Ano: 2005 Vol. 71 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (16º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 650 a 657
Avaliação do grau de satisfação entre os usuários de amplificação de tecnologia analógica e digital
Evaluation of satisfaction measures of analogical and digital hearing aid users
Autor(es): Cristiana Magni1, Francine Freiberger2, Kátia Tonn3
Palavras-chave: aparelho de amplificação sonora, auto-avaliação, handicap auditivo.
Keywords: hearing aid, self-assessment measures, handicap.
Resumo:
Objetivo: objetivo desta pesquisa foi investigar o grau de satisfação entre os usuários de Aparelho de Amplificação Sonora (AAS) de tecnologia analógica e digital. Forma de estudo: clínico com coorte transversal. Material e Método: A amostra foi constituída de 40 usuários de AAS unilateral, sendo 20 de tecnologia analógica (Grupo I) e 20 de tecnologia digital (Grupo II). Os indivíduos são portadores de perda auditiva neurossensorial, de configuração plana, de grau leve a moderado, com idade entre 40 e 95 anos. O instrumento de avaliação utilizado foi o International Outcome Inventory for Hearing Aids (IOI-HA - Versão em Português) proposto por Cox et al. (2002). Resultados: Os resultados mostraram que os usuários do Grupo II utilizam o AAS por mais tempo diariamente e também apresentam um grau de dificuldade menor em determinadas situações com o uso da amplificação, comparado aos usuários do Grupo I. Os usuários do Grupo II relatam que sua perda auditiva não afeta em nada sua relação com terceiros. Conclusão: Apesar de os resultados revelarem que os usuários do Grupo I apresentam um handicap auditivo mais acentuado comparado aos usuários do Grupo II, o grau de satisfação com relação à amplificação não apresenta diferença significativa entre os dois grupos.
Abstract:
Aim: the objective of this study was to investigate the satisfaction measure of analogical and digital hearing aid users. Study design: clinical with transversal cohort. Material and Method: Among the 40 subjects interviewed, 20 were analogical hearing aid users (Group I) and 20 were digital hearing aid users (Group II). The subjects were neurossensorial hearing impaired, mild to moderate degree, with 45 to 95 years old. Results: The inventory of self-assessment completed by the hearing aid users was the International Outcome Inventory for Hearing Aids (IOI-HA - Portuguese version) proposed by Cox et al. (2002). The users of Group II use the hearing aid more time daily than the analogical hearing aid users (Group I). The users of Group II have fewer difficulties with the amplification at some situations than the users of Group I. Conclusion: Despite the users of Group I have presented a higher degree of handicap than the users of Group II, the results agree that all the subjects reported satisfaction with their hearing aids.
INTRODUÇÃO
A audição é um dos sentidos fundamentais à vida, desempenhando um papel importante na sociedade, pois é a base do desenvolvimento da comunicação humana. Um indivíduo com incapacidade auditiva pode sofrer sérios danos em sua vida social, psicológica e profissional, surgindo, também, sentimentos de insegurança, medo, depressão, isolamento, além de tensão no ambiente familiar, devido à falta de atenção do portador de deficiência auditiva.
A lesão coclear prejudica uma série de habilidades do sistema auditivo, comprometendo o processamento do sinal acústico ou de fala e, conseqüentemente, a habilidade do indivíduo para a comunicação. Entre estas habilidades ressalta a seletividade de freqüência, a percepção da sensação de intensidade e resolução de intensidade, a resolução temporal e a percepção da fala.1
A perda auditiva neurossensorial pode acarretar efeitos perceptuais muito importantes, como a elevação do limiar auditivo, a redução do campo dinâmico, a perda da discriminação e a maior susceptibilidade ao ruído.2
Os problemas acometidos pela privação sensorial podem ser minimizados com o uso do Aparelho de Amplificação Sonora (AAS), o qual permite o resgate da percepção dos sons da fala, além dos sons ambientais, promovendo a melhora da habilidade de comunicação. Os aparelhos atuais são classificados, segundo a tecnologia do circuito eletrônico, em analógicos e digitais.
Os aparelhos de amplificação sonora de tecnologia analógica utilizam componentes eletrônicos convencionais que convertem a onda sonora captada por um microfone em um sinal elétrico análogo que, dentro do circuito é, então, amplificado e filtrado, sendo novamente reconvertido em onda sonora. Até o presente momento, existem vantagens quanto à sua utilização, como baixo custo, baixo consumo de energia e miniaturização de seus componentes.3
Os aparelhos de amplificação sonora de tecnologia digital utilizam dezenas a milhares de transistores que possibilitam um processamento do sinal acústico muito superior ao da tecnologia analógica. O aparelho consiste de circuitos eletrônicos e transdutores, que chamamos de hardware e de um software, que permitem controlar tais circuitos digitalmente e com refinada precisão.3
Na literatura, é possível encontrar referências a muitas vantagens dos aparelhos digitais sobre os analógicos, como, por exemplo, a capacidade de programação, maior precisão no ajuste dos parâmetros eletroacústicos, controle da realimentação acústica, redução de ruído, melhor reprodutibilidade, além de controle automático do sinal e menor ruído interno.4,5
Se a estética é um critério utilizado para a utilização do AAS, os aparelhos digitais conseguem suprir, mas seria imprudente considerar a estética como sendo um fator de maior importância que o desempenho.6,7
Novas estratégias foram incorporadas nos aparelhos de amplificação sonora com o intuito de tornar mais fácil a audibilização dos portadores de perdas auditivas, mas ainda é questionável a melhora na percepção da fala com a utilização de aparelhos de tecnologia digital. Além do que, a amplificação propriamente dita de todos os sons pode ocasionar desconforto auditivo, principalmente em casos de perdas auditivas neurossensoriais recrutantes ou, até mesmo, com campo dinâmico de audição dentro da normalidade.8
O conforto acústico com a amplificação dos sons pode ocorrer com a utilização de um sistema de compressão ajustável de acordo com o ambiente, como o sistema WDRC, comumente adaptado na tecnologia digital, e que permite ao usuário maior amplificação de sons fracos e menor amplificação de sons fortes.
Cabe ressaltar que o indivíduo portador de uma deficiência auditiva, quando decide usar aparelho de amplificação sonora, não o está fazendo devido à sua perda de audição e sim, devido ao seu sofrimento, e quando este se torna grande o suficiente, este indivíduo passa a ser candidato em potencial ao uso da amplificação sonora. Diante disso, é possível encontrar, na prática clínica, bons, regulares ou maus candidatos ao uso da amplificação, apenas baseando-se em sua avaliação audiológica.9
O momento da decisão de se usar um dispositivo de amplificação sonora parte da autopercepção do handicap auditivo. Os indivíduos adultos, muitas vezes, tendem a relutar quanto à aceitação de uma deficiência auditiva, geralmente atribuindo suas dificuldades auditivas ao ambiente inadequado ou à comunicação de terceiros. Os indivíduos idosos tendem a tolerar mais qualquer tipo de deficiência, tendo como justificativa o fator idade.10
Com base no modelo proposto pela Organização Mundial da Saúde, em 1980, o handicap representa o impacto negativo no bem-estar e na qualidade de vida do indivíduo. Além das conseqüências não-auditivas da deficiência, é a desvantagem imposta pela deficiência ou pela incapacidade auditiva que limita o funcionamento psicossocial do indivíduo. Representa manifestações sociais e emocionais resultantes da deficiência e da incapacidade auditiva, podendo afetar o deficiente auditivo, sua família e/ou a sociedade e suas medidas envolvem uma relação entre as deficiências, as incapacidades, os hábitos de vida e o ambiente sócio-cultural e físico do paciente.11
Podemos considerar que não há uma relação entre os graus de perda auditiva e o handicap auditivo, já que é impossível determinar o handicap por meio de dados audiométricos, pois não existe correspondência entre as medidas audiométricas e auto-avaliação do handicap auditivo.8
Existem muitos fatores que contribuem para o uso bem sucedido da amplificação. Idade, grau e tipo de perda auditiva, fatores físicos (tamanho da orelha e destreza manual), habilidade de processamento auditivo, uso prévio de aparelho de amplificação sonora e extensão da perda auditiva, juntos desempenham um papel essencial para a aceitação da amplificação. Somado a isso, a percepção do handicap auditivo, custo, expectativas pessoais, satisfação, performance e benefício podem indicar se teremos um feliz e satisfeito usuário de aparelho de amplificação sonora.12
Durante o processo de aconselhamento ao indivíduo deficiente auditivo devemos nos preocupar com os três processos de motivação psicológica relacionados com a utilização do aparelho de amplificação sonora: aceitação, benefício e satisfação.6
A aceitação pode ser caracterizada de duas maneiras: ou o aparelho é aceito ou é rejeitado; mas também pode ser caracterizada como um processo psicológico de estar lidando com a idéia e a sensação da amplificação sonora, ao mesmo tempo em que incorpora o aparelho em seu estilo de vida. A satisfação é construída de acordo com as impressões subjetivas do indivíduo. Desta forma, fica claro que, enquanto não ocorrer aceitação, nunca haverá satisfação, assim como nem toda aceitação e benefício com relação ao aparelho não são parâmetros suficientes para garantir a satisfação. Enquanto o benefício pode ser demonstrado por meio de testes objetivos, a satisfação é uma avaliação muito pessoal do valor do aparelho de amplificação depois de um determinado tempo de uso.13
É possível afirmar que os procedimentos de verificação, como o ganho funcional e medidas de inserção, não são suficientes para avaliar a satisfação do usuário de aparelho de amplificação sonora nas situações diárias de comunicação. Houve um interesse crescente no desenvolvimento de procedimentos de validação que permitissem avaliar o benefício do usuário fora do ambiente clínico, constituindo-se em questionários de auto-avaliação.14
A auto-avaliação é um procedimento simples, rápido e eficaz que possibilita a avaliação do indivíduo no seu processo de adaptação do AAS. Este procedimento permite fazer a comparação entre diferentes aparelhos e/ou regulagens, assim como a avaliação do benefício do uso do mesmo AAS no decorrer de um tempo, possibilitando ao usuário reconhecer as vantagens oferecidas com a adaptação do AAS em relação às suas dificuldades auditivas e desvantagens psicossociais. Sendo assim, por meio de questionários que possibilitam a mensuração e análise destas dificuldades auditivas ou do handicap, é possível otimizar o período de adaptação à amplificação.15
Existem vários instrumentos de avaliação que consistem em escalas para avaliar o nível de satisfação do indivíduo, mesmo porque existem vários fatores que influenciam diferentes dimensões relacionadas ao uso do aparelho de amplificação sonora.13
No Brasil, alguns questionários de auto-avaliação, entre eles o APHAB (Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit), o HHIE (Hearing Inventory for the Elderly) e o HHIA (Hearing Handicap Inventory for the Adults), foram traduzidos e adaptados à realidade do nosso país, investigando grau de satisfação do usuário, os benefícios obtidos com o uso do AAS e a redução da incapacidade auditiva com o uso da amplificação, além de outros que objetivaram comparar o benefício de diferentes tecnologias e verificar a adaptação do AAS por meio de medidas objetivas e subjetivas.16-19
Neste estudo foi utilizado o Questionário Internacional de Resultados para Aparelhos de Amplificação Sonora (International Outcome Inventory for Hearing Aids - IOI-HA) desenvolvido como produto de um workshop internacional sobre medidas de auto-avaliação em reabilitação auditiva.20,21
O presente estudo teve como objetivo investigar o grau de satisfação e o handicap dos usuários de AAS de tecnologia analógica e digital.
MATERIAL E MÉTODO
Caracterização da amostra
A amostra deste estudo foi constituída de 40 indivíduos usuários de AAS unilateralmente, sendo 18 do sexo masculino e 22 do sexo feminino. Todos os indivíduos são portadores de perda auditiva neurossensorial bilateral, de grau moderado, com configuração plana, usuários de AAS da marca Oticon.
A amostra foi dividida em Grupo I, para os indivíduos usuários de AAS analógico (NA=20) e Grupo II, usuários de AAS digital (NA=20). A faixa etária variou de 45 a 95 anos, e a distribuição das idades entre os indivíduos está descrita na Tabela 1.
Foi feita uma solicitação verbal a todos os indivíduos para que aceitassem participar da pesquisa, na oportunidade de uma consulta ao fonoaudiólogo do centro auditivo onde haviam adquirido o seu AAS. Todos responderam ao questionário, individualmente, sem qualquer intervenção de terceiros. A coleta dos dados foi realizada de junho a agosto de 2003.
Instrumento de avaliação
O Questionário Internacional de Resultados para Aparelhos de Amplificação Sonora (International Outcome Inventory for Hearing Aids - IOI-HA) surgiu como produto de um workshop internacional sobre medidas de auto-avaliação em reabilitação auditiva.20,21 Com a cooperação de pesquisadores e profissionais de programas de reabilitação de diversos serviços de saúde auditiva, este questionário foi traduzido em 21 idiomas por pessoas qualificadas na área de audiologia, sendo que cada tradutor procurou seguir cuidadosamente a versão original.
A fim de facilitar a avaliação das questões de adaptação dos usuários de AASI, visando o grau de satisfação e o handicap desses indivíduos, as questões foram elaboradas com poucas exigências cognitivas e de fácil nível de leitura para os indivíduos responderem sem o auxilio de terceiros.
A versão em português utilizada encontra-se no Anexo 1.
RESULTADOS
Na questão 1, referente ao tempo do uso do AAS, a maioria dos indivíduos do Grupo II utiliza o AAS por mais tempo diariamente, como ilustrado na Figura 1.
A questão 2 faz com que o indivíduo pense em uma situação em que gostaria de ouvir melhor antes do uso da amplificação e ele deve responder o quanto o AAS o ajudou nesta mesma situação. Dos usuários do Grupo I, 90% (18) assinalou os itens que correspondem a um benefício muito satisfatório com o uso da amplificação (ajudou muito e ajudou bastante) e 10% (2) relatou que o AAS ajudou moderadamente, enquanto que 100% (20) dos usuários de AAS digitais, pertencentes ao Grupo II, referem um benefício máximo, que seu aparelho ajudou muito.
Na questão 3, o indivíduo deve pensar na mesma situação e assinalar o nível de dificuldade que ainda encontra com o uso da amplificação, ou seja, ele deve dar alguma referência sobre seu handicap auditivo. Dos usuários de AAS analógicos, pertencentes ao Grupo I, 40% (8) ainda encontra dificuldade moderada com o uso do AAS. Dos usuários de AAS digitais, a maioria não encontra nenhuma dificuldade. Estes resultados estão ilustrados a seguir na Figura 2.
Na questão 4 os indivíduos relatam sobre a aceitação do AAS relacionada ao benefício que o mesmo proporciona quando respondem se vale a pena usar a amplificação. Apenas um (1) indivíduo do Grupo I respondeu que vale moderadamente a pena, enquanto o restante (95%) respondeu aos itens (vale muito/ vale bastante a pena) que caracterizam uma aceitação bastante satisfatória. Do Grupo II, 100% (20) dos usuários de AAS digitais responderam que vale muito a pena usar o AAS.
A questão 5 aborda a investigação do handicap, o quanto a perda auditiva, apesar do uso da amplificação, afeta as atividades diárias dos indivíduos da amostra. Dos usuários de AAS analógicos pertencentes ao Grupo I, 80% (16) assinalou itens que caracterizam um handicap. Para 35% (7) dos usuários do Grupo II, o handicap é mais significativo. A Figura 3 ilustra estes resultados.
A questão 6 aborda a mesma investigação do handicap, só que agora com relação a terceiros. No Grupo I, 30% (6) assinalou que afeta moderadamente. No Grupo II, a maioria (70%) não apresenta handicap com relação a terceiros. Os resultados estão ilustrados a seguir na Figura 4.
O grau de satisfação em relação ao uso da amplificação foi abordado na 7ª e última questão, onde não foi observada diferença significativa entre os usuários de ambos os grupos, pois 95% (19) dos usuários de AAS analógicos assinalou que o uso do AAS ofereceu muito mais alegria de viver e 5% (1) assinalou que o AAS ofereceu bastante alegria de viver. Quanto ao Grupo II, 100% (20) dos usuários de AAS digitais assinalou que o uso do AAS ofereceu muito mais alegria de viver.
Figura 1. Distribuição do percentual de indivíduos usuários de AAS analógicos (Grupo I) e digitais (Grupo II) com relação ao tempo de uso diário do AAS.
Figura 2. Distribuição do percentual de indivíduos usuários de AAS analógicos e digitais com relação ao nível de dificuldade que apresentam com o uso da amplificação.
Figura 3. Distribuição do percentual de indivíduos usuários de AAS analógicos e digitais com relação à percepção do quanto sua perda auditiva afeta suas atividades diárias.
Figura 4. Distribuição do percentual de indivíduos usuários de AAS analógicos e digitais com relação à percepção do quanto sua perda auditiva afeta suas relações com terceiros.
DISCUSSÃO
Todo profissional que lida com a reabilitação de indivíduos portadores de deficiência auditiva, além de ter a necessidade de estar sempre atualizado quanto ao que a tecnologia pode fornecer de melhor ao seu paciente, com certeza deve se questionar a respeito do real benefício que a tecnologia mais atual pode proporcionar às necessidades auditivas de cada indivíduo. Vários estudos contemplam esta questão, abordando o real benefício que a tecnologia digital proporciona em comparação à tecnologia analógica, baseando-se em medidas subjetivas e objetivas.22-25
Devemos reconhecer que a percepção do handicap auditivo pode variar muito de indivíduo para indivíduo, se considerarmos fatores como idade, situação socioeconômica e aceitação da deficiência auditiva pelo próprio indivíduo e pelos familiares mais próximos.
A relação tempo de uso do AAS em atividades diárias e adaptação à amplificação é bastante estreita. O fato do indivíduo não rejeitar o uso do AAS está diretamente relacionado à aceitação da perda auditiva e, conseqüentemente, à necessidade do uso da amplificação. Segundo a literatura, a aceitação pode ser caracterizada de duas maneiras, ou o aparelho é aceito ou é rejeitado, mas também pode ser caracterizada como um processo psicológico de estar lidando com a idéia e a sensação da amplificação sonora, ao mesmo tempo em que incorpora o aparelho em seu estilo de vida. Esta atitude pode ou não implicar em satisfação. A aceitação, enquanto um processo dinâmico, propõe a construção da satisfação porque esta depende somente das impressões subjetivas do indivíduo.13
Neste estudo, foi possível verificar que a maioria dos usuários de AAS digitais permanece com o mesmo por mais que 8 horas por dia, enquanto que no período de 4 a 8 horas, o uso da tecnologia analógica é maior. Comparando estes resultados com a distribuição de idade dos indivíduos da amostra observou-se que os usuários de AAS analógico fazem uso do mesmo por menor tempo, o que poder ser justificado pela idade destes usuários, já que 100% dos que pertencem ao Grupo I têm idade acima de 61 anos. A terceira idade é caracterizada, por muitos, como a fase menos ativa, com pouco rendimento no trabalho e na vida social.
A literatura consultada contrapõe-se a estes resultados, inferindo que o tempo de uso diário do usuário de AAS analógico é maior.26
Em relação ao benefício que o AAS proporciona, os resultados revelaram unanimidade de todos os usuários de AAS digitais ao afirmarem que o AAS ajuda muito, apesar da diferença não ser significativa, pois apenas 10% (2) dos usuários de AAS analógicos assinalaram o item que corresponde a um benefício moderado. Estes resultados vão de encontro aos resultados de um estudo, o qual também não encontrou diferenças significativas, com relação ao benefício e satisfação entre os usuários de AAS analógicos e digitais, apesar de a autora supor que a simplicidade do questionário utilizado em seu estudo talvez não tenha revelado as reais vantagens da nova tecnologia.25 Entretanto, um recente estudo comparativo, citado pelo estudo anterior, identificou expectativas muito altas com relação ao efeito dos AAS analógicos e digitais, excluindo expectativas irreais como a razão principal para a pequena proporção de indivíduos que relataram menor benefício com os AAS digitais comparados ao benefício dos AAS analógicos.
A Figura 2 descreve os resultados referentes ao nível de dificuldade que os indivíduos ainda apresentam com o uso da amplificação. A maioria dos indivíduos de AAS analógicos, pertencentes ao Grupo I, percebe um handicap mais acentuado que os usuários de AAS digitais, do Grupo II. Acredita-se que esta diferença implica em uma verificação mais acurada do tipo de sistema de compressão utilizado no AAS de cada indivíduo, pois devemos reconhecer que o conforto acústico em ambientes ruidosos e a capacidade de reconhecimento da fala na presença de ruído são fatores imprescindíveis para que o indivíduo tenha um processo de adaptação satisfatório e aceitação da necessidade do uso da amplificação.
Em alguns sistemas com processamento digital de sinal, o baixo limiar de compressão permite ao usuário escutar sons mais fracos do que escutaria com AAS analógico. Isto contribui para o reconhecimento da fala a distâncias maiores, assim como a identificação precoce de sons ambientais, como sinais de perigo.7
Em contrapartida, outros pesquisadores sugerem que um AAS analógico com circuito de compressão WDRC é capaz de promover uma performance muito satisfatória, não necessitando de um AAS digital para o mesmo, mas a tecnologia digital é capaz de proporcionar outros benefícios, como o cancelamento do feedback, o que para alguns indivíduos pode ser a razão principal para a indicação de uso de tecnologia digital.24
A investigação do handicap é novamente abordada nas questões 5 e 6, cujos resultados estão ilustrados nas Figuras 3 e 4, respectivamente. Na questão 5 os indivíduos assinalaram os itens correspondentes ao quanto a sua perda auditiva afeta suas atividades diárias e foi possível observar uma diferença significativa com relação ao item que corresponde ao nível mínimo de handicap persistente, onde apenas 20% (4) dos usuários de AAS analógicos relatam que a perda auditiva não afeta em nada, contra 65% (13) dos usuários de AAS digitais. Na questão 6, é abordado o handicap com relação a terceiros, e também foi observada uma diferença significativa com relação ao item que corresponde ao nível mínimo de handicap, onde apenas 20% (4) dos usuários do Grupo I consideram que sua perda auditiva não afeta em nada sua relação com terceiros, contra 70% (14) dos usuários do Grupo II. Estes resultados também mereceriam uma verificação e análise mais acurada do tempo de adaptação de cada indivíduo para melhor representatividade da amostra.
É comum que, em uma primeira auto-avaliação, em um período de 15 dias, o indivíduo apresente um handicap mais significativo do que em uma segunda auto-avaliação, após 2 ou 3 meses de uso do AAS. Na prática clínica é possível observar muitos indivíduos relutantes, especialmente idosos, ao início da amplificação, com dificuldades em lidar com seu handicap auditivo, na tentativa de esconder o fato de que necessitam de um AAS.
Em 2002, um estudo verificou que indivíduos portadores de perda auditiva apresentam uma tendência natural de mudar suas respostas, em um intervalo de tempo, quando são submetidos a uma auto-avaliação do seu handicap. Novas experiências podem conduzir a uma mudança na percepção. Os indivíduos com perda auditiva, por exemplo, podem acompanhar relativamente bem uma conversação em grupo, enquanto após a adaptação da amplificação, eles podem afirmar que, se estivessem sem o AAS, somente entenderiam metade da conversação. Eles percebem que seu handicap, anteriormente à amplificação, era muito mais acentuado. Isto confirma a possibilidade de que com o tempo, as pessoas aprendem a se adaptar aos seus problemas físicos.27
O sistema público de saúde no Brasil traz sérias restrições ao processo reabilitativo, indo desde o diagnóstico da deficiência auditiva até o aconselhamento ao indivíduo usuário de AAS. Concordamos com a realidade de que nos países em desenvolvimento, com alta prevalência de deficiência auditiva, os AAS digitais podem representar uma barreira ao tratamento reabilitativo, por causa do preço do AAS, dos equipamentos necessários à adaptação e a necessidade de treinamento extensivo para a capacitação de profissionais. Acredita-se que, no futuro, não muito distante, a maioria, se não todos os AAS serão de tecnologia digital, para a qual cujo preço deverá também ser reduzido. A maior flexibilidade da nova tecnologia deve resultar em melhores estratégias de adaptação, aumentando o benefício dos usuários e diminuindo os custos tanto para os serviços de saúde como para os próprios consumidores, que ainda em sua maioria pagam pelos seus AAS.25
Para encerrar esta discussão, uma vez que a satisfação é definida exclusivamente pelo usuário, todas as medidas para avaliá-la são necessariamente subjetivas, não devendo ser consideradas como medidas estáticas. A satisfação do indivíduo com relação ao AAS não é sempre proporcional às mudanças observadas nas incapacidades auditivas ou mudanças de atitudes que possam refletir melhoria de qualidade de vida. Para tanto, deve-se considerar a satisfação do indivíduo que vai desde a qualidade dos serviços que o atendem até o valor final do equipamento.13
Neste estudo, a última questão aborda a satisfação do indivíduo de uma forma muito pessoal ao questionar sobre o quanto a amplificação influencia a alegria de viver. Acreditando que a satisfação depende da aceitação que o indivíduo tem de seu problema auditivo, a nossa amostra foi unânime em relatar que o uso do AAS proporcionou muita alegria de viver, independente da tecnologia utilizada.
Consideramos que o questionário de auto-avaliação IOI-HA é de fácil aplicabilidade e de fácil compreensão, exigindo muito pouco tempo da atenção dos indivíduos para completá-lo. Cabe ressaltar que a questão do handicap e da satisfação quanto ao uso do AAS deve ainda ser muito explorada e não se esgota com a sistematização de procedimentos de avaliação e aplicação de questionários.
Acreditamos que a tecnologia digital permite que tenhamos muito mais informação com relação ao sinal amplificado, seja este de fala ou ruído ambiental, a fim de que possamos suprir as necessidades auditivas individuais. A habilidade em manipular vários parâmetros de desempenho, juntamente com a habilidade para modificá-los separadamente, torna-se um argumento forte para que a tecnologia digital continue a ser empregada para suprir as necessidades acústicas das pessoas com deficiência auditiva.7
Enquanto profissionais que atuam na área dos distúrbios da comunicação humana, é importante sinalizar a importância da audição para a manutenção das relações interpessoais na sociedade, a qual deve ser o objetivo principal de um eficiente programa de reabilitação auditiva.
CONCLUSÕES
Os usuários do Grupo I fazem uso do AAS por menor tempo, o que pode ser explicado pela idade dos mesmos (superior a 61 anos).
Os usuários de ambos os grupos apresentam benefício com o uso do AAS em situações que gostariam de ouvir melhor, apesar dos usuários do Grupo I revelarem um handicap mais acentuado, quando referem que ainda apresentam dificuldades mesmo utilizando a amplificação nestas mesmas situações. A maioria dos usuários do Grupo I apresenta handicap com relação ao quanto a sua perda auditiva afeta suas atividades diárias e com relação ao quanto esta perda afeta suas relações com terceiros.
Acreditando que a satisfação com relação ao uso do AAS depende da aceitação que o indivíduo tem de seu problema auditivo, esta amostra foi unânime em relatar que o uso da amplificação proporciona muita alegria de viver, independente da tecnologia utilizada.
Consideramos que o questionário de auto-avaliação IOI-HA é de fácil aplicabilidade e de fácil compreensão, exigindo muito pouco tempo da atenção dos indivíduos para respondê-lo.
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1 Mestre, Universidade Tuiuti do Paraná.
2 Especializanda, Universidade Tuiuti do Paraná.
3 Especializanda, Universidade Tuiuti do Paraná
Instituição: Universidade Tuiuti do Paraná.
Endereço para correspondência: Cristiana Magni - Rua Pedro Américo 318 Capão Raso Curitiba PR 81110-010.
Tel.: (0xx41) 347-7822 - (0xx41) 9965-3333 - E-mail: crismagni@brturbo.com
Artigo recebido em 22 de setembro de 2004. Artigo aceito em 05 de agosto de 2005.