Versão Inglês

Ano:  2005  Vol. 71   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (16º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 94 a 96

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Enfisema subcutâneo e pneumomediastino após amigdalectomia: relato de caso

Subcutaneous emphysema and pneumomediastinum after tonsillectomy: a case report

Autor(es): Ângelo C. D. Panerari1 , Ana C. Soter1, Flavio La Porta da Silva1, Luis F. de Oliveira1, Mayra D'Andrea R. Neves1, Antonio C.Cedin2

Palavras-chave: enfisema subcutâneo, pneumomediastino, amigdalectomia.

Keywords: pneumomediastinum, subcutaneous emphysema, tonsillectomy.

Resumo:
Várias complicações podem estar relacionadas a procedimentos cirúrgicos na área de cabeça e pescoço. Entre elas, o pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo ocorrem raramente. Relatamos o caso de uma paciente submetida a tonsilectomia palatina que evoluiu com enfisema subcutâneo da região cervical, torácica e pneumomediastino. Em cirurgias de tonsilas palatinas devem ser observados cuidados com a intubação, uso de máscara sob pressão positiva com oxigênio na recuperação anestésica, atos cirúrgicos intempestivos e uso de aparelhos que proporcionem lesão excessiva na loja tonsiliana a fim de se evitar as complicações descritas.

Abstract:
Several complications can be related to surgical approaches of head and neck regions. Among those, there are rare conditions such as pneumomediastinum, pneumothorax and subcutaneous cervical emphysema. This study reports a case of a patient that developed pneumomediastinum, pneumothorax and subcutaneous emphysema after undergoing tonsillectomy. In order to reduce these complications in surgical approaches such as tonsillectomy, care should be taken with intubation, use of oxygen mask for positive pressure ventilation during anesthesia recovery, aggressive surgical maneuvers and use of surgical instruments that may cause deep tonsillar injuries.

INTRODUÇÃO

Várias complicações podem estar associadas a procedimentos cirúrgicos na área de cabeça e pescoço. Entre estas, segundo Chen et al., estão o pneumomediastino, pneumotórax e enfisema subcutâneo da face e pescoço. Enfisema subcutâneo seguido por trauma de face extração dentária, tonsilectomia e cirurgia sinusal têm sido descritos, segundo Friedman et al. O caso relatado é da ocorrência de enfisema subcutâneo, pneumotórax e pneumomediastino após a realização de tonsilectomia palatina, tendo como objetivo a discussão dos possíveis mecanismos, morbidade, formas de prevenção e tratamento.

RELATO DO CASO

Paciente ISF, sexo feminino, 31 anos de idade foi submetida a tonsilectomia palatina por diagnóstico de angina crônica. O procedimento foi realizado sob anestesia geral com intubação orotraqueal. Iniciou-se com incisão do pilar anterior com bisturi lâmina 12 a cerca de 3 mm de seu rebordo, sentido ínfero-superior até a 0,5 cm da face lateral da úvula. Dissecou-se a tonsila palatina no plano subcapsular, evitando-se trauma excessivo. A hemostasia foi realizada através de eletrocoagulação bipolar. Não houve qualquer intercorrência durante o ato operatório.

Ao se realizar a extubação e ventilação do paciente com máscara de ventilação com pressão positiva de oxigênio para recuperação anestésica verificou-se inchaço e crepitação imediatos, que se iniciaram em região anterior de pescoço bilateralmente com extensão progressiva para área sub-mentoniana, mentoniana, face e região torácica anterior.

O paciente foi reintubado e submetido à revisão cirúrgica. Constataram-se bolhas de ar em região inferior de loja amigdaliana direita, após administração de pequena quantidade de soro fisiológico no local. Suturou-se o local com fio Catygut cromado 3-0 agulhado para aproximação dos planos musculares.

Ao ser novamente extubado, o inchaço se estendeu ainda mais para a região anterior do tórax, pescoço e mento. Observou-se estridor respiratório e dispnéia. No exame radiológico ântero-posterior de pescoço e tórax constatou-se pneumomediastino, enfisema subcutâneo extenso ao redor da região anterior do tórax, pescoço e mento. Faringe e traquéia apresentavam-se sem anormalidades (Figura 1).

Foi realizada traqueostomia para desbloqueio de vias aéreas. Administrou-se gatifloxacina e clindamicina no pós-operatório imediato, mantido até o 10º dia.

Na evolução pós-operatória houve redução progressiva do enfisema subcutâneo, com regressão completa ao final do 5º dia. Foi decanulada após constatação de respiração normal à oclusão do traqueostoma e resolução do pneumomediastino ao exame radiológico (Figura 2).

DISCUSSÃO

O diagnóstico diferencial de inchaço em pescoço e face após tonsilectomia palatina inclui hematoma, celulite, reação alérgica, angioedema, enfisema subcutâneo e pneumomediastino1.

Pneumomediastino foi primeiramente descrito como complicação traumática em 1819 por Laennec2. É um processo considerado geralmente como benigno e autolimitado que não requer intervenção cirúrgica, embora a etiologia deva ser elucidada para se excluir doenças de base.


Figura 1. Pós operatório imediato evidenciando pneumomediastino



Figura 2. 5º P.O evidenciando resolução radiológica do pneumomediastino


As causas mais freqüentes de pneumomediastino são: as secundárias ao aumento da pressão intratorácica, manobra de Valsalva, exercício extenuante, levantamento de peso, vômito, uso de cocaína e outras drogas por via nasal, barotrauma e estado de mal asmático. Causas atípicas de pneumomediastino incluem: artroscopia, extração dentária, tonsilectomia palatina, ato de tocar trombone, manobras que exijam performance máxima de expiração e intubação endotraqueal com laceração do seio piriforme ou valécula2,3.

No caso relatado foi utilizado aspirador-descolador para dissecção amigdaliana e ventilação com pressão positiva de oxigênio na recuperação anestésica.

Segundo a literatura, enfisema subcutâneo iatrogênico de face e pescoço em cirurgia de cavidade oral pode ocorrer por técnica cirúrgica intempestiva, equipamento inapropriado como brocas de alta compressão de ar, acesso venoso central inapropriado e após tonsilectomia palatina, quando o paciente é submetido à ventilação com pressão positiva de oxigênio na recuperação anestésica4-7.

O enfisema subcutâneo, na região da cabeça e pescoço, produz manifestações variáveis, desde desconforto e crepitação discretos ao se palpar os tecidos, até comprometimento das vias aéreo-digestivas com dor, inchaço e crepitação significativamente acentuados, se uma grande quantidade de ar penetrar nos tecidos, como ocorreu no caso relatado. Enfisema de órbita pode causar perda da visão.

O tratamento de enfisema subcutâneo varia de acordo com a gravidade e da experiência dos intervencionistas. A maioria dos casos de enfisema subcutâneo começa a se resolver após dois a três dias de tratamento de suporte e inchaço residual é geralmente mínimo após 7 a 10 dias de observação.

Procedimento cirúrgico para descompressão de enfisema extensos não é conduta de rotina, pois aparentemente é inefetivo, além de poder piorá-los.

O tratamento, na maioria das vezes, deve ser conservador e consiste na orientação quanto à natureza e o curso benigno dos enfisemas subcutâneos e esclarecimento quanto às precauções e condutas a serem tomadas caso haja retorno do enfisema ou dificuldade respiratória.

Nos casos graves em que haja comprometimento das vias aéreas está indicada intubação orotraqueal e traqueostomia, como foi realizado no presente caso.

COMENTÁRIOS FINAIS

Como conduta preventiva das complicações enfisematosas nas cirurgias das tonsilas palatinas faz-se necessário observar a intubação, a qual deve ser realizada de modo cuidadoso, evitando lesões das vias aéreas superiores. O uso de máscara para ventilação com pressão positiva de oxigênio deve ser evitada na recuperação anestésica destes pacientes, especialmente se houver grande laceração dos tecidos à dissecção.

Por fim, a técnica cirúrgica deverá ser a menos agressiva possível, evitando-se atos intempestivos e instrumental que aumentem a possibilidade de trauma desnecessário na loja amigdaliana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Chen S, Lin F, Chang K. Subcutaneous emphysema and pneumomediastinum after dental extraction. Am J Emerg Méd 1999; 17(7): 678-80.

2. Kogan I, Celli B. Pneumomediastinum in a 63-year-old woman with asthma exacerbation. Am Coll Chest Physic 2000; 117(6),1778-81.

3. 3.Mussack T, Wiedeman E. Pneumoperitoneum, pneumoretroperitonium, and pneumomediastinum caused by laryngeal fracture after multiple trauma. Am J Emerg Med 2001; 19(6).

4. Buckley MJ, Turvey TA, Schuman SP. Orbital emphysema causing vision loss after a dental extraction. J Am Dent Assoc 1990; 120: 421-4.

5. Nahieli O, Neder A, Ashkelon I. Iatrogenic pneumomediastinum after endodonic therapy. Oral Surg Oral Med Pathol 1991; 71: 618-9.

6. 6.Torres-Melero J, Arias-Diaz J, Balibrea JL. Pneumomediastinum secocondary to use a high speed air turbine drill during a dental extraxtion.Thorax 1996; 51: 339-40.

7. Friedman O, Chidekel A, Lawless ST. Postoperative bilevel positive airway pressure ventilation after tonsilectomy and adenoidectomy in children-a preliminary report. Int J Pediatr Otorhinolryngol 1999; 51(3): 177-80.

8. Pterson LJ. Emphysema and dental drill(comment). JAM Dent Assoc 1990; 120: 423.


1 Residentes da Clínica de Otorrinolaringologia Ivan F. Barbosa, Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

2 Coordenador da Residência em ORL da Clínica Ivan F. Barbosa, Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Clínica de Otorrinolaringologia Ivan F. Barbosa - Hospital Beneficência Portuguesa.

Endereço para correspondência: Ângelo César D'urso Panerari - R. Maestro Cardim 770 Bela Vista SP 01322-020

Tel (0xx11) 288-0899 - Fax (0xx11) 3253-0705 - E-mail: panerari29@hotmail.com

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial