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Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 4  - Julho - Agosto - (16º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 499 a 503

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Avaliação laríngea em pacientes reumatológicos

Laryngeal assessment in rheumatic disease patients

Autor(es): Hugo Valter Lisboa Ramos , Jackeline Pillon , Eduardo M Kosugi , Reginaldo Fujita , Paulo Pontes

Palavras-chave: laringe, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, doença mista do tecido conjuntivo, nódulo em bambu.

Keywords: larynx, systemic lupus erythematous, systemic sclerosis, mixed connective tissue disease, bamboo node.

Resumo:
As doenças reumáticas produzem alterações sistêmicas e podem, por isso, comprometer os vasos sangüíneos, as serosas e as mucosas de todo o trato aerodigestivo. Casos esporádicos de acometimento laríngeo por doenças reumáticas têm sido descritos. Esse estudo tem por objetivo avaliar e descrever as alterações laríngeas encontradas em pacientes reumatológicos. Forma de estudo: coorte transversal. Material e método: Estudo transversal com pacientes portadores de lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia e doença mista do tecido conjuntivo. Os pacientes submeteram-se a exame clínico otorrinolaringológico e à videolaringoestroboscopia. Resultados: Foram incluídos no estudo 27 pacientes sendo que 26 conseguiram realizar a videolaringoestroboscopia. Alterações laríngeas foram observadas em 11 dos 12 pacientes portadores de lúpus, nos 11 pacientes portadores de esclerodermia e nos 3 pacientes portadores de doença mista do tecido conjuntivo. Lesões sugestivas de nódulo em bambu foram identificados em 5 pacientes e 92,3% dos pacientes apresentaram sinais laríngeos de síndrome faringolaríngea do refluxo. Conclusão: Neste estudo identificamos 5 lesões sugestivas de nódulos em bambu e sinais laríngeos de refluxo em quase todos os pacientes.

Abstract:
Rheumatic diseases usually promote several systemic disorders, which can affect blood vessels, mucosa and serosa of the aerodigestive tract. Scarce laryngeal involvement has been described in these patients and this study aims at investigating laryngeal alterations found in patients with rheumatic diseases. Study design: transversal cohort. Material and method: A transversal study was developed with systemic lupus erythematous, systemic sclerosis and mixed connective tissue disease's patients. They were evaluated by means of clinical examinations and videolaryngoestroboscopy. Results: Twenty-seven patients were included in the study, 26 succeeded in completing the videolaryngoestroboscopy. Laryngeal abnormalities were seen in 11 of 12 patients with lupus, in all 11 patients with sclerodermia and in 3 patients with mixed connective tissue disease. Vocal fold bamboo node was observed in 5 patients and 92.3% of all patients presented laryngeal signs of gastroesophageal reflux disease. Conclusion: We noticed 5 vocal fold bamboo nodes and gastroesophageal reflux disease in almost all patients.

INTRODUÇÃO

As doenças reumáticas formam um grupo heterogêneo de entidades que produzem alterações sistêmicas envolvendo o tecido conjuntivo de todo o corpo. Por esse motivo, elas podem comprometer os vasos sangüíneos, as serosas e as mucosas de todo o trato aerodigestivo, particularmente a laringe.

O primeiro relato de envolvimento laríngeo em paciente portador de lúpus eritematoso sistêmico (LES) foi publicado em 1959 por Scarpelli et al.1 e desde então outros casos têm sido descritos esporadicamente. Em 1976, Smith et al.2 mostraram ulcerações, estenoses e edema da articulação cricoaritenóidea em dois pacientes lúpicos. Já Tietel et al.3 publicaram uma revisão de 97 casos de acometimento laríngeo em pacientes com LES e encontraram edema laríngeo em 28% dos pacientes e paralisia de prega vocal em 11%.

No entanto, acometimento laríngeo não é exclusivo do LES. Em um estudo com 45 pacientes portadores de artrite reumatóide (AR) moderadamente grave, submetidos à laringoscopia indireta, Lawry et al.4 detectaram anormalidades em 52% dos indivíduos. Doenças como esclerodermia e síndrome de Sjögren também têm mostrado envolvimento laríngeo. Murano et al.5 descrevem dois casos de nódulos, que foram denominados \"nódulos de bambu\" e, após as avaliações específicas, tais pacientes foram diagnosticados como portadores de doença auto-imune (síndrome de Sjögren e lúpus eritematoso sistêmico).

O objetivo deste estudo é o de identificar e descrever as alterações laríngeas em pacientes portadores de LES, esclerodermia e doença mista do tecido conjuntivo (DMTC) por meio de exame videoestroboscópico da laringe.

MÉTODO

Estudo transversal desenvolvido no Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Foram incluídos no estudo, 12 pacientes portadores de LES, 11 com diagnóstico de esclerodermia e 3 pacientes com doença mista do tecido conjuntivo (DMTC), totalizando 27 pacientes. Os pacientes avaliados eram todos do sexo feminino com idade variando de 19 a 63 anos, média de 41,2 anos. Quanto à cor, 13 eram pardos, 7 eram negros e 6 pacientes eram brancos.

Os pacientes foram incluídos no estudo de forma voluntária, independente da presença de queixa laríngea e do tempo de doença. Um paciente com DMTC e dois pacientes com esclerodermia apresentavam Síndrome de Sjögren associada. Todos apresentavam diagnóstico reumatológico definido clínica e/ou laboratorialmente. Aqueles sem diagnóstico reumatológico definido foram excluídos do trabalho. Dezessete indivíduos apresentavam auto-anticorpos positivos: anticorpo antinúcleo (ANA) encontrado em 16 pacientes (59,2%) e o anti-RNP em 11 pacientes (40,7%). Quinze (57,7%) pacientes usavam prednisona diariamente em diferentes doses (Tabelas 1, 2 e 3).

Submeteram-se a exame clínico otorrinolaringológico e a videolaringoestroboscopia utilizando um telescópio rígido de 70° introduzido pela cavidade oral, após a anestesia tópica com lidocaína spray.

RESULTADOS

Dos 27 pacientes inicialmente incluídos no estudo, 26 conseguiram realizar a videolaringoestroboscopia. Uma paciente portadora de esclerodermia foi excluída por não conseguir submeter-se à avaliação completa, devido a intenso reflexo nauseoso.

Dentre os 12 pacientes portadores de LES, 11 (91,6%) apresentaram alguma alteração laríngea (Tabela 1). A alteração mais freqüente, encontrada em 11 pacientes, foi a presença de edema e espessamento epitelial na região interaritenóidea, o que tem sido descrito como um sinal da síndrome faringolaríngea do refluxo (SFLR) (Figura 1). Desses pacientes, 9 apresentavam queixas clínicas de globus faringeus, pigarro e tosse seca.

Outros 3 pacientes apresentaram lesões de depósito na lâmina própria, amareladas e transversais, classicamente referidas como nódulos em bambu (Figuras 2 e 3). Em outro paciente pode-se observar um pequeno sulco vocal unilateral.

Todos os 11 pacientes portadores de Esclerodermia apresentaram alterações laríngeas (Tabela 2). Alterações sugestivas de SFLR foram vistas em 11 pacientes, sendo que 6 apresentavam queixas clínicas. Dois pacientes apresentavam dilatações dos vasos sanguíneos das pregas vocais e outros 2 pacientes apresentaram nódulo vocal. Em 1 paciente observamos sinais de hipotrofia laríngea (hipotrofia de pregas vocais com proeminência de processos vocais).

Dos 3 pacientes com DMTC 2 apresentaram nódulos em bambu e em outros 2 pacientes foram observadas alterações sugestivas de SFLR (Tabela 3). Dez dos 26 pacientes referiam rouquidão e 5 apresentavam queixas de disfagia.

DISCUSSÃO

Alterações laríngeas em pacientes portadores de doenças reumáticas tem sido descritas e podem se manifestar em diferentes doenças e de variadas formas. Tietel et al.3 baseado em revisão de 97 casos de pacientes lúpicos com envolvimento laríngeo, classificou o tipo de envolvimento laríngeo em nove categorias: inflamação mucosa, infecção, vasculite, paralisia da prega vocal, artrite cricoaritenóidea, estenose subglótica, tumor inflamatório, nódulos reumatóides e epiglotite. O autor defende que essas alterações podem ser um sinal de iminente exacerbação da doença de maneira similar a outros marcadores de atividade inflamatória.

Em nosso estudo, dos 12 pacientes portadores de LES avaliados somente 3 apresentaram alterações que se encaixam em alguma das nove categorias descritas anteriormente. Esses pacientes apresentaram nódulos vocais reumatóides. Embora casos esporádicos de nódulos reumatóides tenham sido descritos há décadas, foram Hosako-Naito et al.6 quem mais se dedicaram ao estudo dessas lesões. Descreveram essas lesões em pacientes portadores de LES, esclerodermia e tiroidite de Hashimoto, dando-lhes o nome de nódulos em bambu.

Em revisão da literatura, Murano et al.5 encontraram 6 casos já descritos em pacientes portadores de LES, esclerodermia, síndrome de Sjögren e DMTC. Os autorores descrevem dois outros casos em que a suspeita de doença auto-imune foi feita a partir do achado laringológico de nódulos em bambu e também defendem a uniformização da nomenclatura em nódulos vocais em bambu. Histologicamente essa lesão mostra áreas de granulomas lineares com necrose central circundada por macrófagos5. No entanto, à visão laringoscópica a lesão muito se assemelha a um cisto intracordal, mesmo quando vista por olhos experientes.

Nesse estudo identificamos 1 paciente que possuía pregas vocais arqueadas e cartilagens aritenóideas com processos vocais proeminentes. Muito embora esses achados correspondam às características de uma presbilaringe, acreditamos que sejam provocados pela doença reumática, tendo em vista que a paciente possuía a idade de 54 anos. Wolman et al.7 realizaram estudo post-mortem em 8 pacientes portadores de artrite reumatóide e verificaram que todos possuíam sinais histológicos de atrofia muscular neurogênica. Além disso, 4 pacientes mostravam sinais de miosite crônica associada à degeneração nervosa.

Nosso estudo parece ser, até o momento, o único que avalia grupo de pacientes portadores de LES, esclerodermia e DMTC independente da presença de queixa laríngea e de quadro disfônico. Em 26 pacientes estudados pôde identificar 8 alterações que acreditamos ser manifestações laríngeas de doenças reumáticas: 5 lesões sugestivas de nódulos vocais em bambu, duas pregas vocais com dilatações dos vasos sangüíneos e 1 paciente com hipotrofia do músculo tiroaritenóideo.

Além disso, observamos sinais de SFLR na maioria (92,3%) dos pacientes estudados e, em 70,8% desses, sintomas de pigarro, tosse seca e sensação de corpo estranho na garganta estavam presentes. Talvez o próprio acometimento esofágico pela doença reumática, associado ao uso freqüente de medicamentos que predisponham à SFLR, sejam os responsáveis por esta grande quantidade de pacientes com de sinais de SFLR. Interessante notarmos que esse tipo de alteração, embora ainda não tivesse sido descrito por outros autores, traz grande incômodo ao paciente e também pode contribuir para piora do quadro laríngeo.


Figura 1. Edema da região retrocricóidea (Setas).


Figura 2. Nódulo em Bambu no terço médio da prega vocal direita (Seta).


Figura 3. Nódulo em Bambu no terço médio da prega vocal direita (Seta).





CONCLUSÃO

Neste estudo pudemos observar a presença de lesões laríngeas relacionadas a doenças reumáticas em 8 dos 26 pacientes avaliados. Também identificamos 5 lesões sugestivas de nódulos em bambu, o maior número já descrito.

Além disso, observamos que quase todos os pacientes apresentavam sinais laríngeos de SFLR.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Scarpelli DG, McCoy FW, Scott JK. Acute lupus erythematosus with laryngeal involvement. N Engl J Med 1959; 261: 691.

2. Smith GA, Ward PH, Berci G. Laringeal lupus erythematosus. J Laryngol Otol 1978; 92: 67-73.

3. Teitel AD, Mackenzie CR, Stern R, Paget SA. Laryngeal involvement in lupus erythematosus. Semin Arthritis Rheum 1992; 22: 203-14.

4. Lawry GV, Finerman ML, Hanafee WN, Mancuso AA, Fan PT, Bluestone R. Laryngeal involvement in rheumatoid arthritis. Arthritis and Rheumatism 1994; 27: 873-82.

5. Murano E, Hosako-Naito Y, Tayama N, Oka T, Miyaji M, Kumada M, Niimi S. Bamboo node: Primary vocal fold lesion as evidence of auto-imuneimune disease. Journal of Voice 2001; 15(3): 441-50.

6. Hosako-Naito Y, et al. Diagnosis and physiopathology of laryngeal deposits in auto-imuneimmune disease. ORL 1999; 61: 151-7.

7. Wolman L, Darke CS, Young. The larynx in rheumatoid arthritis. J Laryngol Otol 1965; 79: 403-34.

Mestre em Otorrinolaringologia, Pós-graduando do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Fonoaudióloga do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Otorrinolaringologista, Pós-graduando do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Doutor em Medicina, Chefe de Clínica da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Professor Livre Docente, Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - EPM.
Endereço para correspondência: Hugo V. L. Ramos - Rua Otonis 700 Vila Clementino São Paulo SP 04025-002.
Tel. (0xx11) 5573-2740 - Fax (0xx11) 5575-2552 - E-mail: hvlramos@gmail.com
Artigo submetido em 13/3/2005 e aprovado em 13/6/2005.

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