Versão Inglês

Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 3  - Maio - Junho - (23º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 396 a 398

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Papiloma escamoso de orelha média: relato de um caso e revisão da literatura

Middle ear squamous papilloma: report of a case and literature review

Autor(es): Samir Cahali1, Flávia B. da Silva2, Márcia C. Machado2, Danielle A. da Silva2, Olga M. R. Reforeme3, Michel B. Cahali4

Palavras-chave: papiloma, escamoso, orelha média.

Keywords: papilloma, squamous, middle ear.

Resumo:
O papiloma escamoso é uma neoplasia benigna. A ocorrência de lesão isolada de orelha média é rara, sendo mais comumente encontrada em associação à patologia nasossinusal. Os autores relatam um caso de papiloma escamoso acometendo apenas orelha média e discutem seus aspectos diagnósticos.

Abstract:
Squamous papillomas are benign neoplasms. The occurrence of middle ear squamous papilloma is rare. It is usually associated with nasosinusal pathology. The authors report a case of middle ear squamous papilloma and discuss its diagnostic aspects.

INTRODUÇÃO

O papiloma escamoso é uma neoplasia benigna derivada do tecido ectodérmico. Estas lesões ocorrem comumente na pele da face, tronco, braços e conduto auditivo externo, podendo ainda acometer a mucosa da cavidade oral, nariz, faringe e laringe, sendo raros na orelha média1. De acordo com Amado et al.2, a incidência dos papilomas escamosos na esfera otorrinolaringológica é de 2,47/ 100.000 habitantes/ano, ocorrendo principalmente na faringe (9,51/ 100.000), cavidade oral (6,87/ 100.000) e laringe (4,76/ 100.000), sendo extremamente raros na orelha média (0,63/ 100.000). O papiloma de orelha média é mais freqüente no sexo feminino em oposição à preponderância masculina dos papilomas das vias respiratórias e do conduto auditivo externo1-3, acometendo principalmente indivíduos entre 30 e 40 anos de idade.

A patogênese do papiloma de orelha média é incerta, podendo estar associada ao papilomavírus humano (HPV), não existindo correlação entre este e a presença de doença genital1,3,4.

RELATO DO CASO

E.O.J, sexo masculino, 72 anos de idade, com história de otorréia intermitente em orelha direita associada à hipoacusia ipsilateral há 3 anos. Negou otalgia, otorragia, trauma local, vertigem ou zumbido. À otomicroscopia foi identificada lesão de aspecto polipóide multilobulada com coloração translúcida rosa claro preenchendo o conduto auditivo externo direito, proveniente da orelha média. O exame da orelha esquerda mostrou-se sem alterações. O estudo tomográfico de ossos temporais evidenciou o preenchimento das orelhas externa e média direita por material hiperatenuante com evidências de erosão da cadeia ossicular e obliteração das janelas oval e redonda ipsilateralmente. A orelha esquerda mostrou-se sem alterações (Figura 1).

Realizada a biópsia da lesão, no ambulatório, sob anestesia local, sendo então possível delimitar a presença de uma perfuração central ampla da membrana timpânica, podendo-se visualizar lesões residuais próximas ao cabo do martelo e região póstero-superior da membrana do tímpano. O orifício da tuba auditiva apresentava-se livre de doença. Houve resolução da otorréia. O exame de nasofibrolaringoscopia não mostrou alterações.

O exame histopatológico com cortes corados pela técnica hematoxilina-eosina evidenciou eixo conjuntivo denso com epitélio de revestimento do tipo pluriestratificado pavimentoso queratinizado sem atipias celulares, com laudo final de papiloma escamoso. A pesquisa de HPV resultou negativa (Figura 2).

A avaliação audiológica revelou a presença de perda auditiva mista severa em orelha direita com limiar de detecção de fala em 80 decibel e perda sensorioneural moderada a severa em orelha esquerda com índice percentual de reconhecimento de fala dentro da normalidade.

Realizado novo estudo tomográfico que evidenciou a presença de material com atenuação de partes moles preenchendo parcialmente a cavidade epitimpânica direita, bem como obliteração do nicho da janela oval ipsilateral com mastóides hipoatenuadas e escleróticas (Figura 3).

O paciente foi submetido à mastoidectomia radical em orelha direita na qual observou-se uma mastóide ebúrnea, com antro mastóideo de tamanho normal revestido por mucosa espessa. Exposto o ático com remoção de tecido inflamatório. A bigorna encontrava-se íntegra e havia ausência da ponta do cabo do martelo. Procedeu-se a remoção do rebordo e do ânulo timpânico, bem como toda a mucosa espessada, edemaciada e friável do promontório e tuba auditiva. O pós-operatório transcorreu sem intercorrências.


Figura 1. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte coronal evidenciando o preenchimento do conduto auditivo externo e orelha média direita por material com densidade de partes moles e obliteração dos nichos das janelas oval e redonda; esporão de Chaussé preservado. Orelha externa e média esquerda e ambas orelhas internas sem alterações.


Figura 2. Exame histopatológico da lesão de orelha média, corte corado pela técnica de hematoxilina-eosina, aumento de 400x.. Eixo conjuntivo denso com epitélio pavimentoso estratificado queratinizado sem atipias celulares.


Figura 3. Tomografia computadorizada de ossos temporais, corte coronal evidenciando preenchimento parcial da orelha média direita e nicho da janela oval por material com densidade de partes moles.


DISCUSSÃO

O papiloma escamoso de orelha média é extremamente raro1,2. A causa do surgimento desta lesão é pouco compreendida. A metaplasia da mucosa da orelha média por inflamação crônica pode induzir o desenvolvimento do papiloma escamoso. A migração ectópica de tecido ectodérmico para a orelha média também pode ser implicada na gênese desta patologia4,5. Chao et al.6 mostraram a associação do HPV com colesteatoma e papiloma de orelha média sem conseguir estabelecer relação de nexo causal. Entretanto, Xia et al.1 demonstraram claramente a infecção pelo HPV 6 como causadora do papiloma de orelha externa. Welsh et al.7 relataram a disseminação do papiloma escamoso da nasofaringe para a membrana do tímpano através da realização de miringotomia concomitante ao tratamento cirúrgico do papiloma da nasofaringe, indicando a provável natureza infecciosa desta lesão. No caso relatado a pesquisa do HPV resultou negativa.

O papiloma de orelha média habitualmente manifesta-se por otorréia e /ou hipoacusia, podendo ocorrer sensação de corpo estranho8,9. O comportamento clínico dos papilomas é variável, podendo manifestar-se com crescimento local agressivo, principalmente o de subtipo invertido, tornando-se imprescindível a realização do exame histopatológico da lesão através de biópsia para o planejamento terapêutico. O estudo tomográfico do osso temporal é fundamental para delimitar a extensão da lesão na orelha média auxiliando no planejamento cirúrgico adequado.

É bem documentada a associação de papilomas de orelha média com papilomas nasossinusais, sobretudo nos papilomas de subtipo invertido, tornando necessária a investigação da cavidade nasal, seios paranasais e nasofaringe7,10,11. No caso relatado a nasofibrolaringoscopia não evidenciou alterações.

O tratamento do papiloma de orelha média é eminentemente cirúrgico. É necessária a ressecção completa da lesão com o objetivo de evitar a recidiva da doença. Apesar do tratamento adequado, em cerca de 20% dos casos ocorre recidiva da lesão, podendo ser necessária a realização de novas intervenções cirúrgicas para erradicação da mesma8.

COMENTÁRIOS FINAIS

O papiloma escamoso de orelha média é um evento raro. Apesar da benignidade desta lesão, a possibilidade de recorrência após o tratamento cirúrgico torna algumas vezes difícil o controle desta patologia. São necessários mais estudos para esclarecimento da sua etiologia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5. Chetri DK, Gajjar NA, Bhuta S, Andrews JC. Quiz Case 2. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2001; 127: 79.

6. Chao WY, Chang SJ, Jin YT. Detection of Human Papillomavirus in Cholesteatomas. Eur Arch Otorhinolaryngol 2000; 257(3): 120-3.

7. Welsh RL, Gluckman JL. Dissemination of Squamous Papilloma by Surgical Manipulation: A Case Report. Laryngoscope 1984; 94: 1568-70.

8. Amado L, Ramirez L, Caballero L. Papilomas en ORL: Clínica, diagnóstico y tratamiento. Acta Otorrinolaring Esp 1996; 47(4): 306-10.

9. Kaddour HS, Woodhead CJ. Transitional Papilloma of the Middle Ear. J Laryngol Otol 1992; 106: 628-9.

10. Pou AM, Vrabec JT. Inverting Papilloma of the Temporal Bone. Laryngoscope 2002; 112(1): 140-2.

11. Seshul MJ, Eby TL, Crowe DR. Nasal Inverted Papilloma with Involvement of Middle Ear and Mastoid. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 121: 1045-8.

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