LESÕES MUCOSAS PRODUZIDAS PELA LEISH-MANIA TROPICA, VAR. AMERICANA (1 )
Autor(es): DR. MARIO OTTONI DE REZENDE - Oto-rino-laringologista da Santa Casa de São Paulo. (Serviço do Dr. Schmidt Sarmento)
SUMULA DA QUESTÃO DA LEISHMANIOSE AMERICANA, SOB O PONTO DE VISTA DA CONTRIBUIÇÃO BRASILEIRA PARA SEU ESTUDO E TRATAMENTO, E COM ESPECIAL REFERENCIA Á LEISHMANIOSE DAS MUCOSAS
O caráter de aproximação dos Congressos Medicos Panamericanos, pouco tempo deixa, ao lado das manifestações de sociabilidade, para a parte propriamente cientifica. Pensando nisto tinha deliberado visualisar, tão sómente, a para nós tão importante questão das leishmanioses e, particularmente, a das invasões da doença ás mucosas da vias aero-digestivas superiores. Muitos dos colegas, de outros paizes, conhecem, de experiencia propria, o caráter desolador que, na America, especialmente na do Sul, toma grande numero de casos de leishmaniose nas regiões naso-buco-laringéas; para estes, com certeza, não mostrarei novidade, mas para outros o contacto com as lesões destruitivas da molestia, deixará, estou certo, impressão indelevel. A escolha do têma, além do mais, foi feita por ter cuidado, a comissão paulista, que os colegas americanos teriam mais interesse em conhecer as molestias do paiz visitado, que as que são motivo de debates em todo o mundo, isto por ser natural tal curiosidade e, ainda, pela premencia ao tempo proporcionado á exposição e discussão dos assuntos propostos. Penso que a visualisação caracterisa melhor o fato exposto.
Antes, porém, de entrar na analise da leishamaniose cutanea, com localisações nas mucosas do nariz, da boca e do laringe, desejo fornecer alguns dados sobre o historico desta questão entre nós, resumido, assim, a contribuição brasileira no estudo deste magno problema.
A primeira descrição clinica, da leishmaniose, foi feita em 1887, por Breda, professor de dermatologia, em Parma, que, examinando colonos vindos do Brasil, quiçá em busca de tratamento, impressionou-se com o quadro estranho da molestia para o qual não havia paradigma na dermatologia de então.
Sendo um assunto completamente novo e desconhecido, Breda acreditou tratar-se de boubas, a respeito de cuja natureza, então, muito se discutia na Europa e deu-lhe o nome de Buba Brasiliana.
A solução etiologica, porém, só seria dada muitos anos depois.
Em 1909, Adolpho Lindenberg, em São Paulo, examinando córtes de uma lesão recente, ainda não ulcerada, encontrou corpusculos com os caractéres de leishmanias e identificou, assim, a molestia ao Botão do Oriente.
Tratava-se, portanto, de uma leishmaniose que, sendo tambem encontrada na America, invalidava o nome de Botão do Oriente, propondo-lhe Lindenberg a denominação de Leishmaniose ulcerosa. Revelada, deste modo, a natureza da molestia, seguiram-se, imediatamente, outras contribuições brasileiras, que muito concorreram para o progresso do estudo do mal.
Carini e Paranhos, tambem em São Paulo, confirmaram a presença das leishmanias e, logo, de outros estados e paizes da America do Sul surgiram outras tantas observações.
Bueno de Miranda encontrou o parasita nas lesões mucosas.
Carlos Chagas descreve, no Amazonas, a fôrma ulcerosa vegetante.
Alexandrino Pedroso descreve a leishmaniose espontanea do cão.
Gaspar Vianna, em 1910, orientando-se pelos sucessos obtidos pelos ingleses Thomsen e Plimmer, no tratamento das tripanosomiases, por meio do tartaro emetico, emprega-o, com bons resultados, no tratamento da leishmaniose.
Aragão, no Rio de janeiro, repete as experiencias de Sergent, na Algéria, procurando provar sua transmissibilidade por intermedio do phlebotomus.
Aguiar Pupo, em São Paulo, introduz o tratamento pelo Eparseno, que se revela superior ao tartaro emetico e que, caíndo um pouco em desuso, é hoje substituido, com vantagem, pela Fuadine, derivado do antimonio. Este mesmo autor ensaia, agora, com proveito, o emprego do arsenito de sodio.
G. Buss, na clinica de Adolpho Lindenberg, faz o estudo anatomo-patologico completo da molestia, em 1929.
A-pesar do muito trabalho realizado, ha, ainda, muitos pontos a resolver.
A terapeutica ainda deixa muito a desejar. A cura radical só se consegue nos casos benignos Nos casos de lesões adiantadas, apenas se consegue a melhora acentuada que, aliás, não impede as recedivas.
Nas lesões da pele, o trátamento cirurgico auxilia muito; o mesmo se dá com seu emprego nas mucosas, seguido de aplicações topicas de acido lactico puro ou diluido a 80%, conforme preconisa Mario Ottoni.
Com relação a etiologia, querem alguns considerar a nossa leishmaniose como diferente do Botão do Oriente. Se diferença existir está, tão sómente, na gravidade do mal, que é maior na America do Sul que no Oriente. É necessario, então não esquecer que o nosso meio é, no que se refere á infecção, muito mais novo do que o do Oriente, onde a adaptação, entre o parasita e o hospede, já se vem fazendo ha dezenas de seculos. Dá-se com a leishmaniose aqui, o mesmo que se déra, com o surto inicial da sifilis na Europa, de que se observaram fórmas que só aparecem, hoje, nos paizes coloniais, onde ela foi introduzida recentemente.
A designação de Leishmania brasiliensis para o nosso parasita, como propoz Gaspar Vianna, não tem, portanto, nenhuma razão de ser, tanto mais quanto ele baseou a distinção da nova especie, num erro de observação, tomando um caráter acidental da preparação (a presença precaria do rizoblasto), como elemento caracteristico da especie.
Até hoje, as autoridades em biologia e protozologia, não conseguiram elementos para diferenciar a Leishmania encontrada na America do Sul, da descoberta, no Botão do Oriente, pelo pesquizador Wright.
Se se lhe quizer dar uma denominação de acôrdo com a diferença, aqui verificada, em relação á gravidade da molestia, que se a denomine então, de acôrdo com Nattan Larrier, de Leishmania tropica var. Americana.
Na historia da contribuição brasileira, para o estudo da leishmaniose, muitos nomes de brasileiros ilustres teriamos, ainda, a acrescentar, mas sendo nosso fito citar, tão sómente, os pontos basicos em que se assentam os conhecimentos da molestia entre nós, pedimos desculpas para nos atermos, ao que ficou dito, afim de não prolongarmos, demasiadamente, nosso relatorio.
Os autores querem, entre eles Laveran, "que a frequencia da cooparticipação das afecções mucosas, na fórma americana da molestia, podendo conduzir a grandes destruições da face, com tendencia a ulcerações da pele, assim como seu longo decurso e curabilidade dificil", constituam sinais evidentes de sua maior gravidade que o Botão do Oriente, onde estas localisações são muito mais raras.
Rabello dividiu as fórmas da leishmaniose em cutanea, subcutanea e mucosa.
Não se referiu, esse autor, a invasão, pela molestia, do sisma linfatico, fórmas estudadas por da Matta e Escomel, conforme as referencias feitas por Buss em seu recente trabalho sobre "Die Amerikanische Hautleishmaniose", publicado no "Archiv f. Dermatologie und Syphilis", vol. 158 - l.° caderno.
Buss, acha, ainda, que a divisão da leishmaniose numa fórma a cutanea, sub-cutanea e mucosa, não é feliz no ponto de vista clinico, pois que as duas ultimas fórmas são, quasi que regularmente, observadas após o aparecimento de uma lesão cutanea, são fórmas secundarias a esta ultima.
Um fato choca, imediatamente, aos que têm ocasião de observar, constantemente, doentes portadores da molestia, e é a variabilidade com que ela ataca cada paciente, apresentando nas destruições graves e extensas, ao lado de outros com sintomas benignos e quasi nulos. Este fato tanto acontece na fórmas cutaneas, quanto nas mucosas e demostra que a virulencia da leishmania está a depender do terreno em que desenvolve.
Outro fato interessante, observado por Pedroso, Brumpt, Buss, A. Lindenberg e outros autores, é a relativa benignidade da leishmaniose que se observa no interior do Paiz, comparada á gravidade dos casos hospitalizados. Este fato, no entanto, deve ter seu fundamento em diversas circunstancias:
1.° - só os casos graves, geralmente, procuram os hospitais e, quasi sempre, quando nenhum tratamento tenha dado resultado; 2.° - os são desta especie são, em sua maioria, infectados ou, quando não, resistentes aos tratamentos indicados; 3.° - são casos de tratamento demorado, o que obriga a grande permanencia hospitalar do paciente. Os casos em que a molestia evolve de modo benigno, isto é, os que não se hospitalisam, são avaliados por Pedroso, em 80 % . Este mesmo autor, baseado nos estudos que fez no interior do Brasil, acha que as mucosas não se apresentam afectada em mais de 10% dos casos.
Klotz e H. Lindenberg dizem, no entanto, que, em doentes com mais de 2 anos de molestia, 20% tem as mucosas doentes.
Não comporta este nosso relatorio o descrever as lesões cutaneas iniciais e mesmo posteriores, mas, sendo a fórma mucosa, na maioria dos casos, secundaria a infecção cutanea, não podemos passar por esta sem nos referirmos a alguns pontos que devem ser conhecidos, e que pertencem, tambem, é de vêr-se, ás fórmas mucosas secundarias.
Buss, não conseguiu, assim como os demais autores, a determinar a existencia de um acidente primario, mas a suposição de que a infecção primaria se dê por intermedio da picada de um insecto, deve ser verdadeira. No entanto, não podemos afirmar que todas as lesões que, por vezes, cobrem o corpo do paciente, chegando em um caso, observado por Buss, a alcançarem o numero enorme de 300 nodulos espalhados por todo corpo, sejam produzidas pelas picadas de insectos, aqui, a maior probabilidade é a de que se tenha produzido ou uma infecção secundaria ou uma extensão secundaria da molestia.
Buss não pensa como J. Montenegro, que a diferença entre as fórmas puramente nodosas e as ulcerosas (produzidas pela necrose daquele nodulos), seja causada por uma infecção secundaria, pois que os exames histologicos que praticou não revelaram a existencia desta infecção secundaria; acha, no entanto, que esta diferença esteja no modo por que o organismo receptor reaja ao agente causador da molestia.
As partes descobertas do corpo são, geralmente, as mais afectadas, havendo casos, sobretudo nos em que a molestia se mostre de fórma generalisada, de lesões por toda a superficie cutanea.
A generalisação dos nodulos ou das ulcerações, não fala por uma lesão segura das mucosas, porém quanto mais numerosas forem os fócos de molestia, tanto mais probabilidades existirão, de uma afecção mucosa.
Klotz e H. Lindenberg, observaram que acima do segundo ano de molestia, o numero de casos, em que as mucosas aparecem doentes, é muito maior.
Buss confirmou esta afirmativa.
Como se desenvolvem cada nodulo quando eles são disseminados?
Esta é uma questão, ainda sem solução, na patogenia da leishmaniose americana.
A. Lindemberg e Buss, este nos estudos praticados no serviço do primeiro, procuraram dar uma explicação que solucionasse aquella pergunta.
Vamos, pois, transcrever para aqui o que disse Buss no artigo supra citado: "A invasão pelas vias linfaticas foi provada, por diferentes autores, pelo encontro da leishmania nos ganglios e vasos linfaticos (entre outros por Werner). A via sanguinea ainda não foi confirmada. Os raros exames positivos, pelos esfregaços sanguineos, no Botão do Oriente (Neumann, entre outros), não foram confirmados na leishamaniose americana, mas poderão, talvez, serem conseguidos por meio de uma cultura do sangue.
E' exquisito que na literatura, a leishmaniose das mucosas seja tida como possivelmente de origem hematogena, ao passo que nos sintomas cutaneos seja mesclarecidos por outros fatores".
Uma cooparticipação do aparelho dos ganglios linfaticos, nos territorios atinentes a destribuição linfatica das ulcerações, sem afectar os vasos linfáticos de ligação, encontra-se numa grande parte dos doentes, sobretudo nos estadios iniciais da molestia. Estes engorgitamentos ganglionares encontram-se espalhados pelo corpo, sobretudo nos pontos em que se.agrupam em maior numero, e nos territorios de desaguamento das regiões infectadas: pescoço, axilas, virilhas, etc. A leishmania tem sido encontrada neles, seja histologicamente, seja pela cultura.
Buss, em um dos pacientes que teve ocasião de examinar, encontrou um engorgitamento ganglionar em um dos braços, que não apresentava lesão alguma que pudesse explicar a infecção por uma leishmania que, no entanto, poderia ter existido, nesta extremidade, de fórma tão passageira que não tenha deixado cicatriz. Outros nodulos endurecidos foram observados em 2 doentes, sem que existisse uma relação entre a ulceração produzida pela molestia e estes nodulos que, histologicamente, não eram de tecido linfatico, mas sim representavam uma infiltração especifica.
Inumeros autores escreveram sobre a leishmaniose das mucosas (Klotz e H. Lindenberg, Rabello, Weiss, Aguiar Pupo, Migone, Mario Ottoni, Mangabeira Albernaz, D'Utra e Silva, Prof.Moraes, Paula Santos e outros).
Em todas as fórmas cutaneas, sobretudo nas em que os doentes apresentam focos numerosos da molestia, a leishmaniose das mucosas póde ser observada. Não é facil dizer-se em que ponto da evolução da molestia, tem lugar a invasão das mucosas. Esta nivasão póde variar, desde o inicio concomitante com a da pele, até intervalo de anos entre uma e outra. A descoberta da existencia anterior de uma lesão, mesmo cicatrizada, da pele é de sumo valor para o diagnostico da lesão mucosa. "Uma lesão do rosto, nas proximidades das fossas nasais, póde propagar-se diretamente á mucosa (Escomel) ; nestes casos, as lesões destruitivas não são grandes e seu decurso não será tão grave quanto nas fórmas tipicas". Muito raramente foram observados casos de leishmaniose das mucosas, sem nenhuma lesão da pele, entre estes citaremos o de Schmidt Sarmento, localisado exclusivamente no laringe; nestes casos tratar-se-ia, pois, de leishmaniose primaria das mucosas.
Buss pensa, no entanto, que, tambem, aqui, os casos poderiam ser explicados como de fórmas abortivas da pele que se tenham curado sem cicatriz.
Em muitos casos a molestia inicia-se pela obstrução nasal e por uma secreção não muito intensa. A leishmaniose do nariz, começa, geralmente, na parte anterior do septo nasal e na cabeça do corneto inferior, por uma hiperemia e infiltração exulcerada da mucosa. Mais tarde invade toda a mucosa nasal, invasão esta que poderá existir de um só dos lados do nariz ou em ambos, e, em seguida, o naso-faringe, a uvula, o palato mole e duro, a faringe e nos casos graves, o laringe e a traquéa serão tomados, cada um por sua vez.
Nunca observamos leishmaniose das amigdalas.
A leishmaniose das mucosas se apresenta sob fórmas diversas:
Rabello classifica-se de vegetantes e ulcero-vegentantes.
Buss diz que a leishmaniose mucosa tende, quasi sempre, á forte infiltração dos tecidos, com tendencia á ulceração. A propensão á invasões em profundidade, tal como acontece nas fórmas das cutaneas, não se observa na mucosa. Quando a molestia é antiga processa-se, a principio, uma erosão do epitelio com formação de granulações superficiais, mais tarde a lesão ganha em profundidade chegando, no nariz, a destruição das cartilagens com perfuração consequente do septo nasal. Nos longos anos de manuseio de doentes portadores de leishmaniose, em periodos os mais diversos de duração da molestia, pudemos distinguir diversas fórmas de leishmanioses das mucosas. Entre outras as seguintes:
1 ) - a fórma seca, isto é, de crostas finas, transparentes, extremamente aderentes á mucosa exulcerada, que sangra abundantemente quando se as retira. E' nesta fórma que a pesquiza, do bacilo de Hansen não deverá ser esquecida, tal sua semelhança com as rinites hansenianas.
2) - a fórma infiltrativa, tanto da mucosa quanto da propria pele, sem ulcerações e onde poderão ser encontradas, mais facilmente, as leishmanias. Esta fórma ulcéra posteriormente, e ocasiona, geralmente, a destruição da piramide nasal. E' grandemente rebelde a qualquer especie de tratamento.
3) - a fórma nodular, que é uma das especies iniciais da molestia, assenta-se, quasi sempre, na parte anterior do nariz, (septo e cornetos) e é caracterisada por pequenos nodulos (tuberculos), que se destacam na moldura da zona em que o epitelio já se mostre destruido. O tratamento é benefico.
4) - a fórma congestiva pura das mucosas, como obstrução nasal completa e generalisada, sem lesão caracteristica visivel, sobre a qual a adrenalina não tem ação. Esta especie muito se assemelha ás rinites gomosas em seu estadio de infiltração edematosa, sem ulceração. E' susceptivel de cura pelo tratamento apropriado.
5) - a fórma granulomatosa, a mais comum, atacando toda a cavidade nasal, sobretudo na parte anterior do septo e dos cornetos inferiores. E' exuberante, hipertrofica, lobulada, chegando a formação de verdadeiros polipos (Mangabeira Albernaz). E' acessivel ao tratamento, tanto cirurgico quanto medico.
6) - finalmente, a fórma ulcerosa destruitiva, que é o periodo ultimo da molestia, com perfuração e destruição completa do septo cartilaginoso do nariz e consequente deslocamento do septo osseo para um dos lados. Grande infiltração fibrosa das paredes restantes do septo nasal, com formação de crostas fortemente aderentes, translucidas e que, quando retiradas, fazem sangrar facilmente. Esta fôrma pôde invadir tambem, o septo membranoso e destruí-lo sobretudo quando da concomitancia de invasão da pele do labio superior e azas do nariz. A leishmaniose ataca a faringe, o palato mole e duro, este em sua parte posterior e, mais raramente, o laringe. A parte anterior da boca, as bochechas e a lingua são, sempre livres da molestia. A fórma mais comumente observada nestas regiões, é a granulomatosa, grandemente exuberante, chegando a formação de verdadeiros polipos. O aspecto geral é o de uma couve-flôr.
Esta fórma de leishmaniose buco-faringeana responde, em geral, muito bem ao tratamento; já assim não acontece quando ataca o laringe que é rebelde á ação dos medicamentos, mas que é, no entanto, muito mais rara que as outras localizações.
A leishmaniose das mucosas, a não serem os incomodos, naturais, decorrentes de uma ulceração nasal (dificuldade da respiração pela exuberancia dos tecidos, sobretudo nas fórmas granulomatosas, formação de crostas extremamente aderentes que fazem sangrar quando das manobras para retira-las, aumento relativo da secreção nasal que, tambem, poderá ser nulo, sensação, ás vezes, de secura do nariz), não perturbam a vida do paciente, a ponto de evitar seu trabalho quotidiano. Não produz dôres, quer locais, quer gerais; não perturba a alimentação, mesmo quando ataque a garganta, não produz febre, mau estar, fraqueza, depressão (a não ser moral, quando de lesões extensas da parte cutanea do nariz, labios, e quando das destruições que acarreta por vezes).
Só as fórmas laringéas, podem, pela grande expansão dos granulomas, neste orgão, causar sérias complicações de tipo asfixico, que, em rarissimas vezes, poderão levar até a necessidade de se praticar uma traqueotomia, afim de se facilitar a respiração.
Muito embora para quem tenha habito em manejá-la, todos os dias, um diagnostico diferencial da leishmaniose raramente seja posto em fóco, não deixa de haver utilidade em mencionarmos "per summa capita", aquelas entidades patologicas que com ela tenham certa semilitude:
Em primeiro lugar vem a sifilis, cuja goma ulcerada e mesmo em sua fase inicial, como já dissemos, tem grande semelhança com a leishmaniose desta especie. Tambem as fórmas malignas da sifilis cutanea, em alguns, não se diferenciam facilmente das fórmas disseminadas da leishmaniose.
Nas gomas ulceradas, porém, principalmente da mucosa nasal e do palato duro, a distinção não será dificil, dada a perda, nesta entidade, de sequestros osseos, o que nunca acontece na leishmaniose. A reação de Wassermann fala, quando positiva, pela sifilis.
A tuberculose, em suas fórmas ulcero-granulomatosas, muito se confunde, com a fórma respectiva da leishmaniose, o estado geral do paciente e o grau de progresso da afecção pulmonar, periodo em que estas lesões costumam aparecer, falam claramente por esta molestia.
A atenção deverá dirigir-se, tambem, para as piodermites, feridas fagedenicas, ulcerações de Plaut-Vincent, nas fórmas mucosas, Blastomicóse, lepra, esporotricose.
Nos casos observados por Buss, foram praticadas 42 exeréses, em diferentes fórmas da molestia e sómente em 51 casos, isto é, mais ou menos a metade dos que examinou, foi encontrada a leishmania. Este autor refere-se, ainda a prova intracutanea, que diz ter dado magnificos resultados em suas mãos e nas de J. Montenegro. Aconselha-a, pois, em todos os casos duvidosos, devido á grande facilidade em sua execusão, e a seu gráu elevado de especificidade.
A anatomia patologica da leishmaniose das mucosas póde ser resumida em poucas palavras: "Geralmente o infiltrato do nariz toma o carater de um granuloma, contendo grande numero de Plasmacelulas. Em alguns pontos, não muito afastados do epitelio, encontram-se elementos histiocitarios em fócos de limites indeterminados; dentro destes encontram-se as leishmanias. Existem, tambem, celulas gigantes isolados de nucleos grandemente vacuolares cujo conjuncto, no entanto, não constitue senão uma celula. Nestes lugares, e tambem nos tecidos de granulações, podem-se observar, ás vezes, leishmanias bem conservadas e tambem formações que podem ser consideradas comumente, como nucleo livre das leishmanias. Deve-se notar que para o lado dos histíocitos não existe grande reação epitelioide. A base das granulações são ricas em vasos, ao passo que suas extremidades são pobres deles. O edema é bem acentuado. Não existem tecidos de cicatrização. As glandulas são bem conservadas.
No palato mole a infiltração é bem menor que a do nariz.
Epitelio bem conservado. A organisação é semelhante a que ficou descrita. Tambem aqui celulas gigantes isoladas. Se bem que em menor numero existem leishmanias e o quadro questionavel dos possiveis nuclos de leishmanias. Vasos sanguineos do mesmo tipo de destribuição.
Como tratamento da fórma cutanea o tartaro emetico em injeções endovenosas, aconselhado por Gaspar Vianna, pela primeira vez, á Sociedade Brasileira de Dermatologia, na sessão de 13 de Abril de 1912. "Geralmente a cura das lesões cutaneas, se obtêm com uma a duas series de 10 a 20 injeções de uma solução a 1 % em sôro fisiologico, feita a esterilisação a frio pela filtração atraves das velas Chamberland F. e Carros ou Berkefeld. A dóse inicial será de 5 c. c. para os adultos, aplicada em dias alternados, com aumento progressivo até se atingir a dóse maxima de 12 a 15 cc. (0,12 a 0,15) ." (Aguiar Pupo).
Têm sido experimentados medicamentos diversos, entre eles: o trioxido de antimonio, o disodo-luargol, o stibosan, o stibenyl, cujos resultados, no entanto, foram inferiores aos do tartaro emetico.
O Antimosan tem o valor de ter sido o precusor da Fuadine. Dele esta não é mais que pequena modificação.
Nas fórmas mucosas, porém, este metodo de tratamento não dá resultado algum, o que faz orientar as pesquizas para outros meios de cura: cirurgicos e medicamentosos. Conseguimos, conforme comunicação feita á Sociedade de Medicina e Cirurgica de São Paulo, em sessão de 15 de Maio de 1923, cujos resultados foram ampliados e confirmados em outra comunicação, á mesma Sociedade realizada em 15 de Maio de 1925, curar varios casos de leishmaniose das mucosas, nasobucais, pela curetagem das lesões, seguida de aplicações semanais de uma solução de acido lactico a 80 % .
Este metodo só manejavel pelos rinologistas, era muito adstrito, para que os numerosos pacientes, portadores do mal, pudessem ter proveitos reais.
Mattos Barreto utilisa-se da diatermo-fulguração, de que diz ter obtido bons resultado.
Aguiar Pupo, propoz, logo a seguir, o emprego do Eparseno, na sessão de 15 de Março de 1926, da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, tendo, nesta ocasião, apresentado, em nota prévia, 2 casos em que as lesões leishmanioticas, anteriormente apresentadas pelos pacientes, haviam desaparecido quasi que por completo. Aguiar Papo aconselha "a aplicação do medicamento na dóse de 0,12,5 a 0,25 (1 a 2 cc.), em series de 10 a 20 injeções. e com o espaço de 2 a 3 dias, segundo a dóse utilisada, feitas, profundamente, no terço superior da nadega. Geralmente, as injeções provocam viva dôr trransitoria, mas são isentas de acidentes locais ou gerais".
Com o aparecimento de um metodo como este, de aplicação facil e de resultados iniciais tão animadores, uma onda de satisfação correu por todo o Brasil, sobretudo pelo nosso Estado. Com uso mais amplo e dilatado da medicação, os resultados positivos tornaram-se mais abundantes e a verificação se fez, tambem, que nem todos os casos o fim colimado fôra sempre atingido. Fôrmas ha, da molestia, atacando as mucosas das vias aéreas superiores, em que a medicação perde muito de seu valôr. Não lhe tira, este fato, no entanto, a importancia real como meio de luta contra a leishmaniose, talvez que a dosagem proposta, sendo aumentada, duplicada mesmo, produza, ainda, maior numero de curas; em todo caso, os resultados adquiridos já são grandemente animadores para os medicos e reconfortantes para os doentes.
Aguiar Pupo ensaia, agora, e parece que com proveito, uma nova medicação pelo arsenito de sodio, que, sendo confirmada em seu valor curativo, virá auxiliar, ainda mais, a campanha contra a leishmaniose americana, favorecida, aqui pelo preço do medicamento, ao alcance das bolsas minguadas.
A Fuadine, que tão brilhantes resultados dá no Botão do Oriente, atúa, tambem, e quiçá melhor que os sáis arsenicais, sobre a leishmaniose americana.
A.Lindenberg, que a vem empregando amplamente, tece louvores sobre seu modo de agir. Em experiencia, com resultados grandemente encorajadores, está um novo preparado de "Bayer" ainda denominado por um numero de serie e é o 386 B, uma combinação arseno-antimonial, que se emprega em injeções intranvenosas. Os resultados iniciais são magnificos, notando-se, porém, que muito dependedas reações gerais dos pacientes, que por vezes,com dóses acima de 2 a 3 gramas, muito se recentem de seu emprego, emagrecendo rapida e grandemente e obrigando a interrupção do tratamento. Outro possivel inconveniente seria o da resistencia que as lesões apresentassem ao medicamento que, no caso em questão, deixaria o medico desarmado na continuação da medicação, pois que, nos casos em que os pacientes apresentam, por exemplo, resistencia ao antimonio, tem-se, ainda, possibilidade de se poder continuar tratando o doente pelos compostos arsenicais, e vice-versa, o que, nos parece, não se poderá dar com o 386B, que é uma combinação dos dois sáis referidos.
Isto, no entanto, não é motivo para se negar sua eficacia e tanto nas lesões cutaneas, quanto nas mucosas.
Tendo todos estes medicamentos o defeito de estarem sujeitos a uma possivel resistencia medicamentosa, por parte dos doentes, pensou Jorge Maia em utilisar-se da piroterapía, com o fim de neutralisar este inconveniente. A piroterapía atuaria como medicação para-especifica, no sentido de aumentar as forças dos pacientes e permitir, assim, a prolongação do tratamento.
RESUMÉ
DR. MARIO OTTONI DE REZENDE - Lésions des muqueuses par leishmania tropica, var. américaine.
C'est le rapport presenté par 1'A. au VI.º Congès Medical PanAméricain (Rio de Janeiro - S. Paulo, 15-19 juillet 1935). Après avoir passé en revue tous les travaux brésiliens sur la leishmania tropica, var. américaine, il décrit les principales formes des lésions de la muqueuse nasale, observées dans la clinique:
1) la forme séche: on observe des petites croutes, fines, tranparantes, très adhèrentes à la muqueuse, qui saigne facilement quand elles sont retirées. Dans cette forme, pour bien éclaircir le diagnostic, on doit rechercher le bacile de Hansen.
2) la forme infiltrative: Ia muqueuse est infiltrée, mais sans ulcérations. Dana cette forme, les leishmanias peuvent étre plus aisément recherchés.
3) la forme nodulaire: caracterisée par des petits nodules disséminés dans la muqueuse du cloison nasal et des corneta.
4) la forme congestive pare des muqueuses: oú il y a obstruçtion nasale genéralisée sans Iésions caractéristiques. Pas de retraction par 1'adrenaline. Cette forme se resemble à la rhinite syphilitique dans son stade d'infiltration, mais sans ulcération.
5) la forme granulomateuse: la plus commune, envahissant toute la cavité nasale, surtout la partie antérieur du cloison et des corneta inférieurs. Elle est exhubérante, hypertrophique, lobulée, avec formations de veritables polypes.
6) la forme ulcero-destructive: est le stade dernier de la maladie, avec perfuration du cloison et destruction compléte du septum cartillagineux du nez et plus tard, aussi des ai1es nasales et lèvre supérieur. Croutes adherentes.
Cette maladie peut aussi se localiser dans la muqueuse du raso-pharynx, voile du palais, luette et, plus rarement, au larynx. La partie antérieur de la bouche, les joues et la langue sont toujours épargnées.
(1) Relatorio apresentado á Secção de Oto-rino-laringologia do Congresso Medico Pan-Americano, reunido em São Paulo, a 19 de Julho de 1935