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Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 5  - setembro-outubro - (19º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 701 a 704

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Mioepitelioma de glândula salivar menor em base de língua: relato de caso

Myoepithelioma of minor salivary gland on the base of the tongue: a case report

Autor(es): Cheng T-Ping1,
Gilberto Ulson Pizarro2,
Shirley Pignatari3,
Luc Louis Maurice Weckx4

Palavras-chave: tumores de glândulas salivares, mioepitelioma, diagnóstico, tratamento.

Keywords: tumors of salivary glands, myoepithelioma, diagnosis, treatment.

Resumo:
Os autores apresentam um caso de mioepitelioma de glândula salivar menor, localizado na base da língua de uma paciente de 58 anos. O mioepitelioma é um tumor pouco freqüente, de evolução benigna, sendo possível obter-se a cura através da excisão cirúrgica completa da lesão. Neste caso, apresentou-se numa posição bastante incomum, a base da língua. Foi realizada a exérese da lesão, com margens de segurança, e a paciente está assintomática e sem recidiva local depois de 6 meses de acompanhamento pós-operatório. O diagnóstico foi obtido através do estudo anatomopatológico e imuno-histoquímico da peça.

Abstract:
This study reports a case of myoepithelioma of minor salivary gland on the base of the tongue of a 58 year-old patient. This theme is discussed because it is a rare tumor, and in this case, it was located in an uncommon position. The diagnosis was given by the pathologic and immunohistochemical study of the excised tumor. The course is usually benign, and the cure is possible if it is completely excised.

INTRODUÇÃO

O diagnóstico de mioepitelioma é pouco freqüente, encontrado em aproximadamente 1% dos tumores de glândulas salivares. A evolução é geralmente benigna, e foi descrito pela primeira vez por Sheldon, em 1943. Nas glândulas salivares maiores, tem predileção pela parótida, e nas salivares menores, pela região do palato. Acredita-se que há um espectro de tumores benignos compostos predominantemente por células mioepiteliais, mas que apresentam variações histológicas distintas, tornando-os diferentes. Numa extremidade teríamos o mioepitelioma, e na outra, alguns adenomas de células basais. O adenoma pleomórfico estaria no meio deste espectro. Apesar das variações de arquitetura e citologia destes tumores estarem bem definidas, elas implicam em dificuldades na nomenclatura e no diagnóstico.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente CTC, 58 anos, sexo feminino, procurou atendimento médico por causa da dificuldade de deglutição, sem odinofagia, acompanhada da sensação de "voz abafada". Relatava também tosse e sensação de engasgo no decúbito dorsal. O quadro clínico tinha 3 anos de evolução, e os sintomas estavam piorando. Negou etilismo e tabagismo.

O exame da cavidade oral mostrava um tumor de aspecto endurecido, de aproximadamente 3cm, que se revelava para a orofaringe no momento que a paciente fazia a protrusão da língua. O aspecto era arredondado e bem delimitado. A superfície superior apresentava áreas levemente ulceradas e esbranquiçadas. Não foi possível definir o local exato de implantação do tumor através da laringoscopia indireta com espelho.

Através da fibronasofaringolaringoscopia foi verificado que lesão era pediculada, mas a base de implantação era larga, e estava localizada na base da língua, mais à esquerda (Figura 1). A epiglote, as cordas vocais, e as demais estruturas laríngeas estavam sem alterações. A lesão tinha aproximadamente 3cm de diâmetro.

Não apresentava linfonodos cervicais alterados na palpação, e o restante do exame otorrinolaringológico estava normal. A revisão hematológica pré-operatória e o ultra-som cervical para pesquisa das glândulas salivares maiores e da tireóide estavam normais.

Foi programada exérese da lesão, incisão elíptica ampla e em cunha da base da língua sob anestesia geral, que aconteceu sem intercorrências. Houve regressão total dos sintomas após o procedimento cirúrgico. O controle até o 12º mês do pós-operatório mostra que a base da língua está cicatrizada, sem sinal de recidiva local (Figura 2).

A microscopia do estudo anatomopatológico foi: "Cortes histológicos de neoplasia não encapsulada localizada na submucosa da língua, constituída por células epitelióides ovóides ou poligonais, e células claras, com núcleos de cromatina regular e nucléolos eosinofílicos. A lesão mostra espaços microcísticos ocasionais e acúmulo de material hialino entre as ilhas e cordões celulares. Não são observadas formações ductais. As figuras de mitose são raras. Margens de ressecção cirúrgicas livres. Conclusão: Neoplasia de padrão compatível com mioepitelioma." (Figura 3). Para confirmar o diagnóstico foi solicitado o estudo imuno-histoquímico da lâmina, que mostrou positividade intensa e difusa para a proteína S-100 (Figura 4).

DISCUSSÃO

A presença de um tumor na base da língua pode sugerir a presença de glândula tireóide ectópica, cuja incidência varia de 1:3000 a 1:10000. A incidência é 7 vezes maior nas mulheres, e o diagnóstico é dado principalmente entre os 60 e 70 anos de idade. Para os tumores pequenos, que estejam causando poucos sintomas, há a possibilidade de terapia de supressão com os hormônios tireoidianos. Para os maiores, que estejam causando disfagias severas e obstrução de vias aéreas superiores, o tratamento de escolha é a excisão da lesão, e se necessário, a reposição hormonal pós-operatória.

Neste relato de caso, o diagnóstico de mioepitelioma de glândula salivar menor foi obtido através do estudo anatomopatológico e imuno-histoquímico do tumor após a exérese completa. As células mioepiteliais são de origem ectodérmica, e têm a função de células de contração. Elas podem ser encontradas em tecidos secretores normais, como as glândulas salivares maiores e menores, glândulas lacrimais e sudoríparas, glândulas produtoras de muco na traquéia e esôfago, mamas e próstata1. Estas células encontram-se no lado epitelial da membrana basal, e envolvem os ácinos e os ductos destas glândulas, supondo-se então que sejam responsáveis pela expulsão e propagação das secreções do ácino em direção ao ducto.

Trata-se de um tumor pouco freqüente das glândulas salivares. Tem aproximadamente 1% de incidência, e é composto principalmente por células mioepiteliais. A glândula parótida e o palato são os locais de predileção, e correspondem a 2/3 de todos os casos2. A incidência da doença é praticamente igual entre os sexos, ou tende a ser ligeiramente maior nas mulheres. A faixa etária varia de 8 a 86 anos, mas principalmente em torno de 50 anos de idade. Evolui clinicamente como um tumor de crescimento lento, e o seu tamanho varia de 1 a 5cm de diâmetro. Geralmente é finamente encapsulado e bem delimitado. Nos tumores oriundos do palato, a cápsula pode estar ausente, mas permanece ainda caracteristicamente bem delimitado1. Sua coloração é esbranquiçada (ou rósea, ou acinzentada), é indolor, não forma úlcera (quando localizado no palato), e não provoca paralisia do nervo facial (quando localizado na parótida)2.



Figura 1



Figura 2



Figura 3



Figura 4



A arquitetura celular do mioepitelioma pode ter um padrão sólido, mixóide, ou reticular. Os tipos celulares encontrados são os fusiformes (mais freqüentes nos tumores da parótida), os plasmocitóides (mais freqüentes nos tumores de glândulas salivares menores), e menos freqüentemente, células claras e epitelióides. A arquitetura e o tipo celular não alteram o prognóstico da doença2-5.

O principal marcador imuno-histoquímico do mioepitelioma é a proteína S-100, e dificilmente o diagnóstico poderá ser feito se estiver negativo5. Os leiomiomas e as neoplasias de células escamosas são negativos para proteína S-100. Os schwanomas são positivos, mas apresentam características histológicas próprias. Adenocarcinomas polimorfos podem conter áreas de diferenciação mioepitelial, que seriam detectados na coloração hematoxilina-eosina e no estudo imuno-histoquímico, mas ao contrário dos bem delimitados mioepiteliomas, eles são difusamente invasivos3.

A presença de pleomorfismo celular, aumento da atividade mitótica, focos de necrose, e invasão tecidual, são características que sugerem malignidade, como por exemplo, o mioepitelioma maligno de glândulas salivares (também conhecido como carcinoma mioepitelial)6. É um tumor raro, e apresenta intensa atividade mitótica (mais de 7 figuras de mitose/ campo, com aumento de 400x). Pode originar-se através da transformação maligna do adenoma pleomórfico e do mioepitelioma. Apesar de ser positivo na pesquisa da proteína S-100, difere-se do mioepitelioma por não ser delimitado, e pela sua alta atividade celular4.

Embora o adenoma pleomórfico seja o principal diagnóstico diferencial do mioepitelioma tanto clínico quanto histologicamente, outros tumores de base de língua, de origem não mioepitelial, devem ser excluídos. A presença de um tumor nesta localização pode sugerir a presença de glândula tireóide ectópica, cuja a incidência varia de 1:3000 a 1:10000. A incidência é 7 vezes maior nas mulheres, e o diagnóstico é dado principalmente entre os 60 e 70 anos de idade. A avaliação deve ser cuidadosa, pois 70% destas glândulas ectópicas são produtoras de hormônios tireoidianos. O tipo de tratamento dependerá da gravidade dos sintomas, do tamanho da glândula ectópica, se ela produz hormônio ou não, e a situação da tireóide propriamente dita na posição anatômica cervical. Para os tumores pequenos, que estejam causando poucos sintomas, há a possibilidade de terapia de supressão com hormônios. Para os maiores, que estejam causando disfagias severas e obstrução de vias aéreas superiores, o tratamento de escolha é a excisão da lesão, e se necessário, a reposição hormonal pós-operatória1,8.

O adenoma pleomórfico é o principal diagnóstico diferencial do mioepitelioma. Para Simpson et al., 19959, ele está no meio de um espectro de tumores salivares benignos, onde numa extremidade teríamos o mioepitelioma, e na outra, os adenomas de células basais. O mioepitelioma é composto completamente, ou quase completamente, por células mioepiteliais, e as formações ductais estão ausentes, ou são muito raras (presentes em menos de 5% da área do campo examinado). No adenoma pleomórfico, as células mioepiteliais apresentam-se em número variado (eventualmente a disposição delas no adenoma pleomórfico pode ser semelhante ao mioepitelioma), e as formações ductais são numerosas2,3,5,8. Ambos os tumores apresentam prognóstico semelhante, e este é bom, se tratados através da excisão cirúrgica completa.

COMENTÁRIOS FINAIS

Até a avaliação do 12º mês pós-operatório, a paciente estava assintomática, e o exame vídeo-laringoscópico mostrava que o local onde estava o tumor não apresentava sinais de recidiva. Esta evolução concorda com a literatura, que considera a exérese da lesão com margens livres o tratamento de escolha1.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 Aluno do Curso de Pós-Graduação de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM, Mestrado.
2 Aluno do Curso de Pós-Graduação de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM, Mestrado.
3 Professora Adjunta da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica, Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, UNIFESP-EPM.
4 Professor Livre-Docente e Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica, Departamento de
Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, UNIFESP-EPM.
Instituição: Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica, UNIFESP/EPM.
Endereço para correspondência: Cheng T-Ping - Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica - Rua Otonis 674 Vila Clementino São Paulo SP 04025001
Tel (0xx31) 9984-5532 - Fax: (0xx11)5539-7723 - E-mail: orlped@epm.br / chengorl@ig.com.br
Artigo apresentado dia 23 de Novembro de 2002, como pôster, no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Florianópolis - Santa Catarina.
Artigo recebido em 10 de dezembro de 2002. Artigo aceito em 13 de fevereiro de 2003.

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