Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 794 a 799

 

Necessidade de avaliação e conduta otorrinolaringológica nos pacientes portadores de abscessos e empiemas encefálicos

Necessity of an otorhinolaringological evaluation and treatment in patients with encephalic abscess

Autor(es): Norma O. Penido 1,
Andrei Borin 2,
Yotaka Fukuda 3

Palavras-chave: otolaringologia, otite, sinusite, abscesso cerebral, empiema subdural, humano

Keywords: otolaringology, otitis, sinusitis, brain abscess, subdural empyema, human

Resumo:
O abscesso encefálico (cerebral e cerebelar) e o empiema encefálico ainda são doenças graves, potencialmente letais e relativamente freqüentes em nosso meio apesar dos grandes avanços no seu diagnóstico e tratamento. Forma de Estudo: Clínico retrospectivo. Material e método: Nos últimos 12 anos foram atendidos 67 pacientes portadores de abscesso e empiema cerebral na Universidade Federal de São Paulo que evoluíram para a necessidade de intervenção cirúrgica. Resultados: Dos 67 pacientes, 40 (59,7%) eram portadores de doenças otorrinolaringológicas; destes, 25 casos de causas otológicas (37,3%), 12 casos de causas sinusais (17,9%), 2 casos de infecções amigdalianas (3%) e um único caso de abscesso periodontal (1,5%). Os restantes 27 pacientes (40,3%) eram portadores de outras etiologias não otorrinolaringológicas, tais como: pós-operatório neurocirúrgico (11,9%), traumatismo cranioencefálico (10,4%), hidrocefalia com derivação (4,48%), cardiopatia congênita (3%), tuberculose (3%), idiopático (3%), um caso (1,49%) de HIV positivo e criptocose cerebral e um caso (1,49%) pós-transplante renal. Conclusões: No nosso meio, a causa mais comum do abscesso cerebral é a infecção otorrinolaringológica. Dentre as infecções otorrinolaringológicas o colesteatoma com infecção secundária é o mais comum. Desta forma acreditamos que pacientes portadores de abscesso e empiema cerebral, cuja etiologia neurológica seja afastada, deverão ser submetidos a avaliação otorrinolaringológica. O diagnósticó o mais precoce possível e o tratamento adequado não só do abscesso mas também do foco primário são necessários para minimizar as seqüelas e o tempo de internação hospitalar.

Abstract:
Encephalic asbcess is still a serious disease potencialy fatal and relatively frenquent among us, in spite of the great development in its diagnosis and treatment. Study Design: Clinical retrospective. Material and method: We analised the ethiological diagnosis in 67 patients with encephalic abscess in the last 12 years wich occurred at Federal University of São Paulo. Results: 40 of these patients (59,7%) had otorhinalaringological disease. In these patients there were 25 cases (37,3%) with othogenic origin, 12 cases (17,9%) with sinonasal origin, two cases (3%) with tonsil infection and one case of dental infection (1,5%). The remaining 27 patients (40,3%) were no otorhinolaringological origin. These other causes are: post-neurocirgical intervention complications (11,9%), cranial trauma (10,4%), hydrocephalie with derivation (4,4%), tuberculosis (3%), congenital cardiologic disease (3%), idiopatic cases (3%) as: HIV positive (1,5%), renal trasplant (1,5%), and endocardites (1,5%). Conclusions: Otorhinolaringological diseases are the most com moo causes of these infections, with 59,7% in our series. The otogenic diseases accounting for 37,3% and cholesteatoma is the main cause. We believe, with this results, that patients with encephalic abscess, without any neurological ethiology, should be evaluated and treated also by an otolaryngologist because otorhinolaringological disease could be continues to contaminate the abscess area. Early diagnosis and detection of the site of cerebral and cerebellar abscesses and their primary foci are essential for instituting and adequate therapeutic approach. Only prompt diagnosis, early institution of appropriate therapy, immediate intervention will reduce complication and mortality rates, and improve patient outcome.

INTRODUÇÃO.

Os abscessos encefálicos, localizados tanto no cérebro como no cerebelo, e os empiemas são doenças neurológicas infecciosas cuja manifestação clínica inicial pode ser uma simples cefaléia. Em uma fase mais tardia, pode acarretar a morte do indivíduo por herniação transtentorial devido a hipertensão intracraniana ou por sepse.

O diagnóstico precoce, bem como a sua etiologia e localização, são essenciais para uma terapêutica adequada. Para um diagnóstico precoce, o médico tem que ter em mente a possibilidade destas complicações neurológicas diante de quadros infecciosos aparentemente corriqueiros como otites e sinusites, antes mesmo da manifestação dos sinais clássicos de hipertensão intracraniana. As doenças otorrinolaringológicas, já de longa data, são consideradas as causas mais comuns dos abscessos encefálicos. Na literatura encontramos relatos de foco otogênico em 30% a 40%1, 2, 3 e de foco sinusal em 11%4 dos casos.

Apesar dos avanços em antibioticoterapia e de métodos por imagem (tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética) terem auxiliado muito no diagnóstico e no tratamento precoces, os abscessos encefálicos ainda apresentam altas taxas de mortalidade (até 18,4%) e de seqüelas neurológicas5.

Várias abordagens neurocirúrgicas têm sido propostas no tratamento do abscesso cerebral. Porém, conforme evidenciado na literatura6, 7, 8, realizar apenas a abordagem do abscesso, sem a eliminação do foco primário, não constitui a conduta ideal, pois predispõe a uma alta taxa de recrudescência do mesmo, já que o foco infeccioso primário continuará "realimentando" a área do abscesso. Assim, torna-se prudente a abordagem, cirúrgica na maioria das vezes, do foco primário, procurando o seu controle.

O objetivo deste trabalho é demonstrar a alta incidência das doenças otorrinolaringológicas nos casos de abscessos e empiemas cerebrais, necessitando assim de tratamento otorrinolaringológico específico para o controle do foco infeccioso primário.

MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado um levantamento retrospectivo de pacientes com diagnóstico de abscesso e/ou empiema cerebral internados no Hospital São Paulo - UNIFESP/EPM no período de 1987 a 2000, sendo realizado em duas etapas. Na primeira etapa, identificamos os pacientes internados pelo Pronto-Socorro de Otorrinolaringologia deste hospital com diagnóstico de abscesso e empiema cerebral (complicação intracraniana infecciosa - CIC) decorrente de doença otorrinolaringológica. Na segunda, identificamos os pacientes portadores de abscessos e empiemas cerebrais (CIC) que foram submetidos a procedimentos neurocirúrgicos (trepanação, craniotomia ou cirurgia esteriotáxica) junto ao Centro Cirúrgico da mesma Instituição. Após identificarmos os casos que apareceram repetidos nos dois levantamentos, analisamos os prontuários médicos procurando obter dados quanto à idade, sexo, etiologia de base, diagnóstico da CIC, culturas, antibioticoterapia empregada, procedimentos otorrinolaringológicos e neurocirúrgicos realizados nesta internação, dias de internação, seqüelas finais e outras observações pertinentes.

Obtivemos um total de 67 pacientes com abscesso ou empiema subdural selecionados de acordo com a metodologia acima. Destes, 40 (59,7%) se relacionavam a patologias otorrinolaringológicas e 27 (40,3%) a outras etiologias.

RESULTADOS

A Tabela 1 sintetiza as etiologias encontradas nos 67 pacientes incluídos no trabalho. A Tabela 2 analisa os pacientes com CIC de etiologia otorrinolaringológica. Nas Tabelas 3 e 4 apresentamos dados dos pacientes com otites e sinusites (que representaram 90% das patologias otorrinolaringológicas) quanto ao sexo e idade. Nas Tabelas 5 e 6 analisamos apenas os casos de otites, sinusites e patologias não otorrinolaringológicas quanto ao tipo e local da CIC, resultado de culturas e antibioticoterápia utilizada. Finalmente, nas Tabelas 7 e 8 procuramos resumir os dados dos pacientes com otites e sinusites quanto aos procedimentos cirúrgicos realizados (otorrinolaringológicos e neurocirúrgicos), seqüelas e mortalidade.

Apresentamos ainda alguns exemplos de imagens ilustrativas: Figura 1- abscesso frontal como complicação de uma sinusite (corte axial de tomografia); Figura 2 abscesso cerebelar como complicação de uma otite (corte axial de tomografia); Figura 3 - abscesso temporal como complicação de uma otite (corte axial de ressonância nuclear); Figura 4 - abscesso temporal como complicação de uma otite (corte coronal de ressonância nuclear).

Tabela 1. Resumo por etiologia das complicações intracranianas

Total de casos: 67 (100%)

o Etiologia Otorrinolaringológica: 40 (59,7%)

" Otites: 25: (37,3%)
" Sinusites: 11 (16,4%)
" Outros ORL: 4 (6%)

o Etiologia Não Otorrinolaringológica: 27 (40,3%)

" Pós operatório de craniotomia: 8 (11,94%)
" Traumatismo craniano: 7 (10,4%)
" Derivação ventricular para hidrocefalia: 3 (4,5%)
" Patologia cardíaca: 3 (4,5%) Congênita: 2
Endocardite: 1
" Outras infecções: 3 (4,5%)
" Hidradenite: 1 (1,5%)
" Idiopático: 2 (3%)

Tabela 2. Doenças Otorrinolaringológicas - ETIOLOGIA

Total de casos: 40 (100%)

o Otites: 25 (62,5%)

" Otite média colesteatomatosa: 20 (80%)
" Otite média aguda: 5 (20%)

o Sinusites: 11 (27,5%)

" Sinusite crônica: 7 (63,6%)
" Sinusite aguda: 4 (36,4%)

o Amigdalites: 2 (5%)

o Carcinoma seios da face: 1 (2,5%)

o Abscesso periodontal: 1 (2,5%)

Tabela 3. Otites e Sinusites - SEXO

o Otites: 25 casos

" 11 feminino (44%)
" 14 masculino (56%)

o Sinusites: 11 casos

" feminino (9%)
" 10 masculino (91%)

Tabela 4. Otites e Sinusites - IDADE (média e variação)

o Otites: 25,8 anos (0,5 - 71 a)

" Otite média colesteatomatosa: 27,4 anos (09 - 66 a)
" Otite média aguda: 19,7 anos (0,5 - 71 a) *
* 6,8 anos (se excluir um paciente com 71 anos)

o Sinusites: 18,1 anos (9 - 37 a)

" Sinusite crônica: 21,6 anos (14 - 37a)
" Sinusite aguda: 12 anos (9 - 15 a)

DISCUSSÃO

A metodologia empregada neste trabalho, um levantamento retrospectivo de prontuários médicos, apresentou vantagens e 'desvantagens durante sua realização. A grande vantagem é que permitiu agregar uma larga série de pacientes corte abscessos e empiemas cerebrais (complicações intracranianas - CIC de etiologia otorrinolaringológica, eventos sem grande incidência na pratica diária, porém significativa ao longo de 12 anos de atendimento em um centro de referência (40 casos). Mas, por não se tratar de um estudo protocolado, informações úteis de alguns pacientes se perderam ao longo do atendimento e não puderam ser consideradas. O objetivo de se levantarem conjunto CIC de outras etiologias não otorrinolaringológicas foi o de estabelecer o papel das doenças otorrinolaringológicas dentro de total destas. Porém, por questões operacionais, só levantamos aquelas que sofreram intervenção cirúrgica (já que outros especialistas realizaram seu atendimento) e por isso podemos apenas inferir aproximadamente esse número. Mesmo com essa ressalva podemos destacar a grande importância do papel das doenças otorrinolaringológicas (aproximadamente 60% dos casos) dentro da gênese das CIC, fato corrobado por outros autores2.

Tabela 5. Otites, Sinusites e Não Otorrinolaringológicos

COMPLICAÇÃO INTRACRANIANA (tipo e local)

o Otites: 25 casos
" Abscessos: 25

Cerebelar: 6 (24%)
Temporal: 12 (48%)
Temporal/ parietal: 6 (24%)
Temporal/ frontal: 1 (4%)

" Empiema: 1 (associado a abscesso)

o Sinusites: 11 casos
" Abscessos: 8

Frontal: 5 (62,5%)
Frontal/ parietal: 2 (25%)
Temporal/ parietal: 1 (12,5%)

" Empiemas: 3

o Não Otorrinolaringológicos: 27

" Abscessos: 26

Parietal 9 (34,6%)
Frontal: 7 (26,9%)
Occipital: 2 (7,7%)
Temporal/ parietal: 2 (7,7%)
Temporal/ occipital: 1 (3,8%)
Frontal/ parietal: 1 (3,8%)
Sem relato da localização: 4 (15,4%)

" Empiemas: 2 * 1 associado a abscesso

Tabela 6. Otites, Sinusites e Não Otorrinolaringológicos

CULTURAS e ANTIBIOTICOTERAPIA PRIMÁRIA

o Otites: 25 casos - ceftrizxone + metronidazol
" Estéril: 14 (56%)
" mirabilis: 5 (20%)
" Enterococo: 1 (4%)
" P aeruginosa: 1 (4%)
" Pneumococo: 1 (4%)
" M. influenza: 1 (4%)
" Sem cultura: 2 (8%)

o Sinusites 11 casos -ceftriaxone + metronidazol + vancomicina
" Estéril: 6 (54%)
" S. aureus: 3 (27,3%)
" S. viridans: 2 (18,2%)
" Enterococo: 1 (9%) associado a S. aureus

o Não otorrinolaringológicos
" S. aureus: 3
" Enterococo: 1
" Criptococo: 1
" Nocardia: 1
" Actinomices: 1
" Enterobacter: 1
" Aspergilos: 1
" Bacilo gram negativo: 1
" BAAR: 1

Tabela 7. Otites e Sinusites - PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS.

(Otorrinolaringológicos e Não Otorrinolaringológicos)

o Otites: 25 casos
" Procedimentos Otorrinolaringológicos:

Sim: 19 (76%)
Mastoidectomia radical: 17
Mastoidectomia simples: 02 *
*1 OMA e 1 colesteatoma congênito

Não: 6 (24%) * 4 OMA e 2 óbitos
" Procedimentos Neurocirúrgicos:
Sim: 19 (76%) * 2 necessitaram de reabordagem
Não: 6 (24%)

o Sinusites: 11 casos
" Procedimentos Otorrinolaringológicos:
Sim: 2 (18,2%)
Não: 9 (81,8%)
" Procedimentos Neurocirúrgicos:
Sim: 7 (63,6%) * 1 necessitou de reabordagem
Não: 4 (36,4%)

Tabela 8. Otites e Sinusites - SEQÜELAS E MORTALIDADE

o Otites: 25 casos
" Seqüelas: 7 (28%)
Paresia VI par: 3
Dismetria: 2
Hemiparesia: 2
Paresia VII par: 1
Disartria: 1

" óbitos: 3 (12%)

o Sinusites: 11 casos
" Seqüelas: 2 (18,2%) Crises convulsivas: 2
" Óbitos: 2 (18,2%) *1 por leucemia concomitante



Figura 1. Abscesso frontal como complicação de uma sinusite (corte axial de tomografia).



Figura 2. abscesso cerebelar como complicação de uma otite (corte axial de tomografia)



Figura 3. Abscesso temporal como complicação de uma otite (corte axial de ressonância nuclear).



Figura 4. Abscesso temporal como complicação de uma otite (corte coronal de ressonância nuclear).


Notamos que dentro do grupo de pacientes com doenças otorrinolaringológicos, as otites foram o principal causador de CIC (62,5%), seguidas das sinusites (27,5%) e outras com números menos expressivos (10% no total). Considerando apenas as otites encontramos de maneira geral um grupo de indivíduos jovens (3ª - 4ª décadas) com equilíbrio entre os sexos, com predominância discreta do masculino (56%), o que vem de encontro com a literatura mundial4. A otite colesteatomatosa (OMCC) foi a mais prevalente com 80%, sendo os outros 20% representados pela otites médias agudas (OMA), que acometeu um grupo etário mais novo. Assim, coincidindo com a literatura mundial, as crianças apresentaram um risco maior de CIC durante uma OMA, enquanto a OMCC foi a de maior prevalência1. Já no grupo das sinusites, além da baixa idade dos pacientes, podemos notar clara predominância do sexo masculino (90%), o que também vem de encontro com a literatura mundial5, 9, 10. Notamos ainda um equilíbrio entre casos crônicos (SC) e agudos (SA) de sinusite com 63,6% e 36,4% respectivamente, fato que é o inverso ao observado na literatura mundial2, 9 que relata uma incidência de 75% casos agudos. As demais patologias ORL se mostraram em grupo muito pequeno de pacientes (com 1 ou 2 indivíduos em cada patologia) não permitindo maiores análises.

Notamos que o abscesso encefálico se mostrou como a mais comum das CIC associada a doenças otorrinolaringológicas, com presença, associada ou não, de 4 casos de empiema subdural. A literatura mundial revela uma discussão se o primeiro lugar dentro das CIC seria do abscesso encefálico ou da meningite2, 4, 9, 11, devendo ser lembrado que casos de meningite podem não serem diagnosticados frente ao risco de herniação de uma punção liquórica em paciente com hipertensão intracraniana causada pelo próprio abscesso9. Quanto à localização dos abscessos, ressaltamos que a maioria se dá nas proximidades do foco primário, predominando os frontais nas sinusites e os temporais e cerebelares nas otites. Esse fato pode ser explicado pelas vias de disseminação do agente infeccioso que se dá ou pelo sistema venoso que interligam seios da face e orelha média com a meninge adjacente, ou pela extensão direta através da erosão óssea, fissuras (congênitas e adquiridas) e forames pré existentes1, 2.

Ainda a respeito dos pacientes com doenças otorrinolaringológicas, o resultado das culturas se mostrou em grande parte negativo (mais de 50% estéril nos dois grupos), devendo ser ressaltado que a maioria dos pacientes já estavam em antibioticoterapia prévia quando foram realizadas. Além disso, devemos assumir que o material colhido nem sempre recebe a manipulação ideal (tempo de processamento, meios de cultura anaeróbica de difícil disponibilidade, etc.), podendo também influenciar nesse alto índice de negatividade. Apesar disso, a cultura nunca deve ser dispensada. A literatura mundial nos fornece que a grande maioria das CIC apresenta uma flora mista aeróbia e anaeróbia sem um germe prevalente, o que indica uma antibioticoterapia primária de amplo espectro, como a associação de ceftriaxone, metronidazol e vancomicina, sendo redirecionado a posteriori pelos resultados de cultura2, 10, 12.

A grande maioria dos autores defende que, além da antibioticoterapia, seja resolvido o foco primário e drenado as CIC na medida do necessário2, 9. Em nosso levantamento notamos que a grande maioria dos casos de otites foi submetido a intervenção cirúrgica otorrinolaringológica na mesma internação (76%), sendo poupados os casos de OMA (4) e os que evoluíram para óbito em pouco tempo e não apresentavam condições clínicas para o mesmo (2). A cirurgia otológica de eleição foi a mastoidectomia radical (17 em 149) por se tratar de casos de OMCC, com CIC, sendo realizadas apenas 2 mastoidectomias conservadoras (1 colesteatoma congênito e 1 OMA). Já as sinusites foram tratadas em um primeiro instante com menor agressividade sendo apenas 2 casos submetidos a procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos (18,2%), o que pode ser decorrente de uma maior porcentagem de processos agudos (SA). Porém essa postura conservadora vem sendo reconsiderada por nós devido aos relatos de literatura que defendem uma drenagem cirúrgica do foco primário, como forma de diminuir o tempo de internação2, 5, 9, 10. Nos pacientes com otite foram realizados procedimentos de drenagem neurocirúrgica (trepanações, craniotomias e punções esteriotáxicas) em 76% dos casos, com 2 casos de insucesso que tiveram que ser repetidos. Porcentagem semelhante dos pacientes com sinusite sofreram intervenção neurocirúrgica (63,6%), sendo apenas 1 caso de insucesso inicial.

O índice de seqüelas foi semelhante para pacientes com otite e sinusite (28% e 18% respectivamente) e relacionadas com o local da CIC, sendo semelhante à literatura mundial que relata 25-40%2, 3, 9. A mortalidade atingiu 12% nos casos de otite (1 OMA e 2 OMCC), semelhante também no grupo com sinusite (18%), sendo que neste último 1 caso se deveu ao fato do paciente apresentar uma leucemia mielóide aguda M2 não responsiva ao tratamento quimioterápico.

CONCLUSÕES

1. As doenças otorrinolaringológicas infecciosas são responsáveis por grande parte dos abscessos e empiemas cerebrais internados em nosso Serviço.

2. A grande maioria dos pacientes otorrinolaringológicos com abscesso e empiema são indivíduos jovens.

3. Há uma tendência de maior acometimento do sexo masculino nos pacientes otorrinolaringológicos com abscessos, discreta no grupo das otites e bastante clara no das sinusites.

4. A localização do abscesso encontra-se em 76% das vezes no lobo temporal quando o abscesso for de origem otogênica e 24% das vezes no cerebelo. Quando a origem for sinusal ele se encontra em 87,5% das vezes no lobo frontal. Demonstra-se assim uma proximidade entre o foco primário infeccioso e o local de instalação do abscesso encefálico.

5. A antibioticoterapia de escolha deve ser inicialmente ampla e dirigida a posteriori pelas culturas, que nunca devem ser dispensadas.

6. A resolução do foco primário otorrinolaringológico deve sempre ser realizada, clínica e/ou cirurgicamente, assumindo grande importância a segunda alternativa.

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1 Doutora em Medicina UNIFESP/ EPM.
2 Mestre em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/ EPM.
3 Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia UNIFESP/ EPM.
Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de medicina.
Endereço para correspondência: A/C Dra Norma Penido
Rua Rene Zanlutti, 160, ap 131 Chácara Klabin São Paulo - SP 04116-260
Tel. (0xx11) 5573.1388 - Fax: (0xx11) 3141.9878
Trabalho apresentado no II Congresso Triologico de Otorrinolaringologia da SBORL - Goiânia (GO) Brasil 2001
Artigo recebido em 12 de agosto de 2002. Artigo aceito em 12 de setembro de 2002.

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