Versão Inglês

Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (17º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 660 a 667

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Telemetria de resposta neural intra-operatória em usuários de implante coclear

Neural response telemetry measures in patients implanted with Nucleus 24®

Autor(es): Mariana Cardoso Guedes1,Rubens V. Brito Neto2,Maria Valéria S. Goffi Gomez3, Sandra B. Giorgi Sant'Anna4,Cristina G. Ornelas Peralta5,Arthur Menino Castilho6, Ricardo Ferreira Bento7

Palavras-chave: implante coclear, potencial de ação composto, estimulação elétrica, medidas objetivas.

Keywords: cochlear implant, compound action potential, electrical stimulation, objective measure.

Resumo:
A possibilidade de realizar o implante coclear em crianças pequenas torna necessário o uso de medidas objetivas para auxiliar a programação do processador de fala. Telemetria é a propriedade que permite, no Nucleus 24®, a obtenção do potencial de ação composto evocado do VIII par (EAP) utilizando o implante como instrumento de estimulação e gravação para o estudo das propriedades neurais remanescentes. Objetivo: Descrever a utilização do sistema de telemetria para a gravação do EAP, caracterizando as respostas obtidas e a sua prevalência na condição intraoperatória. Forma de estudo: clínico com coorte transversal. Material e Método: Medidas das impedâncias dos eletrodos e do EAP em um grupo de 17 indivíduos usuários do implante Nucleus 24® durante a cirurgia. Análise das respostas de acordo com a etiologia, o tempo de duração da surdez e a posição dos eletrodos dentro da cóclea. Resultados: Maior prevalência nos eletrodos apicais e limiares mais elevados nos casos de meningite e otosclerose. Conclusão: A telemetria é eficiente para a verificação da integridade dos eletrodos na condição intraoperatória e para a gravação do EAP, apresentando alta prevalência na população estudada.

Abstract:
Cochlear implantation has been recommended for children under 24 months of age. The use of objective measures is needed to help speech processor programming. The electrically evoked compound potential (EAP), which can be assessed by neural response telemetry (NRT), is one of those objective measures. Aim: to determine how often the EAP can be recorded by NRT system during surgery and to describe the responses. Study design: clinical with transversal cohort. Material and Method: the impedances and NRT were measured in a group of 17 Nucleus 24 ® implant users. The responses were analyzed and compared to the etiology, hearing loss duration and electrode array position. Results: The EAP was easily recorded in the apical electrodes and, in otosclerosis and meningitis cases the EAP threshold was higher than in the other etiology cases. Conclusions: The NRT can be found in 82% of the cases during surgery. The responses obtained may vary according to etiology and the position of electrodes along the cochlea.

Introdução

O implante coclear é o tratamento padrão de escolha para a surdez severa e profunda sensorioneural bilateral1 e requer uma programação de cada eletrodo para que se obtenha níveis apropriados de estimulação elétrica. Essa programação é colocada no processador de fala do paciente, que determina a maneira pelo qual o som é analisado e codificado por uma estratégia de codificação de fala2. A unidade de estimulação utilizada para a programação dos eletrodos é arbitrária e denominada "unidades de corrente" (UC) e varia de 1 a 255, correspondendo aproximadamente a 0.01mA e 1.75mA, respectivamente. Um dos principais desafios no caso de implante em crianças muito pequenas consiste no acompanhamento pós-operatório, especialmente no estabelecimento dos níveis de corrente para a estimulação que irão determinar a programação do processador de fala3.

O sucesso do paciente e a sua satisfação com o implante são altamente dependentes da adequação do programa no processador de fala, pois é esse mapa que determina a quantidade de som e com quais características serão codificadas. Porém, em crianças pequenas esse tipo de procedimento exige atenção e consome tempo, já que elas não são capazes de especificar voluntariamente a sensação auditiva gerada pela estimulação elétrica; podendo ser desgastante para a criança e para a própria família. Nestes casos, a obtenção dos limiares comportamentais fica limitada e as respostas podem ser inconsistentes, refletindo níveis de percepção e de desconforto inadequados. A dificuldade pode ser maior ainda em crianças com perdas auditivas congênitas e em pacientes com múltiplas deficiências, devido à falta de conhecimento e familiaridade com os padrões sonoros, tempo de atenção reduzido e sem as habilidades lingüísticas e cognitivas necessárias para tal tarefa4.

Dessa forma, medidas objetivas vêm sendo estudadas e realizadas com o intuito de predizer os níveis de estimulação para a construção dos primeiros mapas e também para a verificação da integridade de todo o sistema. É natural que esses níveis sofram pequenas mudanças ao longo do tempo, devendo ser complementados e ajustados com as medidas psicoacústicas conforme aumenta a capacidade do indivíduo em detectar, reconhecer e responder de forma consistente ao estímulo sonoro 3.

Existem muitos meios para a obtenção de medidas objetivas do nervo auditivo em usuários de implante coclear a partir da estimulação elétrica no sistema auditivo, como a audiometria de tronco cerebral evocada eletricamente (EABR), as respostas de média latência e os potenciais tardios (P300 e Mismatch Negativity) e a pesquisa do Reflexo Estapediano, muitos deles utilizados para monitorar a evolução do paciente ou ainda na tentativa de estabelecer um prognóstico do sucesso do indivíduo5-8.

A medida da atividade do nervo auditivo mais utilizada recentemente em usuários de implante coclear é o Potencial de Ação Composto Evocado Eletricamente (EAP, do inglês evoked action potential). O EAP é tipicamente formado por um pico negativo (N1) com latência aproximada entre 0.2ms a 0.4ms, seguido de um pico positivo (P1). A amplitude da resposta (medida entre N1 e P2) varia conforme o aumento da intensidade do estímulo e é medida em mV.

Os limiares do EAP podem ser úteis para predizer os níveis mínimos e máximos que deverão ser utilizados no mapeamento dos eletrodos para a programação do processador de fala, facilitando esse processo nas crianças e determinando os parâmetros de estimulação que irão resultar numa programação com níveis mais adequados, podendo melhorar a performance do indivíduo6,9. Os limiares do EAP podem ser usados para estimar os níveis elétricos, porém não podem predizer os valores exatos das medidas psicofísicas.

O EAP é facilmente gravado devido às características do implante coclear multicanal Nucleus 24® (CI24) e da existência de um software específico (sistema de telemetrias). A telemetria é um mecanismo de captação de eventos à distância, no qual o primeiro sistema pode ser usado para medir as impedâncias de cada eletrodo, monitorando a adequação dos geradores de corrente elétrica. O segundo sistema, a Telemetria de Resposta Neural (NRT), é o método que possibilita a captação do potencial de ação da porção distal do nervo auditivo em pacientes usuários do implante CI24, utilizando o próprio implante para eliciar o estímulo e gravar as respostas.

A série de eletrodos intracocleares do CI24 é composta de 22 bandas de eletrodos, numerados de 1 a 22, sendo o 22 o mais apical. Além desses eletrodos intracocleares, o CI24 apresenta dois eletrodos extracocleares (MP1 e MP2) que permitem uma estimulação monopolar, possibilitando, assim, que o eletrodo MP1 forme o par para eliciar o estímulo e o outro, MP2, forme o par para gravar as respostas do nervo auditivo10.

A impedância está relacionada às resistências características do fluido e do tecido que envolve a cadeia de eletrodos e é um dos fatores que determina o consumo de energia do sistema de implante coclear11,12. A telemetria de impedâncias deve sempre ser realizada antes da telemetria de respostas neural a fim de confirmar o funcionamento adequado do receptor e do estimulador e de verificar a existência de circuito aberto ou curto circuito nos eletrodos intracocleares a partir da medida da resistência elétrica dos mesmos10.

O uso do sistema da telemetria é recomendado na condição intraoperatória a fim de verificar não só a integridade da cadeia de eletrodos após a inserção na cóclea, mas também porque a sedação permite o uso de correntes com intensidades mais elevadas sem causar desconforto ao paciente, aumentando a chance de captação de respostas7. Os valores de NRT encontrados na condição intra-operatória já poderiam, portanto, ser utilizados na construção dos primeiros mapas3.

Importantes correlações entre os níveis de respostas obtidos com a NRT e os níveis obtidos pelo método comportamental vêm sendo estudadas, com a finalidade de utilizar os dados de medidas objetivas para a programação e mapeamento dos eletrodos4,8,9,13-15.

Dessa maneira, os limiares do EAP poderiam ser utilizados nos casos de pacientes que não conseguem determinar com precisão os níveis mínimos de resposta (níveis "T") por meio do método comportamental, por representarem uma intensidade acima do limiar. Portanto, ao estipular os níveis T próximos dos valores obtidos pelo EAP, haveria a garantia de estímulos audíveis e confortáveis8. Além disso, o valor da inclinação da curva de crescimento de amplitude (função I/O) pode fornecer dados sobre o campo dinâmico do paciente. A vantagem de utilizar as medidas objetivas na construção do mapa é a de que são necessárias para o ajuste final do programa apenas duas medidas de percepção de loudness (sensação de intensidade), enquanto no método tradicional o paciente precisa julgar 44 medidas, o que se torna muito cansativo, podendo interferir na performance14,15.

O objetivo do presente estudo foi descrever e caracterizar as respostas intraoperatórias do potencial de ação do nervo auditivo obtidas pelo método da telemetria de resposta neural (NRT), bem como a sua prevalência, em usuários do implante coclear Nucleus 24K®.

Material e Método

Casuística


Foram incluídos neste estudo 54 indivíduos usuários do implante coclear Nucleus® (Cochlear Corporation), implantados sucessivamente pelo Grupo de Implante Coclear da Disciplina da Otorrinolaringologia da Divisão de Clínica de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) entre janeiro e dezembro de 2003.

Dos 56 indivíduos estudados, 29 eram do sexo feminino e de 25 do sexo masculino, com idade variando entre 2 e 63 anos (média de 26 anos). O tempo de surdez variou de 1 a 35 anos (média de 8,7 anos), sendo que 48% dos indivíduos apresentavam até 5 anos de surdez; 28% apresentavam de 5 a 10 anos de surdez; 13%, de 10 a 15 anos e 11% apresentavam mais de 15 anos de surdez. Em relação à etiologia, a meningite foi determinante em 30% dos casos; a surdez congênita em 31%; a surdez progressiva (otosclerose coclear, deficiências auditivas de caráter hereditário e causas idiopáticas) em 26% e as causas súbitas em 7% dos casos (Tabela 1).

Procedimento

A gravação do potencial de ação (EAP) foi realizada através do software NRT 3.0, instalado em um microcomputador portátil acoplado à interface de programação portátil (PPS, do inglês portable programming system) e ao processador de fala modelo SPrint®, ambos produzidos pela Cochlear Corporation.

Durante a cirurgia, logo após a inserção dos eletrodos na cóclea e com o paciente anestesiado, foi efetuada a avaliação da integridade do implante coclear (telemetria de impedâncias). A telemetria de impedâncias foi realizada com uma corrente apresentada a 250 pulsos por segundo com duração de 25ms por fase a uma intensidade média de 100 unidades de corrente (equivalente a aproximadamente 0,2mA). As impedâncias foram medidas nos modos monopolar MP1, monopolar MP2, monopolar MP1+2 e Common Ground (CG). Os valores foram considerados normais quando entre 1,5 kilo ohms (kW) e 20kW nos modos MP1, MP2 e MP1+2 e entre 0,7kW e 20kW no modo CG. Eletrodos com impedâncias alteradas não foram utilizados para a gravação da NRT, sendo substituídos por um eletrodo adjacente.

A mensuração da telemetria de resposta neural (NRT), realizada em seguida, utiliza o paradigma do mascaramento antecipado e o método da subtração, no qual o estímulo é transmitido com um atraso específico em relação ao mascaramento (dado em seqüência) para aproveitar o período refratário dos neurônios da via auditiva. A resposta ao estímulo nesta condição é subtraída das respostas dos estímulos oferecidos isoladamente na tentativa de eliminar os artefatos e possibilitando a observação do potencial. O método de subtração é utilizado automaticamente pelo software para a separação das respostas neurais dos artefatos elétricos. O nível de mascaramento (masker level) foi colocado dez unidades de corrente acima do nível utilizado para a estimulação (probe level). O intervalo interpulso foi fixado em 500ms e a velocidade de estimulação em 80Hz em séries de 25ms por fase. Os demais parâmetros, como ganho do amplificador, delay (intervalo de tempo entre o final do estímulo e a gravação da resposta) e distância entre MP1 e MP2, foram ajustados e modificados de acordo com o proposto por Abbas et al. (1999)6 para obtenção da melhor morfologia de onda possível. O ganho sugerido pelo fabricante é de 60dB, mas foi ajustado para 40dB quando as respostas apresentaram saturação. O delay foi estipulado conforme o número de artefatos a fim de permitir uma melhor visualização da onda N1. O número de apresentação dos estímulos variou de 100 a 200 para ganho de 60dB e 40dB, respectivamente.

A curva de crescimento da amplitude foi obtida com a pesquisa de quatro a sete ondas com intensidades diferentes, apresentando um intervalo de cinco unidades de corrente entre cada uma, para os eletrodos testados (eletrodos 20, 15, 10, 5 e 3). As latências dos picos N1 e P1 foram medidas manualmente. A amplitude do EAP foi determinada pela diferença de voltagem entre as ondas N1 e P1, sendo que o próprio programa aplicou um ajuste de regressão linear sobre a curva de crescimento de amplitude, determinando o limiar do EAP e a inclinação dessa curva (função I/O) para cada eletrodo estudado.

Para a análise dos dados, os indivíduos foram divididos em grupos de acordo com a etiologia da surdez na orelha implantada e de acordo com o tempo de surdez. Os eletrodos foram divididos de acordo com a sua posição dentro da cóclea em eletrodos apicais (22 a 16), mediais (15 a 8) e basais (7 a 1).

Resultados

Para a obtenção da morfologia adequada do potencial de ação composto, obtido pelo sistema de NRT, o ganho do amplificador precisou ser reduzido em 30,6% dos eletrodos pesquisados; enquanto nos demais 69,3% apenas o delay foi alterado. Foram testados 227 eletrodos.

As respostas da NRT puderam ser obtidas 80% dos pacientes avaliados e em 75% dos eletrodos testados, sendo que a prevalência foi maior nos eletrodos apicais (76%) em relação aos mediais (74%) e basais (74%). Apenas 10 indivíduos não apresentaram respostas em nenhum dos eletrodos testados, destes, 60% apresentavam etiologia de meningite.

O número de pacientes com alteração no teste de telemetria de impedâncias foi de 13% (7 indivíduos). Os eletrodos com alterações de impedâncias não foram utilizados para a medida do potencial.

Com relação à prevalência do potencial, os Gráficos 1 e 2 mostram este dado agrupado de acordo com a etiologia e o tempo de surdez, por indivíduo e por eletrodo testado.

A variação média dos limiares para um mesmo indivíduo foi de 10UC. O limiar médio do grupo foi de 190UC (desvio padrão de 12,92).

A média da inclinação da curva de crescimento de amplitude do potencial (função I/O) foi de 9,79 (desvio padrão de 6,92). A variação média intraindividual foi de 4,4; porém nunca maior do que isso entre eletrodos locados numa mesma região da cóclea.

A Tabela 2 descreve os limiares obtidos na pesquisa da NRT e o valor da função I/O da curva de crescimento de amplitude de acordo com a etiologia. A Tabela 3 faz a mesma descrição, porém de acordo com o tempo de surdez.

A latência de N1 foi encontrada entre 0,27ms e 0,41ms em todos os indivíduos (média de 0,33ms) e não variou mais do que 0,09ms num mesmo paciente. Em relação ao tempo de duração da surdez, a média da latência foi igual em todos os grupos (0,34ms). De acordo com as etiologias apresentadas, a média da latência variou entre 0,32ms (ototoxicidade, otosclerose e surdez idiopática) e 0,34ms (surdez congênita, por TCE e meningite).

As características do potencial de ação do VIII par obtido pela NRT também foram analisadas de acordo com a posição do eletrodo na cóclea, como mostra a Tabela 4.

Discussão

A telemetria de resposta neural (NRT), por ser de fácil e rápida aplicação, pode ser utilizada durante a cirurgia a fim de medir as respostas da porção periférica do nervo auditivo a partir da estimulação elétrica e também para verificação da integridade da cadeia de eletrodos assim que a mesma for inserida na cóclea7. No presente estudo o EAP foi obtido de maneira muito satisfatória com a utilização do sistema de telemetria durante as cirurgias de implante coclear, especialmente por ser um método relativamente rápido não prejudicando o cronograma do cirurgião.

O EAP apresenta vantagens em relação ao ABR, especialmente por não precisar de eletrodos externos colocados na superfície cefálica, ser menos susceptível à interferência miogênica e de necessitar de um número menor de estímulos para ser desencadeado. Como são medidas captadas diretamente dos eletrodos intracocleares, a amplitude do EAP tende a ser maior que a dos outros potenciais3,8,9. Além disso, o uso dessa medida pode ajudar na seleção e exclusão de eletrodos específicos durante a programação do processador de fala6.

A morfologia do potencial, a sua latência e a função da inclinação da curva de crescimento de amplitude (função I/O) observados neste trabalho foram semelhantes aos descritos em outros estudos6,8,9,14.

A prevalência de respostas foi de 75% dos eletrodos, obtida em 80% dos indivíduos, e ligeiramente maior nos eletrodos apicais, seguidos dos mediais e basais. A maior prevalência nos eletrodos apicais pode estar relacionada ao resíduo auditivo, que é mais presente nessa região coclear6,14,15.

As alterações de impedância foram encontradas em 13% dos indivíduos que apresentaram eletrodos com valores acima de 20kW (N=8) ou abaixo de 1,5 kW. Dados semelhantes foram relatados previamente, nos quais as alterações de impedância foram observadas em 16%8, 20%9 e 23%11 dos indivíduos. Valores elevados de impedância podem sugerir, por exemplo, bolhas de ar no interior da cóclea; eletrodos fora da cóclea (inserção parcial); eletrodos no espaço epitimpânico ou eletrodos em circuito aberto. Valores rebaixados por sua vez podem sugerir mal-formações cocleares ou cavidade comum; eletrodos se tocando (cadeia dobrada); excesso de solução salina na cavidade mastóidea ou eletrodos em curto circuito. A vantagem de se realizar esse procedimento no momento intra-operatório é que, dependendo da alteração, o médico cirurgião pode tentar solucionar o problema antes do fechamento da cavidade, reposicionando os eletrodos, por exemplo, ou decidindo substituí-los caso o número de eletrodos com impedâncias alteradas seja grande.

São descritas alterações de impedâncias mesmo em pacientes sem complicações cirúrgicas e com a cóclea pérvea11. Todos os pacientes que apresentaram alterações de impedâncias em mais de cinco eletrodos (N=7) não apresentaram também as respostas de telemetria neural, mesmo sendo usados outros eletrodos para a estimulação e gravação do potencial. No exame de Raio-X (intra-operatório) foi evidenciada a inserção parcial do implante coclear. Podemos assim supor que a prevalência de respostas intra-operatórias está, de certa forma, relacionada às alterações de impedância do sistema e às condições de inserção dos eletrodos. Destes casos, 71% apresentavam etiologia de meningite com ossificação parcial ou total da cóclea. Para a programação do processador de fala, os eletrodos com impedâncias alteradas foram desativados.

Smoorenburg et al.13 não conseguiram obter respostas na NRT em 14 dos 27 indivíduos estudados. Como o procedimento foi realizado em sessão pós-cirúrgica, os autores atribuem a baixa prevalência ao nível de desconforto desses pacientes que não possibilitou o aumento das unidades de corrente necessárias para a captação do potencial. Nos demais pacientes (N = 13) foram encontradas respostas satisfatórias nos 20 eletrodos pesquisados. Na nossa casuística a prevalência foi mais alta em grande parte pelo fato do paciente estar anestesiado, o que possibilitou a pesquisa do potencial em intensidades de corrente elevada sem causar desconforto3,7.

Os pacientes que não apresentaram respostas na condição intra-operatória devem ser reavaliados para confirmação dos resultados durante as primeiras estimulações, pois a ausência do potencial pode ter sido causada pela falta de adequação dos parâmetros de estimulação, já que durante a cirurgia muitas vezes não há tempo hábil para várias modificações ou alterações mais detalhadas. Recomenda-se também a complementação com a pesquisa do reflexo estapediano evocado eletricamente. A associação das respostas da telemetria e da pesquisa do reflexo estapediano é de grande importância na programação dos implantes cocleares, especialmente para a determinação dos níveis de conforto7.

A prevalência de respostas foi notavelmente menor, por número de pacientes e por eletrodos testados, nos casos de meningite. Todos os pacientes em que as respostas foram ausentes apresentavam algum grau de ossificação coclear. Além disso, sabe-se que a meningite pode causar a morte de um grande número de células ganglionares e até lesões no tecido neural5. Gantz et al.5 encontraram também um aumento no tempo de recuperação neural nos casos de meningite durante a pesquisa da NRT; além disso, observaram que as crianças com surdez pós-meningite demoravam mais para evoluir na percepção de fala do que aquelas com surdez congênita.

Observa-se uma menor prevalência de respostas de NRT em pacientes com até 5 anos de surdez, o que não era esperado. Contudo, foi o grupo com maior número de pacientes com surdez pós-meningite e inserção parcial dos eletrodos, o que pode ter influenciado os resultados. Se excluirmos de todo o grupo os casos nos quais a inserção do feixe de eletrodos não foi completa, o grupo de até 5 anos de surdez seria o de maior prevalência (88%).

Houve tendência dos limiares obtidos pela NRT serem mais elevados nos eletrodos basais. Esse achado concordou com estudos anteriores3,9,13 que, além do limiar mais elevado nos eletrodos basais, observaram também uma amplitude de resposta reduzida nesses mesmos eletrodos. Acredita-se que as respostas à estimulação elétrica dos eletrodos poderiam variar de acordo com a sua posição dentro da cóclea de acordo com a densidade e integridade da população neural5. Dessa maneira, podemos inferir que exista uma ligação com a audição residual nas baixas freqüências, o que resultaria em menores limiares elétricos nos eletrodos apicais devido à maior concentração de neurônios funcionais nessa região da cóclea. Por outro lado, a necessidade de uma intensidade de energia maior nos eletrodos basais também pode estar relacionada à posição dos eletrodos na rampa timpânica e a prováveis danos cirúrgicos na base. Sabe-se que a distância radial entre a cadeia de eletrodos e o modíolo está correlacionada com os níveis de energia para a maioria dos usuários de implante coclear12.

A média dos limiares obtidos com a NRT neste estudo (190UC) foi próxima àquela descrita em literatura (cerca de 187UC e 185UC), assim como a variabilidade entre os limiares para um mesmo indivíduo8,9.

As pesquisas das respostas objetivas do nervo auditivo através da estimulação elétrica em usuários do implante CI24 mostram pouca variabilidade entre eletrodos adjacentes, com leve aumento dos limiares nos eletrodos basais, seguindo a configuração do mapa obtido pelo método comportamental. Assim, foi desenvolvida uma fórmula para a previsão dos níveis de estimulação de todos os eletrodos baseado nas respostas objetivas da NRT associadas à resposta comportamental para um único eletrodo. Em geral, os limiares obtidos com a NRT representam cerca de 61% do campo dinâmico de crianças usuárias da estratégia de codificação de fala SPEAK®. Como mostram os estudos, as medidas da NRT podem ser utilizadas na predição dos níveis elétricos a serem programados em crianças pequenas3,9. Nos pacientes adultos, os limiares do EAP tendem a se aproximar dos níveis de máximo conforto (níveis "C") obtidos psicoacusticamente, excedendo esse valor em alguns casos, especialmente nos eletrodos basais13.

Em relação à etiologia da surdez, foi verificado que na surdez de caráter progressivo os limiares da NRT podem apresentar-se mais reduzidos14. Na presente pesquisa notamos um ligeiro aumento dos limiares de telemetria nos indivíduos com surdez por otosclerose e meningite (média de 200UCe de 192UC, respectivamente), enquanto a média do limiar da NRT nos casos de surdez por outras etiologias ficou em torno de 188UC. Nestes dois processos etiológicos ocorre um crescimento ósseo patológico; na otosclerose causado por um aumento da atividade dos osteoblastos (com deposição de matéria óssea) que culmina com um aumento da cápsula ótica e, na cocleopatia ossificante da meningite, há também um aumento da cápsula ótica acrescido de oclusão das rampas timpânicas, coclear e vestibular, na maioria dos casos.

O osso que separa o canal de Rosenthal da escala timpânica quando tem a sua espessura aumentada (como no caso da otosclerose) poderia, por exemplo, afetar o fluxo de corrente e oferecer maior resistência à passagem de estímulos até as células ganglionares12. Também, o excesso de tecido e de crescimento ósseo dentro da cóclea poderia alterar a passagem da corrente elétrica, resultando em um aumento dos níveis de energia necessários para a estimulação e, conseqüentemente, e um aumento do potencial de ação auditivo11.

O tempo de surdez não pareceu determinante nos limiares da NRT.

A função I/O da inclinação da curva de crescimento de amplitude foi maior nos indivíduos com menor tempo de surdez. Essa função estaria intimamente relacionada ao campo dinâmico e aos níveis máximos de conforto (níveis "C") do paciente e que a inclinação da curva de crescimento de amplitude poderia fornecer dados sobre a quantidade de neurônios sobreviventes no gânglio espiral, podendo auxiliar no ajuste dos mapas15. Dessa forma, podemos inferir que os indivíduos com menor tempo de surdez teriam melhor representação cortical da memória auditiva para a função de crescimento da sensação de intensidade (loudness) e, conseqüentemente, maior campo dinâmico que os indivíduos com muito tempo de privação auditiva que, por sua vez, estariam mais sujeitos ao desconforto não permitindo níveis de estimulação elevados.

Em relação à etiologia da perda de audição, a variação da função I/O foi pequena entre as diferentes patologias no grupo estudado. Da mesma maneira, alguns autores relatam que nas perdas súbitas de audição a função I/O deveria ser maior do que nas perdas progressivas, observando uma diferença nos valores obtidos pela inclinação das curvas de crescimento de ganho entre pacientes com surdez congênita e pacientes com surdez pós-lingual, assim essa inclinação seria mais íngreme nos casos de crianças pequenas com surdez pré-lingual3,5,14.

A latência foi a característica mais estável dentre as estudadas no potencial de ação captado pelo sistema de telemetria. Os nossos achados concordam com a literatura, em que a latência de N1 deveria estar entre 0,2ms e 0,4ms com média de 0,3ms6,14. Há descrição de que a latência tende a ser maior nos eletrodos basais do que nos apicais, menor nas crianças pequenas (entre 12 e 24 meses) do que nos adultos e inversamente proporcional a amplitude; isso explicado pelo fato de uma menor degeneração neural causada pela privação sensorial. Assim, a redução da latência e o aumento da amplitude poderiam ser resultado da estimulação de uma grande porção de neurônios funcionais no gânglio espiral ou de uma grande resposta neural sincrônica3.

Portanto, a variação dos limiares, da função de inclinação da curva de crescimento de amplitude (I/O) e das propriedades refratárias das respostas do potencial de ação do VIII par poderiam indicar diferenças na população neural dos indivíduos, podendo até mesmo refletir na performance de percepção auditiva6.

As vantagens da realização das medidas da NRT durante a cirurgia vão além da verificação da integridade do sistema. Muitas vezes os níveis necessários para a obtenção da NRT ultrapassam os limites do conforto, especialmente nas crianças. A gravação intra-operatória não apresenta esse tipo de preocupação, já que o paciente está sedado e os valores obtidos são passíveis de utilização desde a primeira estimulação.

Novas pesquisas são necessárias para maior conhecimento das características e da prevalência das respostas obtidas pela NRT, bem como para determinar a sua capacidade de previsão dos limiares comportamentais para que possamos utilizar esse procedimento de maneira mais apropriada na programação dos eletrodos.

Como a NRT reflete apenas a atividade dos neurônios primários da via auditiva, as medidas comportamentais também se fazem necessárias e são importantes para a avaliação do processamento da informação ao longo de todo o trajeto do sistema nervoso central16.



Gráfico 1. Prevalência da Telemetria de Resposta Neural (%) por etiologia da surdez.


Gráfico 2. Prevalência da Telemetria de Resposta Neural (%) por tempo de surdez.






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1 Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear e Audiologia do HC-FMUSP. Especialização em Audiologia pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de SP.
2 Assistente-Doutor da Disciplina de ORL do HC-FMUSP.
3 Fonoaudióloga Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP.
4 Fonoaudióloga da Fundação Otorrinolaringologia. Mestre em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP.
5 Fonoaudióloga Colaboradora do Grupo de Implante Coclear do HC-FMUSP. Mestre em fonoaudiologia pela PUC-SP.
6 Médico Assistente do HC-FMUSP. Estagiário de complementação especializada em otologia e cirurgia de base do crânio do HC-FMUSP.
7 Professor Associado da Disciplina de ORL da FMUSP.
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) / Fundação Otorrinolaringologia (FORL).
Endereço para correspondência: Mariana Cardoso Guedes - Rua Paes de Araújo 155 casa 06 Itaim Bibi São Paulo SP 04531-090.
E-mail: macguedes@hotmail.com
Artigo recebido em 22 de junho de 2004. Artigo aceito em 05 de agosto de 2005.

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