Versão Inglês

Ano:  1974  Vol. 40   Ed. 2  - Maio - Dezembro - (70º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 398 a 403

 

Incisão no Bordo Inferior da Gengiva para o Acesso ao Seio Maxilar

Autor(es): R. M. Neves-Pinto*

Tanto para o tratamento cirúrgico de doença benigna do seio maxilar, como para o uso do mesmo como via de acesso às estruturas vizinhas (fossa pterigóide, esfenóide, etmóide) a via de abordagem universalmente preferida parece ser a de Caldwell-Luc. Por outro lado, é sobejamente conhecida a ocorrência de perturbações sensitivas, após essa cirurgia, ao nível de dentes, gengivas, lábios e bochechas (regiões gengivo-dentária, labial e geniana). Essas perturbações são devidas a 3 tipos de lesões:

1 - Lesões de filetes nervosos causadas pela abertura da parede anterior do seio maxilar;

2 - Lesões das partes moles das regiões labial e geniana, inclusive do nervo infraorbitário, produzidas pelo traumatismo conseqüente ao uso dos afastadores cirúrgicos;

3 - Lesões vásculo-nervosas produzidas pela incisão das partes moles, na vizinhança do sulco gengivo-labial.

Uma simples rememoração da anatomia topográfica do nervo infraorbitário torna supérfluas maiores explicações sobre o por que dessas lesões (fig. 1). Extenso e precioso trabalho sobre o assunto é o Gunnar Martson1.



FIG. 1 - Representação esquemática da anatomia topográfica do nervo infraorbitário (1).



Afim de evitar injúria aos nervos alveolares superiores e plexo dentário, chama a atenção para a necessidade de trepanar a parede anterior do seio, aproveitando o relativo espaço vazio deixado pela trama nervosa (fig. 1). A mesma razão levara Ermiro E. de Lima2 a modificar a abertura óssea descrita em seu trabalho original sobre a via transmaxilar3. Amplamente apoiados em verdades anatômicas e fisiopatológicas, esses cuidados recomendados por Martensson1 e Lima2 sempre foram por nós respeitados. Mesmo admitindo uma eventual lesão nervosa (do nervo alveolar superior médio, por exemplo, quando existente), com anestesia permanente do(s) dentes) afetado(s), não vemos como evitá-la acrescentando qualquer melhoramento, pelo menos na data atual. O traumatismo inflingido pelo uso dos afastadores, corretamente manipulados, não merecerá aqui maior consideração, uma vez que seus efeitos são fugazes e não incluem lesão importante dos tecidos. Por outro lado, a despeito de informações em contrário, sempre que uma incisão é feita através da mucosa sobre a fossa canina, alguns dos nervos infra-orbitários são cortados e os tecidos abaixo da linha de incisão apresentarão anestesia ou hipestesia por muitos meses ou permanentemente4. Muito importantes também são as sensações parestésicas, principalmente por ocasião de mudanças bruscas de temperatura, que frequentemente perseguem os operados por longos períodos ou por toda a vida. Com o objetivo de evitar dano maior aos ramos do nervo infraorbitário que se destinam às partes moles, Martensson1 modificou a incisão de Caldwell-Luc. Em vez de fazê-la mais ou menos um centímetro acima da borda inferior da gengiva, preferiu uma posição mais alta, acima do sulco gengivo-labial. Shiffmans e Sanderson4, ao contrário, elegeram uma posição mais baixa, na "área que se torna pigmentada quando metais pesados como chumbo e mercúrio são ingeridos"4. A luz de tudo quanto se sabe sobre degeneração Walleriana e sobre perturbações da vascularização e inervação de um órgão, para o mínimo de danos, a melhor posição para a incisão vestibular seria a mais distal possível para vasos e nervos da região. Feita no bordo inferior da gengiva e popular entre os dentistas que realizam cirurgia periodôntica, a incisão de Neumann6, 7 seria a indicada. Durante mais de dois anos praticamos o acesso ao seio maxilar através dessa incisão. Os resultados obtidos foram sempre os mais animadores. Menor edema, sintomas subjetivos menos intensos e menos duradouros foram a tônica pós-operatória dessas cirurgias. Entusiasmados, outros colegas também passaram a adotar esse procedimento no Hospital Central da Aeronáutica, na Clínica do Prof. Ermiro de lima (IBRO), ou no Hospital dos Servidores do Estado (Rio). Em todos os nossos casos, os sintomas subjetivos foram controlados semanalmente, interrogando o paciente e comparando a sensibilidade táctil e dolorosa, entre o lado são e o operado, com uma agulha.

De um modo uniforme, nenhuma queixa ultrapassou o período de três/quatro semanas, após a intervenção, inclusive as sensações parestésicas. Todavia, temos de admitir ser muito vulnerável à crítica uma avaliação desse tipo. Poder-se-ia argumentar que a sensibilidade e a recuperação de cada paciente variaria de acordo com as peculiaridades orgânicas de cada um, com o grau de trauma inflingido pelos afastadores, com a duração do ato cirúrgico, com o tipo de anestesia (local ou geral), com a quantidade de anestésico e áreas infiltradas, com o sangramento per-operatório, com a posição do paciente no leito e o uso ou não de curativo compressivo e/ou bolsa de gelo no pós-operatório imediato, com a medicação pré, per e pós-operatória. Todos esses fatores poderiam ter ainda maior significação se comparassemos pacientes operados por cirurgiões diferentes, em países diferentes.

Desse modo, com o fim de evitar essas contestações, resolvemos selecionar seis casos, portadores de sinusite crônica bilateral, com história de alergia naso-sinusal, os quais foram por nós (N: P.) operados utilizando o mesmo instrumental cirúrgico, a mesma auxiliar, a mesma anestesia e os mesmos cuidados e medicação pré, per e pós-operatória. E o -mais importante: todos os pacientes foram submetidos à cirurgia transmaxilar bilateral, tendo sido feita num lado a incisão de Neumann e no outro a incisão de CaldwelI-Luc modificada por Martenssonl. Os pacientes não souberam que haviam sido operados por técnicas diferentes, afim de que não houvesse interferência emocional pró ou contra determinada incisão. Esses operados foram controlados semanalmente no primeiro mês e quinzenalmente até três meses. Além dos exames supracitados, um teste de vitalidade da polpa dentária foi realizado por endodontista, após trinta dias da operação. Sempre comparando os dois lados, constatamos resultados objetivos e subjetivos nitidamente favoráveis à incisão de Neumann. Nos lados operados pela incisão de Neumann apenas foi observada hipestesia discreta ou moderada e foram dúbias as sensações parestésicas referidas. Todas essas queixas não ultrapassaram três/quatro semanas. O edema também foi obviamente menor. Nos lados operados com a incisão de Caldwell-Luc modificada observamos hipestesia, parestesia ou mesmo anestesia da gengiva por mais de três meses. O edema foi maior e os pacientes sempre referiram que apenas um dos lados realmente incomodava (o lado operado pela incisão de Caldwell-Luc modificada).

Os testes de vitalidade da polpa dentária revelaram, em todos os seis casos, dentes com sensibilidade conservada, inclusive os pré-molares. As incisões no bordo inferior da gengiva foram feitas desde a face distal do incisivo medial até a face distal do primeiro molar. Com um bisturi Bard-Parker n.° 11 incisamos apenas as papilas inter-dentárias (fig. 2/1). Em seguida, insinuando a lâmina do bisturi de Neves Pinto (8) sob a gengiva livre, atingimos a gengiva aderente e a descolamos (fig. 2/2): Após essa clivagem inicial de cerca de meio centímetro, em toda a extensão da linha de incisão, o descolamento foi continuado com um descolador de Joseph até visualisarmos o ponto de emergência do nervo infraorbitário. Ao nível do primeiro molar extendemos a incisão para cima, como na fig. 3, até atingirmos o sulco gengivo-labial. Não achamos necessário fazer o mesmo ao nível do primeiro incisivo, mas essa possibilidade não deve ser esquecida. Terminada a operação a incisão foi cerrada com pontos interrompidos de mononylon 0000, montado em agulha atraumática (fig. 2/3). Os pontos foram retirados após sete dias (fig. 2/4). As cicatrizações estavam clinicamente concluídas e o aspecto da gengiva era idêntico ao pre-operatório num período máximo de duas semanas. Não acreditamos na possibilidade de uma fístula-alveolo sinusal ou de invaginação de periósteo através a abertura da parede anterior do seio, tal a distância entre a borda livre da incisão mucoperióstea e a borda inferior da excisão óssea. O sangramento também parece menor e as relações entre raízes dentárias e parede anterior do seio são mais evidentes. Acreditamos que o fato de não se cortar parte da vascularização que se destina à gengiva seja responsável por uma fração dos méritos dessa incisão. Com efeito, isso deve evitar transtornos vaso-motores/circulatórios e maior edema. A crítica que se pode fazer à incisão de Neumann é que sua sutura é um pouco trabalhosa, pelo menos bem mais que a de Caldwell-Luc.



FIG. 2 - Incisão no bordo inferior da gengiva (Incisão de Neumann). Descrição rio texto.



FIG. 3 - Prolongamento vertical da incisão de Neumann (esquemático). Os prolongamentos 1 e 2 não são corretos (7).



Por vezes, exige alguma tática nos casos de espaços interdentários exíguos ou gengivas muito friáveis. Os pacientes com falhas dentárias não oferecem dificuldades. Mesmo alguns cuja utilização de próteses dentárias induziram a formação de espesso tecido fibroso sub-mucoso. As incisões de Caldwell-Luc modificadas por Martensson1 foram executadas segundo as recomendações desse autor. Utilizamos bisturi Bard-Parker n.° 15 e o descolamento também foi executado com um descolador de Joseph, até visualizarmos a emergência do nervo infraorbitário. A incisão foi suturada por três pontos interrompidos de catgut cromado 000, montado em agulha atraumática.

Em todos os casos foi utilizada anestesia geral e infiltração do vestíbulo bucal com cinco centímetros de lidocaína a 1 % com adrenalina na concentração de 1:200.000. Ainda na sala foi administrada uma ampola endovenosa de 401,1 mg de hemisuccinato de hidrocortisona. Os pacientes foram operados com a cabeça levemente fletida e em posição mais elevada que o tórax. Na sala de recuperação, o leito também teve a cabeceira levantada 20/30 graus, tão pronto quanto possível, afim de diminuir o edema pós-operatório. A medicação geral foi: dois gramas de sulfadoxina na véspera da operação e um grama da mesma droga após sete dias, quatro miligramas diárias de triancinolona por duas semanas, dez miligramas de cloridrato de triprolidina por trinta dias e, em caso de obstrução nasal, uma a quatro instilações diárias de efedrina a meio por cento. As transmaxilares foram executadas segundo os princípios gerais de Ermiro E. de Lima2 e as cavidades cirúrgicas foram deixadas cicatrizar sem que fossem perturbadas por qualquer irrigação sinusal pós-operatória.

Sumário e Conclusões

Após usar, durante mais de dois anos, a incisão no bordo inferior da gengiva (incisão de Neumann) para o acesso ao seio maxilar, o autor está convencido de sua vantagem sobre a incisão de Caldwell-Luc modificada por Martensson1. A incisão de N-eumann inflige menor dano aos vasos e nervos da região e a conseqüência disso é menor edema e sintomas subjetivos menos intensos e menos duradouros, no pós-operatório. A fim de possibilitar uma comparação de resultados, sem a interferência de quaisquer outros fatores que não fossem inerentes à diferença das incisões utilizadas, foi observado também um grupo especial de seis pacientes. Esses pacientes foram submetidos à cirurgia transmaxilar bilateral sendo um dos lados operados através uma incisão de Neumann e o outro através uma incisão de Caldwell-Luc modificada por Martensson1. Todas as operações foram realizadas sob anestesia geral, pelo mesmo cirurgião (N. P.), com a mesma auxiliar, sendo dispensados os mesmos cuidados e medicamentos no pré, per e pós-operatório. Sempre comparando os dois lados, constatamos resultados objetivos e subjetivos nitidamente favoráveis à incisão de Neumann. Nos lados operados pela incisão de Neumann apenas foi observada hipestesia discreta ou moderada e foram dúbias as sensações parestésicas referidas. Todas essas queixas não ultrapassaram um período de três/quatro semanas. O edema também foi obviamente menor. Nos lados operados com a incisão de Caldwell-Luc modificada observamos hipestesia, parestesia ou mesmo anestesia da gengiva por, mais de três meses. O edema foi maior e os pacientes sempre referiram que apenas um dos lados realmente incomodava (o lado operado pela incisão de Caldwell-Luc modificada).

Summary

After more than two years using the incision on the free border of the gum (Neumann's incision) for approaching the maxillary sinus the author is convinced of its advantage over the Caldwell-Luc's incision modified by Martensson. Neumann's incision has promoted minimal damage to vessels and nerves of the region and the consequences have been less edema and less subjectiv symptoms after surgery. For a better comparison between the two techniques an special group of six patients was observed too. The author's target has been to avoid any interference that could prejudice the correct evaluation of findings. These patients were submited to bilateral transmaxillary surgery for radical treatment of chronic sinusitis. In every case a Caldwell-Luc's incision was performed on one side and a Neumann's incision on the other one. All operations were performed under general anesthesia by the same surgeon (N. P.) and assistant using too the same drugs before, during or after the surgery. The results were always clearly favorable to the incision on the free border of the gum. In the sides operated through this incision only slight or moderate hypesthesia was observed and were dubious the paresthetic sensations sometimes referred. All these complaints weren't present for more than three/four weeks. The edema was obviously smaller than the exhibited by the other side. On the contrary in the sides operated through the Caldwell-Luc's incision modified by Martensson hypesthesia, paresthesia or even anesthesia were observed for more than three months. The edema was bigger and all patients referred that just one side really annoyed (the one operated through modified Caldwell-Luc's incision). These results agree completely with those observations previously made along more than two years.

Referencias Bibliográficas

1. Martensson, G. - Dental injuries following radical surgery on the maxillary sinus. Acta Otolaryng. (Stockholm), Suppl. LXXXIV, 1950.
2. Lima, E. E. de - A via transmaxilar na cirurgia dos seios da face. Tese de concurso para livre-docente de CI. O. R. L. da Fac. Med. Univ. Bahia, 1944.
3. Lima, E. E. de - Etmoidectomia e frontoesfenoidotomia via transmaxilar. I Congr. Bras. de O. R. L., São Paulo, 1936 (apud comunicação pessoal do autor).
4. Sanderson, B. A. - A modified technique for the physiologic rhinotomy. International Rhinology (Holanda), 9:53-55, 1971.
5. Shiffman, F. - Practical surgical techniques in major sinus surgery. Course 540 Am. Acad. Opht. Otolaryng., Las Vegas (EUA), 1970.
6. Centeno, G. A. R. - Cirurgia bucal. El Ateneo (B. Aires), 7.° ed., 1968.
7. Carranza, F. A. - Compendio de periodoncia. Ed. Mundi (B. Aires), 2.ª ed., 1973.
8. Neves-Pinto, R. M. - Rino-septoplastia: quatro novos instrumentos. Rev. Bras. Med. (Rio de Janeiro), 31 :11-14, 1974.




* Major médico da aeronáutica (Cl. O. R. L. do H. C. Aer., Rio de Janeiro). Docente-livre de Cl. O. R. L. da F. M. P. A. (U. R. G. S.)

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