Versão Inglês

Ano:  2004  Vol. 70   Ed. 5  - setembro-outubro - (15º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 679 a 686

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Carcinoma de células escamosas da cavidade oral em pacientes jovens e sua crescente incidência: revisão de literatura

Squamous cell carcinoma of the oral cavity in young patients and its increasing incidence: literature review

Autor(es): Beatriz R. M. Venturi1,
Ana C. F. Pamplona2,
Abel S. Cardoso3

Palavras-chave: carcinoma, cavidade oral, pacientes jovens.

Keywords: carcinoma, oral cavity, young patients.

Resumo:
A proposta deste estudo é rever o carcinoma de células escamosas oral na população jovem. A literatura mostra um comportamento diferente neste tipo de doença, que parece ser mais agressivo. Existe uma forte relação entre alguns hábitos (tabaco e consumo de álcool) e o desenvolvimento do carcinoma de células escamosas (CCE) oral, mas nestes casos os pacientes normalmente não relatam hábitos considerados de risco. Existe um pequeno número de relatos de casos de CCE oral em pacientes com menos de 40 anos de idade, então é difícil de provar o aumento da incidência do CCE da cavidade oral como dito na literatura. Outros estudos são necessários para entendermos melhor esta entidade. A identificação das características desta população jovem se faz necessária, pois pode refletir problemas no controle do câncer e pode possibilitar o desenvolvimento de um programa de prevenção primária para o CCE oral em pacientes jovens.

Abstract:
The purpose of this study was to review the squamous cell carcinoma of the oral cavity in young population. The literature shows a different behavior in this type of disease; it seems to be more aggressive. There is a close relationship between some habits (tobacco and alcohol consumption) and the development of squamous cell carcinoma of the oral cavity, but in this case the patients normally relate no risk factors. There is a little number of case report of squamous cell carcinoma of the oral cavity in patients under 40 years old, so it's difficult to prove the increasing of the squamous cell carcinoma of the oral cavity as said in the literature. Further studies are necessary to know better this entity. The identification of the characteristics of this young population is necessary, because it might reflect problems in cancer control and can enable the development of a primary prevention program for squamous cell carcinoma of the oral cavity in young patients.

INTRODUÇÃO

O câncer da cavidade oral e orofaringe representa aproximadamente 3% de todas as lesões malignas em homens e 2% nas mulheres nos EUA.1 De todos os tipos de câncer que acometem a cavidade oral e orofaringe, 90% deles são do tipo carcinoma de células escamosas (CCE).1 Tipicamente ocorre em pacientes do sexo masculino, entre a quinta e oitava década de vida, sendo raro em pacientes com menos de 45 anos de idade.1

Histologicamente tem início na camada epitelial superficial com o aparecimento de células epiteliais malignas, que se mostram diferentes das outras células escamosas do epitélio normal e têm um comportamento invasivo em direção ao tecido conjuntivo subjacente.1 O fato deste tipo de câncer não ser comum em pacientes jovens, faz com que o conhecimento sobre fatores etiológicos, melhor tratamento e prognóstico do paciente com a doença seja ainda muito limitado.1

O CCE da cavidade oral, clinicamente, pode assumir aspectos diferentes em seus estágios iniciais, apresentando-se como uma lesão leucoplásica, eritroplásica, leucoeritroplásica, ou úlceras que freqüentemente não cicatrizam. 1

Anualmente são diagnosticados 50.000 casos de CCE da cabeça e pescoço nos EUA e mais de 500.000 no mundo.2 No Brasil as estimativas das taxas de incidência do câncer oral relatadas pelo INCA para o ano de 2002 são de 8.340 casos para homens e 2.915 para as mulheres, com 2.715 óbitos para os homens e 700 óbitos para as mulheres.3 No estado do Rio de Janeiro são estimados 1.410 casos de câncer oral para homens e 530 casos para as mulheres, sendo 420 óbitos para homens e 100 óbitos para as mulheres. 3

A literatura científica tem recentemente dado mais atenção aos CCE ocorridos na língua de adultos jovens, o que não era considerado uma entidade clínica distinta dos carcinomas de células escamosas em adultos até 19752,4-12, pois os CCE de cabeça e pescoço em adultos jovens são incomuns, representando apenas de 0,4% a 4,8% de todos estes tumores ocorridos em pacientes com mais de 40 anos.2

Uma revisão da literatura americana revela menos de 200 casos reportados de CCE de língua em pacientes com menos de 40 anos.2 Logo, existem muito poucas publicações sobre o tratamento e o efeito desta doença, devido a sua raridade.5

Tem sido sugerido que o CCE oral em pacientes jovens talvez seja uma doença distinta daquela que ocorre em pacientes mais velhos, com etiologia e progressão clínica particulares.8,13

Em conjunto com o aumento da incidência, percebe-se a falta de conhecimento sobre a taxa de sobrevida dos pacientes acometidos. Fatores de risco tradicionais talvez não sejam os responsáveis pela incidência dos casos de câncer oral em pacientes jovens, o que demonstra a necessidade de um melhor entendimento da epidemiologia do câncer oral.2,5,6,8-10,13-15

Os relatos existentes na literatura em relação aos fatores de risco, como o álcool e o tabaco, para o CCE oral são vastos e reconhecidos.1 Entretanto, muitos autores têm reportado que os fatores de risco já conhecidos, como o fumo e a ingestão freqüente de bebidas alcoólicas, que são considerados importantes nos cânceres de pacientes mais velhos, talvez não apresentem tanta importância nos cânceres que acometem indivíduos mais jovens, pois tais fatores parecem estar presentes em graus variados em pacientes jovens, mostrando que talvez exista uma diferença entre os fatores de risco para pacientes jovens e pacientes mais velhos. Soma-se a isto, o fato de que mesmo presentes os fatores de risco, nos pacientes jovens, estes estiveram expostos a eles por um período de tempo menor se os compararmos com os pacientes mais velhos.2,6,8,9,13

O objetivo deste trabalho é promover uma revisão de literatura sobre o assunto, com o intuito de analisar a incidência do CCE da cavidade oral em adultos jovens, juntando vários trabalhos, uma vez que a casuística destes isoladamente é pequena. Visa ainda discorrer sobre a associação de fatores de risco, e sobre o prognóstico para o CCE da cavidade oral ocorridos em adultos jovens, enfatizando o diagnóstico precoce.

REVISAO DA LITERATURA

Na literatura americana existe uma variação de incidência do CCE oral em adultos jovens de 0,9% a 10,3%, sendo estes dados de diferentes tipos de instituição.14 Em instituições privadas, 4% dos cânceres ocorrem em pacientes jovens, enquanto essa ocorrência nos hospitais públicos é de 10,3%.14 Em hospitais públicos existe uma maior prevalência em negros, sendo de 6,6%, e somente 2,9% em brancos.14

O câncer de orofaringe e da cavidade oral em adultos jovens é uma rara entidade apresentando uma incidência de 2,7% de um total de 1014 pacientes vistos ou tratados no Departamento de Radiologia Terapêutica de Yale - New Haven Medical Center entre 1958 e 1980.15

Muitos estudos sugerem que o câncer de cabeça e pescoço, particularmente o de língua, está aumentando internacionalmente em adultos jovens.2,5,6,8,9,13 Nos EUA é demonstrado um aumento da taxa de mortalidade por câncer de língua em adultos com menos de 30 anos, a partir de meados dos anos 70.10 Em Connecticut, EUA o aumento foi de 4% na incidência de câncer oral em homens de 30 a 39 anos, entre os anos 60 e meados dos anos 80.10 Em Houston, Texas, EUA a elevação da taxa variou de 4% em 1971 para 18% em 1993.10

Um estudo envolvendo 24 países europeus demonstra aumento na taxa de câncer oral entre 1955 e 1989; onde dez países demonstram um aumento maior que dois pontos percentuais em homens com menos de 44 anos e três países mostram um similar aumento em mulheres.10 Os países apresentando este aumento são principalmente os da Europa central, incluindo Áustria, Alemanha, Hungria, Polônia e Bulgária.10 Estudos realizados na Inglaterra também reportam que é crescente o número de casos de CCE oral em adultos jovens, particularmente na língua.13

Na Finlândia existe uma taxa crescente de CCE de língua ocorrendo em adultos jovens, tendo sido o aumento de 3% ao ano no período de 1953 a 1962, e 7% ao ano no período de 1983 a 1992.6

Na Índia, o carcinoma oral em pacientes com menos de 35 anos representa 2,8% de todos os casos de câncer oral em seu centro de referência, enquanto representa de 0,4 a 5% na região norte.8

No estudo de Martin-Granizo et al. (1997), de um total de 294 pacientes com CCE oral comprovados por biópsia, 8,2% têm 40 anos de idade ou menos, sendo 20,8% jovens com 30 anos de idade ou menos.14

Verschuur et al. (1999) analisando pacientes com menos de 40 anos, relatam que estes representam 1,84% de 10.072 casos de CCE oral.16 Esta série não demonstra aumento na taxa do CCE oral em pacientes jovens entre 1958 e 1992.16

Apesar da raridade do CCE oral em pacientes com menos de 45 anos, a maioria das taxas varia de 0,24 a 9,0%; Hart et al. (1999) mostram uma taxa de 15,75% deste tipo de tumor.17 No entanto, esta alta porcentagem do estudo pode ser em parte explicada pelo pequeno número de indivíduos estudados e pelo fato da atividade militar ser maior em pacientes jovens, uma vez que utiliza militares em seu estudo.17

Numa extensa revisão de literatura, Bill et al. (2001) relatam que os pacientes com menos de 40 anos são apenas 2,7% do total de doentes que apresentam cânceres de orofaringe e da cavidade oral.18 Os mesmos autores observam que a língua e lábio inferior são as localizações mais comuns de acometimento dos CCE primários.18

Schantz e Yu (2002), baseados nos registros do Instituto Nacional do Câncer da divisão do controle do câncer e ciências populacionais, que cobre aproximadamente 10% da população americana, analisam, entre 1973 e 1997, 63.409 pacientes com câncer de cabeça e pescoço, sendo 3.339 menores de 40 anos.10 O câncer de língua em americanos jovens demonstra um aumento de 62%, quando comparados os períodos de 1985-1997 e 1973-1984.10 Em contraste com o câncer de língua, a incidência de outros cânceres em americanos jovens, incluindo os cânceres de faringe e laringe, permanecem relativamente estáveis durante o mesmo período.10

Quanto ao sítio de acometimento do CCE de cabeça e pescoço em adultos jovens, as lesões da cavidade oral e orofaringe são as mais freqüentes, seguida das lesões de laringe no estudo de Lipkin et al. (1985) com 39 casos de CCE de cabeça e pescoço em pacientes com 40 anos ou menos de idade.19 Entretanto, parece haver um aumento na incidência do carcinoma oral de língua em adultos jovens, tendo sido de 5,3% em 1950 e 7,2% em 1980, sendo a maior alta de 8,6% em 1970.6 Corroborando com este aumento relatado na literatura, Lype et al. (2001) relatam a língua como o sítio mais comum, sendo acometida em 52% dos casos, seguida pela mucosa jugal em 26%, demonstrando ainda uma predominância para os sítios intrabucais.8

Quanto à proporção de homens e mulheres acometidos pelo CCE, os homens parecem ser mais acometidos que as mulheres, em razões variáveis, de 1,3:1 até 2,1:1.10,14,15 Entretanto, valores maiores em mulheres também são encontrados, em razões que variam de 0,9:1 a 1:2,3.8,10,14,15

Num estudo com 10.072 pacientes feito por Verschuur et al. (1999), 69% dos casos ocorreram em mulheres.16

Uma cuidadosa análise de Koch et al. (1999), comparando fumantes e não-fumantes, confirmam e fortalecem muitas observações já existentes na literatura; a maioria dos não-fumantes com CCE da cabeça e pescoço neste estudo era homem.20 A maior parte das mulheres estava no grupo de fumantes.20

Fatores de Risco (tabaco e álcool, p53, genética)

Álcool e tabaco

A inalação de tabaco exerce efeito carcinogênico na laringe e nos pulmões. Já o hábito de mascar tabaco faz com que este se dissolva na saliva e produza câncer em soalho de boca, língua, e trígono retromolar; e o álcool é predominantemente um co-fator do tabaco, aumentando o risco de desenvolvimento de CCE na orofaringe e esôfago.14 Sabe-se que o tabaco aumenta em sete vezes o risco de desenvolvimento do CCE oral na população geral, e se estiver associado ao álcool este risco pode elevar-se em até 15 vezes.12

O uso do tabaco, particularmente entre homens, parece ser menos comum na faixa etária em que os jovens têm a maior incidência de câncer.21 Além disso, o câncer de pulmão também tem mostrado um forte declínio neste grupo populacional.21 Entretanto, na amostra de Mackenzie et al. (2000), onde 109 pacientes abaixo de 40 anos entre 1981 e 1995 são analisados, a maioria (68%) afirma ser fumante regular; dentre estes, 58% utiliza tabaco desde antes dos 15 anos de idade.21 Por outro lado, evidências recentes têm sugerido um aumento da incidência do CCE oral em indivíduos que não usam cronicamente o tabaco e o álcool.2 Um aumento da incidência do CCE oral na língua está sendo observado em indivíduos com menos de 40 anos, que não apresentam fatores de risco.2

Baseado em tais fatos, existe atualmente uma grande controvérsia quanto ao papel dos tradicionais fatores de risco, como o álcool e tabaco, na etiologia do CCE em adultos jovens, pois alguns estudos demonstram uma associação entre estes17,19, enquanto outros não encontram correlação.2,7,16,20 Procuramos, então, promover uma citação cronológica para uma melhor compreensão dos fatos.

No estudo de Byers et al. (1975), 11 pacientes com menos de 30 anos com CCE de língua atestam que muitos dos usuais fatores de risco tais como, fumo em excesso, consumo de álcool e higiene oral deficiente estavam ausentes.7
Lipkin et al. (1985) relatam que a idade média dos pacientes com CCE gira em torno de 36,3 anos e estes são quase que uniformemente fumantes e fortes consumidores de álcool.19

Segundo Cusumano e Persky (1988) o carcinoma da cavidade oral ocorre mais freqüentemente em mulheres com menos de 35 anos que não são submetidas a fatores de risco como o tabaco e o álcool.22 Tal fato sugere que outros fatores de risco estão associados ao carcinoma oral ocorrido em mulheres jovens.22

Koch et al. (1999), comparando indivíduos não-fumantes com fumantes, observam mais comumente a presença de tumores de laringe e hipofaringe em indivíduos fumantes; os não-fumantes geralmente apresentam tumores intra-orais, sendo geralmente do sexo feminino e com idades contrastantes, ora muito jovens, ora muito idosos.20 No grupo dos fumantes observa-se mutações na proteína p53.20 A taxa de infecção pelo HPV apresenta-se ligeiramente maior nos tumores do grupo de não-fumantes.20 Ex-fumantes apresentam características moleculares parecidas com as dos não-fumantes.20 Demonstram ainda não haver associação entre idade, história de fumo ou sobrevida nos cânceres de cabeça e pescoço, mas sugerem que o espectro de mutações difere entre os cânceres em fumantes e não-fumantes, indiferente da idade ou local em área de cabeça e pescoço.20

Segundo Verschuur et al. (1999) existe menor consumo de álcool entre os pacientes jovens.16 Dos pacientes maiores de 40 anos, 35,1% negam o uso de álcool, enquanto 57,3% dos pacientes jovens relatam não consumir álcool.16 Diferentemente do descrito na literatura a taxa de pacientes não-fumantes com CCE oral quando separadas por idade não é estatisticamente significativa.16 Analisados quanto ao uso de tabaco, 8,3% dos pacientes maiores de 40 anos são não-fumantes, enquanto 34,1% dos pacientes jovens são não-fumantes.16 Embora alguns pacientes do grupo de pacientes jovens consumam álcool, nenhum dos que têm menos de 30 anos fez isto excessivamente ou por longo tempo.16 Outros fatores incluem fumo de maconha, hábito de mascar tabaco, enxaguantes bucais contendo álcool, exposição passiva ao tabaco ou predisposição genética ao desenvolvimento de câncer de cabeça e pescoço, estes não puderam ser determinados neste estudo.16

Ao contrário de outros relatos, Hart et al. (1999) demonstram uma forte associação do tabaco e em menor grau do consumo de álcool com o desenvolvimento do CCE oral em jovens, encontrando o uso de tabaco em 77% da população do estudo.17

Lingen et al. (2000) examinam 21 pacientes e nenhum tem história pregressa de uso de maconha ou uso de tabaco, porém, 14 admitem usar álcool socialmente.2 Nenhum apresenta história de exposição à radiação, risco aumentado para um tipo específico de câncer ou história de predisposição familiar, bem como risco ocupacional ou de fatores ambientais consideráveis.2

No estudo de Lype et al. (2001), metade dos 264 pacientes abaixo de 35 anos com câncer oral são etilistas ou tabagistas, comparado aos 99% encontrados em pacientes maiores de 35 anos.8 Sendo assim, sugerem que a lesão deve ser investigada mesmo se o paciente não estiver associado a fatores de risco, pois aproximadamente 40% dos pacientes deste estudo não têm história de contato com os conhecidos fatores etiológicos, lembrando e enfatizando a importância do diagnóstico precoce deste tipo de lesão.8

Associação de Fatores

O processo da oncogênese nos adultos jovens pode ser completamente diferente do que ocorre nos pacientes mais idosos.20 Talvez exista uma predisposição genética ao CCE de cabeça e pescoço que não tenha sido identificada, por exemplo, um gene cancerígeno herdado ou um defeito no reparo do DNA causando uma propensão ao desenvolvimento de mutações, como em conhecidos oncogenes, como o p53 e outros.20

O câncer de língua em pacientes jovens pode ser considerado uma doença distinta? Estudos imuno-histoquímicos para detecção de P53, P21, proteína Rb e MDM2 em lesões de câncer na borda da língua, em 36 pacientes com menos de 35 anos de idade, e um similar número de pacientes com mais de 75 anos de idade não suportam tal afirmação. 22 Alguns estudos não demonstram diferenças entre o p53 nos dois grupos6,22, embora exista a citação de que as mutações na proteína p53 são menos comuns em cânceres de língua de pacientes jovens sem história previa de uso de tabaco e álcool.6

Lingen et al. (2000) relatam a detecção de p53 em 81% dos adultos jovens com carcinoma oral.2 Dos 22 pacientes com menos de 40 anos estudados de 1986 a 1996, dois não demonstram superexpressão de P53 e apresentavam tumores muito agressivos, o que resultou em morte em menos de dois anos após o diagnóstico inicial. 2 Talvez defeitos genéticos em pacientes fumantes possam ter um papel importante na etiologia do CCE oral.24 A etiologia ainda se encontra incerta, mas tem se dado cada vez mais importância a uma predisposição genética.24

Uma consideração futura no desenvolvimento do CCE de cabeça e pescoço em adultos jovens pode ser a predisposição genética aos carcinógenos ambientais, anormalidades cromossômicas, aumento da suscetibilidade a um dano cromossômico induzido por um mutagen ou reparo deficiente do DNA.16 Outras causas são propostas para o CCE oral em pacientes jovens sem fatores de risco assim como imunossupressão, infecção viral, hereditariedade, xeroderma pigmentoso, ou exposição oral a polivinil clorado.2

A ocorrência do CCE oral em crianças é rara, sendo a maioria dos casos encontrada em associação com doenças sistêmicas como, por exemplo, epidermólise bolhosa, xeroderma pigmentoso e papilomatose juvenil.18

Prognóstico (comportamento agressivo, prognóstico, sobrevida)

Devido ao pequeno número de casos de pacientes jovens com CCE oral, muitos fatos são discutidos: as taxas de incidência, os fatores de risco relacionados e, principalmente, o comportamento do tumor.24 Os autores se dividem quanto ao prognóstico e comportamento nestes casos, e mais uma vez lançamos mão de uma revisão cronológica para um melhor entendimento dos pontos de vista discutidos na literatura.

Dentre os 64 pacientes com menos de 40 anos em acompanhamento entre 1973 e 1995, divididos por idade em maiores e menores de 30 anos, os pacientes mais jovens apresentam um melhor prognóstico. Entretanto, esta diferença não foi estatisticamente significante.4

De acordo com Lipkin et al. (1985) o desenvolvimento do CCE numa idade precoce pode ser relacionado a fortes consumidores de álcool e tabaco, e a baixa sobrevida é devida à própria negligencia e falha do paciente, que não procura atendimento médico ainda em estágios iniciais da doença.19

Segundo Son e Kapp (1985) dos 1.014 pacientes estudados em Yale, entre 1958 e 1980, sendo 2,7% de adultos jovens, a sobrevida de três anos observada é de apenas 17%.15

Apesar da maioria dos trabalhos relatarem um pior prognóstico, o estudo com caso controle não mostra diferenças significantes na taxa de recorrência e nem na sobrevida.16

Sarkaria e Harari (1994) reportam uma alta taxa de recorrência loco-regional bem como uma alta mortalidade relacionada à doença no grupo de pacientes jovens, em seu estudo de 152 casos de carcinoma oral em pacientes com menos de 40 anos, onde 47% dos pacientes morreram.9,24 Estes autores não consideram que o CCE oral em pacientes jovens é mais agressivo, ou tem pior prognóstico.9,24

Pelas observações de Martin-Granizo et al. (1997) existe o desenvolvimento de recorrência em 6% nos primeiros 18 meses, mas nenhuma delas ocorre no período de um ano e meio a cinco anos de acompanhamento.15 Ainda segundo os autores não são detectadas diferenças significantes nas taxas de sobrevida de homens e mulheres, embora pior prognóstico seja observado para o grupo do sexo masculino.14 Para estes autores não é possível assumir que o CCE da cavidade oral tem um comportamento mais agressivo nos pacientes com menos de 40 anos.14

Cusumano e Persky (1998) demonstram pior prognóstico para mulheres com menos de 35 anos com CCE oral e citam Byers7 que salientou um padrão mais anaplásico (pobremente diferenciado) do CCE oral em adultos jovens, resultando em pior prognóstico.7,15,22

Trabalhos de Siegelman-Danieli et al. (1998) não encontram diferenças na sobrevida do paciente com câncer de língua com respeito à idade, mas reportam uma tendência de pior sobrevida nos pacientes sem historia de uso de álcool e tabaco.11

Ao contrário de muitos relatos na literatura, Jones et al. (1998) com casuística de 2.647 pacientes demonstram maior taxa de sobrevida em pacientes jovens.25 A taxa de sobrevida de 5 anos em pacientes com CCE de cabeça e pescoço da terceira a sétima décadas de vida chega a 54%, e entre a oitava a décima décadas 44%; tal diferença foi significativa estatisticamente.25 Pacientes da oitava década de vida em diante apresentam maior severidade da doença no sítio primário, mas surpreendentemente, apresentam menos metástases em linfonodos que os pacientes mais jovens.25 Quanto ao tipo de tratamento escolhido, os pacientes mais jovens geralmente são tratados com cirurgias radicais, enquanto os pacientes da oitava década em diante não recebem tratamento radical.25 No entanto, a escolha pela irradiação radical foi similar em ambos os grupos.25

Após o trabalho de Schantz em 1988, citado acima, que utiliza 83 pacientes em cada grupo, Verschuur et al. (1999) utilizam 185 pacientes abaixo de 40 anos e 185 acima desta idade.16 O resultado demonstra que não há diferença no prognóstico do CCE em jovens.16 No entanto, pacientes mais velhos demonstram ser mais propensos ao desenvolvimento de um segundo câncer primário como, por exemplo, um tumor de cabeça e pescoço, pulmão ou esôfago, provavelmente secundário a uma cancerização de campo causada pelo uso de tabaco.16 Quando comparado os grupos de pacientes não-fumantes, os pacientes mais jovens apresentam uma maior sobrevida em 5 anos.16 Os resultados deste estudo sugerem que o prognóstico para pacientes jovens com CCE oral de cabeça e pescoço não é pior que para os pacientes mais velhos.16

Para Hart et al. (1999) a taxa de sobrevida dos pacientes jovens é similar àquela de todos os pacientes com CCE oral e de orofaringe, sendo também semelhante em todos os estágios da lesão.17

No estudo de Vargas et al. (2000), mulheres com menos de 40 anos de idade com CCE oral em língua, apresentam taxas de recorrência local da doença maiores que aquelas observadas no grupo de pacientes mais velhos com a mesma doença.12 Estas pacientes têm menos tempo de intervalo livre da doença antes de apresentarem recorrência, quando comparadas com o outro grupo.12 Embora a taxa de sobrevida não tenha sido significantemente diferente entre os dois grupos uma tendência tem sido observada no sentido de que mulheres jovens com CCE oral tenham menor sobrevida.12 No entanto, diversos estudos, principalmente os mais recentes, têm mostrado que pacientes jovens com CCE oral não tem pior prognóstico.8,23 Além disso, a taxa de sobrevivência em 5 anos de adultos jovens foi de 77,7% para Myers et al. (2000), comparável com as taxas de sobrevivência vistas em vários trabalhos retrospectivos com pacientes portadores de câncer de língua de todas as idades.4

Davidson et al. (2001) não relatam diferenças no curso clínico ou no prognóstico do câncer de língua em pacientes com menos de 40 anos de idade, embora o grupo controle para esta comparação não tenha sido descrito.23 Apesar de não ter sido demonstrada diferença na sobrevida, a despeito do extenso uso de radioterapia nos pacientes jovens, a recorrência loco-regional é significantemente mais comum nestes pacientes.23 Os pacientes não apresentam diferença na sobrevida com respeito à idade, mas existe maior sobrevida em pacientes com história prévia de uso de álcool e tabaco.23

Apesar do relato de alguns autores sobre a anaplasia dos tumores em jovens, o que contribui para um comportamento mais agressivo e de pior prognostico, Lype et al. (2001) demonstram que a maioria dos tumores é bem diferenciada mesmo com uma taxa de 66,3% dos casos em estágios III e IV da doença.8 Em oposição às observações de alguns autores, Lype et al. (2001) demonstram uma taxa de sobrevida similar em pacientes jovens quando comparado com pacientes mais velhos.8

DISCUSSÃO

Existe grande dificuldade de determinar a faixa etária em que se enquadra o termo "paciente jovem", visto que diversos estudos têm determinado faixas etárias diferentes. Isto faz com que não se tenha uma caracterização epidemiológica, e talvez seja responsável por tornar indistinto o limite entre a causa de aumento dos cânceres. As publicações têm um número reduzido de casos, o que impede uma análise estatística dos significados.13

A média de incidência de CCE oral juntando os trabalhos utilizados nesta revisão foi de 5,8%, sendo a menor taxa de 0,24% e a maior de 15,75%. No entanto, a literatura científica demonstra, como um todo, um aumento na taxa de pacientes jovens acometidos por CCE da cabeça e pescoço, ocorrendo na língua e no sexo feminino, principalmente após a década de 70. O aumento varia de três pontos percentuais em média até 62% no carcinoma de língua10. Apesar do aumento da ocorrência de carcinoma oral em pacientes jovens após 1970, as taxas de carcinoma oral de uma forma geral vêm diminuindo.10 Tal fato leva a uma maior preocupação quanto aos fatores de risco da doença, que parecem ser distintos, uma vez que essa condição vem diminuindo em pacientes acima da quarta década.

Alguns fatores podem ter aumentado esta incidência, tais como métodos mais avançados de diagnóstico, aumento do número de estomatologistas e patologistas orais, mais núcleos de referência em diagnóstico, informatização dos centros de referência, maior preocupação com a compilação de dados e anotações nos prontuários, a globalização que leva a um maior acesso aos dados mundiais, maior preocupação com a publicação e informação científica, aumento no número de campanhas informativas que culminam na procura de tratamento por parte dos pacientes, entre outros. Além disso, geralmente os pacientes mais jovens, principalmente mulheres, possuem uma maior preocupação com a estética e o bem estar, o que pode ser um motivo capaz de fazê-los procurar mais precocemente pelo tratamento. Existe ainda um fator que deve ser considerado antes de atentar para o aumento súbito do número de carcinoma de língua em pacientes jovens, que é o fato da língua ser o local de visualização mais fácil, desta forma outras lesões intra - orais poderiam levar mais tempo para serem percebidas, uma vez que inicialmente são indolores, causando assim uma elevação na faixa etária na época do diagnóstico.

O número de pacientes jovens com carcinoma oral relatado na literatura é pequeno, levando à necessidade de estudos multicêntricos e extensos para que seja provado este aumento na incidência já relatado na literatura. A padronização da faixa etária torna-se fundamental para uma maior confiabilidade nos levantamentos epidemiológicos.

Uma maior incidência de CCE em jovens em hospitais públicos relatada por Hart et al. (1999) acena para a necessidade de investigação dos aspectos socioeconômicos envolvidos com a doença.17 Não foi encontrado na literatura nenhum estudo que clareasse as condições socioeconômicas do grupo estudado, talvez este dado pudesse ser de extrema valia na determinação dos fatores de risco.

Uma maior prevalência do carcinoma oral em jovens negros foi observada, o que não condiz com a literatura em relação a pacientes de maior faixa etária; no entanto, deve ser considerada a relevância de tal informação, uma vez que é extremamente difícil classificar a raça de um indivíduo, principalmente em países onde a miscigenação é grande, como o Brasil.15,19

Quanto ao sexo de maior acometimento as conclusões são duvidosas, provavelmente pelo tamanho das amostras, pois amostras muito pequenas podem permitir que diferenças importantes passem desapercebidas, No entanto, amostras demasiadamente grandes podem tornar diferenças irrelevantes em estatisticamente significativas. Os sexos deveriam ser avaliados separadamente, para que pudessem ser analisadas diferenças qualitativas tais como mutações, alterações genéticas, participação viral e outros, ao invés de diferenças quantitativas.

Muitos autores admitem uma menor associação de fatores de risco, como tabaco e álcool, nos pacientes jovens2,7,8,16,20,22, enquanto outros afirmam a sua presença, assim como nos pacientes mais idosos17,19,21. O que deve ser levado em consideração é que independentemente da ausência ou presença de tais fatores é de suma importância levantar a história familial do paciente, pois apesar da presença dos carcinógenos, nos jovens estes coexistem por menos tempo, o que leva à suspeita de predisposição genética ou de aumento da suscetibilidade aos carcinógenos. Além disso, o aumento de casos de carcinoma oral em jovens é contrário à diminuição no consumo de álcool e tabaco, que segundo Schantz e Yu (2002) vem diminuindo desde 1970. Em contrapartida, o uso de tabaco sem fumaça vem aumentando nos últimos 30 anos, como o hábito de mascar tabaco, o que pode em parte ser responsável por este aumento nas taxas.10 Como uma alternativa, pode ser que estes tumores em pacientes muito jovens sejam geneticamente distintos, requerendo poucas mutações e por isso tendo um comportamento clínico distinto. 20

É necessário um melhor conhecimento de outros prováveis fatores etiológicos que não o tabaco e o álcool. A ausência dos tradicionais fatores de risco numa proporção significante de pacientes jovens acometidos pela doença, e o tempo pequeno de exposição a tais fatores, justificam a importância de serem examinadas outras possíveis causas como carcinógenos ambientais, stress, infecções virais prévias, história de câncer na família.13

Novas pesquisas são necessárias, tais como estudos genéticos, socioeconômicos, identificação de vírus oncogênicos como o HPV e Epstein - Barr já identificados em diversas lesões malignas, assim como a ação de oncogenes como o p53, telomerase, bcl-2, p21, entre outros.

Existe grande controvérsia no que diz respeito ao prognóstico, sobrevida e comportamento do tumor nos pacientes jovens. Alguns dizem que o curso da doença é mais sombrio, enquanto outros relatam o contrário. Apenas poucos estudos apresentam casos controle para determinação da sobrevida e do comportamento do tumor, não demonstrando diferenças entre o grupo jovem e o mais idoso. Além disso, o tipo de abordagem cirúrgica é diferente nos dois grupos, pois alguns cirurgiões usam cirurgia mais radical em pacientes jovens, enquanto outros simplesmente evitam a mutilação, por estes pacientes terem maior expectativa de vida. Desta forma, outros estudos utilizando casos controle e tratamento padronizado seriam de extrema valia para uma melhor compreensão do prognóstico.

COMENTÁRIOS FINAIS

Apesar de o CCE oral ser incomum em pacientes jovens, este deve ser considerado no diagnóstico diferencial de ulcerações persistentes, eritroplasias, leucoplasias e eritroleucoplasias; principalmente nos locais considerados de maior risco, como soalho de boca e língua. Quanto mais precoce o diagnóstico e tratamento, maiores as chances de sobrevivência. A prevenção ao uso do tabaco e ingestão de bebidas alcoólicas é imperativa, e qualquer lesão suspeita de malignidade em cabeça e pescoço, mesmo em pacientes jovens, deve ser analisada com cautela e incluída no diagnostico diferencial do CCE.

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1 Mestranda em Patologia Bucodental da UFF e especialista em Estomatologia pela UFRJ.
2 Mestranda em Patologia Bucodental da UFF e especialista em Estomatologia pela UFRJ.
3 Professor titular do departamento de Patologia e Diagnóstico Oral da UFRJ.
Este artigo é parte de uma monografia apresentada ao curso de especialização da Estomatologia da UFRJ para obtenção do título de especialista em Estomatologia.
Endereço para correspondência: Beatriz Venturi - End: R Soldado Francisco de Souza, 110 Jacarepaguá Rio de Janeiro 22770-155
E-mail: beatriz_venturi@ig.com.br
Artigo recebido em 05 de fevereiro de 2003. Artigo aceito em 15 de julho de 2004.

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