Versão Inglês

Ano:  1974  Vol. 40   Ed. 2  - Maio - Dezembro - (44º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 285 a 288

 

Ressecção de Segmento Estenosado de Traquéia Mediastinal com Reconstrução Término-Terminal*

Autor(es): Seiji Nakakubo**,
Jorge Barretto Prado***,
Oswaldo Gutilla**** e
Carlos Roberto Paula Blassioli****

Introdução.

A freqüência de estenose de traquéia está intimamente ligada aos progressos terapêuticos dispensados a pacientes que outrora não tinham condições de sobrevivência. A terapia intensiva com assistência ventilatória especializada que consegue manter os pacientes em condições de respiração satisfatórias, fez com que a incidência de complicações traqueais tornassem significativas. O mecanismo de controle respiratório com ventilação assistida necessita de um sistema em que a pressão inspiratória seja suficiente para vencer a resistência tóraco-pulmonar. Essa pressão é mantida por um sistema fechado no qual o "cuff" é um dos principais fatores, que em contrapartida constitui-se no agente causador traumático pela compressão que imprime à parede traqueal. Essa distensão do "cuff" atua diretamente sobre a mucosa, levando-a à isquemia e todas as conseqüências de tal processo. O relato do presente caso obedece todas as características do traumatismo provocado pela entubação que o sistema de ventilação assistida impõe.

Apresentação do Caso

G. J. T., 21 anos, brasileiro, masculino, natural de Vera Cruz, estado de São Paulo, procederite de Marília. Internou-se no Hospital Santa Isabel da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A causa de internação foi a impossibilidade de descanulização, pois as tentativas foram seguidas de dificuldade respiratória, de onde se podia prever que o obstáculo ocorria em algum ponto ao longo do trajeto da cânula. Antecedentes: O paciente sofrera traumatismo crânio-encefálico 2 meses antes da internação atual, sendo craniotomizado, permanecendo entubado com ventilação assistida durante 20 dias. Recuperado neurologicamente, não se conseguiu a descanulização, sendo enviado a este Serviço. Exames: Paciente apresentou-se em bom estado geral, eupnêico com cânula de traqueostomia do tipo metálico. Submetido preliminarmente à laringoscopia indireta, não foi constatada nenhuma alteração. A laringotraqueoscopia sob anestesia geral revelou laringe totalmente permeável, pequena granulação no bordo superior do traqueostoma e a 3,5 cm abaixo, intensa congestão de mucosa traqueal, estendendo-se por mais 3 cm. Durante o exame que durou cerca de 15 minutos não houve alteração da luz nesse ponto. Estando o paciente sob vigilância constante foi retirada a cânula para verificar a evolução. Após 3 horas o paciente começou a apresentar dispnéia acentuada, sendo então submetido a novo exame, constatando-se considerável redução da luz traqueal na região congesta acima descrita. Foi recolocada a cânula após dilatação endotraqueal.

Tratamento: Inicialmente foi proposta colocação de cânula endotraqueal de silicone, com permanência de 2 meses, após o qual foi feita reavaliação das condições traqueais. Houve melhora aparente do aspecto da mucosa da região estenosada. A descanulização foi novamente tentada tendo o paciente suportado por um prazo de 7 horas quando houve necessidade de se intervir recolocando a cânula. O estudo radiológico delimitou a zona comprometida (Fig 1). Foi então proposto tratamento cirúrgico com ressecção e anastomose término terminal. A via de acesso cervical foi a escolhida pois o estudo radiológico da traquéia contrastada mostrou que à hiperextensão da cabeça e pescoço, a altura da estenose se aproximava da fúrcula esternal1.



FIG. 1 - Planigrafia de tórax de frente com traquéia contrastada mostrando zona de estenose.



A cirurgia foi realizada no dia 10 de junho de 1974, sob anestesia geral, com entubação através da traqueostomia. Colocado em posição, em decúbito dorsal, com hiperextensão da cabeça e pescoço. A incisão adotada foi a cervical em colar margeando o bordo supraclavicular. Isolou-se a traquéia desde o 1.° anel até abaixo da zona afetada. O segmento traqueal logo abaixo do traqueostoma até a estenose apresentava-se amolecido com certo grau de traqueomalácia2, 3. Feita a ressecção da zona estenosada, desfez-se a posição de hiperextensão da cabeça e do pescoço para facilitar a anastomose, a qual foi realizada com pontos de mononylon 5-0 separados, em sutura término-terminal4. Após o fechamento, com drenagem e curativo, colocou-se tala gessada para impedir a movimentação e extensão da cabeça e pescoço. Foi mantido um traqueostoma provisório, com cânula de silicone curta. (Fig. 2)

Evolução pós-operatória: Retirou-se a tala no 5.° dia e a cânula no 14.° dia. O seguimento foi feito através de broncofibroscopias. Sete dias após a descanulização encontrou-se granulação na zona de sutura, sendo removida endoscopicamente (Fig. 3 e 4). Houve mais três recidivas da granulação. Atualmente, após 3 meses da cirurgia a luz apresenta-se pouco reduzida mas sem sinais inflamatórios.

Comentários

O traumatismo com estenose de traquéia causado por "cuff" geralmente provoca alterações que só a correção cirúrgica é satisfatória1, 2, 3, 4, 5 e 6. No presente relato foi tentado tratamento conservador sem nenhum resultado positivo. A mobilidade laringo-traqueal permite deslocamentos que possibilitam ressecção suficiente, compatíveis geralmente com a extensão do comprometimento dos casos iguais ao representado e que variam de 1 a 3cm.3 A via cervical utilizada sempre é a preferencial e factível.



FIG. 2 - A. Esquema da traquéia e o nível e extensão da estenose. B. Após a ressecção, com anastomose término-terminal.



FIG. 3 - Aspecto endoscópico após 7 dias da cirurgia.



FIG. 4 - Aspecto endoscópico após 21 dias de cirurgia, com granulação na zona de sutura.



Para casos de entenoses mais baixas a abordagem torácica é a que deve ser escolhida dependendo também do tipo morfológico do paciente. Estudo radiológico contrastado da traquéia com hiperextensão da cabeça e do pescoço nos dá uma boa orientação na escolha da via de acesso1, 2 e 4. A técnica operatória é utilizada também em casos de patologias neoplásticas com implicações cirúrgicas maiores quando a zona ressecada for mais extensa necessitando inclusive mobilização bronco-pulmonar2, 3, 4 e 5. Substituições traqueais por material sintético têm sido tentadas4 e 6. Finalmente, o sistema de ventilação assistida utilizando-se de sondas ou cânulas com "cuff" tem sido alvo de estudos no sentido de procurar reduzir as alterações descritas, mas sem resultados ainda satisfatórios.

Resumo

Os autores relatam um caso de estenose de traquéia mediastinal, analisando o fator traumático e as possibilidades de tratamento cirúrgico por acesso cervical com ressecção e anastomose térmico-terminal. O resultado após 3 meses foi considerado satisfatório com seguimento clínico e endoscópico.

Summary

The authors report a case of mediastinal tracheal stenose analizent the trauma factor and the possibilities of cirurgical treatment with cervical approache, ressection and end-to-end anastomoses. The result after 3 months is considered satisfactory with clinical and endoscopic follow up.

Bibliografia

1. Grillo H. C.: Surgical approaches to the trachea. Surg. Gynec Obstet. 129:347, 1969.
2. Grillo H. C.: Obstrutive lesions of the trachea Ann Otol. 82:770, 1973.
3. Cooper J. D., Grillo H. C.: The evolution of tracheal injury due to ventilatory assistance through cuffed tubes: A patologic study. Ann Surg. 169:344, 1969.
4. Grillo H. C.: Circunferential ressection and reconstruction of the mediastinal and cervical trachea. Ann Surg. 162:374, 1965.
5. Grillo H. C., Dignan, E. F., Miura, T.: Extensive ressection and reconstruction of mediastinal trachea without prothesis or graft: An anatomical study in man. J Thor Cardiovasc Surg. 48:741, 1964
6. Baker, W. S., Litton, W. B.: Bledder osteogenesis aids tracheal reconstruction. Arch Otolaryngol., 98:422, 1973.




* Trabalho realizado na disciplina de Endoscopia Peroral da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Instrutor de ensino da disciplina de Endoscopia Peroral.
*** Professor pleno da disciplina de Endoscopia Peroral.
**** Professor associado do departamento de Cirurgia.
***** Residente I da disciplina de Endoscopia Peroral.

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