Versão Inglês

Ano:  1974  Vol. 40   Ed. 2  - Maio - Dezembro - (74º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 426 a 432

 

Carcinoma Adenocístico de Traquéia

Autor(es): Dr. José Antonio Pinto*,
Dr. Lauro João Lobo Alcantara**,
Dr. Miguel Abrão Miziara Filho***,
Dr. Alexandre de Souza Agostini**** e
Dr. Mario Hitoshi Okuyana*****

Considerações Gerais:

O diagnóstico precoce dos tumores primários de traquéia ainda é bastante difícil. Vários fatores devem ser considerados como responsáveis pelo retardo diagnóstico destes tumores:

I - INCIDÊNCIA - Os tumores de traquéia são raros. Os tumores malignos são pouco mais freqüentes que os benignos. Segundo Hajdu et als.1 em revisão feita em 1970, haviam sido descritos pouco mais que 400 casos de carcinoma de traquéia. Verificou este autor que os tumores malignos mais comuns são os carcinomas espinocelulares. Em estudo clinicopatológico de 41 casos revistos nos Memorial e James Ewing Hospitais, de New York, 30 casos eram de Ca espinocelular, 7 de carcinoma adenocístico e 4 de adenocarcinoma mucosecretante.

II - DIAGNÓSTICO CLINICO - O diagnóstico clínico dos carcinomas de traquéia é retardado pela evolução lenta, silenciosa e incaracterística dos mesmos. Inicialmente os sintomas restringem-se a tosse seca e persistente, escarros hemoptóicos e com o evoluir do tumor começa a manifestar sinais. de obstrução de vias aéreas. Segundo Belsey (1950)2, os sinais de oclusão traqueal só aparecem após redução de 75% da luz traqueal. Assim sendo, a dispneia e um sinal tardio na evolução da doença. Singh e Thomas (1973)3 relatam três casos de carcinoma adenocístico de traquéia rotulados como portadores de problemas psiquiátricos e que apresentavam sintomas já há vários anos antes de ser feito o diagnóstico de tumor de traquéia. Outro aspecto que dificulta o diagnóstico clínico dos tumores primários de traquéia é a pobreza ou falta de utilização de métodos propedêuticos adequados. Nos estudos radiológicos simples de tórax a traquéia mostra-se na maioria das vezes, pouco visível. Houston e als. (1969)4 referem que em 53 casos de carcinoma primário de traquéia, 40 foram negativos ao estudo radiológico simples. Alem do mais, o radiologista pouco familiarizado com os tumores da traquéia não examina cuidadosamente a região.

Apresentação de um Caso Clínico

N.A.S., masculino, 40 anos, brasileiro, branco, deu entrada no Hospital Ibirapuera em 02/05/74, apresentando dispnéia intensa.

Segundo o paciente, há mais ou menos 1 ano vinha apresentando desconforto á deglutição, dor discreta e contínua acima da fúrcula esternal, após "gripe". Um mês após o início destes sintomas, passou a apresentar dispnéia progressiva, que se acentuou há 10 dias, principalmente nas últimas 24 horas, tornando impossível qualquer esforço físico. Emagrecimento de mais ou menos 15 kg neste período. Tabagista moderado. Durante todo este tempo foi atendido por vários médicos, entre clínicos e otorrinolaringologistas, tendo tido vários diagnósticos como bronquite, asma, laringite, etc. e medicado com grande quantidade de antibióticos, corticosteróides inalações, expectorantes, descongestionantes e mesmo tranqüilizantes. Fez várias radiografias de tórax, P.À. (fig. 1) e perfil, além de radiografia sagital de pescoço, com vários diagnósticos de bronquiectasia, bronquite e enfisema pulmonar.



FIG. 1 Rx de tórax normal



Fez também uma planigrafia de tórax em 01/02/74, negativa. Ao exame físico, observamos um paciente intensamente dispneico, agitado, com cianose de lábios e extremidades, tiragem alta e baixa, estridor e disfonia. Afebril, taquicárdico, normotenso. A laringoscopia indireta foi impossível de ser realizada devido a grande dispnéia do paciente. Portava o mesmo estudo planigráfico de tórax recente (30/04/74) demonstrando imagem numular de 1/3 médio de traquéia, lisa, de contornos nítidos, sessil implantada na parede lateral esquerda da traquéia e com obstrução subtotal de sua luz (fig. 2).



Fig. 2 Imagem numular em 1/3 médio de traquéia.



Foi tentada a realização de uma traqueotomia baixa sob anestesia local, com o paciente semi-sentado, ocasião em que entrou em apnéia, sendo entubado de imediato com broncoscópio modelo Chevalier-Jackson 7x40, ventilado e recuperado. Completamos então a traqueotomia ao nível do 5.° anel e realizamos uma traqueofissura para remoção de toda a massa tumoral, já fragmentada pela entubação. Cauterizada a base de implantação tumoral na parede lateral esquerda da traquéia, com termocautério. O paciente voltou a respirar em condições normais. Esofagoscopia e esofagograma normais (fig. 4). O diagnóstico histopatológico revelou CARCINOMA ADENOCISTICO (fig. 3). Dez dias após, foi o paciente levado à cirurgia pata ressecção parcial da traquéia cervical e provável reconstrução com anatosmose término-terminal. Porém, tal não foi possível devido à infiltração tumoral do esôfago cervicotorácico. Não sendo, então, conseguida a remoção toral do tumor, indicamos a radioterapia, apesar da mesma ser considerada de limitada efetividade para o tratamento e paliação deste tipo de tumores. Foi o paciente submetido a tratamento radioterápico com Acelerador Linear (8MeV). A dose tumor foi de 7.000 rad. O paciente tolerou bem o tratamento apresentando apenas discreta disfagia a partir dos 5.000 rad. Na área tumoral foram dados 3.500 rad. em campo direto com superficialização da irradiação e 3.500 rad. em campos angulados restritos à traquéia e esôfago (figs. 5 e 6). Pelas diferentes profundidades da traquéia, foram compostas curvas de isodose em 3 níveis diferentes (fig. 7). Após o término do tratamento radioterápico o paciente foi submetido a exame endoscópico-esôfago-traqueobroncoscopia -que mostrou apenas congestão de mucosa traqueal e esofágica, com permeabilidade normal destes órgãos. Planigrafia atual - normal (fig. 8). Foi descanulizado em 5/8/74, respirando e alimentando-se normalmente.



FIG. 3 Carcinoma adenocístico de traquéia - Proliferação de células estreladas, formando ora blocos sólidos, ora numerosas cavidades císticas com secreção mucóide.



FIG. 4 Trânsito esofageano normal após traqueotomia e traqueofissura.



FIG. 5



FIG. 6



FIG. 7



FIG. 8 Planigrafia de traquéia após radioterapia.



Conclusão

1 - Apesar de sua raridade, deve o especialista estar atento à possibilidade de estar frente a um tumor de traquéia, em casos de dispnéia de etiologia não esclarecida e resistente à terapia.

2 - O exame físico e radiológico convencional da traquéia é de valor relativo. Nas radiografias simples de tórax a coluna aérea da traquéia é obscurecida pela superposição das estruturas mediastinais. Exames radiológicos mais completos devem ser feitos, tais como radiografias super-penetradas em P.A. de tórax, a projeção O.A.E., incidência lateral do pescoço ou da entrada do tórax e, principalmente, a tomografia.

3 - O estudo amplo da árvore traqueobrônquica deve incluir exame endoscópico completo.

4 - O tratamento de escolha do carcinoma adenocístico de traquéia é a cirurgia, existindo várias técnicas preconizadas, com longa sobrevida. Entretanto, ocasionalmente a cirurgia não pode ser realizada, pela extensão local do tumor com invasão dos tecidos subjacentes. Até recentemente, o tratamento radioterápico foi considerado ineficaz no controle do Ca adenocístico da traquéia. São estas as observações de Houston4 e col. e Hajdu1. Apesar disto, existem evidências que estes tumores respondem ao tratamento radioterápico. O carcinoma adenocístico da traquéia é patologicamente semelhante aos que ocorrem nas glândulas salivares e nas glândulas mucosas da orofaringe, cavidade nasal e seis paranasais. Em nossa experiência pessoal, os carcinomas adenocísticos nesses outros setores têm mostrado relativa sensibilidade ao tratamento radioterápico. Zumker5 relata um caso tratado com cobalto-60 que sobreviveu 9 anos após o tratamento radioterápico, morrendo provavelmente por invasão mediastinal. Richardaong recentemente documentou um outro caso com sobrevida de 9 meses, sem evidência da doença, após tratamento exclusivo com cobalto-60 (5.000 rad).

O presente caso representa o primeiro paciente com carcinoma adenocístico de traquéia tratado com Acelerador Linear (8MeV). A radioterapia moderna permite altas doses na área tumoral com um mínimo de radiação para os tecidos normais. No caso, a dose máxima recebida pela medula espinhal foi 3.000 rad, sem riscos de mielite actínica. Embora estes casos possam ser criticados em termos de sobrevida, pela própria natureza destes tumores, parece evidente o papel da radioterapia, ao menos quanto a acentuada ação paliativa em contraste com os pessimistas resultados de publicações anteriores.

Summary

The authors present one case of adenoeystic carcinome of the trachea, remarking the rarity of the case, the troubles of diagnosis and the good result of the radiotherapy.

Bibliografia

1. Hadju, S. L, Huvos A. G., Goodner, J. T., Foote, F. W., and Battie, E. J. Carcinoma of the trachea Cancer, 25: 1448, 1970.
2. Belsey, R. (1950) - Resection and reconstruction of Intrathoracic trachea - British journal of surgery, 38, 200.
3. Sing, H. M. and Thomas, D. M. A Clinical Sign of adenocystic tumor of the trachea Thorax (1973), 28, 442-443.
4. Houston, H, G., Payne, W. S., Harrison, F. G., and Olsen, A. M.: Primary Cancers of the trachea, Arch. Surg. 99:132, 1969.
5. Zunker, H. O., Moore, R. L., Baker, D. C., and Lattes, R.: Adenoid Cystic Carcinoma: Cylindroma) of the trachea Cancer, 23: 699, 1969.
6. Richardson I. D., Grover, F. L., and Trimkle, J. K.: Adenoid cystic carcinoma of the trachea J. Thor and Card. Surg. 66: 311, 1973.




* Diretor do Hospital Ibirapuera - São Paulo.
Médico-Assistente do Serviço de Endoscopia Peroral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da U.S.P.
** Médico-Residente (R2) do Hospital Ibirapuera.
*** Médico Titular da Clínica de Radioterapia do Hospital Sírio Libanês - São Paulo.
**** Diretor da Clínica de Radioterapia do Hospital Sírio Libanês - São Paulo.
***** Professor-Assistente do Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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