Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (17º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 891 a 894

 

Os efeitos da idade e sexo na latência do P300

The effects of age and sex on P300 latency

Autor(es): Silvana Maria Bruno da Costa 1.
Orozimbo Alves Costa Filho 2,
Maria Regina Alves Cardoso 3

Palavras-chave: latência, P300, criança

Keywords: latency, P300, children

Resumo:
A identificação e interpretação dos PEA requerem conhecimentos sobre a fisiologia, dados normativos e o efeito de variáveis como: idade, sexo, patologia e outras. O P300 se refere à atividade neuroelétrica, captada por meio de eletrodos colocados em várias combinações; no couro cabeludo, por exemplo, os ativos podem ser colocados nas posições C3, C4, Cz, Pz e Fz e em cada lóbulo. Este potencial consiste de processos cognitivos resultantes de funções cerebrais altas, em resposta a um evento auditivo. Objetivo: A proposta deste estudo foi analisar a latência do P300 em crianças. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e Método: Foram estudadas 75 crianças da faixa etária de 8 a 11 anos, na cidade de Bauru - SP. Elas foram submetidas à avaliação audiológica completa, testes especiais para processamento auditivo e registro do P300. Conclusões: Nesta pesquisa obtivemos uma latência média do P300 de 311ms para o sexo feminino e de 314ms para o masculino. Não foi observada diferença estatisticamente significante na latência do P300 entre o sexo masculino e feminino (p=0,47). Observamos que a latência tende a diminuir com o aumento da idade, mostrando uma resposta de 328,2ms aos 8 anos e 308,4ms aos 11 anos, em média. Entretanto, não foi observada diferença estatisticamente significante entre as idades estudadas (p=0,06).

Abstract:
Identification and interpretation of the AEP require knowledge about physiology, normative data, and effects of the variables such as age, sex, and others. The P300 refers to the neuroelectrical activity picked up by electrodes attached on scalp, in the various combinations: C3, C4, Cz, Fz, Pz, and at each earlobe. This potential consists of cognitive process resulting from higher brain function in response to an auditory event. Objective: The purpose of the present study was to analyze the latency of P300 in children. Study design: Clinical prospective. Material and Method: Seventy-five children, ranging from 8 to 11 years old, were studied in Bauru city - SP. They were submitted to a complete audiological evaluation and to special tests for auditory processing, with the P300 being recorded. Conclusions: The latency of P300 was about 311msec in females and 314msec in males. The results showed no significant difference between sexes (p=0,47). We observed that latency decreases with age, the response at 8 years old was around 328,2msec and at 11 years old was 308,4. However, there was no significant difference across the study ages (p=0,06).

INTRODUÇÃO

Estudos têm demonstrado que 15% a 20% da população em idade escolar possui algum tipo de distúrbio de linguagem e/ou aprendizado e 70% destas crianças têm alguma forma de prejuízo auditivo1.

As crianças desenvolvem as habilidades perceptuais auditivas juntamente com a maturidade neurológica, que ocorre geralmente até os 9 anos. Porém, algumas crianças não adquirem tais habilidades necessárias para o aprendizado em uma sala de aula, como: discriminação, memória, atenção auditiva, entre outras2.

Os testes para avaliar a audição periférica já foram pesquisados e validados, porém atualmente vem crescendo o interesse no estudo das alterações centrais.
A avaliação das vias auditivas centrais deve ser realizada por meio de procedimentos eletrofisiológicos e testes comportamentais especiais3.

Vários procedimentos eletrofisiológicos podem ser utilizados para avaliar o S.N.A.C., como os Potenciais Evocados Auditivos (P.E.A.s), através do registro de potenciais de ação da via auditiva central evocados por uma fonte sonora, entre eles a Audiometria de Respostas Elétricas do Tronco Encefálico (ABR), Resposta de Média Latência (MLR) e Potenciais Evocados de Longa Latência (entre eles o Potencial Cognitivo - P300).

Os potenciais auditivos evocados (PEA) assumiram um papel fundamental na audiologia e em diversas outras áreas da medicina devido à capacidade técnica de captar potenciais elétricos gerados em vários níveis do sistema nervoso central (SNC) em resposta à estimulação acústica. Além disso, estes potenciais são captados de maneira não-invasiva sem desconforto para o paciente, geralmente sem sedação ou anestesia, o que aumentou ainda mais sua aplicabilidade clínica4, 5.

Os potenciais auditivos tardios foram primeiramente observados por Pauline Davis em 1939, que observou a ocorrência destes potenciais no EEG. Estas respostas apresentavam latências entre 70 e 500ms, após a estimulação6.

Entretanto, a identificação e interpretação dos PEA requerem habilidade e critérios por parte do examinador, como conhecimentos sobre a fisiologia, os processos utilizados para o registro, dados normativos e o efeito de variáveis como: idade, sexo, doenças e outras5.

A atividade neuroelétrica do P300 pode ser captada por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo em várias combinações. Por exemplo, os eletrodos invertidos podem ser colocados nas posições C3, C4, Cz, Pz e Fz, o não-invertido em cada lobo de orelha e o terra na fronte. Os sítios geradores do P300 ainda não são bem conhecidos, porém acredita-se que este potencial tenha contribuição do hipocampo e/ou lobo temporal posterior. Áreas do córtex auditivo também devem ser geradoras deste potencial cognitivo7.

Os potenciais evocados de longa latência consistem de processos perceptuais e cognitivos resultantes de funções cerebrais altas em resposta a um evento auditivo. O P300, em particular, está relacionado à cognição, pois ocorre quando o indivíduo reconhece, conscientemente, significativas mudanças no estímulo acústico8.

Uma característica dos potenciais de longa latência é que são menos influenciados pelas propriedades físicas do estímulo e mais afetados pelo uso funcional do estímulo pelo organismo do indivíduo6, 8.

Musiek et al. (1994)9 observaram que respostas anormais para adultos, no P300, possuem latência maior que 350ms, porém devemos estar atentos ao fator idade. Devemos acrescentar ao valor de latência, em adultos com mais de 45 anos, 10ms a cada década. Por exemplo, de 46 a 55 anos, latências maiores que 360ms seriam consideradas anormais.

Segundo Jirsa (1992)10, a avaliação do componente de longa latência, P300, tem sido apontada como uma ferramenta eficaz para o monitoramento das crianças com distúrbio do processamento, pré e pós-intervenção terapêutica.

O objetivo deste estudo foi analisar o P300 em crianças entre 8 e 11 anos, sem alterações nos testes comportamentais para processamento auditivo.

Sabemos que os dados aqui apresentados não respondem a todas as perguntas sobre a utilização do teste P300 na população infantil, porém esperamos que possam representar uma tentativa de melhorar a avaliação destas crianças.

MATERIAL E MÉTODO

Foram estudadas 75 crianças da faixa etária de 8 a 11 anos, que cursavam 3ª, 4ª e 5ª séries de escolas públicas e privadas, na cidade de Bauru - SP.

Foi realizada avaliação audiológica completa e testes especiais para processamento auditivo utilizando os seguintes equipamentos: 1) Audiômetro de dois canais, modelo Unity - marca Siemens; 2) CD player; 3) Aparelho de imitância acústica AZ26 da Interacoustic e 4) para a captação do P300 foi utilizado equipamento Biologyc, que abrange os testes de BERA, MLR e P300, acoplado ao microcomputador.

A avaliação audiológica compreendeu a audiometria tonal limiar; a logoaudiometria; a imitância acústica e os testes especiais para processamento auditivo (SSI com MCI e Fala com Ruído) e captação do P300.

Foram considerados como padrões de normalidade os valores entre 0 e 20dBNA (Davis & Silverman 1970)11 para a audiometria tonal e a curva timpanométrica tipo "A" (Jerger, 1970) para a imitância acústica. Para os testes para processamento auditivo: SSI (Synthetic Sentence Identification) com MCI (Mensagem Competitiva Ipsilateral) e Fala no Ruído, foram utilizados os critérios de normalidade relatados por Pereira & Schochat (1996)2.

O exame foi realizado com a criança sentada e de olhos abertos. Os eletrodos "ativos" foram colocados em Cz e Fz (Figura 3) e conectados ao input 1, dos canais 1 e 2, respectivamente, do amplificador. Os eletrodos de "referência" foram posicionados nas mastóides direita e esquerda, interligadas e conectadas no input 2, dos canais 1 e 2, do amplificador. O "terra" foi colocado na posição Fpz.

O estímulo acústico utilizado foi "toneburst", com polaridade alternada, apresentado numa intensidade de 75dBNAn. As freqüências utilizadas no teste compreendiam para o "estímulo freqüente" freqüência de 1000 Hz e para o "estímulo raro", 2000 Hz. Foram utilizados 20% de "estímulos raros" mesclados randomicamente aos "freqüentes" (80%).

Foi solicitado ao examinado que identificasse o estímulo raro, contando-o mentalmente. Ao término do teste foi pedido para ele dizer quantos estímulos ele contou, para avaliar sua efetiva participação. A condição obrigatória para aceitar o traçado foi o aparecimento da onda ou complexo P300.

Foram calculadas as médias, desvios-padrão, valores mínimos e máximos para a latência do componente P300, segundo a idade e sexo da criança. Foram utilizados testes t para comparar as médias entre o sexo feminino e masculino e Kruskal-Wallis para comparar as médias nas diferentes idades das crianças.

RESULTADOS

Foram avaliadas 77 crianças da faixa etária de 8 a 12 anos, sendo 52 (67,5%) do sexo feminino e 25 (32,5%) do sexo masculino. Todas as crianças que participaram deste estudo apresentavam audiometria e timpanometria dentro dos padrões de normalidade e sem alterações nos testes para processamento auditivo, SSI com MCI e Fala no Ruído, no momento da avaliação.

A Tabela 1 refere-se à distribuição das médias, desvios-padrão, valores mínimos e máximos a latência P300, segundo o sexo. Não foi observada diferença estatisticamente significante entre sexo feminino e masculino (p=0,47).

A Tabela 2 mostra a distribuição das médias, desvios-padrão, valores mínimos e máximos da latência P300, segundo idade. Não foi observada diferença estatisticamente significante entre as idades estudadas (p=0,06).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Neste estudo observamos algumas características do traçado e obtivemos dados que podem auxiliar na avaliação do potencial cognitivo ou relacionado a eventos (P300).

Nesta pesquisa obtivemos como valores da latência do P300, no sexo feminino uma latência média de 311ms, com valores mínimo e máximo de 277,2 e 345,2ms. Para o sexo masculino observamos latência média de 314ms, com valores mínimo e máximo dê 279,2 e 349,2ms. Não foi observada diferença estatisticamente significante na latência do P300 entre o sexo masculino e feminino (p=0,47). Este resultado também foi encontrado em outro estudo.


Tabela 1. Distribuição das médias, desvios-padrão e valores mínimo e máximo da latência P300, segundo o sexo.



Tabela 2. Distribuição das médias, desvios-padrão e valores mínimos e máximos da latência do P300, segunda as idades estudadas.



Observamos que a latência tende a diminuir com o aumento da idade, mostrando como resposta média: aos 8 anos, uma latência de 328,2ms (com valor mínimo de 320,2 e máximo de 339,2ms); aos 9 anos, de 311,1ms (291,2 a 335,2ms); aos 10 anos, 315,2ms (281,2 a 345,2ms); com 11 anos, 308,4ms (277,2 a 349,2ms), portanto sem uma diferença estatisticamente significante, entre as,idades estudadas (p=0,06), apesar de observarmos uma diminuição da latência com o aumento da idade. Assim sendo, a análise dos resultados propiciou concluirmos que a idade é um fator importante na captação deste potencial, pois a maturação do sistema nervoso auditivo central, que ocorre ao redor dos 10 anos, tende a diminuir a latência do componente P300 com o aumento da idade e que o sexo não interfere na latência do P300. Os resultados desta pesquisa concordam com outros estudos já realizados8, 12.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Rupp R. The audiologist's role in the evaluation of auditory perceptual and processing abilities in young school-age children. In: Bradford L. Audiology: An Audio Journal for Continuing Education. New York: Grune & Stratton, Inc.; 1978.
2. Page JM. Central auditory disorders in children. The Otolaryngol. Clin North Am 1985; 18(2): 323-35.
3. Chermak GD, Musiek FE. Conceptual and historical foundations. In: Central Auditory Processing Disorders - New Perspectives. San Diego: Singular Publishing Group; 1997. cap. 2, p. 27-70.
4. Ferraro JA & Durrant JD. Potenciais auditivos evocados: visão geral e princípios básicos. In: Katz J. Tratado de Audiologia Clínica. Ed. Manole: 1999. cap. 22, a. 315-36.
5. Jacobson JT, Hyde ML. Uma introdução aos potenciais evocados. In: Katz J. Tratado de audiologia clínica. 3ª ed.; 1989. cap. 25, p. 504-41.
6. Kraus N, Mcgee T. Potenciais auditivos evocados de longa latência. In: Katz J. Tratado de Audiologia Clínica. Ed. Manole; 1999. cap. 27, p. 403-20.
7. Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML. Introduction to Case Studies in Neuroaudiology. In: Neuroaudiology - Case Studies. Ed. Singular Publishing Group; 1994.
8. Mcpherson DL. Long latency auditory evoked potecials. In: Late Potencials of the auditory system. Singular Publishing Group, Inc; 1996. p.7-21.
9. Munhoz MSL, Silva MLG, Ganança MM, Caovilla HH, Frazza MM. Respostas auditivas de longa latência. In: Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança MM. Audiologia clínica. Ed. Atheneu; 2000. cap.14, p. 231-42.
10. Jirsa RE. The clinical utility of the P3, AERP in children with auditory processing disorder. Journal of Speech and Hearing Research 1992; 35: 903-12.
11. Davis H & Silverman RS. Hearing and deafness. New York: Rinehart & Winston apud Frota, S. Avaliação básica da audição. In: Fundamentos em Fonoaudiologia; 1998. cap. 3, p. 41-59.
12. Barajas JJ. The effects of age on human P3 latency. Acta Otolaryngol (Stockh) Suppl. 1991; 476:157-60.
13. Pereira LD, Schochat E. Processamento Auditivo Central. Ed. Lovise; 1996.




1 Bolsista da FAPESP para Doutorado pelo Curso de Pós-Graduação em Saúde Pública - USP, Área de Concentração em Epidemiologia.
2 Otorrinolaringologista do Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais da Universidade de São Paulo (HPRLLP-USP), em Bauru-SP, e Professor Titular do Programa de Pós-Graduação da PUC-SP.
3 Professora Doutora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Silvana Maria Bruno da Costa - Rua Conselheiro Lafaiete 40 apto 32 - Santos SP 11040-280
Tel/Fax: (0xx13) 3236-0799 ou Faculdade de Saúde Pública USP/SP: Tel (0xx11) 3066-7777
Artigo recebido em 26 de março de 2002. Artigo aceito em 6 de junho de 2002.

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