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Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Editorial

Páginas: 743 a 748

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Pólipos de pregas vocais e alterações estruturais mínimas: lesões associadas?

Vocal fold polyps and cover minor structural alterations: associates injuries?

Autor(es): Flavio Akira Sakae , Fernando Sasaki , Luiz Ubirajara Sennes , Domingos Hiroshi Tsuji3, Rui Imamura

Palavras-chave: Palavras-chave: pólipo de pregas vocais, alteração estrutural mínima, fonotrauma.

Keywords: Key words: vocal fold polyp, vocal fold cover minor structural alteration, phonotrauma.

Resumo:
Resumo Introdução: Pólipos são lesões comuns de pregas vocais. O fonotrauma é o principal fator relacionado com o início desta lesão. A associação entre pólipos de pregas vocais e alterações estruturais mínimas de cobertura mucosa (sulco vocal, cisto epidermóide, ponte de mucosa, microdiafragma laríngeo e vasculodisgenesia) foi pouco estudada na literatura, por isso o objetivo deste trabalho foi quantificar e analisar essa associação. Material e Métodos: Realizamos um estudo retrospectivo com 68 pacientes, idade média de 39,5 anos, operados de pólipo de pregas vocais no período entre janeiro de 1999 e maio de 2003. Procuramos analisar a presença de pólipo de pregas vocais e as possíveis AEMC associadas no levantamento realizado. Resultados: A presença de AEMC associada ao pólipo ocorreu em 16 (23,5%) pacientes, sendo que em 8 (50%) pacientes o achado foi o sulco vocal (7 sulco estria e 1 sulco bolsa). Em 4 (25%) pacientes o achado foi o cisto de prega vocal, em 2 (12,5%) pacientes a ponte mucosa, em 1 (6,25%) a vasculodisgenesia e em 1 (6,25%) paciente o microdiafragma laríngeo. A AEMC era contralateral ao pólipo de prega vocal em 11 pacientes. Dos sulcos, 6 (75%) eram contralaterais e dos cistos, 3 (75%) eram contralaterais ao pólipo. Conclusão: A associação entre pólipos de pregas vocais e alterações estruturais mínimas de cobertura mucosa é relativamente freqüente, 23,5% em nosso estudo. A exploração cuidadosa de ambas pregas vocais é essencial no intraoperatório das cirurgias de exérese de pólipo na procura destas alterações estruturais associadas.

Abstract:
Summary Introduction: Polyps are common injuries of vocal folds. Phonotrauma is the main factor related with the beginning of this injury. The association between vocal fold polyps and cover minor structural alterations (sulci, epidermoid cyst, mucosal bridge, laryngeal web and varicosity) was little studied in literature, therefore the purpose of this work was to quantify and to analyze this association. Material and Methods: We carry through a retrospective study with 68 patients, mean age 39,5 years, operated of polyp of vocal folds in the period between January 1999 and May 2003. We look for to analyze the presence of polyp of vocal folds with cover minor structural alterations. Results: The presence of a cover minor structural alterations a associated with the polyp occurred in 16 (23,5%) patients. In 8 (50%) patients the finding was the sulcus vocalis. In 4 (25%) patients the finding was the epidermoid cyst, in 2 (12,5%) patients the mucosal bridge, in the 1 (6,25%) varicosity and in the 1 (6,25%) patient laryngeal web. The cover minor structural alteration was contralateral to the polyp of vocal fold in 11 patients. Of the sulcus, 6 (75%) were contralateral and of the cysts, 3 (75%) were contralateral to the polyp. Conclusion: The association between polyps of vocal folds and cover minor structural alterations is relatively frequent, 23.5% in our study. Surgery exploration of vocal folds is essencial looking for others mucocal alterations.

INTRODUÇÃO

Pólipos são lesões comuns de pregas vocais. Eles podem ter milímetros de extensão ou ocupar quase toda glote. Podem ser únicos, múltiplos ou bilaterais. Macroscopicamente, são massas com aparência lisa, gelatinosas e translúcidas, em geral na borda livre, sésseis ou pediculadas1.

A etiologia ainda é obscura, porém acredita-se que o abuso vocal resultando em trauma mecânico seja o principal fator. Os achados histológicos dos pólipos são variados. A lesão inicial ocorre após fonotrauma (bruscos movimentos durante a fonação), que levaria a uma lesão dos capilares sanguíneos, seguido de edema, sangramento, trombose, formação de fibrina e proliferação de capilares2. Alguns pólipos mostram maior vascularidade e menor quantidade de estroma fibroso, enquanto outros apresentam alterações epiteliais e estromais similares3.

As alterações estruturais mínimas de cobertura mucosa (AEMC) são desvios na configuração da arquitetura histológica da mucosa, que podem interferir nas características vibratórias das pregas vocais. Dentre as AEMC diferenciadas temos: sulco vocal, cisto epidermóide, ponte de mucosa, microdiafragma laríngeo e vasculodisgenesia4-8.

O objetivo deste trabalho é quantificar e analisar as possíveis associações entre pólipos de pregas vocais e AEMC.

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo retrospectivo dos pacientes operados de pólipo de pregas vocais na Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP no período entre janeiro de 1999 e maio de 2003, que totalizaram 103 casos.

Todos os casos foram analisados através do levantamento dos prontuários clínicos dos pacientes. Foram excluídos os casos que não tinham todos os dados procurados na pesquisa e/ou que não tinham comprovação histológica de pólipo de prega vocal, totalizando 35 casos.

Assim, foram incluídos no estudo 68 pacientes, sendo 33 (48,5%) do sexo masculino e 35 (51,5%) do sexo feminino. A idade variou entre 11 anos e 69 anos, média de 39,5 anos.

Os seguintes dados foram obtidos: presença de refluxo gastroesofágico (RGE), tabagismo e abuso vocal; na descrição cirúrgica procuramos a presença de pólipo de pregas vocais e possíveis AEMC associadas.

O diagnóstico de RGE foi obtido através da descrição pré-operatória da videoendoscopia laríngea que sugeria o refluxo pela presença de edema e hiperemia interaritenóideo.

O abuso vocal foi caracterizado em pacientes que usavam a voz profissionalmente ou que relataram falar ou cantar abusivamente.

As cirurgias foram realizadas sempre pela mesma equipe médica do grupo de laringologia do Hospital das Clínicas.

Na análise dos dados, além de observar a incidência e o tipo de AEMC mais freqüentemente associada aos pólipos, correlacionamos com o tabagismo, abuso vocal e com a presença de RGE.

RESULTADOS

Dos 68 pacientes analisados, em 36 (53%) foi encontrado pólipo na prega vocal esquerda, em 28 (41%) na prega vocal direita e em 4 (6%) pacientes em ambas as pregas vocais. Tivemos 65 (90%) pólipos mucosos e 7 (10%) pólipos angiomatosos confirmados pelo exame histológico.

A presença de AEMC associada ao pólipo ocorreu em 16 (23,5%) pacientes, sendo que em 8 (50%) pacientes o achado foi o sulco vocal (7 sulco estria e 1 sulco bolsa) e dentre estes 1 paciente possuía também vasculodisgenesia na mesma prega vocal do sulco. Em 4 (25%) pacientes o achado foi o cisto de prega vocal, em 2 (12,5%) pacientes a ponte mucosa, em 1 (6,25%) a vasculodisgenesia e em 1 (6,25%) paciente o microdiafragma laríngeo.

Em 11 pacientes a AEMC era contralateral ao pólipo de prega vocal. Dos sulcos 6 (75%) eram contralaterais e dos cistos, 3 (75%) eram contralaterais ao pólipo.

Outros achados associados ao pólipo incluíram: lesões nodulares reativas contralaterais aos pólipos (20,5%), papiloma laríngeo (1 caso) e leucoplasia (1 caso).

Quantos aos fatores de risco: 16 (23,5%) pacientes tinham sintomas de RGE, 39 (57,5%) eram tabagistas ou ex-tabagistas e por fim 31 (45,5%) pacientes tinham abuso vocal.

Nos pacientes que tinham AEMC associado ao pólipo: 9 (56%) tinham RGE, 11 (68,8%) eram tabagistas ou ex-tabagistas e 11 (68,8%) tinham abuso vocal. Dos pacientes com sulco vocal, 7 (87,5%) tinham abuso vocal e dos pacientes com cisto epidermóide, nenhum tinha abuso vocal.

DISCUSSÃO

Sabemos que histologicamente os pólipos apresentam capilares com lesão endotelial, que levam à adesão plaquetária e trombose. O abuso vocal é considerado o principal fator etiológico. Reforçando esta hipótese, observamos na ultraestrutura dos pólipos recidivantes, lesão do endotélio dos capilares, provavelmente induzida por um trauma repetido na parede dos vasos, mantendo a lesão2.

Apesar desta teoria, em nosso estudo o abuso vocal não esteve presente na maioria dos casos (45,5%). O fator de risco mais prevalente foi o tabagismo (68,8%). Considerando os vieses de um estudo retrospectivo, o tabagismo é um dado muito mais objetivo de ser obtido de um paciente que o abuso vocal, que necessita maior averiguação.

O refluxo gastroesofágico na teoria pode contribuir para uma resposta inflamatória generalizada na mucosa da prega vocal que pode exacerbar a formação de um pólipo, porém ainda não há comprovação que isto ocorra, apesar de muitos laringologistas utilizaram medicação anti-refluxo no pós-operatório de microcirurgia de laringe9. Em nosso estudo, o RGE esteve presente em apenas 23,5% dos casos.

Para origem dos cistos epidermóides, pontes mucosas e sulcos vocais existem duas hipóteses: adquirida e congênita. A primeira hipótese envolve uma etiologia traumática ou infecciosa10. A segunda, mais importante, tem como base anomalias do quarto e sexto arco branquial que ocorrem durante o desenvolvimento da laringe. Segundo Bouchayer5, seis observações clínicas reforçam a origem congênita destas lesões: a disfonia inicia-se na infância em 55% dos casos; o sulco vocal e o cisto epidermóide foram encontrados em 15% das crianças no seu estudo; estas lesões podem ser encontradas em pacientes que não apresentam abuso vocal ou história de laringite; a associação entre cisto epidermóide e sulco vocal pode ocorrer em 15% dos casos; as lesões uma vez removidas completamente não retornam; existem casos descritos de sulcos e cistos em membros de uma mesma família.

Considerando, portanto, os pólipos de cordas vocais seqüelas de fonotrauma2,11,12 e as AEMC lesões de possível origem congênita11, a associação entre estas duas doenças ocorreu em 23,5% dos nossos casos, sendo na sua maioria contralaterais ao pólipo.

Os cistos epidermóides seriam lesões que provavelmente facilitariam o surgimento dos pólipos pelo trauma na prega vocal contralateral. Assim como existem as lesões nodulares reativas de pregas vocais causadas por trauma vocal de um cisto ou pólipo contralateral13, o surgimento do pólipo contralateral ao cisto poderia ter esta mesma origem.

Nos casos dos sulcos vocais, que foram as AEMC mais freqüentes, como não existe um trauma direto na mucosa da prega vocal contralateral, como ocorre nos cistos, o surgimento do pólipo poderia ser facilitado por uma alteração compensatória do padrão vibratório da prega vocal normal. Porém, neste grupo a abuso vocal foi bastante significativo (87,5%), logo foi um fator que provavelmente também contribuiu com o surgimento dos pólipos.

Nas AEMC ipsilaterais ao pólipo, a presença delas denota um desarranjo na estrutura da prega vocal, modificando o seu padrão vibratório normal14, o que poderia favorecer o surgimento do pólipo.

CONCLUSÃO

A associação entre pólipos de pregas vocais e alterações estruturais mínimas de cobertura mucosa é relativamente freqüente, apresentando uma incidência de 23,5% em nosso estudo. A exploração cuidadosa de ambas pregas vocais é essencial no intraoperatório das cirurgias de exérese de pólipo na procura destas alterações estruturais associadas.

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Médico Preceptor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Professores Livre Docentes da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Médico Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Cínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Trabalho apresentado no III Congresso Triológico no Rio de Janeiro, 2003.

Endereço para correspondência: Flavio Akira Sakae -Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 6º andar, sala 6021 São Paulo SP 05403-000

Tel/Fax (0xx11) 3832-7020 - Cel (0xx11) 9623848 - E-mail: sakaeflavio@yahoo.com.br
Artigo recebido em 16 de junho de 2004. Artigo aceito em 10 de novembro de 2004.

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