Versão Inglês

Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 2  - Março - Abril - (18º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 234 a 236

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Aspiração de corpo estranho através de traqueotomia: descrição de um caso

Foreign body aspiration through tracheotomy: a case report

Autor(es): Ricardo R. Figueiredo1, Walter S. Machado2

Palavras-chave: brônquio, corpo estranho, broncoscopia, traqueotomia.

Keywords: bronchus, foreign bodies, bronchoscopy, tracheotomy.

Resumo:
Paciente de 70 anos, sexo masculino, traqueotomizado há cerca de 7 anos devido a tumoração laríngea. Durante o procedimento de limpeza da cânula aspirou, acidentalmente, um fragmento da escova de limpeza. Radiografia de tórax em PA evidenciou corpo estranho metálico em topografia de brônquio inferior direito. Realizada broncoscopia rígida sob anestesia geral, com passagem do tubo pelo espaço glótico, sem resistências, procedeu-se a remoção do corpo estranho, sem complicações. O paciente evoluiu assintomático, sendo encaminhado ao serviço de ORL em que fazia acompanhamento para reavaliação do caso.

Abstract:
A 70 year-old man, with a 7 years tracheotomy because of a laryngeal tumor, had an accident during the daily canula cleansing procedure, aspirating a piece of the cleaning brush. The torax radiograph showed a metallic foreign body at the right inferior bronchus. Rigid bronchoscopy was done under general anesthesia, with no resistance in passing the tube through the glotis. The foreign body was easily removed, the patient having no complications. After leaving the hospital, the patient was sent to the ENT service where he used to be acompanished.

INTRODUÇÃO

Corpos estranhos de árvore traqueobrônquica correspondem a cerca de 0, 073% dos casos atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia e Endoscopia Per-oral do Hospital Souza Aguiar, Rio de Janeiro. Entretanto, são os que oferecem maior risco, devido à maior incidência de complicações, incluindo o óbito, particularmente naqueles casos em que há retardo na intervenção.

A aspiração de corpos estranhos por orifícios de traqueotomia é ocorrência incomum, havendo poucas referências na literatura. Maiores dificuldades ocorrem quando é impossível a passagem do broncoscópio pelo espaço glótico, podendo ser necessária a broncoscopia flexível, raramente efetiva para remoção de corpos estranhos, e até mesmo a remoção cirúrgica por toracotomia.

APRESENTAÇÃO DE CASO

E.G.S., sexo masculino, 70 anos, deu entrada em nosso hospital em 09/01/2003, com história de aspiração, via cânula de traqueotomia, de fragmento de escova de limpeza algumas horas antes. A escova era composta por uma haste metálica envolvida por cerdas de material plástico. O paciente encontrava-se traqueotomizado há cerca de 7 anos, devido a uma tumoração laríngea. Na laringoscopia indireta com fibra óptica foi evidenciado edema moderado de pregas vocais, sem sinais de tumoração. O paciente encontrava-se eupnéico, com tosse e secreção mucóide, em pequena quantidade. A radiografia de tórax em PA (Figura 1) mostrava imagem de objeto metálico no brônquio inferior direito, sem sinais de atelectasia ou hiperinsuflação associados. Optou-se pela imediata broncoscopia rígida sob anestesia geral. A passagem do tubo pelo espaço glótico ocorreu sem dificuldades, sendo então retirada a cânula de traqueotomia. O corpo estranho foi localizado em brônquio inferior direito e removido sem dificuldades (Figura 2). O broncoscópio foi então retirado, sendo feita a intubação orotraqueal pelo anestesiologista e, então, recolocada a cânula. A evolução pós-operatória foi excelente, com alta hospitalar no dia seguinte e prescrição de cefalexina, além de orientação para procurar o serviço de ORL no qual fazia tratamento para reavaliação da necessidade de traqueotomia.

DISCUSSÃO

Corpos estranhos da árvore traqueobrônquica são ocorrências raras, sendo mais comuns em emergências pediátricas. No Hospital Souza Aguiar representam cerca de 0, 073% dos atendimentos do Serviço de Otorrinolaringologia e Endoscopia Per-oral. A razão para esse percentual relativamente pequeno (cerca de 0, 60% dos corpos estranhos) deve-se à proteção das vias aéreas pela epiglote, aritenóides e reflexo tussígeno. Os principais locais de impactação são, pela ordem, brônquio fonte direito, brônquio fonte esquerdo e traquéia1-3.

De acordo com a literatura1-5, a maioria dos casos ocorre em crianças de até 3 anos de idade, com leve predominância para o sexo masculino. Os objetos mais freqüentemente aspirados são sementes, incluindo, dentre outras, grãos de feijão, arroz e amendoim, e pequenos objetos de metal e plásticos, como fragmentos ou partes de brinquedos.


Figura 1. Radiografia de tórax em PA mostrando CE em brônquio fonte direito.


Figura 2. CE brônquico (escova metálica para limpeza de cânula de traqueotomia).


Deve-se procurar sempre pela história sugestiva de aspiração de corpo estranho, como por exemplo, indagar se a criança estava comendo ou brincando com algum pequeno objeto, se houve tosse intensa ou cianose. No caso de adultos, a história geralmente é mais evidente, os acidentes geralmente ocorrendo durante refeições, quando espinhas de peixes, grãos ou ossos de aves podem ser aspirados. Em nosso serviço tivemos casos insólitos, como o de um paciente que aspirou um projétil de arma de fogo, ao ser abraçado pela sua filha durante a limpeza da arma, o que fazia segurando um projétil na boca. Entretanto, nem sempre essa história é clara, e na dúvida diagnóstica, deve-se proceder sempre a broncoscopia exploradora1-4.

O quadro clínico geralmente é caracterizado por tosse, sibilos, roncos, dispnéia e cornagem, este último no caso de corpos estranhos traqueais. O paciente pode evoluir com febre e expectoração muco-purulenta, no caso de pneumonia associada, e dispnéia progressiva, podendo chegar à insuficiência respiratória. A ausculta pulmonar pode revelar sibilos, roncos e redução do murmúrio vesicular na área acometida. Chamam muito a atenção sibilos e roncos em pacientes sem história prévia de asma brônquica. Tiragem supra-esternal pode estar presente em casos de insuficiência respiratória, bem como cianose nos casos mais extremos1,3,4.

O principal exame complementar é a radiografia simples de tórax em PA, em que são 3 os principais achados possíveis:

· a imagem do próprio corpo estranho, se este for radiopaco;
· imagens sugestivas de atelectasia, tais como os desvios de mediastino e diafragma;
· imagens sugestivas de enfisema por mecanismo valvular, como a hiperinsuflação.

Uma vez havendo a suspeita diagnóstica, deve-se proceder imediatamente a broncoscopia rígida sob anestesia geral. A literatura é unânime em afirmar que as complicações ocorrem, na maioria das vezes, quando há retardo na intervenção, geralmente por insegurança diagnóstica1,3,4,5. Como complicações podemos citar as pneumonias, pneumo-mediastino, pneumotórax, mediastinite, insuficiência respiratória e morte1,6. A broncoscopia é, na maioria dos casos, um procedimento relativamente simples, devendo-se enfatizar a necessidade de treinamento intenso em serviço habilitado e com material adequado (broncoscópios rígidos de vários calibres e pinças para corpos estranhos brônquicos)7,8.

Os corpos estranhos de árvore traqueobrônquica aspirados via traqueotomia são bastante raros, havendo pouquíssimos relatos na literatura, alguns associados a doenças psiquiátricas, com repetidas introduções de objetos variados pelo traqueostoma9. Nosso paciente apresentou condições de passagem do broncoscópio por via glótica, talvez por não estar mais necessitando traqueotomia. Tal fato facilitou muito o procedimento. Em pacientes laringectomizados7,10 e em todos aqueles em que não haja condições de passagem do broncoscópio por via laríngea, poderá ser necessário procedimento cirúrgico11, uma vez que é muito difícil a passagem do broncoscópio rígido pelo orifício da traqueotomia, inclusive com risco de sangramento traqueal intenso, pelo atrito. O broncoscópio flexível raramente é eficiente para remover corpos estranhos, mas acreditamos que deva sempre ser feita uma tentativa antes do procedimento cirúrgico.

CONCLUSÃO

Corpos estranhos de árvore traqueobrônquica são ocorrências raras em emergências, sendo mais freqüentes em crianças. O diagnóstico é clínico e radiológico, não devendo haver retardo na intervenção, no caso a broncoscopia rígida. A maioria dos casos de complicações, inclusive o óbito, ocorre em situações em que há demora em realizar-se o procedimento. Aspiração de corpos estranhos por traqueostomas constitui evento extremamente raro, podendo ser necessária intervenção cirúrgica para remoção do corpo estranho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Mu L, He P, Sun D. Inhalation of foreign bodies in Chinese children: a review of 400 cases. Laryngoscope 1991; 101(6): 657-60.

2. Soboczynski A, Skuratowicz A, Grzegorowski M., Cwrirot-Glyda I. The problem of lower respiratory tract foreign bodies in children. Acta Otorhinolaryngology Belgica 1993; 47 (4): 443-7.

3. Wolach B, Raz A, Weinberg J, Mikulski Y, Ben Ari J, Sadan N. Aspirated foreign bodies in the respiratory tract of children: 11 years experience with 127 patients. Internal Journal of Pediatric Otorhinolaryngology 1994; 30(1): 1-10.

4. Yamamoto S, Suzuki K, Itaya T, Yamamoto F, Baba S. Foreign bodies in the airway: A 18 year retrospective study. Acta Otolaryngology 1996; Suppl. (Stockholm) 525: 6-8.

5. Papsin Bc, Friedberg J. Aerodigestive-tract foreign bodies in children: pitfalls in management. Journal of Laryngology and Otology 1994; 23(2): 102-8.

6. Inglis AF, Wagner DV. Lower complication rates associated with bronchial foreign bodies over the last 20 years Annals of Otology Rhinology Laryngology 1992; 101(1): 61-6.

7. Marzo SJ, Hotaling AJ. Trade-off between airway resistance and optical resolution in pediatric rigid bronchoscopy. Annals of Otology Rhinology Laryngology 1995; 104 (4): 282-7.

8. Hughes CA, Baroody FM, Marsh BR. Pediatric tracheobronchial foreign bodies: a historical review from the John Hopkins Hospital Annals of Otology Rhinology Laryngology 1996; 105 (7): 555-61.

9. Barnes PR, Lomas DA. Repeated insertion of foreign bodies into the tracheobronchial tree via tracheostomy. Journal of Laryngology and Otology 1993; 107 (4): 359-60.

10. Grijalba-Uche M, Saiz-Calleja MA, Medina-Sola JJ. Cuerpo extraño traqueo-bronquial em paciente laringuectomizado: caso insólito. Acta Otorrinolaringológica Española 1995; 46 (5): 384-6.

11. Marks SC, Marsh BR, Dudgeon DL. Indications for open surgical removal of airway foreign bodies. Annals of Otology Rhinology Laryngology 1993; 102 (9): 690-4.

1 Médico otorrinolaringologista do Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro.
2 Chefe do serviço de Otorrinolaringologia e Endoscopia Per-oral do Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro.
Trabalho realizado no Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Ricardo R. Figueiredo - Rua 60 nº 1680 ap. 202 Bairro Sessenta, Volta Redonda RJ 27261-130
Fax: (0xx24) 3349-8664 - E-mail otosul@uol.com.br
Artigo recebido em 10 de fevereiro de 2003. Artigo aceito em 07 de julho de 2004.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial