaired semicircular canal. Study design: clinical with transversal cohort. Material and Method: The prospective study was realized in 2003/04 at Federal University of São Paulo. The Dizziness Handicap Inventory was applied in seventy patients with positional vertigo, seventy with Ménière's disease and fifteen with both. Two-proportion equality test and the Analysis of variance were employed in this study. Results: When comparing the groups, Dizziness Handicap Inventory results evidenced higher averages in crisis and out of crisis for Ménière's disease group than for positional vertigo group. The same occurred only during the crisis period in the group when comparing with both disorders (p<0,05). No significant statistical differences were observed, when comparing the results considering age, gender and, in the group with positional vertigo, affection of posterior semicircular canal as variables. Conclusions: Ménière's disease patients presented worse quality of life when compared to BPPV patients, in and out of crisis, and during the crisis when regarding the patients with association of both disorders. The damage on quality of life was independent of gender, age and in the BPPV cases it was independent of posterior canal affection.

INTRODUÇÃO

A tontura é um dos sintomas mais comuns no mundo, atingindo ambos os sexos e tendo maior prevalência em adultos, especialmente idosos¹. A vertigem é o tipo mais freqüente de tontura, caracterizada como sensação de desorientação espacial do tipo rotatório².

Há diversos quadros clínicos otoneurológicos característicos que podem ser encontrados em pacientes com vertigem e outros tipos de tontura. Ganança et al.3 referiram que as duas labirintopatias mais prevalentes são a vertigem posicional paroxística benigna (VPPB), correspondendo a 19,0% dos casos e a hidropisia endolinfática, incluindo a doença de Ménière (DM) que acomete 17,7% dos pacientes com tontura.

AVPPB é caracterizada pelo aparecimento de tontura rotatória desencadeada em determinadas posições que a cabeça assume no espaço, como na realização da hiperextensão cervical, rotação lateral do segmento cefálico e quando o paciente se levanta e/ou se deita na cama. Esta tontura costuma ser intensa e rápida, com duração menor que um minuto, podendo provocar desequilíbrio e quedas4.

O caráter recorrente das manifestações clínicas da VPPB freqüentemente provoca restrição da movimentação cefálica, com o intuito de diminuir o aparecimento e a intensidade das crises vertiginosas. A perturbação do equilíbrio corporal aliada a esta atitude de limitação dos movimentos pode comprometer o desempenho de atividades diárias, escolares, profissionais e sociais. Além disso, alterações emocionais decorrentes da tontura podem contribuir para a deterioração da qualidade de vida (QV) destes pacientes5.

A DM é caracterizada por crises vertiginosas recorrentes, com duração que varia de 4 a 72 horas, perda auditiva, zumbido e plenitude aural6. A perturbação da orientação espacial pode ser intensa e, geralmente, é acompanhada de instabilidade corporal, desvio da marcha e perda do equilíbrio, além de sintomas neurovegetativos que incluem mal-estar, sudorese, taquicardia, palidez, micção e/ou defecação espontâneas1.

O desconforto gerado pelos sintomas da DM pode alterar de forma relevante e duradoura a capacidade de realizar as tarefas do dia-a-dia. O caráter flutuante deste distúrbio labiríntico, a progressão da lesão com o decorrer da evolução clínica, a imprevisibilidade de futuras crises vertiginosas e as alterações emocionais, determinam a piora na QV destes pacientes7.

Alguns pacientes apresentam o diagnóstico simultâneo de VPPB e DM8-10. A associação destes distúrbios labirínticos no mesmo indivíduo poderia provocar potencialização dos efeitos deletérios da tontura na QV. Alguns autores8observaram que os pacientes com DM associada à VPPB não responderam às manobras terapêuticas. Nestes casos, repetidas distensões do labirinto membranoso causadas pela hipertensão endolinfática provocariam um colapso do mesmo, ou facilitariam à adesão de partículas, o que impediria sua remoção dos canais semicirculares.

Pacientes com VPPB apresentam pior ou melhor QV do que os com DM? E a associação de ambas labirintopatias implica em maior prejuízo na QV? O prejuízo na QV pode ser influenciado pelo gênero ou pela faixa etária?

A interferência da tontura na QV pode ser avaliada por intermédio de questionários validados. Entre os instrumentos existentes, destaca-se o Dizziness Handicap Inventory (DHI)11 que avalia a autopercepção dos efeitos incapacitantes impostos pela tontura. Nesta perspectiva, foi realizado um estudo de tradução, adaptação cultural e avaliação da reprodutibilidade do DHI, a fim de permitir sua aplicação, de forma confiável, na população brasileira. O questionário obtido com esta pesquisa foi denominado DHI brasileiro12.

Não foram encontrados na literatura científica pertinente estudos nos quais se tenha comparado a QV entre os pacientes com VPPB e DM e a possível influência do gênero, da faixa etária e, nos casos de VPPB, do acometimento do canal semicircular.

Assim, este trabalho tem como objetivos comparar o prejuízo ocasionado pela tontura na QV dos pacientes com VPPB e/ou DM, tanto na crise quanto fora da crise, os aspectos mais comprometidos e avaliar a influência do gênero, da faixa etária e do canal semicircular afetado na VPPB.

MATERIAL E MÉTODO

Trata-se de um estudo de série prospectivo, realizado sob supervisão da Disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. O Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP/ Hospital São Paulo analisou e aprovou esta pesquisa, cujo número de protocolo é 1491/03.

Foram incluídos nesta pesquisa 155 pacientes que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, sendo que 70 apresentaram VPPB, 70 DM e 15 associação de ambas.

Em relação à VPPB, incluíram-se os pacientes que na crise apresentaram vertigem de posicionamento acompanhada de nistagmo com duração limitada, latência e fatigabilidade à repetição do teste de Dix-Hallpike13. Os pacientes com VPPB foram classificados quanto ao canal semicircular acometido, de acordo com as características do nistagmo14.

Os critérios de exclusão foram sinais e sintomas de comprometimento central e auditivo (exceto os casos de presbiacusia), alteração da coluna vertebral ou pescoço, que impedissem a realização da manobra diagnóstica ou terapêutica, pacientes que apresentaram apenas vertigem à realização da manobra diagnóstica e uso de medicamentos que pudessem interferir no sistema vestibular.

O diagnóstico clínico de DM foi estabelecido nos pacientes que apresentaram episódios espontâneos e recorrentes de vertigem, perda auditiva neurossensorial, zumbido e plenitude aural, segundo os critérios diagnósticos para DM estabelecidos pelo Comitê em Audição e Equilíbrio da Academia Americana de Otorrinolaringologia em 199515.

Os pacientes que apresentaram o diagnóstico clínico associado de VPPB e DM foram incluídos, independente da ordem de instalação do quadro, seguindo os mesmos critérios citados anteriormente. Pacientes com outros distúrbios otoneurológicos não participaram desta pesquisa.

Ressalta-se, ainda, que estes pacientes já estiveram em tratamento medicamentoso com antivertiginosos em pelo menos algum momento de suas evoluções clínicas.

Os pacientes foram submetidos à anamnese, exame físico otorrinolaringológico e avaliação otoneurológica constituída de avaliação audiológica, imitanciometria e vectoeletronistagmografia. A eletrococleografia também foi realizada em alguns pacientes com hipótese diagnóstica de DM. Todos os pacientes foram caracterizados quanto ao gênero (feminino e masculino) e faixa etária (menor que 41 anos, de 41 a 60 e maior que 60 anos).

O instrumento de avaliação da interferência da tontura na QV foi o DHI brasileiro aplicado na forma de entrevista para cada paciente. Este questionário é composto por vinte e cinco questões com as seguintes opções de respostas: "sim", "não" ou "às vezes". Para cada resposta afirmativa pontuou-se quatro pontos, para cada negativa, zero ponto e para cada resposta "às vezes", contou-se dois pontos. O total máximo é de cem pontos, sendo que quanto maior a pontuação, maior a interferência da tontura na QV do paciente.

As questões são divididas em domínios, o que permite que diferentes aspectos de vida sejam avaliados. Sendo assim, existem 7 questões que avaliam os aspectos físicos, 9 os aspectos emocionais e 9 os funcionais.

Em se tratando da VPPB, os pacientes encontravam-se inicialmente no período de crise, isto é, com presença de vertigem de posicionamento e nistagmo com duração limitada, latência e fatigabilidade à repetição do teste de Dix-Hallpike. Todos retornaram para reavaliação após uma semana do dia da realização da(s) manobra(s) até que o paciente não apresentasse mais vertigem e nistagmo de posicionamento. O DHI foi aplicado no período de crise e também no pós-crise, no qual o paciente não apresentava mais o nistagmo de posicionamento, após as manobras necessárias de reposição dos estatocônios.

O DHI brasileiro foi aplicado aos pacientes com DM que, no momento, encontravam-se no período fora da crise da doença, ou seja, não apresentavam necessariamente todos os sintomas característicos, com melhora parcial ou total da doença. Em relação ao período de crise, foi solicitado aos mesmos reportarem-se a esta fase para a aplicação do questionário.

Os pacientes que apresentavam a associação de VPPB e DM responderam ao questionário que foi aplicado, inicialmente, no período da crise da VPPB. O DHI também foi aplicado após as manobras de reposicionamento dos estatocônios, com o desaparecimento do nistagmo de posicionamento característico da VPPB.

Não foi possível avaliar a QV, no período de crise da DM, dos pacientes com a associação de VPPB e DM, pois os pacientes referiram muita dificuldade em distinguir quais os aspectos mais prejudicados pela tontura da VPPB e/ou da DM.

Quanto à análise estatística, foram utilizadas as seguintes técnicas: Analysis of Variance (ANOVA), envolvendo variáveis quantitativas, e o Teste de Igualdade de Duas Proporções, para variáveis qualitativas.

Na comparação dos aspectos físicos, funcionais e emocionais, nas situações de crise e fora de crise, foi feita, inicialmente, a ponderação pelo número de questões avaliadas em cada aspecto: físico - 7 questões, emocional - 9 questões e funcional - 9 questões e, em seguida, aplicou-se o teste ANOVA.

A ANOVA foi utilizada na análise do DHI brasileiro, verificando a possível influência do gênero, da faixa etária e do canal semicircular afetado nos pacientes com VPPB.

RESULTADOS

Nos pacientes com VPPB, DM e a associação de VPPB e DM a idade variou, respectivamente, de 14 a 82, de 22 a 80 e de 46 a 80 anos. Na classificação por faixas etárias, 50,0% dos pacientes com DM e 60,0% com associação das duas labirintopatias apresentaram de 41 a 60 anos de idade e 54,3% dos pacientes do grupo de VPPB com mais de 60 anos.

Em todos os grupos, aproximadamente 70,0% dos pacientes eram do gênero feminino.

Quanto ao acometimento do canal semicircular nos pacientes com VPPB, 3 (4,3%) pacientes apresentaram o canal lateral, 4 (5,7%) o anterior, 62 (88,6%) o posterior e apenas 1 (1,4%) paciente apresentou os canais lateral e posterior afetados. Nos casos com VPPB e DM associadas, 2 (13,3%) apresentaram o canal lateral afetado, 1 (6,7%) o anterior e 12 (80,0%) o posterior. Nenhum paciente deste grupo apresentou mais de um canal semicircular acometido.

Os resultados obtidos à aplicação do DHI brasileiro foram superiores na crise, em relação ao período fora da crise, em todos os aspectos do questionário, com diferença estatisticamente significante (p<0,05) nos três grupos do estudo.

Ao se comparar a QV entre os grupos com VPPB e DM isoladas, averiguou-se que em todos os aspectos, tanto na crise como fora da crise, existiu uma diferença estatística significante entre os grupos (Tabela 1). Nos dois momentos, verificou-se que a média do grupo com DM foi sempre maior que a do grupo com VPPB.

No entanto, ao se comparar o grupo com VPPB e associação, observou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre as médias dos valores dos aspectos físicos, emocionais, funcionais e do escore total, na crise e fora da crise (Tabela 2).

Na comparação dos pacientes com DM e associação de VPPB e DM, verificou-se que somente na situação de crise existiu diferença estatisticamente significante, nos aspectos emocionais, funcionais e nos escores totais, indicando escores mais elevados no grupo com apenas DM (Tabela 3).

Quanto aos aspectos avaliados pelo DHI brasileiro no grupo com VPPB, a diferença estatística (p<0,05) também esteve presente entre os mesmos no período de crise, sendo o aspecto físico o mais alterado, seguido do funcional e, por último, o emocional. Fora da crise, não houve diferença estatisticamente significante entre os três aspectos (p = 0,685).

No grupo com DM, os aspectos físicos e funcionais apresentaram escores mais elevados, na crise, não havendo diferença estatisticamente significante entre ambos (p=0,643). No grupo com VPPB e DM associadas, o aspecto físico foi o mais alterado na crise (p<0,05). Neste grupo, não houve diferença estatisticamente significante entre os aspectos emocionais e funcionais (p=0,341). Fora da crise, no grupo com DM, não houve diferença estatística significante entre os aspectos (p = 0,447). O mesmo foi observado no grupo com VPPB e DM fora da crise (p = 0,837).

Ao se correlacionar os escores dos aspectos físicos, emocionais, funcionais e totais do DHI brasileiro, com o gênero e faixa etária dos pacientes, não foi observada diferença média estatisticamente significante em nenhum dos grupos estudados, nos períodos de crise e fora de crise.

Na comparação dos resultados do DHI brasileiro dos grupos com VPPB e associação de VPPB e DM, ambos com acometimento do canal semicircular posterior, verificou-se que não existiu diferença estatisticamente significante entre os grupos, tanto na crise como fora da crise. A mesma análise não foi realizada em relação aos demais canais semicirculares (superior e lateral), pois a amostra não foi suficiente, não sendo possível a comparação do prejuízo da tontura na QV entre os diferentes canais acometidos.





DISCUSSÃO

A tontura é um dos mais importantes sintomas com influência negativa no bem-estar de indivíduos de ambos os sexos e de diferentes faixas etárias. Está presente em diversas afecções do sistema vestibular, entre elas a VPPB e a DM, consideradas as mais prevalentes em vários estudos9-10,16, o que culminou na investigação atual.

O DHI brasileiro foi o instrumento escolhido para se determinar os efeitos deletérios provocados pela tontura na população estudada, por se tratar de um questionário específico e único, traduzido e adaptado para a população brasileira, sendo de fácil aplicação e compreensão.

Os achados do DHI brasileiro nos três grupos foram superiores no período de crise, pois é neste momento que há uma exacerbação da tontura. O prejuízo na QV verificado também no período fora da crise, em grande parte dos pacientes estudados, mostra o caráter limitante da VPPB, da DM e da associação de ambas.

Nos pacientes com VPPB isolada, constatou-se melhora da QV dos mesmos, após a manobra de reposicionamento dos estatocônios, mostrando a efetividade desta opção terapêutica. Resultados semelhantes também foram encontrados em outras pesquisas5,17-18 que utilizaram o DHI-S e o DHI brasileiro como instrumentos de avaliação.

Na comparação dos escores do questionário durante a crise da VPPB isolada, os aspectos físicos foram os mais alterados, seguidos, em ordem decrescente, dos funcionais e emocionais. Estes achados estão parcialmente de acordo com outro estudo sobre a VPPB19, que observou prejuízos mais acentuados dos aspectos físicos e funcionais. Com o tratamento instituído não se verificou diferença estatisticamente significante entre os aspectos fora da crise, evidenciando que a melhora na QV foi obtida em todos os aspectos investigados pelo DHI brasileiro.

O caráter passageiro da tontura da VPPB e as situações nas quais este sintoma ocorre poderiam justificar o maior comprometimento dos aspectos físicos avaliados pelo DHI brasileiro. Passada a crise, que tem duração de segundos, os pacientes relataram realizar suas tarefas do dia-a-dia. Este fato poderia explicar porque os aspectos físicos foram mais comprometidos que os funcionais.

O aspecto emocional foi o menos prejudicado, pois alterações neste quesito costumam ser decorrentes de limitações físicas e incapacidades funcionais mais duradouras provocadas pela tontura, nos âmbitos profissional, social e familiar.

Na DM isolada, o DHI brasileiro foi aplicado no período fora da crise, solicitando aos pacientes que se reportassem inicialmente a este momento e, posteriormente à crise, pois nem todos os pacientes com DM apresentaram crise no decorrer desta pesquisa.

Verificou-se, ainda, que o prejuízo foi maior nos aspectos físicos e funcionais, estando em concordância com outro estudo sobre a DM20. Os danos decorrentes da tontura na DM, especialmente nestes dois aspectos, podem ser explicadas pelo caráter crônico desta doença, com manifestações clínicas flutuantes, recorrentes e duradouras, que podem comprometer não só as capacidades físicas, mas também as atividades dos indivíduos.

Na associação da VPPB e DM, o aspecto mais prejudicado na situação de crise foi o físico. Este resultado também era esperado, já que, neste grupo, os pacientes foram avaliados no período de crise da VPPB.

A aplicação do DHI brasileiro na população estudada mostrou que a tontura teve influência danosa na QV dos pacientes, em todas as dimensões da vida diária.

A avaliação dos aspectos físicos permitiu verificar a relação entre os movimentos dos olhos, da cabeça e do corpo com o aparecimento ou piora da tontura.

O aspecto emocional possibilitou avaliar a presença de frustração, medo de sair desacompanhado ou de ficar em casa sozinho, vergonha das manifestações clínicas da doença, preocupação quanto à auto-imagem, dificuldade de concentração, sensação de incapacidade, depressão e problemas de relacionamento familiar e social nos pacientes com tontura.

No estudo de Grimby, Rosenhall21, os sujeitos com tontura relataram com mais freqüência problemas de memória, ansiedade, de desordem do pânico e agorafobia, do que os sujeitos sem tontura. Outros estudos relataram a forte correlação da tontura com alterações emocionais. Vários autores22,23 salientaram o medo de novos ataques de vertigem, o incremento da angústia e fobias como decorrentes das labirintopatias.

O aspecto funcional permitiu constatar prejuízos no desempenho das atividades profissionais, domésticas, sociais, de lazer, além de avaliar a dependência para realização de determinadas tarefas, como caminhar com ajuda e dificuldades para andar pela casa no escuro.

Na correlação dos dados do DHI brasileiro com os diferentes quadros clínicos deste estudo, os resultados mostraram que os pacientes DM isolada, nas situações de crise e fora da crise, apresentaram médias estatísticas maiores em comparação aos pacientes com VPPB, indicando pior QV devido à tontura.

Nos casos de VPPB, a melhora significativa da tontura e a diminuição das incapacidades causadas pela mesma, nestes pacientes, deve-se ao caráter benigno da vertigem posicional, à aplicação do tratamento adequado, além da sua possível remissão espontânea4.

A DM, por sua vez, apresenta maior variabilidade de agentes desencadeantes, agravantes e de manifestações clínicas, que podem ser mais persistentes e flutuantes, necessitando de tratamentos mais prolongados e, por vezes, da associação das várias opções terapêuticas disponíveis - medicamentos, reeducação alimentar, reabilitação vestibular, psicoterapia e procedimentos cirúrgicos6.

A associação da VPPB com a DM pode influenciar nos resultados do tratamento da VPPB, piorando as respostas terapêuticas às manobras de reposição dos estatocônios8.

Apesar disso, os resultados apontaram que a VPPB, em associação à DM, não influenciou na QV, quando comparada aos que apresentavam VPPB isolada, nos períodos de crise e fora da crise. Este achado mostrou que a sintomatologia da DM fora da crise não foi suficientemente intensa para agravar os prejuízos na QV nos pacientes com ambas as labirintopatias.

Ainda neste estudo, ao se comparar o período de crise dos pacientes com DM, com o período de crise da VPPB nos pacientes com ambas as disfunções vestibulares, averiguou-se que a QV foi mais prejudicada no grupo da DM isolada. Tal achado pode ser justificado pelo fato dos pacientes com ambas as labirintopatias terem sido avaliados no período de crise da VPPB, porém na fase intercrítica da DM.

Não foram encontrados na literatura estudos comparando os resultados do DHI, aplicados nos períodos de crise e fora da crise, em pacientes com VPPB e DM associadas, impedindo o confronto dos achados obtidos nesta pesquisa.

Na correlação dos resultados do DHI brasileiro com o gênero, não houve influência desta variável, nos três grupos, indicando que o sexo não foi relevante no impacto da tontura na QV. O mesmo achado também foi constatado em outros estudos sobre DM20,24 e VPPB25. Contudo, ao correlacionar os dados do DHI com os resultados da posturografia dinâmica computadorizada em pacientes com vestibulopatias em geral, as mulheres tiveram um escore mais alto em todas as subescalas do DHI26.

Ao se correlacionar os resultados do DHI brasileiro com a idade, averiguou-se, neste estudo, que não houve influência das faixas etárias nos prejuízos da tontura na QV na crise e fora da crise.

A idade também não influenciou nos resultados da aplicação deste questionário no estudo da QV na DM20e na VPPB25. Apesar do envelhecimento nos sistemas relacionados ao equilíbrio corporal, da maior possibilidade de doenças crônico-degenerativas e da utilização de múltiplos medicamentos, entre outros fatores, que podem favorecer o aparecimento da tontura ou agravar a intensidade da mesma12, o impacto da tontura na QV ocorreu em todas as faixas etárias estudadas, sem diferença significante.

Quanto ao acometimento do canal semicircular posterior, nos pacientes com VPPB e associação das duas disfunções vestibulares, não houve diferença dos prejuízos na QV entre os dois grupos, indicando que as manifestações clínicas no período intercrítico da DM não foram acentuadas o bastante para agravar os prejuízos na QV dos pacientes com a associação.

Não foram encontradas evidências científicas referentes aos canais semicirculares dos pacientes com VPPB associada à DM, relacionando-os aos resultados obtidos à aplicação do DHI brasileiro.

Estudos com o DHI brasileiro ou outros questionários, específicos ou inespecíficos, devem ser desenvolvidos com o intuito de ampliar o conhecimento da auto-percepção dos prejuízos ocasionados pela tontura, em pacientes com VPPB e/ou DM, tanto no período de crise como fora da crise, verificando, por exemplo, a evolução clínica de pacientes submetidos às diversas opções terapêuticas disponíveis.

CONCLUSÕES

1. Os pacientes com VPPB, DM e associação apresentaram a QV prejudicada devido à tontura, em relação aos aspectos físicos, funcionais e emocionais, avaliados pelo DHI brasileiro, nos períodos de crise e fora da crise, sendo que o prejuízo da QV foi sempre maior no período de crise.

2. Os pacientes com DM apresentaram pior QV devido à tontura, quando comparados aos com VPPB, em todos os aspectos, e em relação à associação somente nos aspectos funcionais e emocionais no período de crise da VPPB.

3. Os aspectos físicos foram os mais comprometidos nos grupos com VPPB e associação, enquanto que os físicos e funcionais na DM.

4. O prejuízo da QV foi independente do gênero, da faixa etária e, nos casos de VPPB e associação, não houve influência do canal semicircular posterior.

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1 Fonoaudióloga, Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana,
da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Psicóloga, Psicanalista, Professora Associado Livre-Docente, Chefe do Setor de Otoneuropsicologia do Departamento de Otorrinolaringologia e
Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
3 Fonoaudióloga, Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de
Cabeça e Pescoço, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
4 Otorrinolaringologista, Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia
de Cabeça e Pescoço, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
5 Médico Otorrinolaringologista Doutor em Medicina pela UNIFESP - EPM, Professor Afiliado da Disciplina de Otoneurologia da UNIFESP - EPM.
Disciplina de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Endereço para correspondência: Patrícia Rumi Handa - Rua dos Otonis 700 Vila Clementino 04025-001 São Paulo.
E-mail: otoneuro@unifesp.epm.br
Artigo recebido em 19 de maio de 2005. Artigo aceito em 21 de agosto de 2005.

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