Ano: 1974 Vol. 40 Ed. 2 - Maio - Dezembro - (40º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 273 a 276
Alterações Histoarquiteturais do Epitélio de Revestimento da Mucosa Nasal em Estado Crônico Hipertrófico
Autor(es): Elias Salomão Mansur*
I - Introdução
Entende-se como constituição o conjunto de propriedades herdadas e adquiridas apresentadas por um dado indivíduo num dado instante. A mucosa naso-sinusal a todo o momento está sujeita à ação de agentes agressores capazes de ocasionar afecções em graus e modalidades diversas. É aceito, via de regra, que as afecções da esfera rinusinusológica sofrem a interferência de fatores heredo-constitucionais. Há mesmo quem relacione tipos de mucosa nasal com determinada constituição somática. Ao que parece, as características próprias de cada reação nem sempre se manifestam na sua forma pura e ideal. É verdade, também, que os grandes avanços no domínio da bioquímica, histo-química, imunologia, enzimologia, histoenzimologia, etc., vêm oferecendo importante contribuição ao esclarecimento do problema da constituição. Com isso, sente-se que um quadro nosológico sofre influências conjuntas e diversas. O fenômeno obstrutivo que freqüentemente está relacionado com a parede lateral é quase sempre dependência do estado hipertrófico da mucosa nasal. O especialista, com freqüência está diante de cornetos (inferior, notadamente), hipertróficos, em fase adiantada de evolução e com evidentes alterações estruturais. Dentre as diversas, procuramos neste trabalho, aquelas histoarquiteturais da mucosa nasal (corneto inferior) em estado crônico hipertrófico, do epitélio de revestimento da membrana basal.
II - Casuística e Métodos
É feito um estudo de aproximadamente 500 preparados histológicos, obtidos de 20 pacientes portadores de obstrução nasal em estado crônico hipertrófico da mucosa com evidente predomínio ao nível do corneto inferior. Eram pacientes adultos (18 a 50 anos), brancos, brasileiros, sendo 16 do sexo feminino e 4 masculinos.
O material colhido do corneto inferior (área mais posterior da cabeça, corpo e cauda), era fixado em formol a 10%, líquido de Bouin e mistura de Gendre. Foram utilizados os métodos de coloração seguintes: hematoxilina-elosina e Mallory.
III - Resultados
Expressam, em síntese, a visão histoarquitetural e não estritamente morfológica de centenas de preparações analisadas sob diversos ângulos. Procuram fazer sentir as alterações funcionais resultantes dos diversos caminhos fisiopatológicos. Os slides (1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 10) mostram as alterações epiteliais propriamente ditas, enquanto os de número (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11) mostram as alterações da membrana basal.
A - Epitélio de Revestimento
Há um profundo comprometimento de tecido epitelial de revestimento. Há tendência ao desaparecimento das células que normalmente o compõe. São raros os locais, nos preparados obtidos, onde reconhecemos epitélio cilíndrico, ciliado, pseudo-estratificado ou do tipo respiratório. Sua existência não implica em grandes superfícies de revestimento. Verifica-se sua interrupção e continuidade com áreas desnudas e outras só com células basais. Áreas inteiramente desprovidas de epitélio, em extensão relativamente grande, são reconhecidas. Nelas, a membrana basal está em contato direto com o meio envolvente. Raramente encontrou-se epitélio respiratório espessado pelo aumento relativo da estratificação. Houve predomínio da situação inversa: tendência à redução e desaparecimento das capas epiteliais. Inicialmente o epitélío torna-se mais baixo pela perda progressiva e desaparecimento gradativo das células prismáticas e caliciformes. Áreas relativamente extensas são representadas exclusivamente pela camada de células basais, com seus núcleos picnóticos que podem chegar ao completo desaparecimento. Em certas áreas apesar da presença de todos os elementos epiteliais, somente as células de substituição são bem reconhecidas. Não é fácil reconhecer as características dos elementos prismáticos e caliciformes. Não há pseudo-estratificação nem elementos glandulares infra-epiteliais. Quando o epitélio mostrava espessura considerável, neste material, era devido à intensa infiltração linfóide em toda sua extensão. Esta espessura e infiltração linfóide contrastam com a maioria dos preparados analisados. Tal infiltração linfóide foi reconhecida como processo amplo e extenso persistindo mesmo nas áreas com desaparecimento total do epitélio. Extendia-se pela membrana basal e profundidade do cório.
B - Membrana Basal
Reconhecida em todos os casos estudados, em contato direto com o meio ambiente ou suportando um tecido epitelial em condições diversas. Sempre contínua, sem interrupção, de calibre não uniforme e de espessura bastante variável, porém às vezes considerável. Apesar das oscilações, havia nítida tendência ao espessamento. Nas membranas espessas foram reconhecidos pertuitos canaliformes, delimitados por endotélio. Na face profunda e na própria intimidade, são reconhecidas, penetrando e ramificando, luses vasculares que lembram as dos capilares sanguíneos da rede capilar subepitelial. A face profunda, conjuntiva da basal é bastante variável em seus confins com o cório subjacente. E tanto mais irregular quanto maior o espessamento. Quando enormemente espessada lembra o aspecto de circunvolução cerebral. No material de estudo é observado estreito paralelismo entre estado do epitélio e grau de espessamento da basal. Nas áreas sem epitélio a membrana é espessa. Quando há infiltração linfóide a relação entre sofrimento epitelial e espessamento da basal, parece ser mais estreita. O espessamento da membrana processa-se mais às expensas da substância amorfa que do material fibrilar. Parece haver perfeita continuidade material entre substância amorfa da basal e substância fundamental do cório subjacente.
Pondo-se em evidência as fibras colágenas pode-se verificar o relacionamento fibrilar da basal e cório subjacente. Parecendo partir da basal em direção ao cório, as fibras colágenas unem-se em feixes oblíquos ou ortogonais à superfície. Entrelaçam-se formando delgado retículo no estrato superficial. Condensam-se e assumem direções diversas em estratos mais profundos. Presença de elementos celulares, em maior ou menor número, foi reconhecida ao nível da membrana basal. Predominou o infiltrado linfocitário embora fosse identificado grande número de plasmócito. Também foram reconhecidos eosinófilos. Pareceu haver relação entre população celular da membrana basal e do revestimento epitelial.
IV - Sumário e Conclusões
O A. constata em seu estudo, realizado em cerca de 500 preparados histológicos da mucosa nasal em estado crônico hipertrófico que:
1 - As alterações epiteliais e da membrana basal são muito mais evidentes que aquelas conjuntivas, seja do cório ou da submucosa.
2 - O sofrimento epitelial não é homogêneo em toda sua extensão: compromete as diferentes categorias celulares e mostra tendência ao desaparecimento completo do mesmo.
3 - Ao contrário do apregoado o epitélio não foi mais alto que o normal. Havia um comprometimento gradativo com tendência ao desaparecimento.
4 - Em muitas ocasiões a mucosa era desprovida de qualquer revestimento epitelial; noutras ele estava reduzido a uma so camada, a das células basais.
5 - As células caliciformes são os primeiros elementos epiteliais a sofrer degradação evidente.
6 - As células basais, são as que mais resistem. Podem permanecer como únicas representantes do epitélio nestas condições de sofrimento crônico.
7 - Por esta elevada resistência e pelas características histológicas apresentadas, podem representar o ponto de partida na recuperação do tecido degradado.
8 - Destaca-se a ocorrência de infiltrado celular, linfoplasmocitário, na intimidade do epitélio de revestimento.
9 - Há variações na intensidade e modalidade dos infiltrados segundo a característica do processo crônico.
10 - Em muitos é possível conceber neste nível o processamento de importantes reações imunológicas.
11 - Este aspecto arquitetural está solicitando meios especiais capazes de interpretar toda esta dinâmica imunológica.
V - Summary
The author stresses in it's work made in 500 histological preparations of the nasal mucous membrane in it's hipertrophic chronic stage, that:
1 - The alterations from the epithelium and of the basal membrane are much more evident that the connectives ones, either from the corium or the sub-mucosa.
2 - The epithelial suffering is not homogeneous in all its extension: it affects the different celular categories and shows tendency for the complete disappearance.
3 - Contrary to what has been said, the epithelium found was not higher than the normal. There was a gradual worsening with a tendency for the desappearance.
4 - In many occasions the mucous membrane did not present any epithelial lining; !ri others it was reduced to only one layer, that of the basal cells.
5 - The caliciformic cells are the first epithelial elements to suffer real degeneration.
6 - The basal cells are the ones that resist more. They may remam as the only representatives of the epithelium in these chronic suffering conditions.
7 - Due to this high resistancy and for the presented histological characteristics, they may represent the initial stage in the recovery of the degenerated tissue.
8 - It can be amphasized the ocurrence of celular infiltration (lynphoplasmocytic) in the center of the lining epithelium.
9 - There are variations in the intensity and types of infiltrations according to the characteristic of the chronic process.
10 - It is possible to conceive in this level, in many cases, the occurence of important immunological reactions.
11 - This architectural aspect need special capable ways to interpret all this immunological dynamics.
VI - Referências Bibliográficas
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* Docente Livre de O.R.L. da Faculdade de Medicina da U.S.P.
Do Departamento de O.R.L. e Oftalmologia da F.M.U.S.P. (Prof. Lamartine Junqueira Paiva).