Ano: 1974 Vol. 40 Ed. 2 - Maio - Dezembro - (63º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 355 a 359
Iatrogenia Oral
Autor(es):
Luiz Rogerio Pires de Mello*,
Antonio Pedro Gaspar**,
Neide Kalil Gaspar** e
Luiz Fernando Pires de Mello***
Etimologicamente, a palavra IATROGENESE, significa doença originada, direta ou indiretamente, pelo médico. Assim, não só a patologia decorrente de atitudes e atos médicos, mas, também as respostas indesejáveis aos agentes terapêuticos, são abrangidas pelo termo. Diante de tal acepção, é fácil concluir que só a inclusão neste capítulo dos efeitos colaterais ou tóxicos, das idiossincrasias e das reações alérgicas, torna o campo, praticamente, sem limites, em virtude do aumento constante dos fatores em causa. A boca é sede freqüente de iatrogenia, porém, o exame clínico simples divorciado de uma anamnese rigorosa, não permite, na grande maioria dos casos, o diagnóstico etiológico. Isto é explicável pela gama bastante restrita de alterações que podem ocorrer na boca, sendo excepcionais as lesões patognomônicas.
Uma das alterações possíveis é a vasodilatação que provoca a hiperemia e rubor. Outras manifestações são a atrofia e hipertrofia do epitélio, rotura dos capilares com hemorragia e infartos submucosos, erosões, ulcerações e necrose. Além destas, podemos encontrar as cáries e pigmentações dentárias, vesiculação e pigmentação mucosa, fissura e perda das papilas linguais. Estas lesões surgem em conseqüência de contato direto das estruturas orais com materiais e substâncias medicinais ou se manifestam como tradução de alterações sistêmicas produzidas por medidas terapêuticas. Os principais grupos farmacológicos capazes de produzir doenças iatrogênicas orais são os seguintes:
Analgésicos
Psicotrópicos
Antibióticos
Quimioterápicos
Diuréticos
Anovulatórios
Anti-histamínicos
Antiblastos
Imunossupressores
A patologia portanto, pode ser desdobrada conforme o sítio atingido, em:
1 - Dentes
Abrasões
Erosões
Discromias
Displasias
2 - Mucosa e Infra-estrutura
Inflamação
Infecção
Edema
Eritema
Pápulas
Vesículas
Bolhas
Ulcerações
Pigmentações
Atrofia
Hipertrofia
Púrpura
Hemorragia
3 - Glândulas
Hipertrofia
Atrofia
Hipofunção
Hiperfunção
Litíase
Para efeito didático, podemos estabelecer, resumidamente, a seguinte sistematização:
PATOGENIA
1 - LOCAL
- Agentes tísicos
Mecânicos
Elétricos
Ionizantes
- Agentes químicos
Irritantes primários
Alergenos
2 - SISTÊMICA
Biotropismo
Fotodinamismo
Desequilíbrio ecológico
Efeito colateral
Efeito secundário
Idiossincrasia
Alérgica
Tóxica
- Efeito cumulativo
- Super dosagem
- Erro genético
- Insuficiência hepática
- Insuficiência renal.
Os agentes físicos determinam alterações cujo aspecto e evolução variam na dependência de sua natureza, intensidade, modo e tempo de atuação. Dentre eles destacaremos os agentes mecânicos, elétricos e ionizantes. Os agentes mecânicos têm ação puramente traumática como acontece com as erosões dentárias produzidas por manobras e aparelhos odontológicos. Também na odontologia encontramos as ceratoses, as leucoplasias, e ulcerações da mucosa em conseqüência de atrito permanente, deslizamento e compressão descontínua provocadas por superfícies ásperas e pontiagudas de obturações e aparelhos corretivos. As lesões produzidas por fenômenos elétricos são devidas, aqui, ao eletrogalvanismo. A saliva humana é um bom eletrólito, e as dentaduras metálicas heterogêneas, incluindo todas as restaurações de metal, placas, pontes, coroas e obturações, constituem os eletrodos necessários. A corrente assim gerada é suficiente para produzir lesões inflamatórias, agudas ou crônicas, feucóplasia, erosões ou úlceras. As irradiações ionizantes atuam impedindo as mitoses e destruindo células, efeito que, na dependência e freqüência de aplicações pode produzir atrofia, necrose, ulcerações e fenômenos displásicos.
As radioestomatites são freqüentes e cuidados especiais devem ser tomados com pacientes na idade do crescimento, em virtude de possíveis alterações ósseas e dentárias. (Figs. 1 e 2). Os agentes químicos podem desencadear alterações por irritação primária ou mecanismo alérgico. Os irritantes primários, geralmente, agridem, desnaturando as proteínas teciduais, tratando-se na maioria dos casos, de substâncias cáusticas, detergentes e solventes orgânicos. As reações variam de simples eritema até ulcerações extensas. (Fig. 3). Os alergenos são agentes capazes de determinar a mudança específica do estado reacional. Enquanto os irritantes primários possuem capacidade lesiva dependente de sua própria natureza, os alergenos tópicos têm sua ação dependente da sensibilidade tecidual ou imunidade celular. O efeito biotrópico é caracterizado pela ativação de uma infecção latente por uma droga em virtude da quebra do equilíbrio entre o germe e o hospedeiro. No lotodinamismo a droga fixa-se às células e coadiciona a ação da luz solar por mecanismo fototóxico ou fotoalérgico. (Fig. 4).
Verifica-se o desequilíbrio ecológico quando a droga atua alterando a harmonia entre as diferentes espécies de microorganismo, transformando saprófitos em patogênicos. (Fig. 5). O efeito colateral é representado pela ação de algumas das características farmacológicas da droga ao lado da atividade terapêutica desejada. Os efeitos secundários são conseqüência indireta da administração da droga. O próprio desequilíbrio biológico pode ser citado como exemplo. (Figs. 6, 7, 8 e 9). A idiossincrasia ou intolerância, traduz-se por uma sensibilidade ou resposta inusitada às ações farmacológicas de um medicamento. As reações não explicadas pelas propriedades farmacológicas do medicamento e, portanto, indicativas de reatividade modificada do paciente, são denominadas alérgicas. Os efeitos tóxicos são depedentes de concentrações da droga nos tecidos orgânicos acima do limiar terapêutico. Isto pode ser conseqüência de vários fatores: - Efeito cumulativo, em virtude de tratamentos prolongados; (Fig. 10). - Super dosagem, por erro de prescrição ou quando se empregam doses mais agressivas; - Erros genéticos, que, implique na ausência de enzimas responsáveis pela degradação de determinados grupamentos químicos; - Insuficiência hepática ou renal, prejudicando a excreção da droga.
Sumário
Os autores definem iatrogenia, fazem a sistematização da sua patogenia, patologia e apresentam os principais grupos farmacológicos que causam tal entidade.
Summary
The authors define iatrogenic disease, trying to stablish one classification of several entities envolved in the processes of the treatment of the oral maladies.
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LUIZ ROGERIO PIRES DE MELLO
CLINICA LUIZ PIRES DE MELLO
RUA GONÇALVES LEDO, 42
* Prof. Titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Campos - RJ.
Da Disciplina de O.R.L. da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
Chefe do Setor de Otologia da Clínica Luiz Pires de Mello - Niterói - RJ.
** Auxiliares de Ensino da Disciplina de Dermatologia e Sifilografia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
*** Auxiliar de Ensino da Disciplina da O.R.L. lotado no Setor de Broncoesofagologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense.
Chefe do Setor de Broncoesofagologia da Clínica Luiz Pires de Mello - Niterói - RJ.