Versão Inglês

Ano:  1974  Vol. 40   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 52 a 57

 

PRINCIPAIS SÍNDROMES E DOENÇAS OFTALMOLÓGICAS COM PARTICIPAÇÃO AUDITIVA E/OU VESTIBULAR (*)

Autor(es): Eduardo de Moraes Baleeiro**,
Yotaka Fukuda***,
Agenor Alves de Souza Jr.****,
Rita Kweksilber Reznik*****,
Maurício Malavasi Ganança******,
Clemente Isnard Ribeiro de Almeida*******,
Pedro Luiz Mangabeira Albernaz********

Grande é o número de síndromes otorrinolaringológicas em que a patologia bucal, faríngea, nasal, laríngea e otológica está associada entre si ou com outras patologias as mais diversas. Exemplo disto é o grande número de síndromes em que há os mais variados tipos de comprometimento dos pares crânicos.

A identificação de síndromes e doenças, hereditárias ou adquiridas, em otologia, tem aumentado nas últimas décadas, conseqüência dos modernos recursos propedêuticos - audiologia, radiologia e otoneurologia - e recursos terapêuticos - cirúrgicos ou clínicos.

Neste trabalho procuramos efetuar uma revisão bibliográfica das principais síndromes em que encontramos associação de alteração ocular, vestibular, coclear ou cócleo-vestibular.

Verificamos que esta associação pode ocorrer de três maneiras:

a) associação ocular e cócleo-vestibular;

b) alteração ocular e cócleo-vestibular associada a outras patologias em outras regiões;

c) a alteração ocular e cócleo-vestibular poderá ou não ser constante na configuração clínica fundamental da síndrome ou doença.

As principais síndromes e doenças, e seus epônimos ou designações especiais, são as seguintes:

1 - ALSTROM (11): Doença autossômica recessiva em que há retinite pigmentar e catarata associadas a diabetes mellitus, obesidade e disacusia. A disacusia de percepção de moderada intensidade, piora progressivamente, iniciando-se na segunda década de vida.

2 - BARRÈ-LIÈOU (11): (Síndrome Cervical Posterior) - perturbações oculares (moscas volantes, escotomas e pontos luminosos - fenômenos transitórios), cócleo-vestibulares (perda auditiva em freqüência isolada, tinnitus e vertigem - também fenômenos transitórios) ao lado de sintomatologia de alterações da coluna cervical que são confirmadas pelo estudo radiológico da coluna. São fenômenos transitórios causados por distúrbios circulatórios.

3 - BONNIER (11): Nesta síndrome os distúrbios oculares - paralisia de acomodação e diplopia - estão associados à alterações do sétimo, nono, décimo e décimo-primeiro pares crânicos por lesão ao nível do tronco cerebral. Há disacusia, tinnitus é vertigem, devido ao comprometimento dos núcleos cocleares e vestibulares.

4 - COCKAYNE (11): Nesta doença autossômica recessiva encontramos atrofia do nervo óptico ao lado de nanismo, retardo mental, alterações motoras e disacusia neuro-sensorial progressiva.

5 - COGAN (15): Síndrome caracterizada por queratite intersticial não sifilítica e distúrbios cócleo-vestibulares - disacusia, tinnitus e vertigem. Trata-se de aspecto particular de uma doença do colágeno (periarterite nodosa) em que a corticoterapia melhora a queratite, porém as lesões neuro-sensoriais cócleo-vestibulares são irreversíveis.

6 - DENNY-BROWN (2): (síndrome de insuficiência vértebro-basilar) as alterações oculares (escotoma, diplopia, cegueira transitória - escurecimento visual, moscas volantes e dor retro-ocular) e cócleo-vestibulares (disacusia, tinnitus e vertigem) estão associadas a outras manifestações neurológicas: alterações de pares crânicos (disartria, disfagia, e enrolamento da língua), sistema límbico (sinais e sintomas de disritmia temporal) ao lado de alteraçeõs do sistema reticular (sensação de queda ou desabamento sem perda total da consciência). Estas alterações transitórias ou não, são conseqüência do distúrbio circulatório do sistema vértebro-basilar, e, de acordo com a intensidade do comprometimento, podem ser configuradas 2 formas clínicas bem distintas: Minor (simples e benigna) e Major (grave).

7 - DEVIC-MICHEL-LENGLEt (4): (paralisia da verticalidade do olhar, arreflexia pupilar, anomalia de posição do olhar, por comprometimento do território da coroidiana posterior), eventualmente, pode apresentar sinais de acometimento vestibular do tronco cerebral.

8 - DUANE (11): Doença autossômica dominante caracterizada por incapacidade de abdução dos olhos, enoftalmia e estreitamento da fissura palpebral, ao lado de costelas cervicais supranumerárias, torcicolo e disacusia de condução.

9 - FEHR (11): Trata-se de doença autossômica de caráter recessivo em que há perda visual (distrofia da córnea) e auditiva neuro-sensorial progressiva.

10 - FLYNN-AIRD (11): Doença de caráter dominante em que miopia, catarata e retinite pigmentar estão associadas a polineuropatia (dores articulares e debilidade muscular), ataxia e discusia neuro-sensorial progressiva.

11 - FRIEDREICH (11): Doença infantil de caráter recessivo em que há atrofia óptica; ataxia, nistagmo espontâneo, outras alterações vestibulares e disacusia neuro-sensorial.

12 - GOLDENHAR (11): Também chamada displasia ÓCULO-AURICULOVERTEBRAL, caracteriza-se por alterações oculares diversas: movimentos anormais, opacificação da córnea e coloboma palpebral; alterações ósseas
vertebrais (espinha bífida) e da calota crânica; alterações cócleo-vestibulares severas, ao lado de distúrbios condutivos por alterações do primeiro e segundo arcos branquiais, ocasionando surdez severa, inclusive surdomudez.

13 - GRADENIGO (11): Síndrome otogênica em que há comprometimento do VI par (paralisia do reto externo), do trigêmio e disacusia de condução (otite média e petrosite) podendo ocorrer meningismo e outras complicações endocrânicas.

14 - HALLGREN (6): Doença recessiva em que há retinite pigmentar, deficiência mental e outros distúrbios psíquicos, ataxia e surdez. A ataxia corre por conta de alteração vestibular; a disacusia de percepção é severa.

15 - HATCHER-KLINTWORTH (5): (síndrome do aqueduto de Sylvius) com nistagmo rectratório (movimento ocular rítmico no sentido ântero-posterior que nada tem a ver com o aparelho vestibular, em sua origem), eventualmente pode apresentar sinais de acometimento vestibular do tronco cerebral.

16 - KOERBER-SALUS-ELSCHNING (8): (síndrome peri-aquedutal, com paralisia da verticalidade do olhar, espasmo tônico da convergência, paralisia do III, alterações pupilares, nistagmo de convergência, nistagmo palpebral e retração do músculo elevador), eventualmente pode apresentar sinais de acometimento vestibular do tronco cerebral.

17 - LAURENCE-MOON-BIEDL (3): Doença hereditária de transmissão autossômica recessiva em que há: retinite pigmentar, distúrbio gonado-hipofisário severo (hipogenitalismo, obesidade, idiotia e diabetes), polidactilia e disacusia. A disacusia só ocorre em determinadas famílias, é neuro-sensorial grave, inclusive pode ocorrer surdo-mudez.

18 - LUIS-BARU: Doença recessiva com deficit de imunoglobulina e alta incidência de linfo-reticulosarcoma com as seguintes sintomatoiogias: teliangiectasia ocular e tegumentar, ataxia, nistagmo espontâneo e outras alterações otoneurológicas.

19 - NORRIE (11): Doença recessiva em que há cegueira congênita (pseudotumor retiniano), em trinta por cento dos casos acompanha-se de disacusia neuro-sensorial.

20 - NOTHNAGEL (11): Esta síndrome é causada por tumores do tronco cerebral, manifesta-se com múltiplas e irregulares paralisias óculo-motoras, alterações vagais e vestibulares (enjôo, vertigem, andar vacilante e nistagmo espontâneo).

21 - PARINAUD (11): Atualmente usa-se este epônimo para designar um sinal que abrange todas as modalidades de paralisia dos movimentos da verticalidade do olhar; podemos encontrá-la em síndromes vestibulares do tronco cerebral alto de diversas etiologias.

22 - "PIEBALBDNESS"(11): (Tradução: Semelhante a animal malhado) Doença autossômica recessiva ligada ao sexo com retinite pigmentar, íris azul, falta de pigmentação em diversas áreas do corpo e couro cabeludo, e disacusia neuro-sensorial.

23 - PIERRE-ROBIN (11): Ao lado da glossoptose, micrognatia e fissura palatina que caracterizam a síndrome, podem ocorrer: oculopatia (glaucoma e descolamento de retina) e alterações otológicas (má-implantação auricular, otite média e disacusia de condução).

24 - PYLE (11): Ou displasia craneometafisária, é doença autossômica dominante, podendo ser recessiva; devido a alteração óssea diversa, temos: atrofia do nervo óptico, atresia do ducto lacrimonasal, atresia das cavidades paranasais e disacusia progressiva de condução (fixação do estribo) ou mista por agressão concomitante ao nervo auditivo.

25 - REFSUN (1): Doença neurológica recessiva com múltiplos sintomas: retinite pigmentar atípica, polineurite progressiva, alterações liquóricas, cerebelares, anormalidades eletroencefalográficas, reação pupilar anormal e disacusia. A disacusia neuro-sensorial instala-se na primeira década, de média ou intensa gravidade e piora progressivamente.

26 - ROAF (11): Doença em que encontramos catarata, miopia e descolamento da retina ao lado de cifose ou escoliose, retardo mental e disacusia neuro-sensorial progressiva.

27 - TAY-SACHS (6): Ou idiotia amaurótica familiar; diversas alterações oculares, entre as quais severo comprometimento oculomotor ao lado de alterações cócleo-vestibulares. Disacusia neuro-sensorial severa supranuclear; a avaliação vestibular é prejudicada pelo distúrbio óculomotor.

28 - TURNER (11): A monossomia X apresenta, dentre as múltiplas manifestações, nistagmo espontâneo em 2% dos casos, o que também pode ser observado em outros desvios da fórmula 2n = 46XX; assim, o nistagmo espontâneo já foi observado na trissomia X, na tetrassomia X, no isocromossoma X, no cromossoma X em anel e em diversos mosaicos.

29 - USHER (12): Doença hereditária de caráter recessivo em que há associação de retinite pigmentar e surdez neuro-sensorial. Em 40% dos casos há comprometimento vestibular.

30 - VOGT-KOAYANAGI-HARADA (14): Síndrome em que ocorre uveíte (progressiva, podendo haver descolamento da retina e cegueira), alopécia, vitiligo e alterações cócleo-vestibufares. Sintomatologia ménièreforme por lesão neuro-sensorial.

31 - VON RECKLINGHAUSEN (11) - Neurofibrimatose (neuromas múltiplos) que pode se assestar em qualquer segmento do corpo, podendo se localizar concomitantemente nos sistemas ocular e cócleo-vestibular.

32 - WALLENBERG (síndrome lateral do bulbo) (11) - de etiologia vascular, provoca o aparecimento de hemi-síndrome cerebelar, síndrome vestibular, síndrome de Claude Bernard-Horner, paralisia de nervos crânicos (IX, X e XI), hipoestesia facial (às vezes dissociada).

Encontramos ainda (9) diversas outras doenças com alterações oculares e cócleo-vestibulares, sem epônimos ou caracterizações especiais:

33 - Miopia e catarata congênita ou juvenil associada a nariz em sela e disacusia neuro-sensorial que se instala na infância e piora lentamente; trata-se de doença autossômica dominante.

34 - Miopia severa e alteração intelectual associada a disacusia neurosensorial de nascença, de moderada a grave, que não se altera nos anos seguintes; caráter recessivo.

35 - Retinite pigmentar atípica, alterações esqueléticas (microcefalia e braquidactilia), alterações neurológicas (diplegia ou paraplegia espástica) associada a disacusia congênita severa; é doença raríssima de caráter recessivo.

36 - Descolamento e teleangiectasia retiniana, retardo mental acentuado, flacidez muscular e disacusia na infância; é também doença raríssima e de caráter recessivo.

37 - Atrofia óptica progressiva, diabetes mellitus juvenil e disacusia neurosensorial moderada, que piora lentamente; recessiva.

38 - Atrofia óptica que se inicia na 2.ª década, levando à diminuição progressiva da visão, polineuropatia e disacusia neuro-sensorial severa, que se inicia na infância e piora rapidamente; doença raríssima, recessiva, ligada ao sexo ou não.

39 - Atrofia óptica, quadriparesia espástica, demência e disacusia neurosensorial progressiva severa; doença recessiva raríssima.

40 - Degeneração corneana e metabolismo de cálcio anormal associada a disacusia moderada que se instala na idade adulta; doença autossômica, caráter dominante.

Chamamos a atenção ainda para duas síndromes oftalmológicas que apesar da sintomatologia, não têm comprometimento vestibular ou cerebelar: síndromes de BALLINT (12) e de HOLMES (12).

Na síndrome de BALLINT o indivíduo vê mas não utiliza a informação da imagem visual, acarretando incoordenação de movimento manual, que no trabalho original, foi descrita como incoordenação de movimento da mão direita.

Na síndrome de HOLMES também chamada de ataxia do olhar, o indivíduo vê, mas dirige mal a direção do olhar, o que acarreta apraxia ocular, desorientação espacial e incapacidade de coordenar a direção do olhar.

Resumo

Os autores realizaram uma compilação das principais Síndromes e doenças do sistema ocular, que têm comprometimento da audição e/ou equilíbrio, apresentando-as pelos epônimos ou designações especiais pelos quais são conhecidas, e descrevendo-as sumariamente.

Summary

The authors present a review of the main Ocular System diseases and syndroms which interfere with the hearing and balance apparatus. Their different eponims are presented together with a brief description of each entity.

Referências Bibliográficas

1. ASHENHURT, E. M. et al - Refsum's syndrome affecting a brother and two sisters. Brit. Med. J., 2: 415, 1958.
2. BARBER, H. 0. DIONNE J. - Vestibular findings in Vertebro-Basilar Ischemia. Ann. Otol., 80: 805, 1971.
3. BURN, R. A. - Deafness and the Laurence-Moon-Biedl Syndrome. Brit. J. Ophtaim., 34: 65, 1950.
4. DEVIC, M. - Nystagmus retractorius, paralysie delia vertcalité, até- flexie pupillaire et anomalie de la postura du regard por ramollissement dans la territoire de la choroidienne posterieure. Rev. Neurol., 110: 399., 1964.
5. HATCHER, M. A. - The Sylvian aqueduct syndrom. Arch Neurol. (Chicago), 15: 215., 1966.
6. JAMPEL, R. S. - Eye movements in Tay-Sachs disease. Neurology, 14: 1013, 1964.
7. KIRHAM, T. M. - Goldenhar's syndrome with inner ear defects. J. Laryng., 84: 855, 1970.
8. KOERBER, H. - Veber 3 Falle von Retraktions bwegung das Bulbus. Ophtal. Klinik : 7, 65, 1903.
9. KONIGSMARK, B. W. - Syndromal approachs to the nosology of hereditary deafness.
10. LEE, K. J. - The Otolaryngology board. Medical Examination Publishing Comp. Inc., NY., 1973.
11. MANGAS EIRA-ALBERNAZ, P. L. GANANÇA, M. M. - Otoneurologia Prática. Ars Curandi, 5, 45, 1972.
12. MICHEL, F. EYESSETTE, M. - L'ataxie optique et l'ataxie du regard dans les lesions bilaterales de la jonction parieto-occiptale: S y n d r o m e de Ballint, Syndtome de Ho.lmes et Syndromes voisines. Rev. Oto-NeuroOphtalm., 44: 177, 1972 .
13. MONTANDON, A. GREEN, A. - Conception actuelle du syndrome d'Usher. Rev. Oto-Neuro-Ophtaim., 42: 422, 1970.
14. SELS, R. L. - Vogt-Koayanagi-Harada, Syndrome. Arch. Otolaryng., 86: 419, 1967.
15. SMITH, J. L. - Cogan's Syndrome. Laryngoscope, 80: 121, 1970.




(*) Trabalho realizado na Divisão de Labirintologia da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de Medicina.
(**) Médico estagiário e Auxiliar de Ensino da F.M.U.F. da Bahia.
(***) Médico residente- R3.
(****) Médico estagiário.
(*****)Fonoaudióioga e Vestibulóloga.
(******) Professor Assistente - Doutor e Chefe da Divisão de Labirintologia da EPM, e Professor da Disciplina de Otoneurologia do Curso de Pós-graduação (Mestrado em otologia) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
(*******) Professor Titular de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Jundiaí, e Professor da disciplina de Otoneurologia do Curso de Pós-Graduação (Mestrado em otologia) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
(********)Professor Titular.

Endereço do Autor: Brig. Faria Lima, 830 - 3 0 andar - São Paulo - SP.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial