Ano: 2004 Vol. 70 Ed. 2 - Março - Abril - (1º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 150 a 155
Análise do clearance mucociliar nasal e dos efeitos adversos do uso de cpap nasal em pacientes com sahos
Analysis of nasal mucociliary clearance and side-effects in use of nasal cpap in pacients with sosa
Autor(es):
Ricardo Gimenes Ferri 1,
Adriane Zonato 2,
Arnaldo Guilherme 3,
Luis Carlos Gregório 4
Palavras-chave: apnéia, clearance nasal, teste de sacarina, cpap, efeitos adversos
Keywords: apnea, nasal clearance, saccharin test, cpap, side effects
Resumo:
Desde 1981, o uso da pressão aérea positiva através do CPAP nasal vem sendo considerado o principal tratamento clínico da síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS), apesar de sua adesão parcial a longo prazo. Alguns autores referem que as queixas nasais provenientes do fluxo de ar sob pressão positiva na cavidade nasal são as principais responsáveis pela interrupção do tratamento. Isto ocorreria porque o uso do CPAP levaria a alterações na mucosa e mudanças no transporte mucociliar e, conseqüentemente, um maior número de infecções nasosinusais. Objetivo: Avaliar o clearance mucociliar nasal em pacientes com SAHOS em uso de CPAP nasal através do teste de sacarina e correlacionar os efeitos adversos desta terapia com o tempo de tratamento e o nível de pressão utilizada no mesmo. Forma de estudo: Estudo clínico caso-controle. Material e Método: Foram avaliados 25 pacientes com SAHOS entre 18 a 70 anos em uso de CPAP nasal a partir de um mês acompanhados no Instituto do Sono (UNIFESP-EPM) e submetidos ao teste de sacarina cujos resultados foram comparados com um grupo de 25 indivíduos sem doenças nasosinusais. Resultados: Não houve diferença estatística entre os grupos em relação ao teste de sacarina.Os efeitos adversos estavam presentes em 84% da amostra, sendo 60% ressecamento e 36% obstrução nasal. Não houve correlação entre estas queixas e o tempo de tratamento ou a pressão aplicada pelo aparelho. Conclusões: O clearance mucociliar nasal no grupo com SAHOS em uso de CPAP nasal foi semelhante ao grupo controle e a obstrução nasal e o ressecamento não apresentaram correlação com o tempo de tratamento e o nível de pressão utilizada pelo aparelho.
Abstract:
Since 1981 the use of positive airway pressure through the nasal CPAP has been considered the main clinical treatment of the SAOS- sleep obstructive apnea syndrome, despite its low adhesion on a long- term. Some authors report that the nasal complaints from the continuous positive airway pressure in the nasal cavity are the main causes for the therapy discontinuance. This would probably occur because the treatment would lead to epithelium alterations and changes in the mucociliarytransport and hence, a greater number of upper respiratory infections. Aim: To evaluate the nasal mucociliary clearance in patients with SAHOS under nasal CPAP use through saccharin test, and correlate the adverse effects of this therapy with the treatment endurance and the pressure level used in it. Study design: Clinical study case-control. Material and Method: Twenty five patients, carriers of SAHOS - between their 18 and 70 - submitted to nasal CPAP use for one month, were followed-up at the Instituto do Sono (UNIFESP-EPM) and subjected to the saccharin test. The results were compared to a group of 25 normal individuals. Results: There was no statistical difference among the groups regarding the saccharin test. The adverse effects were present in 84% of the sample, being 60% for nasal dryness and 36% for nasal obstruction. Conclusions: The mucociliary transport stays normal in the SAHOS group submitted to nasal CPAP use and the nasal obstruction and nasal dryness do not present correlation with the treatment time and pressure level used by the device.
INTRODUÇÃO
A síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS) é uma condição extremamente comum na população adulta, com prevalência de 2% das mulheres e 4% entre os homens1. É caracterizada por episódios recorrentes de colabamento das estruturas que compõem a via aérea superior (VAS) ocorrendo obstrução parcial ou total à passagem do ar durante o sono. O diagnóstico desta síndrome é feito através do exame clínico e da polissonografia (PSG), que detecta a redução transitória (hipopnéia) ou completa (apnéia) do fluxo aéreo durante o sono. É classificada em leve, moderada ou grave de acordo com os índices de apnéia e hipopnéia (IAH) por hora de sono. A apnéia é considerada leve quando o paciente apresenta entre 5 a 15 IAH/hora, moderada quando o IAH estiver entre 15 a 30 por hora e quadros graves quando o IAH for superior a 30 eventos por hora2.
O principal tratamento da SAHOS foi introduzido por Sullivan em 1981, que consiste no emprego da pressão aérea positiva aplicada na VAS por intermédio de uma máscara nasal (continuous positive airway pressure - CPAP), impedindo o colabamento da faringe. O CPAP é atualmente a modalidade terapêutica de escolha para a SAHOS moderada ou grave3. Seu uso inadequado é o maior problema deste tratamento, já que a adesão do paciente ao tratamento é parcial a longo prazo4-7. Na literatura, observamos índices de adesão ao tratamento com o CPAP que variam de 80 a menos de 50% após 18 meses5. Em estudos realizados através do uso de horímetros, que analisam objetivamente o uso do CPAP, mostram que a adesão é ainda menor4. Alguns autores atribuem aos efeitos adversos sobre a mucosa nasal como o ressecamento, a obstrução nasal, e o incômodo da máscara como os principais responsáveis pela interrupção do uso do CPAP.
Constantinis et al., em 2000, estudaram um grupo de 126 pacientes em uso de CPAP nasal procurando verificar a presença de alterações estruturais da mucosa nasal. Realizaram uma análise histológica da mucosa destes pacientes e uma avaliação do clearance mucociliar nasal (CMN) através do teste de sacarina aplicado em dez indivíduos deste grupo. Os resultados mostraram a presença de alterações histopatológicas compatíveis com inflamação da mucosa nasal e um prolongamento do tempo do transporte mucociliar nasal em todos os pacientes estudados8.
O clearance mucociliar nasal (CMN) é o mais importante meio de defesa do trato respiratório e corresponde a uma perfeita interação entre o epitélio ciliado e as propriedades do muco. Existem vários métodos descritos na literatura para a mensuração do clearance, mas ainda não se tem um método ideal. Teoricamente todos os métodos mensuram o tempo que a partícula leva para percorrer toda a cavidade nasal até atingir a faringe, seja pelo uso de partículas facilmente visíveis na orofaringe pelo observador, seja pelo uso de partículas marcadas radiativamente ou por partículas radiopacas, entre outras9,10.
O teste de sacarina, descrito por Andersen et al. em 1974, também segue o mesmo princípio, mas o que indica que a sacarina atingiu a faringe é o gosto doce na garganta referido pelo paciente11. Segundo este autor, o teste de sacarina tem correlação com os testes que visualizam as partículas na orofaringe, mas depende de uma resposta subjetiva9. A literatura é controversa neste assunto, temos autores que não encontraram correlação do teste de sacarina quando comparados ao uso de radioisótopos12, e temos autores que encontraram uma relação positiva13. Mesmo assim, atualmente o teste de sacarina é o método utilizado na maioria das pesquisas que envolvem o estudo do CMN, sendo considerado por alguns autores como o melhor teste de análise do transporte mucociliar nasal, devido à facilidade de execução, ausência de complicações e a fidelidade quanto aos resultados9-11,13-15.
Com o intuito de estudar o impacto do uso de CPAP na mucosa nasal, desenvolvemos uma pesquisa cujo objetivo é avaliar o clearance mucociliar nasal através do teste de sacarina em pacientes com apnéia do sono tratados com CPAP nasal e correlacionar os efeitos adversos desta terapia com o tempo de uso do CPAP e o nível de pressão utilizada no mesmo.
MATERIAL E MÉTODO
Os pacientes foram selecionados no Ambulatório do Sono do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Os 50 pacientes selecionados com idade entre 18 e 70 anos, foram divididos em dois grupos, a saber:
1. grupo controle: composto por 25 indivíduos sem queixas nasais selecionados na triagem da otorrinolaringologia após uma avaliação por entrevista e exame otorrinolaringológico excluindo qualquer doença nasossinusal ou utilização de medicações tópicas nasais.
2. grupo caso: composto por 25 indivíduos com SAHSO em uso do CPAP por um período superior a trinta dias e que preencheram os critérios de inclusão e exclusão expostos abaixo.
Todos os pacientes foram esclarecidos da pesquisa a serem submetidos e concordaram espontaneamente em participar deste estudo preenchendo e assinando o termo de consentimento aprovado pelo comitê de ética médica desta instituição.
Critérios de inclusão:
Adultos entre 18 e 70 anos, do sexo feminino ou masculino, com SAHSO diagnosticada através da PSG e em tratamento com CPAP nasal por um período superior a trinta dias, de forma contínua (diária), segundo a entrevista aplicada pelo pesquisador.
Critérios de exclusão:
Presença de processo inflamatório e/ou infeccioso nasal até 30 dias precedendo a avaliação.
Presença de processo inflamatório e/ou infeccioso nasal crônico.
Presença de pólipos nasais, tumores nasosinusais e deformidades septais obstrutivas.
Cirurgias prévias nasais, palatinas, faríngeas, amigdalianas.
Tabagismo.
Uso de medicações tópicas nasais.
Os pacientes foram avaliados pelo mesmo examinador no Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital São Paulo, UNIFESP-EPM, no período de março de 2001 a abril de 2002. A avaliação clínica constituiu no preenchimento de uma ficha clínica específica com enfoque nos critérios de inclusão e exclusão, na data do início do tratamento com o CPAP nasal, nos sintomas nasais relacionados ao uso do aparelho, no tempo de uso e na adesão ao uso do mesmo, e na pressão usada pelo mesmo. Os sintomas nasais pesquisados foram: obstrução nasal, ressecamento, coriza, epistaxe, rinorréia posterior.
A avaliação do CMN foi realizada através do teste de sacarina.
O teste de sacarina foi realizado duas vezes, sempre pelo mesmo examinador, em dias diferentes e na ausência de qualquer processo inflamatório e/ou infeccioso nasal agudo há pelo menos 30 dias. A sacarina utilizada foi em partículas de 1 mm de diâmetro colocada a 1 cm da porção cefálica na face medial do corneto inferior da fossa nasal mais pérvia. O paciente era instruído a manter a cabeça no plano horizontal, mantendo a respiração nasal naturalmente, procurando evitar assoar o nariz, espirrar ou realizar manobras que acelerassem o trânsito normal do muco nasal. Também era orientado a deglutir a cada 60 segundos referindo o momento em que surgisse o gosto adocicado na garganta. O teste era suspenso e repetido em outra data no caso do paciente apresentar espirros. Se o tempo medido durante o teste ultrapassasse 60 minutos, a sacarina era colocada diretamente na língua para testar a capacidade do paciente em identificar o gosto adocicado; não conseguindo identificar o gosto, o paciente era excluído da amostra.
A avaliação estatística foi realizada através do teste t-pareado para verificar as diferenças entre os valores do teste de sacarina nos dois grupos estudados e calculados o nível descritivo (p), sendo p< 0,05 significante a 5% e p > que esse valor não significante. E também da aplicação da regressão linear para o estudo da relação das variáveis independentes (obstrução e ressecamento) e da pressão aplicada pelo CPAP, e do tempo de tratamento. Sendo calculado o nível descritivo (p), sendo p< 0,05 significante a 5% e p > que esse valor não significante.Tabela 1. Resultados inferenciais das variáveis estudadas.
* Mediante os valores de curtose vistos na análise descritiva, a comparação foi feita com base no logaritmo natural da sacarina
RESULTADOS
No Gráfico 1, realizamos a comparação do teste de sacarina nos dois grupos em estudo através do teste t de student, não sendo encontrada diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos.
No Gráfico 2, exibimos a comparação entre o grupo em estudo, com e sem obstrução nasal, em relação à pressão aplicada pelo aparelho, e no Gráfico 3, o mesmo grupo em relação ao tempo de tratamento.
No Gráfico 4, exibimos a comparação entre os pacientes em uso de CPAP, com e sem a queixa de ressecamento, em relação a pressão aplicada pelo CPAP, e no Gráfico 5, comparamos o mesmo grupo em relação ao tempo de uso do aparelho.
O Gráfico 6 descreve a incidência das queixas nasais referidas pelos pacientes em uso de CPAP nasal.
Na Tabela 1, exibimos os valores do nível descritivo após a aplicação do teste t de student para as variáveis estudadas.
Gráfico 1. Distribuição da média de sacarina (min), para cada grupo.
Gráfico 2. Distribuição da pressão utilizada pelo cpap no grupo em estudo, segundo a ocorrência de obstrução nasal.
Gráfico 3. Distribuição do tempo de uso do cpap (em meses) no grupo em estudo, segundo a queixa de obstrução nasal.
Gráfico 4. Distribuição da pressão utilizada pelo cpap no grupo em estudo, segundo a ocorrência da queixa de ressecamento nasal.
Gráfico 5. Distribuição do tempo de uso do cpap (em meses) no grupo em estudo, segundo a ocorrência da queixa de ressecamento nasal.
Gráfico 6. Distribuição das queixas nasais nos pacientes em uso de cpap nasal.
DISCUSSÃO
Desde a introdução do CPAP nasal por Sullivan (1981) para o tratamento da SAHOS, este se tornou o principal tratamento clínico para a apnéia de grau moderado e grave, no entanto, a adesão ao tratamento a longo prazo é abaixo do desejado5,16-18. Dois são os fatores referidos pelos pacientes, e considerados como principais pelos observadores, como responsáveis pela desistência ao tratamento: o incômodo da máscara sobre a face e os efeitos adversos sobre a mucosa nasal5,7. Estes últimos são expressos pelas queixas de ressecamento, obstrução nasal, cefaléia, epistaxe e rinorréia, entre outras.
No grupo de pacientes em uso de CPAP do presente estudo, as queixas nasais foram freqüentes e estavam presentes em 76% dos pacientes. Dentre estes, 60% referiu ressecamento, 36% obstrução nasal, 16% coriza, 12% epistaxe, e outras menos comuns (Gráfico 6).
Estes resultados estão de acordo com a literatura. Sanders (1986), num grupo de 19 pacientes em uso de CPAP, encontrou 17 deles com queixas em relação à máscara, 13 (68%) com queixas de ressecamento e congestão pela manhã. Pepin et al. (1995) analisaram 193 pacientes de dois centros do sono na França e relataram que 65% dos pacientes em terapia com CPAP apresentavam ressecamento nasal ou bucal pela manhã, 35% coriza e espirros, 25% congestão nasal, 8% sinusites de repetição e 4% epistaxe.
Em relação ao ressecamento não foi observado nenhuma relação com o tempo de uso do CPAP ou com a pressão usada pelo aparelho (Gráficos 4 e 5), semelhante à literatura. Nino-Murcia et al. (1989) avaliaram 144 pacientes por 25 meses e consideraram os relatos de nariz e boca ressecados como os efeitos adversos mais comuns e não relacionados ao tempo de uso nem à pressão aplicada pelo aparelho6.
O grupo de pacientes em uso de CPAP com obstrução nasal, comparada ao grupo sem obstrução, apresentou uma relação com a pressão aplicada pelo aparelho sem atingir valores estatisticamente significantes (p=0,052), mas com uma tendência à significância (Gráfico 2). Não obtivemos relação da queixa de obstrução nasal com o tempo de uso do CPAP nasal (Gráfico 3). Segundo Pepin et al., os efeitos adversos não foram associados aos níveis de pressão aplicada e sugerem que a velocidade de fluxo de ar pelas cavidades nasais possa ser a responsável19.
Acreditamos que os sintomas surgem devido à desidratação da mucosa nasal e ao edema de submucosa provocado pelo fluxo de ar frio e seco que o uso do aparelho proporciona. Em 2000, Martins de Araújo et al. realizaram uma pesquisa num grupo de pacientes que usavam CPAP sem umidificador com o objetivo de mensurar e comparar a umidade relativa do ar inspirado utilizando um CPAP sem umidificador e outro acoplado ao umidificador. Os resultados mostraram que o CPAP sem umidificador apresentou uma umidade relativa do ar de 60±14%, contra 81±14% do CPAP com umidificador20. Hayes et al. (1995) avaliaram a influência do CPAP com e sem umidificador no fluxo de sangue na mucosa nasal com e sem a boca aberta num grupo de oito pacientes. Seus resultados mostraram que nos pacientes com CPAP sem umidificador e boca aberta houve um aumento de 65% no fluxo sanguíneo na mucosa, sendo que no mesmo grupo com umidificador, este aumento foi de apenas 8%21. Segundo estes estudos, podemos inferir que o CPAP sem umidificador está realmente relacionado à queda da umidade do ar inspirado e ao aumento do fluxo de sangue na mucosa, o que pode corresponder a uma atividade inflamatória e, conseqüentemente no surgimento de queixas como ressecamento e obstrução nasal.
Em relação ao transporte mucociliar nasal em pacientes em uso de CPAP, pouco se tem na literatura. Constantinis et al., em 2000, avaliaram 10 pacientes com SAHOS através do teste de sacarina e da biópsia da mucosa nasal antes do início do tratamento com CPAP, três e dez meses após o início. Os resultados mostraram que todos os pacientes apresentaram um prolongamento no transporte mucociliar a partir do terceiro mês e se mantiveram até o décimo. Também foram observadas intensas mudanças na estrutura da mucosa nasal mimetizando um processo inflamatório crônico, com diminuição e desorientação dos cílios das células ciliadas. Estes autores discutem que as alterações histopatológicas encontradas eram provenientes do processo inflamatório provocado pelo elevado fluxo de ar imposto à mucosa nasal.
No presente estudo, utilizamos o mesmo método de mensuração do CMN, seguindo também os mesmos critérios de avaliação publicados por Andersen em 1974. Nossos resultados mostraram que não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos estudados, estando os valores do teste de sacarina dentro dos padrões de normalidade encontrados na literatura (Gráfico 1 e Tabela 1).
Existem na literatura trabalhos mensurando o CMN em indivíduos normais expostos a ambientes com reduzida umidade relativa do ar que apresentam um prolongamento no CMN e outros em que o CMN não se modificou. Andersen et al. (1972) avaliaram 58 indivíduos normais expostos a quatro ambientes com umidade relativa do ar de 70, 50, 30 e 10% e todos os indivíduos apresentaram valores semelhantes22. Salah et al. (1988) analisaram 11 indivíduos normais expostos a dois ambientes com umidade relativa do ar diferente entre si (40-43% e de 0.1%) através do teste de sacarina e observaram que o CMN se prolongou em todos os participantes no ambiente mais ressecado (0,1%) e foi estatisticamente significante23.
No presente estudo, o fato do CMN ser semelhante nos dois grupos estudados nos faz acreditar que as propriedades do muco nasal e a atividade ciliar estejam preservadas e, portanto o ressecamento induzido pelo CPAP não tenha sido suficiente para alterá-los. No entanto, não podemos afirmar que alterações ciliares decorrentes do uso contínuo do CPAP não ocorreram, pois não realizamos uma avaliação histológica da mucosa nasal destes pacientes. Além disso, alguns trabalhos expostos anteriormente se contradizem em relação às alterações do CMN provocadas pelo ressecamento do ar inspirado durante o uso do CPAP. Os relatos da literatura científica sobre este aspecto ainda são inconclusivos.
Fica claro que este assunto é muito controverso e esta pesquisa veio adicionar talvez mais dúvidas do que esclarecimentos. Acreditamos que a continuidade desta linha de pesquisa através da análise histológica nasal com microscopia eletrônica para avaliar alterações ciliares possa ajudar a esclarecer estas controvérsias. Outro aspecto a ser considerado no futuro é a inclusão de pacientes que realmente estejam usando o CPAP continuamente através da monitoração por horímetros de pressão.
Acreditamos, ainda, que a compreensão das alterações da mucosa nasal decorrentes do uso do CPAP podem ajudar a identificar os fatores responsáveis pelo uso irregular do CPAP e pela desistência do tratamento.
CONCLUSÕES
A análise dos nossos resultados mostraram que:
No grupo de pacientes estudados, a queixa de obstrução nasal não está relacionada ao tempo de uso do CPAP, porém está relacionada ao nível de pressão utilizada pelo CPAP, sem atingir valores estatisticamente significantes.
O clearance mucociliar nasal em pacientes com SAHOS em uso de CPAP nasal através do teste de sacarina foi semelhante aos valores do grupo controle.
No grupo de pacientes estudados, a queixa de ressecamento nasal não está relacionada ao tempo de uso do CPAP ou ao nível da pressão utilizada pelo aparelho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Young T, Palta M, Dempsey J et al. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Méd 1993; 328:1230-5.
2. American Academy of Sleep Medicine. Sleep-related breathing disorders in adults: Recommendations for syndrome definition and measurement techniques in clinical research. Sleep 1999; 22: 667-89.
3. Sanders MH, Kern N. Obstructive sleep apnea treated by independently adjusted inspiratory and expiratory positive airway pressures via nasal mask. Chest 1990; 98: 317-24.
4. Chevin RD, Theut S, Basseti C, Aldrich MS. Compliance with nasal CPAP can be improved by simple interventions. Sleep 1997; 20(4): 284-9.
5. Katsantonis GP, Schweitzer PK, Branham GH, Chambers G, Walsh JK. Management of obstructive sleep apnea: comparison of various treatment modalities. Laryngoscope 1988; 98: 304-9.
6. Nino-Murcia G, Mccann CC, Bliwisse DL, Guilleminault C, Dement WC. Compliance and side effects in sleep apnea patients treated with nasal continuous positive airway pressure. West J Med 1989; 150: 165-9.
7. Rolfe I, Olson LG, Saunders NA. Long-term acceptance of continuous positive airway pressure in obstructive sleep apnea. Am Rev Respir Dis 1991; 144: 1130-3.
8. Constantinidis J, Knöbber D, Steinhart H, Kuhn J, Iro H. Fine-structural investigations of the effect of nCPAP-mask application on the nasal mucosa. Acta Otolaryngol 2000; 120: 432-7.
9. Andersen IB, Proctor DF. Measurement of nasal mucociliary clearance. Eur J Respir Dis 1983; 64(suppl 127): 37-40.
10. Quinlan M, Salman SD, Swift DL, Wagner HN, Proctor DF. Measurement of mucociliary function in man. Am Rev Respir Dis 1969; 99:13-23.
11. Andersen IB, Proctor DF, Camner P, Jensen PL, Philipson K. Nasal clearance in monozygotic twins. Am Rev Respir Dis 1974; 110: 301-5.
12. Paludetti G, Todisco T, Fedeli L, Giombini E, Rosignoli M, Almadori G. Radioisotopic method for nasal mucociliary function evaluation. Rhinology 1988; 26: 257-62.
13. Puchelle E, Aug F, Pham QT, Bertrand A. Comparison of three methods for measuring nasal mucociliary clearance in man. Acta Otolaryngol 1981; 91: 297-303.
14. Corbo GM, Foresi A, Bonfitto P, Mugnano A, Agabiti A, Cole PJ. Measurement of nasal mucociliary clearance. Archives of disease in childhood 1989; 64: 546-50.
15. Stanley PJ, Willian L, Greenstone MA, Mackay IS, Cole PJ. Efficacy of a saccharin test for screening to detect abnormal mucociliary clearance. Br J Dis Chest 1984; 78:62-5.
16. Hoffstein V, Viner S, Mateika S, Conway J. Treatment of obstructive sleep apnea with nasal continuous positive airway pressure. Am Rev Respir Dis 1992; 145: 641-5.
17. Sullivan CE, Issa FG, Berthon-Jones M, Eves L. Reversal of obstructive sleep apnea by continuous positive airway pressure applied through the nares. The Lancet 1981; 18: 862-5.
18. Waldhorn RE, Herrick TW, Nguyen MC, O´Donnell AE, Sodero J, Potolicchio SJ. Long-term compliance with nasal continuous positive airway pressure therapy of obstructive sleep apnea. Chest 1990; 97: 33-8.
19. Pepin JL, Leger P, Veale D, Langevin B, Robert D, Levy P. Side effects of nasal continuous positive airway pressure in sleep apnea syndrome. Chest 1995; 107: 375-81.
20. Martins de Araújo MT, Vieira SB, Vasques EC, Fleury B. Heated humidification or face mask to prevent upper airway dryness during continuous positive airway pressure therapy. Chest 2000; 117: 142-7.
21. Hayes MJ, Mcgregor FB, Roberts DN, Schroter RC, Pride NB. Continuous nasal positive airway pressure with a mouth leak on nasal mucosal blood flux and nasal geometry. Thorax 1995; 50: 1179-82.
22. Andersen IB, Lundqvist GR, Proctor DF. Human nasal mucosal function under four controlled humidities. Am Rev Respir Dis 1972; 106: 438-49.
23. Salah B, Dinh Xuan AT, Fouilladieu JL, Lockhart A, Regnard J. Nasal mucociliary transport in healthy subjects is slower when breathing dry air. Eur Respir J 1988; 1: 852-5.
1 Mestre em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Doutora em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo.
3 Professor Adjunto da Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
4 Docente da Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Endereço para Correspondência: Ricardo Gimenes Ferri - Av. T15 nº 1419 ap.1204 Setor Bueno Goiânia GO 74230-010.
E-mail: r.gimenes@uol.com.br
Artigo recebido em 01 de agosto de 2003. Artigo aceito em 04 de setembro de 2003.