Versão Inglês

Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 766 a 772

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Carcinoma espinocelular do lábio: avaliação de fatores prognósticos

Squamous cell carcinoma of the lip: assessment of prognostic factors

Autor(es): Marilda A. M. M. Abreu , Dalva R. N. Pimentel1,Olga M. P. Silva , Isaac T. Blachman ,Nilceo S. Michalany , Cleonice H. Hirata , Luc L. M. Weckx , Mauricio M. A. Alchorne

Palavras-chave: Palavras-chave: carcinoma espinocelular do lábio, fatores prognósticos, metástases, recidiva local, aspectos histopatológicos.

Keywords: Key words: espinocelular carcinoma of the lips, prognostic factors, metastasis, local recurrence, features histopathological.

Resumo:
Resumo Introdução: Dentre os cânceres do lábio de 90% a 95% dos casos afetam o lábio inferior, sendo o carcinoma espinocelular o mais freqüente. A classificação TNM sintetiza as características clínicas do tumor, permitindo realizar um prognóstico e possibilitando comparações dos resultados. Relaciona três parâmetros: tamanho do tumor (T), propagação aos gânglios linfáticos regionais (N) e metástases à distância (M), mas estabelece padrões a partir de 2cm. Para o carcinoma espinocelular do lábio lesões com 2cm são extremamente grandes. Objetivo: O objetivo deste estudo é verificar a relação entre as características epidemiológicas, clínicas, evolutivas e histopatológicas do carcinoma espinocelular do lábio tendo como parâmetro lesões de tamanhos a partir de 0,5cm. Casuística e métodos: Foi elaborado um estudo retrospectivo transversal em pacientes com carcinoma espinocelular do lábio, no período 1993-2000, em São Paulo, Brasil. Estudou-se prontuários, laudos originais dos exames histopatológicos e lâminas de tumores de pacientes com carcinoma espinocelular do lábio. Os tumores foram classificados de 0.5 em 0.5cm, sendo verificado o tipo, o grau de diferenciação histológica, a presença de desmoplasia, as invasões muscular, neural e vascular, e o tipo de infiltrado inflamatório. Resultados: A análise estatística mostrou que metástases e recidivas não dependem da cor de pele ou do sexo dos pacientes e que há independência entre a localização do tumor, no lábio superior ou inferior, e a incidência de metástases e recidiva. Houve correlação entre o tamanho da lesão a partir de 0,5cm e a ocorrência de metástases e recidiva. Verificou-se que o tamanho da lesão determina a invasão em outros tecidos. O infiltrado inflamatório verificado em todas as lesões era linfoplasmocitário e, em algumas, associado com eosinófilos sem relação com o tamanho do tumor. Conclusão: Tumores menores que 2cm podem apresentar comportamentos evolutivos distintos, sob o ponto de vista clínico e histopatológico. O tipo mais prevalente de lesão é o ulc erativo e o que mais metastatiza e recidiva é o úlcero-vegetante. Os tipos úlcero-vegetante e vegetante estão ligados a lesões de maior tamanho. O tamanho do tumor se relaciona, de forma semelhante, com os graus II e III, nos quais ocorrem os maiores índices de metástases e recidivas. O tumor invade em ordem decrescente de freqüência músculos, nervos e vasos sanguíneos, e esta pode ser prevista pelo tamanho da lesão. É necessária a invasão dos músculos para a ocorrência de metástases, sendo que os vasos sanguíneos somente podem estar implicados quando há invasão concomitante dos nervos. A desmoplasia está diretamente relacionada ao tamanho da lesão e à ocorrência de metástases.

Abstract:
Summary Introduction: Amongst the cancers of the lips, 90% to 95% of them affect the lower lip, and what's more, the squamous cell carcinoma is the most frequent. The TNM classification synthesizes the clinical characteristics of the tumor that allows a prognostic and makes possible the comparisons of the results. Three parameters have to be considered: size of the tumor (T), propagation to regional lymphatic ganglion (N) and metastasis (M); however, patterns starting from 2cm are established by the TNM classification. In the case of squamous cell carcinoma of the lips, 2cm' lesions are considered extremely big. Objective: The objective of this study is to verify the relation among the epidemiologic, clinic, evolutionary and hystopathologic characteristics of the squamous cell carcinoma of the lips, having as a parameter lesions starting from 0.5cm. Casuistry and Methods: In the period 1993-2000 in Sao Paulo, Brazil, a transversal retrospective study was elaborated in patients exhibiting squamous cell carcinoma of the lips. The characteristics of the tumor were investigated through the analysis on patient's handbooks, original reports of the hystopathologic exams and tumors samples. The tumors were classified from 0.5 in 0.5cm. In addition, the type, the degree of hystologic differentiation, the presence of desmoplasy, the muscular, neural and vascular infiltration, and the type of inflammatory infiltrate were bore out. Results: The statistical analyses indicated that metastasis and recurrences do not depend on patient's sex and color of skin. The independence of the tumor's localization, either in the upper or in the lower lip, and the incidence of metastasis and recurrence were demonstrated. A correlation between the lesion starting from 0.5cm and the occurrence of metastasis and recurrence were verified. Furthermore, it was observed that the size of the lesion determines the infiltration in other tissues. Limphoplasmocitary is the type of inflammatory infiltrate that was found in each and every lesion. On the other h and, in some of the lesions, the inflammatory infiltrate was associated with eosinophiles without a relation to the size of the tumor. Conclusion: Smaller tumors than 2cm, under the hystopathologic and clinic point of view, may present a distinct evolutionary behavior. Most of the lesions are ulcerative, though the ulcerative-vegetative is the one that presents more metastasis and recurrence. The ulcerative-vegetative and vegetative types are associated with the biggest lesions. The size of the tumor is related, in a similar way, to the degrees II and III, in which higher rates of metastasis and recurrence were observed. In a decreasing order of frequency, the tumor invades muscles, nerves and blood vessels, which can be related to the size of the lesion. Thus, in order to occur the metastasis, it is necessary the infiltration of the muscles. Yet blood vessels can only be involved when there is a concomitant infiltration of the nerves. As a result, the desmoplasy is directly related to the size of the lesion as well as to the occurrence of metastasis.

INTRODUÇÃO

Dentre os cânceres do lábio, a literatura tem relatado que 90% a 95% dos casos afetam o lábio inferior, sendo o carcinoma espinocelular o mais freqüente2,11,13,16,17,24,25.

Com relação ao tipo de tumor, o vegetante é o mais prevalente, o verrucoso o mais raro, menos agressivo e com maiores índices de cura e o ulcerativo o mais propenso à invasão das estruturas profundas.14

A classificação TNM, estabelecida pela International Union Against Cancer (UICC)15, sintetiza as características clínicas do tumor e serve de guia terapêutico. Permite realizar um prognóstico e possibilita fazer comparações dos resultados, pois estabelece uma linguagem comum. Relaciona três parâmetros significativos: tamanho do tumor (T), propagação aos gânglios linfáticos regionais (N) e metástases à distância (M). Com respeito ao tamanho, a classificação TNM estabelece padrões a partir de 2cm. As lesões labiais menores que 2cm têm bom prognóstico, apresentam evolução lenta, baixo grau de malignidade e disseminação ganglionar regional tardia, fazendo exceção ao prognóstico dos demais cânceres orais2,10,15,26.

O índice médio metastático em lesões menores que 2cm é de 13,7%20 e, apesar da presença de metástase nos gânglios cervicais ser o fator mais importante na determinação do curso clínico dessa enfermidade, outros fatores, além dos previstos na classificação TNM, são preditores do prognóstico, dentre eles: o grau de diferenciação histológica, a extensão tumoral para fora das estruturas anatômicas do lábio, a recidiva local, o grau de invasão perineural, a embolização vascular venosa ou linfática, a desmoplasia, a espessura, o índice de proliferação celular e a análise da ploidia do DNA1,3,4,6,8,9,18,19,21,22,26.

Segundo o grau histológico, o carcinoma espinocelular foi classificado por Broders (1920)5 em: bem diferenciados, moderadamente diferenciados e indiferenciados ou graus I, II e III respectivamente, sendo estabelecido que os tumores mais indiferenciados metastatizam mais freqüentemente5. Os tumores que apresentam desmoplasia são menos diferenciados, sendo este critério, portanto, indicativo de pior prognóstico. Recidivas e metástases são, respectivamente, 10 vezes e 6 vezes mais freqüentes entre os tumores desmoplásicos4.

Há um aumento no índice de metástases proporcional à profundidade de invasão8. No lábio inferior, o risco de metástases é ausente nos tumores com espessura menor que 2mm, baixo nos tumores entre 2mm e 6mm e alto nos tumores acima de 6mm3,18.

A correlação entre o tamanho do tumor e a incidência de metástases não é uniforme na literatura3,9. Como a experiência clínica mostra que a maioria dos tumores é menor que 2cm, mas pode metastatizar3,10,12, questiona-se a fidedignidade dos critérios adotados na classificação TNM, com relação ao tamanho do tumor, para a previsão de metástases no curso do carcinoma espinocelular do lábio.

Tendo em vista a relevância dessa questão, decidiu-se estudar o carcinoma espinocelular do lábio, com o objetivo de verificar o relacionamento entre as suas características epidemiológicas, clínicas, evolutivas e histopatológicas, tendo como parâmetro lesões de diâmetros a partir de 0,5cm.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Elaborou-se um estudo retrospectivo transversal de pacientes com carcinoma espinocelular do lábio, identificados através dos arquivos do Departamento de Anatomia Patológica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, no período compreendido entre 1993 e 2000.

Os prontuários dos pacientes e os laudos originais dos exames histopatológicos dos tumores foram revisados. As lâminas provenientes da excisão cirúrgica de cada caso foram examinadas ao microscópio óptico comum com o auxílio de um patologista pertencente ao corpo docente da instituição.

Nos prontuários dos pacientes foram obtidas as informações com respeito à ocorrência de metástases e recidivas e, nos respectivos laudos originais dos exames histopatológicos dos tumores, os dados referentes à localização da lesão, ao sexo, à idade e à cor dos pacientes. As características do tumor foram verificadas na descrição do exame macroscópico dos laudos originais e na revisão dos cortes histológicos da lesão.

O tamanho do tumor foi obtido na descrição do exame macroscópico, tendo sido considerada a medida do maior eixo da lesão, ficando os tumores classificados em cinco categorias, de acordo com padrão criado pelos autores: até 0,5cm, de 0,5cm a 1cm; de 1cm a 1,5cm; de 1,5cm a 2cm e acima de 2cm. O tipo do tumor foi obtido na descrição do exame macroscópico e confirmado nos cortes histológicos, e foram classificados em infiltrativo, ulcerativo, vegetante e úlcero-vegetante. Na revisão dos cortes histológicos foram revisados o grau de diferenciação histológica, a presença ou a ausência de invasão dos tecidos muscular, neural e vascular, a presença ou a ausência de desmoplasia, e o tipo de infiltrado inflamatório.

Os dados obtidos foram confrontados e analisados estatisticamente através dos testes de Fisher, Anova e Correlação.

RESULTADOS

Após a coleta chegou-se a 57 pacientes, sendo 12 mulheres e 45 homens. Quanto à idade observou-se, para as mulheres, idades de 40 a 91 anos e, para os homens, idades de 21 a 82 anos. Em relação à cor da pele eram 46 brancos, 10 pardos e 1 negro. As lesões localizavam-se em 51 casos no lábio inferior, em 3 casos no lábio superior, em 1 caso na comissura labial e em 2 casos não foi encontrada a informação. Nos prontuários foram encontradas referências a metástases em 15 pacientes (26,31%) e a recidivas em 9 pacientes (15,78%).

Tabela 1. Prevalência de recidivas e metástases dos carcinomas espinocelulares do lábio segundo o sexo e a cor da pele.

Teste Exato de Fisher: p=0,27 sexo e metástases; p=0,38 sexo e recidivas; p=0,37 recidivas e cor da pele; p=0.26 metástases e cor da pele

A análise estatística mostra que as metástases e as recidivas não dependem do sexo, da cor ou da localização no lábio inferior, no lábio superior ou na comissura (Tabelas 1 e 2).

Em relação ao tamanho, as lesões apresentavam até 0,5cm em 3 pacientes; entre 0,5cm e 1cm em 12 pacientes; entre 1cm e 1,5cm em 8 pacientes; entre 1,5cm e 2cm em 10 pacientes; e acima de 2cm em 24 pacientes. Ou seja, dentre os pacientes, 42,1% apresentavam lesão maior que 2cm e 57,89% apresentavam lesão menor que 2cm, o que demonstra a predominância de lesões menores que 2cm neste estudo.

Verificou-se uma boa correlação entre o tamanho da lesão e a ocorrência de recidivas e metástases (Tabela 3), podendo-se esperar, estatisticamente, que as recidiva seja em 70% dos casos determinada pelo tamanho da lesão e as metástases em 69%.

Quanto ao tipo da lesão (Tabela 4), o mais prevalente foi o ulcerativo com 27 casos, seguido pelo vegetante com 14 casos, úlcero-vegetante com 10 casos e infiltrativo com 6 casos observados. Os tipos infiltrativo e ulcerativo se mostraram independentes em relação ao tamanho da lesão, isto é, eles aparecem para qualquer tamanho de lesão. Já os tipos úlcero-vegetante e vegetante aparecem, preferencialmente, em lesões de maior tamanho, sendo que o tipo úlcero-vegetante parece estar ligado às lesões acima de 1,5cm.

As metástases ocorreram, dentre os tumores úlcero-vegetantes em 6 (60%), dentre os ulcerativos em 5 (18,51%), dentre os vegetantes em 3 (21,42%) e dentre os infiltrativos em 1 (16,66%). As recidivas ocorreram, dentre os tumores ulcerativos em 4 (14,81%), dentre os úlcero-vegetantes em 3 (30%), dentre os vegetantes em 1 (7,14%) e dentre os infiltrativos em 1 (16,66%).

O tamanho da lesão (Tabela 3) influenciou a ocorrência do grau histológico II e III, mas se mostra indiferente para o grau histológico I. Os graus II e III mostram comportamentos semelhantes em relação ao aumento do tamanho da lesão, mas isso não se observa para o grau I. A metástases ocorreram, dentre os tumores de grau I em 7 (18,42%) casos, dentre os de grau II em 6 (46,15%) casos e dentre os grau III em 2 (33,33%) casos. Dentre os graus I, II e III ocorreram recidivas em 5 (13,15%), 1 (7,69%) e 3 (50%) casos respectivamente.

Foi constatado que a invasão de tecidos pelo tumor ocorreu mais nos músculos, com 40 casos. Nos nervos ocorreu invasão em 10 casos e em apenas 3 casos ocorreu invasão nos vasos. Foi verificada, estatisticamente, correlação entre o tamanho da lesão e a invasão dos três tecidos pelo tumor, conseguindo-se constatar que o tamanho da lesão determina a invasão em 78% para os vasos, em 73% para os músculos e em 66% para os nervos. Podemos considerar que a invasão nos músculos já ocorre em lesões a partir de 1cm, nos nervos em lesões a partir de 1,5cm e nos vasos em lesões acima de 2cm (Tabela 5). Com relação aos casos com metástases, 7 (46,66%) lesões invadiam somente músculos, 5 (33,33%) invadiam músculos e nervos e 3 (20%) invadiam músculos, nervos e vasos. Nos casos com recidiva, 3 (20%) invadiam somente músculos, 3 (20%) músculos e nervos, 1 (6,66%) músculos, nervos e vasos e 2 (13,33%) nenhum dos três tecidos.

Em 13 tumores foi verificada a presença de desmoplasia, sendo que destes, 61,53% metastatizaram. Dos 44 tumores não desmoplásicos, apenas 4,54% metastizaram. Verificou-se, portanto, a dependência entre a ocorrência de metástases e a presença de desmoplasia, enquanto que as recidivas se mantiveram independentes da presença de desmoplasia. Observou-se correlação entre o tamanho da lesão e a presença de desmoplasia (r=0,788).

Em todos os tumores, o infiltrado inflamatório era do tipo linfoplasmocitário (Tabela 6). Em 6 casos havia também grande quantidade de eosinófilos. Não foi verificada correlação entre o tamanho da lesão e a presença de eosinófilos (r=0,48), podendo-se afirmar que a presença de eosinófilos não é determinada pelo tamanho da lesão. Nenhum dos tumores que exibiam eosinófilos no infiltrado inflamatório metastatizou e, somente 1 recidivou.

Tabela 2. Prevalência de recidivas e metástases dos carcinomas espinocelulares segundo a localização no lábio.

Teste Exato de Fisher: p=1 recidivas e localização; p=0,98 metástases e localização

Tabela 3. Ocorrência de recidivas, metástases e grau de diferenciação dos carcinomas espinocelulares do lábio segundo o tamanho da lesão (cm).

Teste ANOVA Tamanho da lesão e grau II e III p<0.05 e para grau I p>0.05

Tabela 4. Tipo de lesões dos carcinomas espinocelulares do lábio segundo o tamanho da lesão (cm).


Tabela 5. Ocorrência de invasão dos tecidos pelo tumor e tamanho da lesão (cm) nos carcinomas espinocelulares do lábio.


Tabela 6. Tipo de infiltrado inflamatório e tamanho da lesão (cm) nos carcinomas espinocelulares do lábio.


DISCUSSÃO

O prognóstico do carcinoma espinocelular do lábio é diretamente relacionado ao desenvolvimento de recidiva local e de metástases, que dependem de vários fatores. Dentre eles pode-se destacar o tamanho da lesão3,9-12,14,15,20,26 porém, percebeu-se a necessidade de estudos mais detalhados para lesões com tamanhos abaixo de 2cm.

Confirmando a literatura,1,2,7,13,16,24,25 pôde-se encontrar, para a amostra dos pacientes estudada, que o carcinoma espinocelular do lábio é mais freqüente nos homens. Estes, apesar de apresentarem a média de idade maior que a das mulheres, começam a apresentá-lo em idade mais precoce do que estas. Confirmou-se, também, a maior freqüência nos indivíduos da cor de pele branca1,2,7,13,24 e a predileção pelo lábio inferior, com índice de 89,47% dos casos, índice próximo ao relatado na literatura.1,13,16,25,26. Já o índice de metástases foi duas vezes mais freqüente que o observado por Rowe et al. em 199220.

A análise estatística, através do teste exato de Fisher, demonstra que as metástases e as recidivas não dependem do sexo ou da cor dos pacientes e também não dependem da localização no lábio inferior ou no superior, contradizendo a literatura que afirma ser o câncer do lábio superior de pior prognóstico, com mais metástases e recidivas2,26.

Através da análise estatística de correlação e determinação pode-se reforçar os dados da literatura onde as recidivas e as metástases são determinadas pelo tamanho da lesão1,2,9-12,14,15,19,20,26.

Contrariando a literatura2,14, onde o tipo vegetante é o mais prevalente, o maior número de casos eram do tipo ulcerativo, seguido, em ordem decrescente de freqüência, pelo vegetante, úlcero-vegetante e infiltrativo. A maioria das metástases e recidivas ocorreu nos tumores úlcero-vegetantes, que parecem estar ligados a lesões acima de 1,5cm. Isto está de acordo com a literatura que enfatiza a maior ocorrência de metástases nos tumores de maior tamanho1,2,9-12,14,15,20,26 e na presença de ulceração23.

A análise comprovou a relação entre o tamanho do tumor e o grau de diferenciação histológica somente nos graus II e III, evidenciando, para os mesmos, comportamentos semelhantes em relação ao aumento do tamanho da lesão. No entanto, independentemente do tamanho, muitos tumores apresentaram grau I.

As metástases ocorreram com maior freqüência nos tumores de grau II seguidas dos de grau III, porém os tumores de grau I, em menor proporção, também metastatizaram, em concordância com a afirmação de Breuninger et al. (1990)3. Apesar do número reduzido de casos, os tumores de grau III foram, proporcionalmente, os que mais recidivaram, seguidos, seqüencialmente, dos graus I e II. Demonstra-se, mais uma vez, que a classificação de Broders (1920)5, apesar de útil, não pode ser utilizada isoladamente como critério de prognóstico para uma lesão.

O tumor invadiu os músculos em 40 casos, os nervos em 10 casos e os vasos sanguíneos em apenas 3 casos. Foi mais freqüente a invasão do tecido muscular, sendo que esta começa a ocorrer nas lesões a partir de 1cm. Nas lesões a partir de 1,5cm começa a aparecer invasão dos nervos e nas maiores de 2cm invasão dos vasos sanguíneos. Portanto, o tamanho da lesão parece poder apontar, especificamente, quais tecidos estão comprometidos.

De acordo com a literatura3,8,22,23, houve um aumento no índice de metástases proporcional à profundidade de invasão pelo tumor. Foi observado, que para a ocorrência de metástases, a invasão dos músculos parece ser necessária, tendo ocorrido isolada ou concomitante à invasão dos nervos ou dos vasos sangüíneos, em praticamente igual proporção, em todos os casos com metástases. Nestes, os nervos e os vasos sanguíneos não foram invadidos sem a invasão concomitante dos músculos, sendo que a invasão dos vasos sanguíneos também dependeu da presença de invasão dos nervos. Já as recidivas não dependeram da invasão de outros tecidos; elas ocorreram mesmo em tumores que invadiam apenas o cório, demonstrando que outros fatores, talvez mesmo técnicas de tratamento inadequadas, estão implicados.

A maior freqüência de metástases entre os tumores desmoplásicos em comparação aos não desmoplásicos confirma os dados referidos por Breuninger et al. (1997)4, porém, no presente estudo, as metástases nos tumores desmoplásicos ocorreram com maior freqüência que o relatado por aqueles autores. No entanto, não foi encontrada referência na literatura ao relacionamento entre a desmoplasia e o tamanho da lesão em carcinomas espinocelulares do lábio, como aqui observado.

Todos os tumores apresentaram infiltrado inflamatório do tipo linfoplasmocitário. A grande quantidade de eosinófilos, observada em 6 tumores, não mostrou correlação com o tamanho da lesão (r=0,48) nem com as metástases ou com as recidivas. Portanto, pode-se afirmar que a presença de eosinófilos no infiltrado inflamatório é um marcador de bom prognóstico.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir da casuística estudada que, no carcinoma espinocelular do lábio:

1. Tumores menores que 2cm podem apresentar comportamentos evolutivos distintos, sob o ponto de vista clínico e histopatológico.

2. Não existe relação entre a localização do carcinona espinocelular, no lábio superior ou inferior, e a ocorrência menor ou maior de recidivas e/ou metástases.

3. O tamanho do tumor, a partir de 0,5cm, tem relação direta com a ocorrência de metástase e recidiva da lesão.

4. O tipo mais prevalente de lesão é o ulcerativo e o que mais metastatiza e recidiva é o úlcero-vegetante.

5. Os tipos úlcero-vegetante e vegetante estão ligados a lesões de maior tamanho.

6. O tamanho do tumor se relaciona, de forma semelhante, com os graus II e III, nos quais ocorrem os maiores índices de metástases e recidivas.

7. O tumor invade em ordem decrescente de freqüência músculos, nervos e vasos sanguíneos, sendo que a invasão específica de cada um destes tecidos pode ser prevista pelo tamanho da lesão.

8. É necessária a invasão dos músculos para a ocorrência de metástases, sendo que os vasos sanguíneos somente podem estar implicados quando há invasão concomitante dos nervos.

9. A desmoplasia está diretamente relacionada ao tamanho da lesão e à ocorrência de metástases.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Antoniades DZ, Styanidis K, Papanayotou P, Trigonidis G. Squamous cell carcinoma of the lips in a Northern Greek population. Evaluation of prognostic factors on 5-year survival rate-I. Eur J Cancer B Oral Oncol 1995; 31B(5):333-9.
2. Baker SR. Malignant neoplasms of the oral cavity. In: Cummings CW, Fredrickson JM, Harker LA, Krause CJ, Schuller DE. Otolaryngology Head and Neck Surgery. 2a ed. St. Louis: Mosby Year Book; 1993. p.1248-305.
3. Breuninger H, Schaumburg-Lever G, Holzschuh J, Horny HP. Desmoplastic squamous cell carcinoma of skin and vermilion surface. A highly malignant subtype of skin cancer. Cancer 1997; 79(5):915-9.
4. Breuninger H, Schaumburg-Lever G, Holzschuh J, Horny HP. Desmoplastic squamous cell carcinoma of skin and vermilion surface. A highly malignant subtype of skin cancer. Cancer 1997; 79(5):915-9.
5. Broders AC. Squamous-cell epithelioma of the lip. A study of 537 cases. JAMA 1920; 74:656-64.
6. Bryne M. Prognostic value of various molecular and cellular features in oral squamous cell carcinoma: a review. J Oral Pathol Med 1991; 20:413-20.
7. Castro JFL, Arcoverde L, Silva AAR, Godoy GP. Carcinoma epidemóide de lábio inferior: estudo de 135 casos registrados no Hospital do Câncer de Pernambuco no período compreendido entre 1992 e 1997. Rev. Odontol Univ St Amaro 1999; 4(1):43-9.
8. Daniele E, Rodolico V, Leonardi V, Tralongo V: Prognosis in lower lip squamous cell carcinoma: assessment of tumor factors. Pathol Res Pract 1998; 194:319-24.
9. Frierson HF, Cooper PH. Prognostic factors in squamous cell carcinoma of the lower lip. Hum Pathol 1986; 17:346-54.
10. Gonzáles-Guerra HE, Calderaro-di-Ruggiero FJ, Troconis-Elorga JR, Castro-Garcia J. Carcinoma epidermóide del labio inferior: consideraciones prognósticas. Centro Med 1991; 37(2)53-8.
11. Hjortdal O, Naess A, Berner A. Squamous cell carcinomas of the lower lip. J Craniomaxillofac Surg 1995; 23:34-7.
12. Hosal IN, Onerci M, Kaya S, Turan T. Squamous cell carcinoma of the lower lip. Am J Otolaryngol 1992; 13 (6):363-5.
13. Jovanovich A, Schulten EAJM, Kostense PJ, Snow GB, van der Waall I. Squamous cell carcinoma of the lip and oral cavity in the Netherlands; an epidemiological study of 740 patients. J Craniomaxillofac Surg 1993; 21:149-52.
14. Luce EA. Carcinoma of the lower lip. Surg Clin North Am. 1986; 66(1):3-11.
15. Manual for Staging of Cancer American Joint Commikttee on Cancer. 3a editión. Philadelphia: JB Lippincott Company; 1988. p.27-32.
16. Ochsenius G, Ormeño A, Godoy L, Rojas R. A retrospective study of 232 cases of lip cancer and pre cancer in Chilean patients. Clinical-histological correlation. Rev Med Chil 2003; 131(1):60-6.
17. Ogura I, Amagasa T, Iwaki H, Kijima T, Kurabayashi T, Yoshimasu H. Clinicopathological study of carcinomas of the lip and the mucosa of the upper and lower lips. Int J Clin Oncol 2001; 6(3):123-7.
18. Onercl M, Yilmaz T, Gedikoglu G. Tumor thickness as a predictor of cervical lymph node metastasis in squamous cell carcinoma of the lower lip. Otolaryngol Head Neck Surg 2000; 122(1):139-42.
19. Rodolico V, Barresi E, Di Lorenzo R, Leonardi V, Napoli P, Rappa F, Di Bernardo C. Lymph node metastasis in lower lip squamous cell carcinoma in relation to tumour size, histologic variables and p27Kip1 protein expression. Oral Oncol 2004; 40(1):92-8.
20. Rowe DE, Carroll RJ, Day CL. Prognostic factors for local recurrence, metastasis and survival rates in squamous cell carcinoma of the skin, ear and lip. J Am Acad Dermatol 1992; 26:976-90.
21. Santos LR, Cernea CR, Kowalski LP, Carneiro PC, Soto MN, Nishio S, Hojaij FC, Dutra Júnior A, Britto e Silva Filho G, Ferraz AR. Squamous-cell carcinoma of the lower lip: a retrospective study of 58 patients. Rev Paul Med 1996; 114(2):1117-26
22. Saywell MS, Weedon D. Histological correlates of metastasis in primary invasive squamous cell carcinoma of the lip. Australas J Dermatol 1996; 37(4):193-5.
23. Stein AL, Tahan SR. Histologic correlates of metastasis in primary invasive squamous cell carcinoma of the lip. J Cutan Pathol 1994; 21(1):16-21.
24. Visscher JG, Grond AJ, Otter R, van der Waal I. Lip carcinoma. A review. Ned Tijdschr Tandheelkd 2002; 109(10):391-5.
25. Visscher JG, Schaapveld M, Otter R, Visser O, van der Waal I. Epidemiology of cancer of the lip in The Netherlands. Oral Oncol 1998; 34(5):421-6.
26. Zitsch RP. Carcinoma of the lip. Otolaryngol Clin North Am 1993; 26(2):265-77.


Mestre em Dermatologia, UNIFESP-EPM.

Pós-Doutora em Saúde Pública pela FSP-USP.

Estomatologista e Cirurgião Buco-maxilo-facial. Mestrando em Ciências da Otorrinolaringologia, UNIFESP-EPM.

Professor Adjunto, UNIFESP-EPM.

Mestre em Dermatologia, UNIFESP/EPM.

Chefe do setor de Estomalogia, UNIFESP-EPM.

Professor Titular do Departamento de Dermatologia, UNIFESP-EPM.

Departamentos de Patologia, Dermatologia, Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana - Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.

Endereço para correspondência: Olga Maria Panhoca da Silva - Rua Angelo Ricchiutti 55 São Paulo Capital 02417-220

Tel (0xx11) 6203 3364/ 9658 0342 - E-mail: ompanhocas@yahoo.com.br

Artigo recebido em 11 de fevereiro de 2004. Artigo aceito em 24 de setembro de 2004.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial