Versão Inglês

Ano:  1974  Vol. 40   Ed. 2  - Maio - Dezembro - (41º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 276 a 280

 

Leiomioma de Traquéia - APRESENTAÇÃO DE CASO*

Autor(es): Tadayoshi Akiba**,
Mario H. Okuyama***,
Paulo Aligieri**** e
Péricles Barbato*****

As neoplasias benignas primitivas da traquéia são relativamente raras; com exceção do papiloma juvenil, cuja tendência atual é de ser considerada como lesão não verdadeiramente neoplásica9, tem sido relatada a ocorrência de tumores traqueais benignos com pouca freqüência.

Dentre estes, os casos de leiomioma descritos são raros e boa parte dos casos descritos são de necropsia7. Uma revisão dos tumores benignos de traquéia efetuada por Gilbert, J. D. et al.6, revelou apenas dois rasos de leiomioma tratados até 1952. Posteriormente, mais 5 casos foram relatados por diversos autores, de forma isolada, alguns de origem brônquica e apenas 1 caso em crianças1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11. Em trabalho recente Mounier-Kuhn et al.10 não faz referência ao leiomioma, em seu estudo sobre as possibilidades terapêuticas dos tumores traqueais, o mesmo ocorrendo com Link8 na incidência de neoplásias benignas da traquéia. Derivado da musculatura lisa da parede da traquéia, o leiomioma costuma crescer para a sua luz, de forma lenta, promovendo obstrução respiratória parcial, desacompanhado de outras manifestações. Este quadro clínico aliado á ausência de sinais radiológicos precoces leva a uma maior dificuldade diagnóstica, podendo ser confundido com a bronquite asmática ou com presença de corpo estranho alojado nas vias aéreas inferiores. A presente comunicação tem por finalidade apresentar caso de leiomioma de traquéia, comprovado histopatologicamente, em paciente de 2 anos de idade, na qual métodos endoscópicos no diagnóstico diferencial e na resolução terapêutica apresentaram características de importância que a justificam.

Apresentação do Caso

Paciente (L.C.S.) com 2 anos de idade, sexo feminino, branca, natural de São Paulo, foi atendida no ambulatório de Pediatria da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo em 28 de setembro de 1973 (R.G. 911010), por estar apresentando tosse com expectoração sanguinolenta desde há 3 meses. Na estória pregressa, as informações da genitora revelaram crises de "chiado no peito" e tosse desde os 6 meses de idade, com duração de 4 a 5 dias, em intervalos de 1 a 2 meses. Há 3 meses apresentou crise mais intensa, com características diferentes das anteriores, com "falta de ar", expectoração sanguinolenta e "febre baixa", sem cianose ou engasgamento. Atendida em outro Hospital, permaneceu internada 15 dias em tratamento de "bronquite", sem melhora evidente, apresentando ainda, por ocasião da alta hospitalar, tosse intensa, expectoração sanguinolenta e "febre alta". Prosseguiu tratamento com outro médico que diagnosticou "infecção pulmonar", sendo tratada com antibióticos e cortisona, com melhora da febre; como persistissem os outros sinais clínicos, encaminhou a paciente ao Ambulatório de Pneumologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. No exame clínico de admissão, os antecedentes pessoais e familiares não acusaram dados de importância. O exame físico revelou criança em bom estado geral e nutritivo, hidratada, acianotica, com discreta disfonia e sibilos ins- e expiratórios audíveis à distância; peso 12,500g, estatura 83cm., T. 37°C; FR 40; FC 136. Ao exame do aparelho respiratório foram notadas á inspecção: respiração um pouco irregular, apresentando por vezes tiragem alta; à palpação, presença de frêmito brônquico, mais intenso a esquerda; á percussão, som claro pulmonar e á ausculta, presença de sibilos ins- e expiratórios bilateralmente. O restante do exame físico nada mais revelou de importância. Os exames radiográficos anteriores, trazidos pela família, mostraram em:

12-6-73 - Hipertransparência a D. discreto desvio do coração a E. (foto 1) .

10-9-73 - Hipertransparência a E., grande desvio do coração para a D. Hernia do mediastino superior para a D. (foto 2) . Como o aspecto clínico e radiológico fossem sugestivos de corpo estranho de vias aéreas inferiores, a paciente foi encaminhada ao Ambulatório da Disciplina de Endoscopia Per-Oral da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde foi atendida no dia 1 °-10-73. Submetida à broncoscopia, sob narcose, com broncoscópio C. J. 4 X 30, foi notada presença de sangue vivo já ao nível da região posterior da laringe, o mesmo ocorrendo na metade superior da traquéia.



FOTO 1



FOTO 2



Após aspiração do sangramento, foi visualizada formação tumoral arredondada, com aspecto polipóide avermelhada, pediculada, com cerca de 0,5cm de diâmetro, assestada na parede anterior da traquéia, junto à carina principal (fig. 1) . No mesmo ato, foi realizada a exerese endoscópica da lesão, parcialmente fragmentada, com hemorragia relativamente acentuada já com melhores condições de visualização foi praticada a remoção completa do tumor incluindo sua base de implantação; com tamponamento durante 5 minutos a hemorragia foi controlada. (fig. 2). O espécime obtido em 3 fragmentos foi encaminhado ao Serviço de Anatomia Patológica que revelou ao exame microscópico: neoplasia imatura de natureza mesenquimal caracterizado por proliferação de células musculares lisas, orientadas nos mais variados sentidos. Em certos campos há processo inflamatório, e o revestimento apresenta áreas de epitélio pavimentoso pluri-estratificado alternadas com áreas de epitélio cilíndrico pseudoestratificado ciliado. Ausência de sinais de malignidade. (fotos 3 e 4). Diagnóstico: LEIOMIOMA POLIPOSO, com inflamação.










FOTO 3



FOTO 4



No pós-operatório imediato notou-se regressão acentuada dos sinais clínicos de obstrução respiratória. O exame radiográfico do tórax, após 5 dias, revelou desaparecimento da hernia mediastinal e do desvio cardíaco, persistindo ainda discreta condensação na base D (foto 5). Com boa evolução pós-operatória, após 4 meses e meio foi submetida a nova broncoscopia, (13-02-74), com aspecto endoscópico normal, sem sinais de qualquer recidiva, estando a área correspondente a implantação do tumor revestida por mucosa normal. O seguimento do caso prossegue até ao presente momento, não havendo sinais de recidiva da lesão.

Discussão

Pela raridade com que ocorre e pela semelhança dos sintomas e sinais com a asma ò diagnóstico clínico é difícil, sendo tratados como asmáticos por longo período. Alguns dos casos descritos, à semelhança do atualmente relatado, apresentam forma polipóide, pediculada, podendo situar-se na porção distal da traquéia, junto à sua bifurcação. Nesta localização, por apresentar certo grau de mobilidade, terminam produzindo sub-oclusão traqueal ou mesmo brônquica, que pode alternar de lado em diferentes ocasiões. Tal situação provoca sinais clínicos e radiológicos sugestivos de presença de corpo estranho móvel na traquéia ou brônquios-fonte, faltando todavia na estória a referência ao acidente de aspiração de C.E. O exame endoscópico traqueobrônquico, acompanhado da biópsia, é contribuição essencial ao diagnóstico em vivo embora o aspecto de leiomioma de traquéia não seja patognomônico, havendo necessidade de exame anatomopatológico para o diagnóstico definitivo. Longe de ser considerada de execução fácil, a presença de hemorragia abundante, em paciente já com redução de luz respiratória, traduz a periculosidade da intervenção mesmo na simples biópsia. No presente caso, optamos pela remoção o mais completo possível da lesão em um só tempo, por via endoscópica, com o que tivemos a oportunidade de evitar acidentes pós-operatórios, cessando a hemorragia após 6 horas. Em virtude do seu crescimento lento, não podemos excluir a possibilidade de recidiva da lesão, embora a paciente em seguimento há quase 1 ano, com exames clínicos, radiológicos e endoscópicos, apresente-se bem. Acreditamos que a conduta seguida, com diagnóstico e tratamento em um único tempo frente a um caso inusitado evitou intervenção maior (toracotomia e traqueotomia), de alto risco na ocasião, consideradas as condições locais (dispnéia e hemorragia traqueal) e a pouca idade do paciente.



FOTO 5



Sumário

Os A.A. relatam um caso de leiomioma de traquéia, em paciente de 2 anos de idade; são ressaltados os aspectos clínicos e radiológicos. A intervenção endoscópica e o exame anátomo patológico da peça cirúrgica confirmaram o diagnóstico. O tratamento foi executado por via endoscópica, com sucesso, estando a paciente livre de sintomas, em seguimento há cerca de 1 ano.

Summary

The A.A. report a case of tracheal leiomyoma in a 2 years old child. Clinic. and radiologic aspects are reported. The diagnostic was confirmed by endoscopic intervention and histopathologic examination. The Treatment consisted in e adioscopic removal of the tumor with successful. Patient is free of recurrence after one year of follow-up.

Bibliografia

1. Budzinski, R. - Leiomioma malignum in a hitherto undescribed site in the trachea. Acta Otolaryng., 49:183, 1958.
2. Brea, M. M. J. - Tumores benignos de los bronquios in Alonso, J. M. - Tratado de Oto Rino-Laringologia y Broncoesofagologia, pg. 1485, 1961.
3. Dorenbusch, A. A. - Leiomyoma of the trachea. A.M.A. Arch. Otolar., 61 :470, 1955.
4. Foroughi, E. - Leiomyoma of the trachea. Dls. Chest., 42:230, 1962.
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6. Gilbert, J. D., Mazzarella, L. A., Feit, L. I. - Primary tracheal tumors in the infant and adult. A.M.A. Arch. Otolaryng., 58:1, 1953.
7. Hirose, F. M., Hennigar, G. R. - Intr4bronquial leiomyoma. J. Thoracic Surg., 29:502, 1955.
8. Link, R. - Tumores de la traquea y de los bronquios in Berendes, J. - Tratado de Otorrinolaringologia, Tomo I, pg. 772, 1969.
9. Matzker, I. - Seudotumores de la laringe in Berendes, J. - Tratado de Otorrinolaringologia, Tomo II, pg. 1040, 1969.
10. Mounier Kuhn, P. et al. - Therapeutic possibilities in tracheal tumors. Ann. Oto-laryng., 86:523, 1969.
11. Unger, L. - The recognition of nonallegic asthma. Dls. Chest., 22:671, 1952.




* Trabalho realizado na Disciplina de Endoscopia Peroral da Faculd. de Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo.
** Médico residente da Disciplina de Endoscopia Peroral da FCMSC.
*** Médico Assistente do Dept. Anatomia Patológica da FCMSC.
**** Médico Assistente do Dept. Pediatria da FCMSC.
***** Médico residente da Disciplina de Endoscopia Peroral da FCMSC.

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