Versão Inglês

Ano:  1935  Vol. 3   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 527 a 532

 

Á PROPOSITO DE UM CASO DE ESTENOSE CICATRICIAL DO LARINGE CURADO PELA LARINGOSTOMIA (1)

Autor(es): DR. GABRIEL PORTO (Oto-laringologista do Instituto Penido Burnier, Campinas)

Apesar de sua pouca frequência, as estenoses laringéias ja deram motivo a duas interessantes comunicações feitas, recentemente, á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, pelos nossos distintos colegas Homero Cordeiro (3) e Roberto Oliva (6). Na observação de Homero Cordeiro, a cura foi conseguida graças ao processo de dilatação e na de Roberto Oliva, pela tireotomia.

Na "Semana de Oto-rino-neuro-oculistica", em 1926, J. J. da Nova (5) comunicou tambem a cura de uma estenose laringéia obtida graças ao galvano-cautério. No caso que, hoje, vos apresentamos, recorremos a outro método de tratamento - a traqueo-laringostomia. Intervenção conhecida de longa data aperfeiçoada e sistematizada durante a guerra de 1914. Trata-se de operação, hoje, clássica, algo trabalhosa exigindo da parte do médico muita paciência, dando entretanto, resultados seguros mesmo nos casos graves de estenoses larigéias. O ato cirúrgico consiste em uma tireotomia seguida de incisão da traquéia até alcançar o orificio da cânula.

Afastam-se, então, as cartilagens tireoidéias, resseca-se o tecido cicatricial restabelecendo-se o calibre do conduto laringotraqueal e sutura-se a borda da pele ás cartilagem tireoidéias, realizando-se uma verdadeira traqueo-laringostomia. Em uma segunda fase, procura-se fazer a dilatação do laringe e traquéia. Para este fim existem numerosos métodos, preferindo a maioria dos autores os tubos de borracha como agentes dilatadores, pois êles possuem ação destrutiva sobre os tecidos. Esta fase pode durar de três mêses a alguns anos. Uma vez assegurado um bom calibre para o conduto laringo-traqueal, executa-se operação plástica visando obliterar o orificio deixado pela laringostomia.

Tal intervenção raramente tem sido praticada entre nós. Alvaro Tourinho (7) a executou em um caso de pericondrite laringo-traqueal, apresentado em Setembro de 1922, á sessão inaugural da extinta Sociedade Brasileira de Oftalmologia e Oto-laringologia; Eduardo de Morais (4) recorreu a ela em um doente de leishmaniose em 1926 e Paulo Brandão (2) tambem a praticou em um caso publicado tia Acta Oto-Laryngologica. Na observação de Paulo Brandão tratava-se de uma obliteração completa da sub-glote e o caso foi magistral e sabiamente resolvido com uma intervenção atípica que consistiu em uma simples cricostomía associada a uma laringoscopia direta. E' um caso brilhante em que o operador exibe, ao par de apurado tino clinico, as suas excelsas qualidades de cirurgião que já o consagraram entre os grandes mestres da Oto-laringologia brasileira. A nossa

OBSERVAÇÃO

refere-se a E. M. de 15 anos, feminina, branca brasileira e residente em Campinas. Ficha n.º 17.670, Data: 2 de Março de 1932.

Neste dia compareceu ao nosso consultório pela primeira vez, informando-nos os pais da menor que, ha dois mêses, notaram que a menina dorme de boca aberta parecendo ter as glândulas inchadas (sic).

O exame da oro-faringe revela cicatrizes retracteis na faringe, destruição de parte da amigdala esquerda, onde ainda se notam algumas ulcerações. Aderências do pilar posterior esquerdo á faringe. O caso é rotulado de sifile faringéia e prescreve-se como terapêutica fosfato de bismuto (Phosphobismol) em injeções intra-musculares, em dias alternados e 0,01 de sulfureto de mercúrio (Thiozol A), tambem aplicado intramuscularmente.

A paciente logo que se sentiu melhor, abandonou o tratamento e só reapareceu 10 mêses depois, isto é, em Dezembro de 1932, contando-nos que ha 24 horas voltara a sentir dor de garganta. A faringe apresentava-se então de colorido vermelho-vinhoso. Indicamos uma série de 24 injeções de hidróxido de bismuto e oxiacidobenzóico (Hormobismol) intramuscularmente.

Em seguida, isto é, em 18 de janeiro de 1933 submete-se a paciente a uma série de 12 injeções de salicilato de mercúrio (Salyon) e a outra de 12 ampolas de 0,01 de cianeto de mercúrio. (Aluetina) intramuscularmente, terminada em 15 de Fevereiro de 1933.

Nesta ocasião as lesões da faringe apresentam-se cicatrizadas, porem o estado geral da paciente demonstra certa intolerância medicamentosa e o exame de urina revela grande quantidade de albumina e piocitos. A paciente é então enviada ao clínico geral que em 9 de Março do mesmo ano no-la devolve dizendo ja ser possivel reiniciar o tratamento anti-luético. Receitamos lactato de cálcio e de mercúrio (Glifitol) para ser usado por via oral. Só 1 ano depois volve a paciente á nossa presença em 26 de Fevereiro de 1934, queixando-se que ha três mêses arruinara-se novamente a ferida do fundo da garganta e de uns dias para cá a voz apresentára-se roquenha e a respiração difícil. O exame da oro-faringe revela cicatrizes e bridas nos pilares e fundo da faringe. No laringe encontra-se ulceração na epiglote, infiltrada e espessada, de cor rosa palida, mostrando-se as cordas vocais edemaciadas e não ulceradas. Aconselhamos injeções de metilarsinóxitricar-balil-bismutato de sódio (Sygmobi).

Dois mêses depois, em 28 de Maio de 1934, a paciente vem se queixar de tosse que, ha oito dias, a incomodava. O laringe visto de relance apresenta-se profundamente alterado em seu aspecto anatômico por processos cicatriciais. A voz mostra-se roquenha, o exame de urina nada de anormal revela e iniciamos uma série de 12 injeções de 0,02 salicilato de mercúrio (Neosalyon) terminada em 16 de Julho de 1934. Em seguida prescrevemos 12 injeções de bi-iodeto de mercúrio (Luedral) e no fim deste tratamento a paciente sentia-se bem.

Recomendamos um mês de repouso e em l.º de Setembro de 1934 reiniciamos o tratamento com três injeções de salicilato de mercúrio (Selyon) e 12 de 0,02 de salicilato de mercúrio (Neo-salyon). Nesta ocasião embora as lesões laringéias se apresentassem cicatrizadas, a voz mostrava-se quasi extinta. Terminada esta série de injeções em 8 de Outubro de 1934, aconselhamos repouso de um mês.

Só três mêses depois, em 12 de Janeiro de 1935, á meia noite volveu a paciente ao nosso hospital e em condições precárias: cornagem intensa, dispnéia acentuada, tiragem supra-clavicular e abdominal e cianose manifesta a alem de acentuado emagrecimento. Voz quasi extinta. Contaram-nos então os pais que nos últimos dois mêses, sentindo a respiração difícil a paciente negava-se a sair do leito, evitando esforços que dificultassem ainda mais a respiração.

Deante da gravidade da situação praticamos imediatamente a traiqueotomia sob anestesia local. A operação consistiu em incisão da pele numa extensão de 4 cms., afastamento dos musculos esterno- tireoideus, pinçamento do istmo da tireoide e secção do mesmo. Verifica-se então, gravissima sincope respiratória e após quinze minutos de repiração artificial, normaliza-se a situação. Ligadura do istmo da tireoide e cinco pontos de "agrafe" na pele. As sequências foram boas; prosseguimos no tratamento anti-luético prescrevendo 10 ampolas de 0,12 de iodobismutito de sódio (Pallicida).

Em 29 de Março de 1935 a paciente ja engordara alguns quilos e continuava usando cânula traqueal. A laringoscopia indireta mostrava o laringe obstruido por membrana e tecido cicatricial que reduziam a glote a um espaço do tamanho da cabeça de um alfinete. A epiglote fora inteiramente destruida. Executamos então, a Laringo-tranqueostornia, sob anestesia local obtida com "Seurocaine". A operação consistiu em incisão, da pele, tecido celular sub-cutânea e muscular partindo da borda superior da cartilagem tireoidéia e extendendo-se até o orifício canular. Partindo deste orifício faz-se então, facilmente incisão da traquéia e do laringe em sua linha mediana, abrindo-se como um livro o orgão vocal. Pudemos então, retirar o tecido cicatricial ao nivel das cordas vocais, ressecando a membrana que impedia a passagem do ar. Terminando, fizemos um ponto de seda de cada lado, unindo a pele á cartilagem tireoidéia e colocamos um charuto de gaze vaselinado no laringe e traquéia, sequências operatórias foram boas exigindo curativos diários.

Em 8 de Março de 1935 o charuto de gaze foi substituido por um dreno de borracha n.º 30. O dreno possuia a extremidade inferior que se adaptava a cânula cortada em bizel e a superior de bordas lisas atingia quasi as aritenoides. Dois fios de seda atravessavam o dreno e o mantinham firme apoiado contra um chumaço de gaze. Este dreno, retirado de quando em vez para limpeza foi conservado durante toda a fase de granulação até o dia 29 de Abril de 1935, quando a mucosa laringo-traqueal, sem solução de continuidade ja se unia á pele cervical. Neste dia iniciamos a dilatação substituindo o dreno n.º 30 pelo n.º 35.

Em 12 de Maio de 1935 retiramos a cânula e a respiração passou-se a fazer pelo dreno de borracha.

Em 14 de Maio suprimimos o uso do dreno e fizemos curativo oclusivo na ferida traqueal. A respiração fazia-se então normalmente.

Em 2 de Junho a respiração bucal era normal e a estorcia traqueal apresentava-se muito reduzida pela aproximação dos lábios, embora não existisse tendência á cicatrização.

Em 15 de junho executa-se a laríngoplastía sob loco-anestesía. Faz-se uma incisão contornando pequeno orificio traqueal, dissecam-se dois retalhos cutâneos de cada lado. Os retalhos internos foram suturados com 1 ponto de catgut, mantendo-se a superficie cutânea voltada para a traquéia e a cruenta voltada para fóra que foi depois coberta pelos retalhos cutâneos externos suturados com seis pontos de crina. Tintura de iodo. Curativo oclusivo. As sequências foram boas.

19 de Junho de 1935 - retirada de alguns pontos de crina; ferida operatória com bom aspeto.

27 de Julho de 1935 - A paciente tem alta. Na ex-ferida traqueal de quando em vez abre-se insignificante pertuito por onde se escoa secreção traqueal. A glote se apresenta ampla; a corda vocal esquerda integra e a direita parcialmente excisada. Ausência de epiglote, respiração boa. Voz rouquenha.

11 de Outubro de 1935 - A paciente ainda frequênta com regularidade nosso consultório, onde se submete a tratamento anti-luético. O aspecto geral é óptimo. Engordou a olhos vistos alguns quilos e a respiração bucal é magnifica. A laringoscopia mostra glote bem ampla.

RESUME

DR. GABRIEL PORTO - A' propos d'un cas de sténose cicatricielle du larynx guéri par laryngostomie.

L'Auteur, en étudiant la bibliographie indigène, dit que les sténoses du larynx ne sont pas fréquents au Brésil et décrit l'observation d'un cas de sténose cicatricielle syphilitique du larynx, guérie chirurgicalmente par laryngostomie suivie d'une opération plastique.


BIBLIOGRAFIA INDÍGENA

1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Outubro de 1935.
2) BRANDÃO, PAULO - Un cas de sténose du larynz. Acta Oto-laryngologica. Vol. XIX. Fasc. 4. 1934. Pg. 442.
3) CORDEIRO, HOMERO - Sôbre um caso de estenose cicatricial do laringe. Rev. Oto-laringologica de S. Paulo. Vol. II, N.º 2, Março - Abr. 1934. Pag. 113.
4) MORAIS, EDUARDO - Laringo-traqueostomia na leishmaniose. Gaz. Med. da Baía, Vol. 54. N.° 5. Nov. 1923. Pag. 461.
5) NOVA, J. J. da - Sôbre um caso interessante e raro de trauma do laringe. Bol. da Soc. Med. e Cir. de S. Paulo, 1926. Semana de oto-rino-neuro-oculistica, Pg. 107.
6) OLIVA, ROBERTO - Estenose do laringe por goma. Cura cirurgica (laringo-fissura). Rev. Oto-laringologica de S. Paulo. Vol. III, n.º 1, Jan.' - Fev. 1935, Pg. 27.
7) TOURINHO, ALVARO - Um caso de pericondrite laringo-traqueal. Brasil-Médico. Vol. II, n.° 45, 11 Nov. 1922, Pg. 312.

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