Ano: 2005 Vol. 71 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (10º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 60 a 66
Dos potenciais evocados miogênicos vestibulares nas orelhas comprometida e assintomática na Doença de Ménière unilateral
Vestibular evoked myogenic potentials in the affected and asymptomatic ears in the unilateral Ménière's Disease
Autor(es): Súnia Ribeiro1 , Roberta R. de Almeida2, Heloisa H. Caovilla3 , Maurício M. Ganança4
Palavras-chave: potenciais evocados, teste de função vestibular, Doença de Ménière/diagnóstico.
Keywords: evoked potentials, vestibular function test, Ménière's disease/diagnoses.
Resumo:
Objetivo: Verificar se os potenciais evocados miogênicos vestibulares podem apresentar anormalidades na orelha comprometida e na orelha assintomática em pacientes com hipótese diagnóstica de doença de Ménière definida unilateral. Método: Foram avaliados os potenciais evocados miogênicos vestibulares de 20 pacientes com doença de Ménière definida unilateral. A seleção dos indivíduos baseou-se na história e na avaliação clínica sugestivas de doença de Ménière definida unilateral, e eletrococleografia com anormalidades na orelha comprometida. Os potenciais evocados miogênicos vestibulares foram avaliados em ambas as orelhas de cada paciente por meio da latência absoluta de p13 e n23, diferença interaural da latência dos picos p13 e n23 e índice de assimetria da amplitude de p13-n23. Resultado: Os potenciais evocados miogênicos vestibulares estavam alterados em 35,0% das orelhas comprometidas e em 25,0% das orelhas assintomáticas. As alterações foram: ausência de resposta em sete casos, aumento da latência absoluta de p13 em três casos, e aumento do índice de assimetria da amplitude em um caso. Conclusão: Os potenciais evocados miogênicos vestibulares podem apresentar anormalidades nas orelhas comprometida e assintomática de pacientes com hipótese diagnóstica de doença de Ménière definida unilateral.
Abstract:
Objective: To verify whether vestibular evoked myogenic potentials can present abnormalities in the affected ear and in the asymptomatic ear in patients with diagnosis of unilateral Ménière's disease. Method: The vestibular evoked myogenic potentials of 20 patients with unilateral Ménière's disease were analyzed. The selection of individuals was based on the history and in clinical evaluation suggestive of unilaterally defined Ménière's disease, and with electrocochleography abnormalities in the affected ear. Vestibular evoked myogenic potentials were evaluated in both ears of each patient through absolute latencies of p13 and n23, interaural difference of latency of peaks p13 and n23 and amplitude p13-n23 asymmetry rate. Results: Vestibular evoked myogenic potentials were altered in 35.0% of the affected ears and in 25.0% of the asymptomatic ears. The alterations were: absence of responses in seven cases, prolongation of p13 latency in three cases, and increase in interaural amplitude difference ratio in one case. Conclusion: The vestibular evoked myogenic potentials can present abnormalities in the affected and asymptomatic ears in patients with diagnosis of unilaterally defined Ménière's disease.
INTRODUÇÃO
A doença de Ménière foi descrita por Prosper Ménière em 1861 e foi definida como uma doença do labirinto membranoso, caracterizada por episódios espontâneos recorrentes de vertigem, perda da audição, plenitude aural e zumbido do lado afetado, devido a uma hidropisia endolinfática (American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surgery, 1995)1.
A hidropisia endolinfática ocorre mais freqüentemente na cóclea e o sáculo é a segunda área em prevalência. A hidropisia severa é mais comum no sáculo2. Hidropisia sacular pode ocorrer em 50,0% dos casos de síndrome de Ménière3. A determinação da hidropisia sacular pode representar um importante avanço no diagnóstico da doença de Ménière4-8.
Passados 150 anos, vários aspectos como a etiopatogenia e a terapia da doença de Ménière ainda continuam controversos. Sob o ponto de vista diagnóstico, diversos testes têm sido exaustivamente estudados, e dúvidas persistem.
A presença de hidropisia in vivo nunca foi confirmada, mas tem sido sugerida pelos resultados dos testes de glicerol ou furosemide e pela eletrococleografia. No entanto, esses exames não são apropriados para a avaliação dos órgãos otolíticos ou de vias neurais descendentes (trato vestíbulo-espinal lateral). Novos instrumentos clínicos são necessários para identificar a hidropisia sacular.
Os potenciais evocados miogênicos vestibulares (VEMP - Vestibular Evoked Myogenic Potentials) têm sido estudados desde a década de 60, mas vários centros começaram a utilizá-los para avaliar o reflexo sáculo-cólico somente a partir de 1992. São potenciais evocados de média latência, gerados por um reflexo muscular vestíbulo-espinal, que dependem da integridade funcional da mácula sacular, do nervo vestibular inferior, dos núcleos vestibulares, das vias vestíbulo-espinais e da placa neuromuscular9. Uma lesão em qualquer uma destas estruturas resulta em alteração destes potenciais. Prolongamento da latência sugere lesões retrolabirínticas, especialmente no trato vestíbulo-espinal. Nas disfunções da mácula sacular ou do nervo vestibular inferior, a alteração descrita é a assimetria da amplitude ou a ausência de resposta do lado acometido, refletindo um bloqueio do reflexo10.
O registro do primeiro complexo de onda bifásica p13-n23 apresenta pico positivo (p) com latência média de 13ms, seguido de pico negativo (n) com latência média de 23ms. A amplitude de p13-n23 expressa a magnitude do reflexo muscular provocado pela estimulação sonora da mácula sacular11.
Na doença de Ménière unilateral, a ausência de potenciais miogênicos vestibulares foi observada em 54,2% dos casos12; ausência ou amplitude diminuída dos potenciais foram identificadas em 58,8% dos pacientes5.
Respostas anormais foram verificadas em 53,3% das orelhas comprometidas e em 6,6% das orelhas assintomáticas de pacientes com doença de Ménière unilateral6.
O aumento da diferença interaural da amplitude dos potenciais sugere hidropisia sacular na doença de Ménière unilateral7.
Vários trabalhos têm mostrado o valor dos potenciais evocados miogênicos vestibulares na avaliação da função sacular4,7,8,10,13,. A pesquisa destes potenciais constitui um procedimento objetivo não-invasivo, de fácil execução e interpretação, não acarretando desconforto ao paciente.
As orelhas assintomáticas em pacientes com doença de Ménière unilateral podem evidenciar anormalidades similares às da orelha comprometida, em menor grau de intensidade. Este achado pode ser devido à hidropisia sacular oculta na orelha assintomática ou resultante de interações binaurais no arco reflexo otolítico-cervical dos potenciais evocados miogênicos vestibulares14.
O objetivo do presente estudo é verificar se os potenciais evocados miogênicos vestibulares podem apresentar anormalidades na orelha comprometida e na orelha assintomática em pacientes com hipótese diagnóstica de doença de Ménière definida unilateral.
MATERIAL E MÉTODO
O Projeto de pesquisa deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP).
Foram avaliados os potenciais evocados miogênicos vestibulares de 20 pacientes com doença de Ménière definida unilateral, de acordo com os critérios clínicos propostos pela American Academy of Otolaryngology - Head and Neck Surgery (1995)1, sendo 16 do gênero feminino e quatro do gênero masculino, com idade variando entre 30 e 82 anos e com média de 49,5 anos.
A seleção dos indivíduos baseou-se na história e na avaliação clínica sugestivas de doença de Ménière definida unilateral, e na eletrococleografia com anormalidades na orelha comprometida.
Os indivíduos estudados foram submetidos aos exames otorrinolaringológico e otoneurológico, incluindo audiometria tonal limiar e vocal, imitanciometria, eletrococleografia transtimpânica, audiometria de tronco encefálico, vectoeletronistagmografia e potenciais evocados miogênicos vestibulares.
A eletrococleografia transtimpânica realizada de acordo com os critérios de Munhoz (2001)15, sugeriu hidropisia endolinfática coclear quando a relação entre os potenciais de somação e de ação (PS/PA) foi maior ou igual a 35,0%.
Os critérios de exclusão foram: 1) desvio dos padrões normais do limiar auditivo, da discriminação vocal, da imitanciometria e da eletrococleografia transtimpânica da orelha assintomática; 2) impossibilidade de rotação cervical, e 3) deformidades do pavilhão auricular, meato acústico externo ou membrana timpânica.
O equipamento utilizado foi o Amplaid MK12R com quatro canais. Os estímulos sonoros foram apresentados por meio de fones de ouvido Amplaid MX-41/ARR.
O registro foi realizado por eletrodos de superfície colocados sobre a pele e fixados com fita adesiva, após utilização prévia de pasta eletrolítica. O eletrodo ativo foi colocado na metade superior do músculo esternocleidomastóideo ipsilateral à estimulação; o eletrodo de referência, sobre a borda anterior da clavícula ipsilateral e o eletrodo terra, na linha média frontal.
Para a obtenção do registro dos potenciais evocados miogênicos vestibulares no músculo esternocleidomastóideo, o paciente permaneceu sentado, com rotação lateral máxima da cabeça para o lado contralateral ao estímulo. O estímulo foi iniciado pela aferência direita e a seguir repetido na aferência esquerda. As respostas foram replicadas, ou seja, registradas duas vezes do lado direito e duas vezes do lado esquerdo (Figura 1 e 2).
Os exames foram realizados em ambiente silencioso, sem tratamento acústico.
Foram promediados 200 cliques alternantes com 0,1ms de duração, na freqüência de apresentação de 3 Hz, na intensidade de 90dB NA (120dB NPS), utilizando um filtro passa banda de 10 a 2500 Hz, com amplificação de 10 a 25 V por divisão. Os registros foram realizados em janela de 60ms.
A Figura 3 mostra o registro do primeiro complexo de onda bifásica p13-n23, com pico positivo seguido de pico negativo.
Os potenciais evocados miogênicos vestibulares foram avaliados por meio das latências absolutas de p13 e n23, diferença interaural da latência dos picos p13 e n23 e índice de assimetria da amplitude de p13-n23.
A diferença interaural da latência dos picos p13 e n23 foi calculada por uma fórmula em que o valor do lado de maior latência é subtraído do valor do lado de menor latência. Com base nos dados em indivíduos hígidos examinados por Almeida (1999)16, que empregou o mesmo equipamento e o mesmo método, a latência absoluta dos picos p13 foi considerada anormal quando excedeu 15,82ms.
Utilizou-se o índice de assimetria interaural da amplitude do reflexo muscular vestíbulo-espinal, expresso em porcentagem, calculado por meio da fórmula: 100 (lado de maior amplitude - lado de menor amplitude) / (lado de maior amplitude + lado de menor amplitude). Com base nos valores dos indivíduos hígidos de Almeida (1999)16, o índice de assimetria da amplitude foi considerado anormal quando excedeu 44,4%.
Para a avaliação dos potenciais evocados miogênicos vestibulares, foi realizada uma análise comparativa entre a orelha comprometida e a orelha assintomática.
O teste t-pareado foi aplicado para verificar se há diferença entre as médias dos valores de dois grupos pareados de informações com nível de mensuração numérica. O nível de significância foi de 5%.
Figura 1. Local de colocação dos eletrodos para o registro das respostas do músculo esternocleidomastóideo.
Figura 2. Posicionamento do indivíduo durante os registros das respostas do músculo esternocleidomastóideo.
Figura 3. Complexo de onda bifásica p13-n23
RESULTADOS
Dez pacientes com doença de Ménière unilateral (50,0%) não apresentaram anormalidades dos potenciais evocados miogênicos vestibulares.
Dez casos (50,0%) apresentaram anormalidades. Os potenciais estavam ausentes em sete casos (35,0%); dois casos apresentaram ausência de respostas bilateralmente e cinco casos ausência unilateral, sendo três casos do lado comprometido e dois casos do lado assintomático. Aumento da latência absoluta de p13 foi identificado em dois casos (10,0%), e associação do aumento da latência absoluta de p13 e do índice de assimetria da amplitude em um caso (5,0%) (Tabela 1).
Os potenciais evocados miogênicos vestibulares do lado da orelha assintomática não apresentaram anormalidades em 15 casos (75,0%), estavam ausentes em quatro casos (20,0%), e evidenciaram aumento da latência absoluta de p13 em um caso (5,0%).
Nos 13 casos (65,0%) com potenciais evocados miogênicos vestibulares presentes, a média dos valores da latência do potencial p13 à estimulação da orelha comprometida ipsilateral ao músculo esternocleidomastóideo foi de 12,26 ± 1,94ms e a média dos valores da latência do potencial n23 foi 20,17 ± 1,53ms. As latências de p13 e n23 das orelhas assintomáticas foram 11,98 ± 1,69ms e 20,01 ± 1,99ms, respectivamente. Não houve diferença estatisticamente significante entre a média dos valores da orelha comprometida com a média dos valores da orelha assintomática (Tabela 2).
Valores da latência absoluta de p13 acima de 15,82ms foram encontrados em três pacientes (15,0%), sendo dois do lado comprometido e um caso do lado assintomático.
Não houve diferença significante entre a média dos valores absolutos da amplitude de p13-n23 nas 13 orelhas comprometidas, igual a 29,69 ± 26,35µv, e a das orelhas assintomáticas, igual a 30,98 ± 24,75µv (Tabela 3).
Para a realização da análise estatística das latências absolutas e das amplitudes foram excluídas as ausências de resposta (sete casos), ficando a amostra com 13 orelhas.Tabela 1. Análise descritiva dos resultados alterados dos potenciais evocados miogênicos vestibulares nos pacientes com doença de Ménière unilateral.Tabela 2. Resultados da comparação dos valores da latência dos potenciais evocados miogênicos vestibulares entre a orelha assintomática e a orelha comprometida.Tabela 3. Resultados da comparação dos valores da amplitude dos potenciais evocados miogênicos vestibulares entre a orelha assintomática e a orelha comprometida.
O índice de assimetria dos valores da amplitude foi 26,77 ± 12,65%. (Tabela 4).
Um dos pacientes com aumento do índice de assimetria da amplitude apresentou aumento da latência absoluta de p13 do lado comprometido.
DISCUSSÂO
As dificuldades no diagnóstico de certeza da doença de Ménière, que só pode ser feito por meio de estudo histológico após a morte, têm levado ao desenvolvimento de vários critérios clínicos para estabelecer a hipótese diagnóstica desta afecção labiríntica. Estes critérios baseiam-se na associação de sinais e sintomas clínicos com achados otoneurológicos17.
A eletrococleografia associada ou não aos testes de glicerol ou furosemide é um dos exames mais empregados para o diagnóstico da hidropisia endolinfática. A literatura pertinente discorre sobre os parâmetros ideais, a importância na identificação da hidropisia endolinfática e a especificidade ou sensibilidade no diagnóstico da doença de Ménière17,18,19. O sáculo é a segunda área em prevalência de hidropisia2. A eletrococleografia não é apropriada para a avaliação dos órgãos otolíticos (sáculo, utrículo e canais semicirculares) ou de vias neurais descendentes. A determinação da hidropisia sacular pode ser útil no diagnóstico da doença de Ménière4-8.
Os potenciais evocados miogênicos vestibulares constituem um teste utilizado para avaliar o reflexo sáculo-cólico em humanos, desencadeado por estimulação sonora intensa da mácula sacular, que é sensível ao som mesmo após a destruição total da cóclea20. Estes potenciais podem ser obtidos com o mesmo estímulo em indivíduos com boa ou má acuidade auditiva, desde que as máculas saculares estejam conservadas.Tabela 4. Valores das diferenças interaurais de p13 e n23 e índice de assimetria.
Na eletrococleografia, os limiares auditivos são fatores limitantes para o exame. Munhoz (2001)15 verificou que o valor de 35,0% para a relação PS/PA em pacientes com limiares auditivos ? 50dB corresponde ao índice de 100% de sensibilidade e especificidade para caracterizar hidropisia endolinfática. Soares et al. (2003)21, no entanto, ao estudar pacientes com limiares auditivos ? 50dB, observaram que a eletrococleografia perde em sensibilidade e especificidade.
A integridade do reflexo sáculo-cólico nos pacientes com doença de Ménière é confirmada pela presença da onda bifásica p13-n23 dos potenciais evocados miogênicos vestibulares. A onda bifásica p13-n23 ocorreu na orelha comprometida de 15 (75,0%) dos nossos pacientes com doença de Ménière unilateral. Resultado similar ao de Seo et al. (2003)8 que encontrou a onda bifásica em 18 (72,0%) casos, mas contrasta com o de Waele et al. (1999)12, que observou a onda p13-n23 em apenas 23 (45,7%) casos.
Waele et al. (1999)12 atribuíram a ausência de resposta dos potenciais evocados miogênicos vestibulares na doença de Ménière como sendo decorrente de contração muscular insuficiente durante o teste, afecção vestibular periférica oculta ou hipossensibilidade do sáculo, devido ao envelhecimento da mácula sacular, em idosos. Em nosso estudo, os potenciais miogênicos estavam ausentes em sete casos (35,0%). A ausência de resposta dos potenciais evocados miogênicos vestibulares nos casos de doença de Ménière sugere hidropisia sacular8,10,12. Dependendo do grau da severidade da hidropisia, alguns pacientes podem apresentar uma degeneração irreversível do epitélio sensorial da mácula sacular5,6,8,13. A ausência de resposta na orelha não comprometida foi encontrada em 20,0% dos nossos casos. Achados similares foram encontrados no estudo de Seo et al. (2003)8 em seis orelhas (24,0%) dos 25 pacientes, mostrando o valor destes potenciais no diagnostico da hidropisia sacular oculta, sem manifestações clínicas14.
Alguns autores têm relatado achados anormais de exames clínicos na orelha assintomática na doença de Ménière. A hidropisia endolinfática pode ser evidenciada na eletrococleografia das orelhas assintomáticas em 15,0 a 35,0% dos pacientes com doença de Ménière unilateral22,23. A comprovação histopatológica de hidropisia endolinfática na orelha assintomática foi encontrada em 11,1% dos casos de Fraysse et al. (1989)24. Estes achados indicam que exames eletrofisiológicos podem identificar hidropisia endolinfática oculta na orelha aparentemente assintomática em pacientes com doença de Ménière. Em nosso estudo, verificou-se aumento da latência absoluta de p13 em 3 casos (15,0%). Achados similares foram encontrados no estudo de Young et al. (2002b)25, relatando 10,0% dos casos de hidropisia endolinfática tardia prolongamento da latência absoluta de p13, justificando estes achados devido à alta pressão endolinfática que perturbaria a transmissão do som, desde que também a audição estivesse prejudicada. Para Murofushi et al. (2001a)10, prolongamento da latência de p13 sugere lesões retrolabirínticas.
Não encontramos diferença significante entre as latências absolutas das ondas p13 e n23 das orelhas comprometidas e assintomáticas. O mesmo foi encontrado por Young et al. (2003)26. Waele et al. (1999)12 observaram latência das respostas de indivíduos com doença de Ménière semelhante à de indivíduos hígidos, verificando diferença apenas na amplitude das respostas.
A amplitude do primeiro potencial bifásico foi considerada como uma medida quantitativa do reflexo vestíbulo-espinal, expressando a atividade elétrica da musculatura efetora12,27-30. A grande variabilidade das respostas é provavelmente devida às diferenças individuais do grau de contratura, tônus e massa do músculo estudado, apesar da padronização da postura do paciente durante a realização do exame. Dessa forma, a amplitude absoluta não deve ser utilizada para comparação interpessoal do reflexo muscular vestíbulo-espinal e sim o índice de assimetria da amplitude. O aumento do índice de assimetria da amplitude dos potenciais sugere hidropisisa sacular na doença de Ménière unilateral7.
Com relação às respostas do músculo esternocleidomastóideo na estímulação monoaural ipsilateral, constatamos que a média do índice de assimetria daqueles pacientes que apresentaram respostas bilaterais foi de 26,77%, com desvio padrão de 12,65%. A literatura descreve respostas normais com índice de assimetria de até 34,0% (Murofushi et al., 1998)29, 36,0% (Young et al., 2002a)7, 44,4% (Almeida, 1999)16 e de 47,4% (Seo et al., 2003)8. Em nosso estudo, encontramos um paciente (5,0%) com aumento dos potenciais evocados miogênicos vestibulares apresentando índice de assimetria da amplitude de 48,2%, sugerindo hipersensibilidade da mácula sacular pela hidropisia deste órgão. Resultado semelhante foi encontrado na literatura em 5,0 a 7,5% dos casos7,26. Por outro lado, em sete pacientes foi observada ausência de respostas ipsi ou contralateral ao lado comprometido sugerindo arreflexia da mácula sacular, e portanto um estádio mais avançado da doença deste órgão.
Em nossa pesquisa, os potenciais evocados miogênicos vestibulares estiveram alterados em 50,0% dos pacientes com doença de Ménière unilateral, o que se aproxima dos referidos por Waele et al. (1999)12, Murofushi et al. (2001b)5, Shojaku et al. (2001)6, Seo et al. (2003)8 e Young et al. (2003)26, entre 40,0 e 54,0%.
De acordo com o que podemos observar os potenciais evocados miogênicos vestibulares propiciam informações que podem ser úteis na avaliação do comprometimento do sáculo na hidropisia endolinfática na doença de Ménière, tanto na orelha comprometida quanto na orelha assintomática. Apesar da avaliação levar em conta o diagnóstico da doença de Ménière como unilateral por meio dos critérios cocleares (clínicos e eletrococleográficos) o que podemos observar é que a doença compromete de forma distinta os diferentes seguimentos labirínticos, por isso tanta heterogeneidade das respostas em uma doença "dita" unilateral.
A facilidade de execução e interpretação, não ser invasivo e não ocasionar desconforto ao paciente são vantagens do método a serem consideradas.
Estudos para apreciar as implicações dos potenciais evocados miogênicos vestibulares nos diversos estádios da doença de Ménière e em outras formas de hidropisia endolinfática são necessários. Acreditamos que o método merece inclusão na rotina clinica da avaliação otoneurológica.
CONCLUSÃO
Os potenciais evocados miogênicos vestibulares podem apresentar anormalidades nas orelhas comprometida e assintomática em pacientes com hipótese diagnóstica de doença de Ménière definida unilateral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Committee on Hearing and Equilibrium guidelines for the diagnosis and evaluation of therapy in Ménière's disease. Otolaryngol Head Neck Surg 1995; 113:181-5.
2. Okuno T, Sando I. Localization, frequency and severity of endolymphatic hydrops and the pathology of the labyrinthine membrane in Ménière's disease. Ann Otol Rhinol Laryngol Suppl 1987; 96: 438-45.
3. Altmann F, Kornfeld M. Histological studies of Ménière's disease. Ann Otol Rhinol Laryngol 1965; 74: 915-43.
4. Seo T, Yoshida K, Shibano A, Sakagami M. A possible case of saccular endolymphatic hydrops. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec 1999; 61: 215-8.
5. Murofushi T, Matsuzaki M, Takegoshi H. Glycerol affects vestibular evoked myogenic potentials in Ménière's disease. Auris Nasus Larynx 2001b; 28(3): 205-8.
6. Shojaku H, Takemori S, Kobayashi K, Watanabe Y. Clinical usefulness of glycerol vestibular-evoked myogenic potentials: preliminary report. Acta Otolaryngol Suppl 2001; 545: 65-8.
7. Young YH, Wu CC, Wu CH. Augmentation of vestibular evoked myogenic potentials: an indication for distended saccular hydrops. Laryngoscope 2002a; 112: 509-12.
8. Seo T, Node M, Yukimasa A, Sakagami M. Furosemide loading vestibular evoked myogenic potential for unilateral Ménière's disease. Otol Neurotol 2003; 24: 283-8.
9. Colebatch JG, Halmagyi GM. Vestibular evoked potentials in human neck muscles before and after unilateral vestibular deafferentation. Neurology 1992; 42: 1635-6.
10. Murofushi T, Shimizu K, Takegoshi H, Cheng P. Diagnostic value of prolonged latencies in the vestibular evoked myogenic potential. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2001a; 127: 1069-72.
11. Ferber-Viart C, Dubreuil C, Duclaux R. Vestibular evoked myogenic potentials in humans: a review. Acta Otolaryngol (Stockh) 1999; 119: 6-15.
12. Waele C, Huy PTB, Diard JP, Freyss G, Vidal PP. Saccular dysfunction in Ménière's disease. Am J Otol 1999; 20: 223-32.
13. Ohki M, Matsuzaki M, Sugasawa K, Murofushi T. Vestibular evoked myogenic potentials in ipsilateral delayed endolymphatic hydrops. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec 2002; 64: 424-8.
14. Rauch SD, Zhou G, Kujawa SG, Guinan JJ, Herrmann BS. Vestibular evoked myogenic potentials show altered tuning patients with Ménière´s Disease. Otol Neurotol 2004; 25: 333-8.
15. Munhoz MSL. Da Sensibilidade e especificidade da eletrococleografia transtimpânica em pacientes com e sem hydrops endolinfático (tese livre-docência). São Paulo: Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina; 2001.
16. Almeida RR. Potenciais evocados miogênicos vestibulares: estudo em indivíduos normais [tese-Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1999.
17. Ganança MM, Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG. Condutas na vertigem. São Paulo: Moreira Júnior; 2004. 112p.
18. Dornhoffer JL. Diagnosis of cochlear Ménière's disease with electrocochleography. ORL 1998; 60: 301-5.
19. Sass K. sensitivity and specificity of transtympanic electrocochleography in Ménière's disease. Acta Otolaryngol 1998; 118: 150-6.
20. Cazals Y, Aran JM, Erre JP, Guilhaume A. Acoustic responses after total destruction of the cochlear receptor: brainstem and auditory cortex. Science 1980; 210: 83-6.
21. Soares LCA, Conegundes LSO, Fukuda C, MunhozmsL. Da eletrococleografia transtimpânica em pacientes com e sem hydrops endolinfático e limiares auditivos iguais ou maiores que 50 decibéis. Rev Bras Otorrinolaringol 2003; 69(1): 74-82.
22. Moffat DA, Baguley DM, Harries MLL, Atlas M, Lynch CA. Bilateral electrocochleographic findings in unilateral Ménière's disease. Otolaryngol Head Neck Surg 1992; 107: 370-3.
23. Conlon BJ, Gibson WPR. Ménière's disease: the incidence of hydrops in the contralateral asymptomatic ear. Laryngoscope 1999; 109: 1800-2.
24. Fraysse BG, Alonso A, House WF. Ménière's disease and endolymphatic hydrops: clinical-histopathological correlations. Ann Otol Rhinol Laryngol 1989; 89 (Suppl, 6 Pt 3): 2-22.
25. Young YH, Huang TW, Cheng PW. Vestibular evoked myogenic potentials in delayed endolymphatic hydrops. Laryngoscope 2002b; 112: 1623-6.
26. Young YH, Huang TW, Cheng PW. Assessing the stage of Ménière's disease using vestibular evoked myogenic potentials. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2003; 129: 815-8.
27. Colebatch JG, Rothwell JC. Vestibular evoked EMG responses in human neck muscles. J Physiol 1993; 473:18.
28. Murofushi T, Halmagyi GM, Yavor RA, Colebath JG. Absent vestibular evoked myogenic potentials in vestibular neurolabyrinthitis: an indicator of inferior vestibular nerve involvement? Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1996; 122: 845-8.
29. Murofushi T, Matsuzaki M, Mizuno M. Vestibular evoked myogenic potentials in patients with acoustic neuromas. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1998; 124: 509-12.
30. Murofushi T, Matsuzaki M, Wu, CH. Short tone burst evoked myogenic potentials on the sternocleidomastoid muscle: are these potentials also of vestibular origin? Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1999; 125: 660-4.
1 Médica Pós-graduanda (Mestrado) da disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Doutora em Medicina (área de concentração em otorrinolaringologia) pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Médica Assistente da disciplina de otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
3 Professora Associada Livre-docente da disciplina de Otoneurologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
4 Professor Titular de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Endereço para correspondência: Súnia Ribeiro - R. Paraíba, 498/1102 Cond. Central Park Torre New York Adrianópolis Manaus AM 69057-020
E-mail: sr_mendes@yahoo.com.br