Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (7º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 817 a 820
Remoção de corpos estranhos (moedas) do esôfago com sondas de Foley
Removal of strange foreign bodies (coins) from the oesophagus with Foley catheters
Autor(es):
Ricardo R. Figueiredo 1,
Célio Costa 2,
Otávio Mocellin Selles 3,
Andréia Azevedo 4
Palavras-chave: esôfago, corpo estranho, moedas, cateteres de Foley
Keywords: esophagus, foreign bodies, coins, Foley catheters
Resumo:
Corpos estranhos no esôfago, especialmente as moedas, são ocorrências comuns em crianças. O diagnóstico é confirmado pelo exame radiológico, sendo o tratamento feito através de esofagoscopia rígida sob anestesia geral. Objetivo: Avaliar a segurança e eficácia do uso de cateteres de Foley para a remoção de moedas do esôfago. Forma de estudo: Clínico retrospectivo. Material e método: 25 crianças foram submetidas a tentativa de remoção de moedas com sondas de Foley, sendo anotados parâmetros como sexo, idade, localização da moeda, número de tentativas e resultados. Resultados: Foi observado um alto índice de resolução do problema, seja por remoção ou deslocamento do corpo estranho para o estômago (cerca de 96% dos casos), e um índice de complicações extremamente baixo (cerca de 4%). Conclusão: O uso de cateteres de Foley para remoção de moedas de esôfago constitui um método eficaz e seguro, observando-se os parâmetros adequados.
Abstract:
Foreign bodies in the esophagus, specially coins, are common accidents in children. Diagnostic is confirmed by radiology, and treatment made with rigid esophagoscopy, under general anesthesia. Aim: Evaluate seccurity and efficacy of the use of Foley catheters in removing coins from the esophagus. Study design: Clinical retrospective. Materials and method: 25 children with coins in the esophagus went under a removal trial with Foley catheters. Parameters like sex, age, localization of the coin, number of trials and results were signed. Results: We found a high index of success, either by removing the coin, or pushing it to the stomach (about 96% of the cases), with a low index of complications (about 4%). Conclusion: The use of Foley catheters to remove coins from the esophagus, under the adequated parameters, is a sucessful and safe method.
INTRODUÇÃO
Acidentes com corpos estranhos em crianças, incluindo os de esôfago, são observados diariamente nas Emergências ORL. Dentre estes, as moedas são os mais comuns, cerca de 70% dos casos, a maioria deles no esôfago cervical1, 2, 3, 4.
O quadro clínico é bastante variável. Cerca de 20% são assintomáticos1, 4, podendo ocorrer sintomas gastrointestinais (disfagia e vômitos) e respiratórios (tosse e dispnéia). Estes últimos podem ser devido à compressão do próprio corpo estranho ou à dilatação esofagiana secundária sobre a traquéia, bem como ao edema dos tecidos moles paraesofageanos em caso de retenção prolongada do corpo estranho1. Na maioria dos casos, parentes observam a ingestão do corpo estranho ou são alertados pela própria criança. Outras vezes, o corpo estranho pode ser um achado radiológico em radiografias de tórax ou abdome.
O diagnóstico é confirmado pelo exame radiológico, solicitando-se a incidência mento-xifo-pubiana, que permite a visualização de todo o trato digestivo. Na maioria dos casos, é feita a remoção por esofagoscopia rígida sob anestesia geral.
Complicações são raras, ocorrendo em casos de retenção prolongada do corpo estranho1, 5, incluindo perfuração esofagiana, mediastinite, fístulas traqueoesofágicas, fístulas vasculares, migração extra-luminal do corpo estranho e formação de falsos divertículos1, 5, 11, 12. Iatrogenias também podem ocorrer no caso de perfurações durante a esofagoscopia. Se diagnosticadas precocemente, antes de evoluir para uma mediastinite, têm bom prognóstico após procedimento cirúrgico, com rafia da lesão. Nos casos de mediastinite, o prognóstico é bem mais reservado. Anomalias congênitas do esôfago também predispõem a complicações10.
Pretendemos analisar uma alternativa à remoção com esofagoscopia sob anestesia geral: a remoção com cateteres de Foley sob anestesia local, em ambiente hospitalar. Avaliamos a eficácia, segurança e custos deste método em relação à esofagoscopia sob anestesia geral.
MATERIAL E MÉTODO
Foram relacionadas 25 crianças com corpo estranho no esôfago (moedas), atendidas no serviço de ORL do Hospital Municipal Souza Aguiar, referência para corpos estranhos em ORL no Estado do Rio de Janeiro, no período de Setembro de 1996 a Abril de 1998.
Todas foram submetidas à passagem de sondas urinárias (Foley) para tentativa de remoção do corpo estranho, não sendo utilizado para este procedimento qualquer tipo de anestesia ou, no máximo, a lubrificação da sonda com xilocaína gel, que, a nosso ver, pode, em alguns casos, atrapalhar o procedimento, por tornar a sonda escorregadia.
Os seguintes parâmetros foram observados antes do procedimento:
o somente moedas e fichas telefônicas podem ser removidas por este método, pois não têm superfícies cortantes;
o o corpo estranho deve ser único;
o o corpo estranho deve estar localizado, no máximo, até o terço médio do esôfago torácico;
o deve haver, no máximo, 36 horas entre a ingestão e o procedimento;
o achados radiológicos não devem ser removidos desta forma, pois geralmente estão associados a fenômenos inflamatórios, uma vez que não se sabe o tempo de permanência do corpo estranho;
o ausência de doença ou cirurgia esofageana prévia;
o o procedimento só deve ser realizado em ambiente hospitalar, com pediatra e anestesista disponíveis.
O procedimento foi detalhadamente explicado à criança e ao responsável. As sondas foram introduzidas por via nasal, a criança sendo contida pelo responsável (sentada no seu colo) com o auxílio de auxiliar de enfermagem.
Após a total introdução da sonda, o balonete foi inflado, com ar, até cerca de dois terços de sua capacidade total, sendo então tracionado para cima até a orofaringe. Neste momento, a auxiliar faz uma leve flexão da cabeça da criança, e o médico introduz um dedo enluvado na cavidade oral da criança para auxiliar a expulsão do corpo estranho, o que eventualmente resulta em marcas de mordidas na luva. Expulso o corpo estranho, as crianças permanecem em observação por 30 minutos, sendo então liberadas.
Quando não houve a eliminação do corpo estranho, foram feitas novas tentativas até um total de três. Não havendo a eliminação, novas radiografias foram solicitadas para se verificar a posição do corpo estranho. Quando houve a progressão do corpo estranho para o abdome, encaminhou-se a criança à Pediatria. Quando permaneceu no mesmo lugar, partiu-se para a esofagoscopia sob a anestesia geral.
Figura 1.
Foram anotados dados, tais como: sexo, idade, valor da moeda, número da sonda empregada, tempo desde a ingestão até a retirada do corpo estranho, número de tentativas (passagem da sonda), tempo de duração do procedimento, complicações e localização do corpo estranho.
RESULTADOS
Dos 25 casos, 15 (60%) eram do sexo masculino, e 10 (40%) do sexo feminino. A idade variou de 1 a 13 anos (média de 5,1 anos). A faixa etária mais freqüente foi a de 2 a 5 anos (48%), seguida pela de 6 a 10 anos (32%).
Com relação à localização, 16 (640/0) estavam no terço inferior do esôfago cervical e 9 (36%) no terço médio do esôfago torácico. As moedas mais encontradas foram, pela ordem, R$ 0,01 (24%), R$ 0,05 (20%), R$ 0,10 (20%), R$ 0,25 (8%), R$ 0,50 (8%), moedas antigas (8%) e R$ 1,00 (4%), curiosamente em valor decrescente (as de menor valor são mais comuns, mas também são as menores). Em dois casos (8%), não ficou se sabendo o valor, pois houve progressão para o abdome.
As sondas mais utilizadas foram as de n° 10 e 12 (36% cada), seguidas pelas de n° 14 (16%), e 16 (4%). Em dois casos, duas sondas de tamanhos diferentes foram utilizadas. Em 12 casos (48%) somente 1 tentativa foi necessária. 7 casos (28%) requereram duas tentativas, e 6 casos (24%), três.
Com relação ao tempo entre a ingestão e a remoção, 9 casos (36%) foram resolvidos nas primeiras 6 horas, 10 casos (40%) entre 6 e 12 horas, 3 casos (12%) entre 12 e 24 horas e 3 casos (12%) entre 24 e 36 horas. O tempo requerido para o procedimento variou de 30 segundos a 10 minutos, valores aproximados.
Houve expulsão do corpo estranho por via oral em 20 (80%) dos casos. Em 4 (16%) houve progressão para o abdome, e somente 1 caso (4%) teve de ser submetido à remoção sob esofagoscopia e anestesia geral.
Somente 1 caso (4%), apresentou complicação, um, sangramento muito discreto por via oral, permanecendo em observação por 24 horas, sem intercorrências.
DISCUSSÃO
Não são infreqüentes os casos de ingestão de moedas por crianças, ou mesmo pacientes com distúrbios psiquiátricos. Em um grande número de casos, as moedas seguem em direção ao estômago, sendo eliminadas normalmente com as fezes em alguns dias. Em outros, permanecem impactadas no esôfago, mais freqüentemente no cervical, impedindo a alimentação normal e gerando, com o tempo, fenômenos inflamatórios que podem levar a complicações mais sérias.
Nossos dados correspondem à literatura quanto à faixa-etária (2 a 5 anos), sexo (60% do sexo masculino), tempo entre a ingestão e a remoção do corpo estranho (76% nas primeiras 24 horas) e localização do corpo estranho (64% no terço inferior do esôfago cervical).
Na maioria das emergências, o paciente é submetido à esofagoscopia rígida sob anestesia geral para remoção do corpo estranho, o que demanda internação hospitalar e maior morbidade, decorrente não só do ato endoscópico, mas também do ato anestésico.
Os cateteres de Foley, normalmente usados para sondagem urinária, vêm sendo usados para remoção de corpos estranhos desde a década de 601. Inicialmente, forçava-se a progressão para o estômago4, 6, passando-se então a extraí-lo por via orar. Muitos trabalhos, principalmente na literatura norte-americana, descrevem o procedimento guiado por fluoroscopia8, 9. Cremos poder prescindir desse controle, da mesma forma que a literatura13, 14, 16, 17, 18, 19.
Em nosso serviço, temos realizado este procedimento já há muitos anos, verificando um alto índice de sucessos (96d/o dos casos) e baixo índice de complicações (4% dos casos), nenhuma com gravidade. Enfatizamos a necessidade de infra-estrutura hospitalar, com pediatra e anestesista disponíveis, devido ao eventual risco de bronco-aspiração do corpo estranho, embora nunca tenhamos observado este fato, inclusive na literatura. Os parâmetros anteriormente mencionados também devem ser rigorosamente observados, pois do contrário, aumentaríamos a incidência de complicações.
O tempo médio de permanência dos pacientes é muito pequeno (cerca de 1 a 2 horas, entre admissão, exame físico, exame radiológico, procedimento e observação clínica), contrastando com as 12/ 24 horas requeridas para esofagoscopia sob anestesia geral, o que reduz significativamente a morbidade.
O custo total do material utilizado (sonda de Foley, seringa e luvas) foi pelo menos cinqüenta vezes inferior aos gastos referentes à esofagoscopia sob anestesia geral.
CONCLUSÃO
Concluímos ser o método seguro, eficaz, rápido e barato para a remoção de moedas de esôfago. Logo, observando-se o protocolo de restrições, cremos não haver motivos para que o procedimento não seja ao menos tentado, evitando-se em muitos casos a esofagoscopia sob anestesia geral, com redução significativa da morbidade.
AGRADECIMENTOS
A todos os otorrinolaringologistas e auxiliares de enfermagem do Hospital Municipal Souza Aguiar.
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1 Médico otorrinolaringologista do Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro.
2 Médico residente em Otorrinolaringologia do Hospital Municipal Souza Aguiar.
3 Médico estagiário do Hospital Municipal Souza Aguiar.
4 Médica estagiária do Hospital Municipal Souza Aguiar.
Trabalho realizado no Hospital Municipal Souza Aguiar, Rio de Janeiro
Endereço para correspondência: Ricardo R. Figueiredo - Rua 60, n° 1680 ap. 202 - Bairro Sessenta Volta Redonda RJ 27261-130
Fax (0xx24) 3349-8664 - -E-mail: otosul@uol.com.br
Artigo recebido em 23 de maio de 2002. Artigo aceito em 11 de julho de 2002.