Versão Inglês

Ano:  1935  Vol. 3   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 319 a 338

 

SÔBRE AS MENINGITES MONONUCLEARES (1 ) Considerações em tôrno do seu diagnóstico etiológico

Autor(es): DR. FERNANDO DE OLIVEIRA BASTOS

O diagnóstico de meningite é, geralmente, dos menos difíceis na prática médica. Não é fácil, contudo, em grande parte dos casos, fazer-se juizo sôbre a etiologia do processo inflamatório que interessa as meninges, se o agente por êle responsável não é encontrado pelo exame direto do líquido céfalo-raquidiano.

A razão disto, já muitas vezes repetida, é que o conjunto sintomatológico e o quadro humoral podem ser muito semelhantes em face de infecções lepto-meníngeas as mais variadas, faltando, assim, elementos patognomônicos de que o clínico possa valer-se.

Casos há, como todos sabem, que criam sérios emberaços ao diagnóstico diferencial, ficando o paciente, não raro, prejudicado pelo retardo da terapêutica de causa ou específica, possível em muitas eventualidades e sempre, evidentemente, de êxito tanto mais provável quanto mais precocemente executada.

Mas as dificuldades derivam também, muitas vezes, de terem sido incompletos os exames praticados no doente, quer o exame clínico, quer os exames de laboratório, principalmente êstes últimos, no caso particular. De outras vezes, elas resultam de não obedecer exatamente o quadro humoral ao que se conhece das descrições esquemáticas dos livros: trata-se, então, de síndromes mais ou menos anormais do líquido céfalo-raquidiano, em virtude de fatores concomitantes á infecção das meninges e capazes de alterar o quadro típico nêste ou naquele dos seus componentes. E é grande, nestas condições, o risco de uma falsa interpretação, o que se dá com frequência quando se toma por base, precipitadamente, um elemento isolado para decidir o diagnóstico.

Dois grupos de meningites podem ser considerados, sob o ponto de vista humoral, de acôrdo com o tipo de reação citológica que prepondera no líquido céfalo-raquidiano: o das meningites polinucleares e o das meningites mononucleares, devendo-se aqui entender por êstes têrmos que, nas primeiras, predominam os leucócitos aparentemente providos de vários núcleos, e por isto chamados polinucleares ou polimorfonucleares, ao passo que nas outras predominam os glóbulos brancos nítidamente providos de um só núcleo.

Assim sendo, podemos estabelecer a classificação seguinte, apresentada por Osvaldo Lange num dos seus trabalhos (10)

MENINGITES

com reação citológica de tipo polinuclear:
- Meningites sépticas
- Meningites asséptica

com reação citológica de tipo mononuclear:
- Meningite sifilítica
- Meningite tuberculosa
- Meningite agúda linfocitária benigna
- Meningites serosas

As meningites polinucleares sépticas são de diagnóstico etiológico geralmente fácil, pois os agentes inflamatórios que as determinam costumam ser encontrados sem dificuldade pelo exame direto, como acontece, por exemplo, com as meningites meningocócica e pneumocócica. O afluxo dos leucócitos polimorfonucleares ao líquido representa, com efeito, quasi sempre uma resposta do organismo á invasão, nas meninges, de cocos ou bacilos em número apreciável, sendo exceções os chamados "derrames puriformes assépticos", de Vidal, consequentes a moléstias infecciosas várias e nos quais se encontra uma polinucleose dominante num líquido amicrobiano, pelo menos sem gérmes visíveis. Quanto ás meningites polinucleares assépticas de natureza irritativa, como as que sucedem á introdução no canal raquidiano do lipiodol radiológico, dos anestésicos, do ar, da agua distilada, são fácilmente ligadas a essas diferentes causas determinantes.

Maior interêsse para o nosso estudo oferecem as meningites mononucleares, cuja solução etiológica se torna muitas vezes difícil. Tal é o que comumente se passa quando estão em causa infecções por ultravirus, como os da poliomielite, da encefalite, da parotidite epidêmica, etc. Nêstes casos, com efeito, o exame bacterioscópico resulta negativo aos meios atuais de investigação direta (donde a expressão imprópria de "meningites assépticas para tais eventualidades), e o quadro humoral, via de regra, não permite o diagnóstico diferencial, só possível pelos elementos clínicos e epidemiológicos. Também ás vezes, quando se trata de gérmes demonstráveis ao microscópico, mas pouco numerosos, compreende-se que o analista tenha dificuldades para encontrá-los, e muitas vezes mesmo não os encontre, como de certo acontece em determinadas meningites tuberculosas atribuídas pelos autores á "toxina tuberculosa" ou á forma filtrável do bacilo.

De um modo geral, as meningites polinucleares sépticas são suscetíveis de um tratamento específico; além disso, a maior facilidade do seu diagnóstico de causa vem favorecer a instituição precoce dêsse tratamento, cuja importância dispensa comentários: basta, para exemplo, lembrarmos o que sucede com a meningite cérebro-espinhal por meningococos, que pode curar-se pelo sôro, se êste é empregado em tempo oportuno. Mas elas costumam ser graves e conduzem com muita frequência ao êxito letal.

As meningites mononucleares já menos vezes dão margem ao tratamento específico, mas é confortador que uma das mais importantes dentre elas - a meningite sifilítica - além de estar sujeita á medicação etiotrópica, pode ser atacada com precocidade, por ser o seu quadro humoral geralmente bastante caraterístico; outras são relativamente benignas, como é habitual para as que são devidas a vírus, mas a meningite tuberculosa continua a zombar da terapêutica e é ainda hoje a moléstia contra a qual nada podemos fazer, ou muito pouco fazemos.

Para chegar ao diagnóstico etiológico, diante de uma síndrome meningítica, deve o médico valer-se de uma série de elementos, que êle reune: 1 ) procedendo desde logo a um exame do líquido céfalo-raquidiano; 2) apurando com cuidado os comemorativos pessoais e hereditários do paciente; 3) estudando o ambiente em que se produziu a moléstia; e 4) investigando o quadro mórbido atual na sua evolução, no seu início súbito ou insidioso, no seu progredir lento ou rápido, nos sintomas subjetivos e objetivos e no caráter grave ou benigno das manifestações.

De todas estas medidas, a análise do líquido céfalo-raquidiano se nos afigura a mais importante, pois é quasi sempre ela que permite elucidar a causa da meningite, pela série de elementos preciosos que proporciona e que, interpretados em conjunto, não raramente decidem a questão de maneira formal ou com grandes probabilidades. Além disso, quando o exame do liquor não dá uma conclusão etiológica radical, pelo menos oferece informações de grande utilidade e orienta o médico nas pesquisas posteriores necessárias. Assim, a punção raquidiana será sempre o primeiro cuidado a tomar após o reconhecimento ou a suspeita de uma meningite, e não só pelo valor diagnóstico do exame humoral, como também pelos fins terapêuticos que ela representa, atenuando, pela descompressão cerebral, o sintoma cefaléia, dos mais constantes e dos mais penosos para o doente (diga-se de passagem que a via occipito-atloidiana, sempre que possível, deverá ser preferida no caso particular).

Mas, se o estudo do líquido céfalo-raquidiano sobrepuja, pela importância dos seus informes, os demais elementos diagnósticos, êle não exclúe a necessidade dêsses outros elementos. E não se trata aqui de uma exigência excessiva ou teórica, e sim de uma verdadeira imposição prática, pois que, não poucas vezes, embora tendo o clínico a seu dispôr tantos dados, fica na impossibilidade ou na incerteza de proferir uma asserção definitiva.

Não discutiremos, nêste trabalho, senão o que diz respeito ás meningites mononucleares, nas quais predomina o afluxo de células uninucleadas ao líquido cérebro-espinhal Dentre elas, estudaremos mais particularmente a meningite sifilítica, a meningite tuberculosa e a meningite agúda linfocitária benigna.

Uma condição capital, que diz respeito ao clínico, e que é supérfluo referir, para que êle possa interpretar devidamente uma síndrome meningítica mononuclear isolada, é o perfeito conhecimento do que se passa nas várias espécies de meningites desta natureza, quando se manifestam de modo típico. Nós recordaremos, por isso, a proposito de cada uma delas, os quadros humorais que lhes são próprios e os demais elementos que em geral as distinguem.

Meningite sifilítica

A lues, como é notório, pode determinar uma meningite agúda, acompanhada de um quadro clínico evidente e de alterações caraterísticas do líquido céfalo-raquidiano, ou pode ocasionar uma meningite latente, só demonstrável pelo exame humoral e coexistindo ou não com lesões específicas do eixo nervoso.

O quadro liquórico, via de regra, não difere nos dois casos, a não ser quanto á intensidade. Êle foi assim esquematizado por Osvaldo Lange (9):

a) hipertensão;
b) aspecto e côr normais;
c) hipercitose com predominância mononuclear;
d) hiperalbuminorraquia;
e) hiperglobulinorraquia;
f) positividade das reações coloidais nas zonas sifilítica e meningítica ;
g) positividade da reação de Wassermann.

Dentre êstes elementos, é principalmente valiosa a positividade das reações específicas, ao lado da hipercitose com predomínio das formas mononucleadas (linfocitos; grandes, pequenos e médios mononucleares). Também é importante o achado de plasmocitos em certa abundância, dentre as espécies celulares encontradas na contagem, bem como a verificação de uma vitalidade celular intensa.

O diagnóstico diferencial, como se vê, torna-se fácil em presença destas alterações. Mas, mesmo quando todos os elementos enumerados se congregam, não pode o clínico afirmar sem restrições, só nêles baseado, que se trata de uma meningite sifilítica, se bem que tenha inúmeras probabilidades de acertar com essa afirmativa. Com efeito, pode acontecer, como exceção, que se reproduza mais ou menos integralmente o quadro humoral, tal com acima foi descrito, sem que a meningite seja sifilítica.

Assim, por exemplo, um indivíduo portador de lues, com reação de Wassermann positiva no sôro sanguíneo, mas com as meninges e o eixo nervoso livres de contaminação, pode, em dado momento, ser acometido de uma meningite independente da sífilis. Ora, nestas condições, segundo pensam certos autores, as meninges, trabalhadas pelo processo inflamatório, podem tornar-se permeáveis e deixar passar os anticorpos específicos do sangue para o liquor. Sucede então, que as reações coloidais apresentam precipitação nos tubos da esquerda, na assim chamada "zona sifilítica", ao mesmo tempo que a reação de Wassermann resulta positiva.

A observação IX da nossa tese de doutoramento, que versou sôbre a meningite agúda linfocitária benigna, parece em apóio dêste modo de pensar (5, pag. 97). Ei-la, restringida ao que nos interessa:

A. J., homem de 36 anos de idade, teve uma reação de Wassermann positiva no sôro sanguíneo, com uma cruz, em Janeiro de 1931, e foi atinigdo em Julho de 1931 (portanto, 6 meses depois) por uma síndrome de Landry do tipo clínico medular associada a uma meningite linfocitária.

Nêste paciente, o líquido, extraido numa primeira punção, revelou ao exame:

Punção lombar, sentado
Pressão in. 34; pressão fin. 20 (manômetro de Claude)
Manobra de Queckenstedt: 50
Vol. de liquor retirado: 13 cc.
Quoc. Ayala: Qr 7,6; Qrd 1.

(Foi praticada a prova de Stookey-Queckenstedt, a qual revelou não existir bloqueio do canal céfalo- raquidiano).

Líquido límpido e incolor.
Albumina: 0,70 por 1.
Cloretos: 7,00 por 1.
Citologia: 67,2 elementos por mm3 (célula de Nageotte)
Linfocitos .................. 57%
Med. mononucleares .......... 18%
Gr. mononucleares ........... 13%
Polinucleares ............... 6%
Plasmocitos ................. 6%
Intensa vitalidade celular (5 horas)
Globulinas: Pandy - fortemente positiva (++)
Nonne-Appelt - positiva (+)
Weichbrodt - positiva (+)
R. coloidais: Benjoim - 01121.22221.00000.0
Colofônia bicorada - 123.222.100.0
Ouro - 345.443.210.000
R. Wassermann - positiva (+) com 1 cc.
(O. Lange- 31-7-31).

Na segunda e última punção, praticada após a cura clínica, o seguinte resultado:

Punção lombar, sentado
Pressão in. 25; pressão fin. 17 (manômetro de Claude)
Manobra de Queckenstedt: 36
Vol. de .liquor retirado: 15 cc.
Quoc. de Ayala: Qr 10; Qrd 0,5
Líquido límpido e incolor
Albumina: 0,30 por 1.
Cloretos: 7,10 por 1.
Glicose: 0,42 por 1.
Citologia: 1,8 elementos por mm3 (célula de Nageotte)
Globulinas: Pandy - positiva (+)
Nonne-Appelt - opalescência
Weichbrodt - negativa
R. coloidais: Benjoim - 00000.22211.00000.0
Colofônia bicorada - 000.222.100.0
Ouro - 000.123.321.000
R. Wassermann - negativa com 1 cc.
(O. Lange - 27-4-32).

Vemos, pois,que, no primeiro exame de liquido,quando o processo inflamatório era intenso meninges,a reação de wassermann foi positiva e as reações coloidais prescipitaram na zona sifilica, ao passo que, no ultimo exame, quando a cura clínica já apenas "reliquats" humorais da moléstia, as mesmas reações foram negativas. E lógico pensar-se que as meninges, a princípio permeabilizadas, deixaram passar os anticorpos luéticos para o canal raquidiano, e depois, já refeitas, não mais permitiram a sua passagem.

Comentando êste caso, num dos seus trabalhos( 10, pag. 197), Osvaldo Lange poz em evidência as dificuldades do diagnóstico diferencial, principalmente devido á presença de plasmocitos (para alguns, caraterísticos das lesões sifilíticas) e á pósitividade da reação de Wassermann. Quanto a êstes fatos, êle pensava explicar pelo mecanismo assinalado, embora, naquela ocasião, não tivisse ainda praticado o último exame do liquor, acima referido, e acreditava não se tratar de um quadro sifilítico. A negatividade posterior do Wassermann e das coloidais veiu, pois, reforçar esta interpretação. Infelizmente, não foram feitas as reações específicas no sôro sanguíneo, durante a moléstia, para provar que persistiam positivas, como seis mêses antes. Também é pena que não saibamos se o doente se tratou de sua sífilis durante êstes seis mêses. Mas a explicação que aí fica parece razoável, não se podendo atribuirá sífilis o processo meníngeo, pelo menos com bases seguras.

Também, segundo observações já numerosas, é possível haver a positividade das reações luéticas no liquor mesmo sem existir no paciente qualquer afecção específica, incriminando-se como responsáveis pelo fato modificações que se processam nas albuminas liquóricas.

Aguirre e Tetes, que publicaram em Agosto de 1933, na "Prensa Médica Argentina", um interessante trabalho sôbre "Tabes infantil" (2), assim se expressam a respeito da reação de Wassermann no líquido céfalo-raquidiano: "Debemos hacer notar aún, que en casos sumamente excepcionales, pudiera Ia reacción de Wassermann ser positiva, sin existir sífilis, como se lo ha descripto en los tumores cerebrales por Clovis Vincent, Guillain, Gendron, Mathieu, Weil y Weissmann, Netter, Babonneix, Chabrol, etc., atribuyendo este fenómeno a modificaciones de las albúminas". A propósito, citam um caso de Sezary, diagnostico clínicamente como tumor do ângulo ponto-cerebeloso e depois rotulado como sífilis protuberancial, por terem sido positivas a reação de Wassermann e a reação do benjoim coloidal: como, porém, o tratamento específico não desse resultados e surgissem novos sintomas compressivos, voltou-se ao primitivo diagnóstico e operouse o paciente, verificando-se, então, tratar-se de um glioma frontocerebeloso.

No Serviço de Neurologia da nossa Faculdade de Medicina já existem arquivados, alguns casos que ilustram as noções acima.

Na nossa tese inaugural mesmo, publicámos o seguinte, aqui reduzido ao que nos importa no momento (loc. cit., pag. 85)

R. N. F., moço de 19 anos de idade, sem nenhum antecedente pessoal ou familiar de sífilis, foi acometido em Novembro de 1930 por um processo meningítico.

O líquido, examinado após uma primeira punção raquidiana, revelou:

Punção lombar
Pressão não foi medida
Liquor levemente turvo, ligeiramente xantocrômico e com coágulo fibrinoso.
Albumina: 1,50 por 1.
Cloretos: 7,00 por 1.
Glicose: 0,35 por l.
Citologia: 250 células por mm3
Globulinas: Pandy - positiva (+++)
Nonne - positiva (+++)
Weichbrodt - positiva (+++)
R. Benjoim coloidal - 11222.22222.11000.0
R. Wassermann - positiva (+)
Ex. bacterioscópico - negativo
Ex. cultural - negativo
(Fleury Silveira - 18-11-30).

No mesmo dia em que se fez esta punção, retirou-se sangue do paciente para as reações de Wassermann e Kahn, que resultaram ambas negativas (Fleury Silevira).

Foram ainda praticadas mais sete raquicenteses no decurso da moléstia; só na última, entretanto, foi repetida a reação de Wassermann, dando o seguinte resultado:

Punção lombar, deitado.
Pressão in. 13; pressão fin. 8 (manômetro de Claude)
Vol.de liquor retirado: 13 cc.
Líquor límpido, ligeiramente xantocrômico.
Albumina: 0,70 por 1.
Cloretos: 6,80 por 1.
Glicose: 0,50 por 1.
Citologia: 320 elementos por mm3
Linfocitos ................ 64%
Med. mononucleares ......... 27%
Gr. mononucleares .......... 16%
Polinucleares..............3 %
Algumas células endoteliais, raros fibroblastos, nenhum plasmocito.
Elementos celulares de vitalidade média (2 horas)
Globulinas (Pandy, Nonne e Weichbrodt): positivas (+)
R. coloidais: Benjoim - 00000.22222.10000.0
Colofônia bicorada - 000.232.110.0
Ouro - 000.123.443.210
R. Wassermann - negativa com 1 cc.
(O. Lange - 15-12-30).

Como sevê, no primeiro exame de líquido a reação de Wassermann era leve, mas nitidamente positiva, e a reação do benjoim coloidal revelava uma curva meningo-sifilítica evidente; ao mesmo tempo, havia uma forte taxa de albumina, que atingia 1,50 gr. por litro. No último exame, feito um mês depois do primeiro, já a reação de Wassermann era negativa, como também negativas as coloidais na zona sifilítica; quanto ao teôr de albumina, baixara a 0, 70 gr. por mil.

Ora, nêste caso, a positividade das reações luéticas, observada de início, parece bem ter. dependido do elemento albumina. Não será, talvez, um fato ligado apenas á quantidade excessiva das substâncias protêicas (pois em muitos casos de hiperalbuminose acentuada o Wassermann e as coloidais não se positivam), mas dependerá, possívelmente, de uma alteração também qualitativa das mesmas albuminas. A explicação exata do que se passa é certamente difícil e escapa ao nosso alcance; contudo, o que importa aqui referir, pelo seu interêsse prático, é o fato de observação dos autores, já bem confirmado no Serviço de Neurologia da nossa Faculdade de Medicina por Osvaldo Lange, de que uma reação de Wassermann positiva no liquor e a precipitação das reações coloidais nos primeiros tubos não significam necessariamente uma lesão sifilítica do eixo nervoso ou das meninges, quando existe ao mesmo tempo muita albumina.

Muito demonstrativo a êste respeito é o caso de U. R., doente particular do Dr. Paulino Longo e que apresentava uma compressão medular por tumor.

Nêste paciente, um primeiro exame do líquido céfalo-raquidiano, extraido por punção baixa, revelou:

Punção lombar, posição sentada
Pressão in. 50; manobra de Queckenstedt: 58; pressão fin. 30
Vol. de liquor retirado: 13 cc.
Qr 7,8; Qrd 1,5
Liquor límpido e incolor.
Citologia: 2 elementos celulares por mm3 ,
Albumina: 1,20 por l.
Cloretos: 6,80 por 1.
Globulinas: Pandy - fortemente positiva
Nonne - positiva
Weichbrodt - positiva
Benjoim coloidal - 11122.22222.00000.0
Colofônia bicorada - 112.322.100.
Ouro coloidal - 012.233.321.000
R. Wassermann (3 antígenos) - positiva (+) com 1 cc.
(O. Lange - 18-11-30).

Um segundo exame, praticado nove dias depois, após punção alta,
demonstrou:

Punção sub-occipital, posição deitada.
Pressão in. 12; manobra de Queckenstedt: 24; pressão fin.8
Vol. de liquor retirado: 14 cc.
Qr 9; Qrd 0,2
Liquor límpido e incolor
Citologia: 0,6 elementos celulares por mm3
Albumina: 0,20 por 1.
Cloretos: 7,00 por 1.
Globulinas: Pandy - opalescência
Nonne - negativa
Weichbrodt - negativa
Benjoim coloidal - 00001.22110.00000.0
Colofônia bicorada - 001.222.100.0
Ouro coloidal - 001.232.110.000
R. Wassermann (3 antígenos) - negativa com 1 cc.
(O. Lange - 27-11-30).

Este caso, como se vê, é bastante expressivo, pois as reações luéticas manifestaram-se positivas no liquor lombar, onde havia acentuada dissociação albumino-citológica, ao passo que, no liquor sub-occipital, extraído após um pequeno intervalo de tempo e muito menos albuminoso, já as mesmas reações se mostraram negativas.

Convém referir que, no caso de A. J.., acima lembrado, também havia uma hiperalbuminose raquidiana, de 0,70 gr. por mil, acompanhando a positividade das reações luéticas, a qual diminuiu mais tarde para 0,30 gr. por mil, quando as mesmas reações se mostraram negativas; é difícil dizer, nestas condições, a qual dos dois mecanismos se deve atribuir o resultado das reações no primeiro exame: se á passagem dos anticorpos específicos através da barreira sangue- liquor ou a modificações das albuminas. O que parece bem certo é que, nos dois exemplos acima, as síndromes meningíticas não tiveram uma origem sifilítica, conforme as razões expostas e outros elementos diagnósticos considerados na nossa tese inaugural.

De tudo isso se infere a necessidade de um exame tão completo quanto possível do líquido céfalo-raquidiano, para que se possa formar uma idéia justa sôbre as alterações encontradas. O hábito - que ainda possuem alguns clínicos - de pedir ao analista apenas a reação de Wassermann e uma reação coloidal "simplificada" aos primeiros tubos é, sem dúvida, bastante condenável. Se, por exemplo, assim se tivesse procedido no caso acima lembrado, em que a positividade destas reações era divida a modificações das albuminas, a meningite teria sido diagnosticada como sifilítica, seguindo-se então um tratamento específico, se não prejudicial, pelo menos absolutamente inútil.

O quadro clínico e a evolução da meningite luética não oferecem dados importantes para a diferenciação etiológica; o ambiente em que se verificou a moléstia também não traz esclarecimentos a êste respeito, mas os comemorativos pessoais e hereditários do paciente, a pesquisa de estigmas de lues e a prática das reações específicas no sôro sanguíneo são preciosos fatores adjuvantes para o diagnóstico.

Meningite tuberculosa.

A mais temível das meningites mononucleares, por ser a que traduz uma sentença de morte irremediável na quasi totalidade dos casos, é certamente a meningite tuberculosa. Seu diagnóstico não raras vezes é difícil e dá margem a confusões sôbre a etiologia, pois o achado do bacilo de Koch no líquido não é sempre fácil, mau grado afirmem alguns autores que essa pesquisa resulta positiva em todos os casos, desde que seja feito um exame prolongado e empregada técnica precisa. Por sua vez, a inoculação do liquor em cobaia demanda um longo tempo de espera do resultado, o que a torna um recurso incompatível com a precocidade diagnóstica, embora não deixe de ser precioso em muitos casos e, por isso mesmo, nunca desprezível.

O quadro humoral da meningite tuberculosa foi assim sintetizado por Osvaldo Lange (10):

a) hipertensão;
b) opalescência e retículo fibrinoso;
c) hipercitose (entre 100 e 300 células por mm³),com predominância de mononucleose;
d) hiperalbuminose (acima de 1 gr. Por mil);
e) hipoclororraquia (entre 5 e 6 grs. Por mil);
f) hipoglicorraquia (próxima de 0 grs. Por mil);
g) hiperglobulinose;
h) negatividade do Wassermann;
i) positividade do exame bacterioscópico ou da inoculação em cobaia.

Como se pode vêr, o diagnóstico de causa não oferece dúvidas quanto todo êste conjunto de alterações se verifica, mas, nos casos em que o exame bacterioscópico e a inoculação resultam negativos, ou quando não se encontra o bacilo ao microscópio e não se tem ainda o resultado da inoculação, torna-se impossível afirmar sem restricções, só pelo exame do liquor, que se trata de uma meningite tuberculosa, e isto ainda mesmo em presença de todos os outros elementos acima enumerados. Em outras palavras: o quadro humoral, em tais condições, não pode ser considerado patognomônico da meningite tuberculosa.

Com efeito, analisemos rápidamente cada um dêsses elementos:

a) a hipertensão - é uma ocorrência comum a todas as meningites e, como tal, de nenhum valor para o diagnóstico etiológico;

b) a opalescência e o retículo fibrinoso - não são exclusivos -da meningite tuberculosa. Quanto á primeira, indica um exagero do número de elementos figurados, com ou sem excesso de fibrina, e estas condições podem realizar-se em outras meningites que não a tuberculosa. Assim, por exemplo, na meningite agúda linfocitária benigna, que adiante estudaremos, o líquido quasi sempre é turvo ou opalescente, devido á grande hipercitose que lhe é habitual. Com respeito ao retículo fibrinoso, sabe-se que não é peculiar á meningite tuberculosa, tanto assim que o encontrámos em quatro casos de meningite agúda linfocitária benigna, dentre nove que estudámos (loc. cit., obs. 1, 111, V e VI) ;

c) a hipercitose - é geralmente de 100 a 300 células por mm3, na meningite tuberculosa, mas êstes números podem variar para mais ou para menos, segundo a intensidade do processo, o período da moléstia em que foi praticada a punção, etc. ;


d) a hiperalbuminose - é bastante alta em quasi todos os casos de meningite tuberculosa, ultrapassando habitualmente 1 gr. por litro de liquor, mas pode ser mais baixa em certos casos, ou igualmente alta em outras meningites;

e) a hipoclororraquia - já houve tempo em que foi considerada patognomônica da meningite tuberculosa, quando descia a menos de 6 grs. por litro (Metrezat), mas hoje sabemos que a queda dos cloretos pode ser pronunciada em outras meningites e, mais raramente, faltar na meningite tuberculosa. Em dois dos casos de meningite aguda linfocitária benigna que publicámos (loc. cit., obs. 1 e 111), ficou bem confirmada a primeira possibilidade, pois verificou-se em ambos um teôr de 5,90 grs. de cloretos, como taxa mínima encontrada. Quanto á segunda possibilidade, Urechia e Bonnin descreveram casos de meningite, que foram bem confirmados pela autópsia como de natureza tuberculosa, e nos quais os cloretos se conservaram em taxas normais (cit. O. Lange, 10, pag. 180) ;

f) a hipoglicorraquia - é bem própria da meningite tuberculosa, mas também não específica, sabido como é que a taxa de glicose costuma baixar sensivelmente nas meningites em geral. Contudo - digamos - a hipoglicorraquia acentuada, próxima de 0 grs. por litro de liquor, é um dos melhores elementos humorais em favor do diagnóstico de meningite tuberculosa. Mais valor ainda possúe quando se associa a uma hipocloretorraquia inferior a 6 grs. por mil e a uma hipercitose que não ultrapassa 300 células por mm3 ;

g) a hiperglobulinose - é comum a todas as meningites;

h) a negatividade da reação de Wassermann - é constante nas meningites não sifilíticas (ressalvados os casos de exceção a que já nos referimos).

Fica, portanto, bem claro que só é possível afirmar sem restrições, pelo estudo do liquor, a natureza tuberculosa de uma meningite quando o exame bacterioscópico revele: o bacilo de Koch ou quando a inoculação em cobaia resulta positiva para a tuberculose. Já dizia, com efeito, Babonneix (4) : "Tudo pode enganar: a linfocitose, a hiperalbuminose, a hipertensão do líquido céfalo-raquidiano. Apenas a presença do bacilo oferece dados decisivos".

Entretanto, com o concurso de todos os elementos diagnósticos associados, a conclusão pode ser tomada muitas vezes com grandes probabilidades, havendo casos mesmo nos quais, por exclusão, o diagnóstico pode ser afirmado conscienciosamente, apezar da ausência de dados indiscutíveis.

A observação que em seguida resumimos vem ilustrar estas considerações, pois tudo faz supôr que ela se refere a uma meningite tuberculosa de forma cefalálgica, embora o exame do liquor não tenha permitido afirmar êsse diagnóstico:

A. O., 51 anos de idade, casado.
Fomos vê-lo em sua casa, no dia 8 de Dezembro de 1934, a pedido do Dr. Uzeda Moreira, tisiologista, que em carta nos declarava ser o doente portador de uma tuberculose pulmonar unilateral (direita), com pneumotórax terapêutico e meningite cuja natureza bacilar achava provável.

A moléstia atual iniciara-se, havia já cêrca de vinte dias, por cefaléia, que aos poucos se tornara constante, violenta e rebelde aos tratamentos habituais, e que não se acompanhara de vômitos, nem de ânsias, nem de constipação de ventre.

Na ocasião da nossa visita, entretanto, a cefaléia havia cessado por completo, após ter o doente ingerido uma cápsula de Nevroseda. Estavam ausentes os outros sintomas habituais, subjetivos ou objetivos, de meningite. O pulso batia 84 vezes por minuto. O estado geral do paciente era bom. Nada de particular pelo exame do coração. Fígado bastante aumentado, ultrapassando de quatro dedos o rebordo costal.

O exame do líquido céfalo-raquidiano, praticado após raquicentese feita na manhã do dia 9, revelou:

Punção sub-occipital, posição deitada.
Pressão in. 6;pressão fin. 0.
de liquor retirado: 18 cc.
Qr 0; Qrd 0,3.
Liquor límpido e incolor.
Citologia: 14,3 elementos por mm3 (célula de Nageotte)
Linfocitos ................. 72%
Med. mononucleares ......... 10%
Gr. mononucleares.......... 7 %
Polin. neutrófilos ........... 6 %
Células endoteliais .......... 5 %
Vitalidade celular regular (2 a 4 horas)
Albumina: 0,50 por 1.
Cloretos: 7,00 por 1.
Glicose: 0,46 por 1.
Globulinas (Pandy, Nonne e Weichbrodt) - positivas
Benjoim coloidal - 00000.12222.21000.0
R. Takata-Ara - positiva (tipo meningítico)
R. Wassermann - negativa com 1 cc.
Ex. bacterioscópico (Ziehl) - negativo.
Inoculação em cobaia - negativa.
Em 18-12-34, tivérnos notícias do falecimento do doente.
(O. Lange - 9-12-34).

Uma confusão bem possível, como se deduz do que já foi dito, é a dos quadros humorais da meningite tuberculosa e da meningite agúda linfocitária benigna, e foi esta uma questão sôbre a qual insistimos grandemente no nosso trabalho já citado, referente á segunda destas moléstias. As vezes mesmo a diferenciação pode ser das mais difíceis, sendo fato comprovado que quasi todos os casos de meningite agúda linfocitária benigna passam primeiramente pelo diagnóstico de meningite tuberculosa, com seu inseparável e terrível prognóstico, diametralmente oposto ao que se teria de aventar na hipótese acertada.

A natureza de uma meningite - tenha-se sempre presente - só pode ser afirmada diante de elementos diagnósticos seguros (como a positividade do exame bacterioscópico ou da inoculação), ou, na falta dêstes, diante de um conjunto concordante de fatores recolhidos dentre todos os meios diagnósticos ao nosso alcance, e afastada a possibilidade de serem êles dependentes de causas eventuais associadas, extranhas á afecção meníngea em questão (como nos casos já referidos, de reações de sífilis positivas no liquor, em casos de meningites não sifilíticas).

Uma condição que também aqui pode trazer dificuldades ao estabelecimento da etiologia é a existência de lues no indivíduo que adquire uma meningite tuberculosa. A êste propósito, diz Osvaldo Lange (9) : "Muito difícil é a interpretação do síndromo liquórico quando a meningite tuberculosa se assesta em indivíduo sifilítico; em virtude da ruptura da barreira hemo-meníngea pela infecção tuberculosa, as reações para a sífilis positivam no líquido céfalo-raquidiano, complicando grandemente a apreciação do quadro humoral. A tuberculização da cobaia é aqui elemento preponderante para o diagnóstico diferencial".

Finalmente, ainda a respeito da análise humoral na meningite tuberculosa, lembraremos que Riquier aconselha (11), nos casos em que exames pacientes e repetidos do líquido retirado por punção lombar tenham falhado quanto á demonstração do bacilo, que se examine o liquor extraido por punção da cisterna cerebelomedular, visto saber-se, por estudos recentes de vários autores, que no líquido cisternal a evidenciação do bacilo é mais fácil (100 % dos casos, segundo Stewart).

Os comemorativos pessoais e hereditários do paciente são de grande valor para o diagnóstico de meningite tuberculosa, não nos parecendo necessário insistir nêste ponto.

Quanto á investigação do ambiente em que se registrou o caso suspeito, é também valiosa, dada a facilidade de contágio da tuberculose.

Finalmente, o quadro clínico atual e a evolução não oferecem elementos decisivos nesta meningite, mas o aparecimento de fases de remissão da moléstia, com melhoras aparentes e transitórias, a intensidade do quadro clínico fora das remissões, as alterações da fisionomia, um torpor mais ou menos acentuado, o achado de lesões tuberculosas ou suspeitas pelos meios propedêuticos ou de laboratório (radiografias, cuti-reação) e, por fim, a evolução mais ou menos prolongada para o êxito letal - são dados a favor da origem tuberculosa do processo meningítico.

Meningite agúda linfocitária benigna.

Esta forma de meningite, que tem sido muito estudada ultimamente, após a importante comunicação de Roch, E. Martin e V. Monedjikova (12 ), realizada em Março de 1930 na Sociedade Médica dos Hospitais de Paris, é atribuída pela maioria dos autores a vírus neurotrópicos. Mas não é questão resolvida se há um virus que lhe seja próprio ou se existe uma síndrome meningítica linfocitária benigna dependente, segundo os casos, de gérmes variados. O certo, porém, é que( em presença dos quadros que se amoldam áquella designação, e que humoralmente são muito semelhantes uns aos outros, pode-se umas vezes, com maior ou menor segurança, relacionar a meningite a afecções bem determinadas (poliomielite, encefalite, parotidite epidêmica, etc.), para o que servem de base argumentos clínicos e epidemiológicos, ao
passo que, de outras vezes, nenhum fator clínico, humoral, experimental ou epiderniológico traz esclarecimentos sobre a causa que está em jogo.

Há lugar, portanto, no momento presente, e a título provisório, para se distinguir dois grupos dessas meningites, o primeiro englobando as que têm uma etiologia mais ou menos evidente (e que chamaremos de "meningite poliomielítica", "encefalítica ', "parotidiana ', etc.) e o segundo compreendendo as que são de causa impossível de determinar. Para estas últimas reservaremos, com mais particularidade, o nome de "meningite agúda linfocitária benigna', que nos dá as caraterísticas primordiais da afecção, i. é: a sua natureza agúda, o fato humoral predominante e o prognóstico favorável, sem prejulgar a questão da étio-patogenia, ainda não suficientemente esclarecida.

Cuidemos em primeiro lugar desta forma cuja causa é desconhecida.

O seu quadro humoral foi por nós resumido da seguinte maneira (5, pag. 44)

a) hipertensão;
b) liquor ligeiramente turvo, opalescente, ás vezes com retículo fibrinoso, raramente xantocrômico;
c) hipercitose, tanto mais acentuada quanto mais intensa a sintomatologia clínica de meningite; mononucleose com predominância linfocitária; vitalidade celular muito intensa no período inicial da moléstia;
d) hiperalbuminose e hiperglobulinose;
e) clororraquia variável, correspondendo os valores mais baixos á maior intensidade do processo inflamatório;
f) glicorraquia geralmente normal;
g) curvas coloidais meningíticas;
h) negatividade das reações evidenciadoras de lues;
i ) negatividade dos exames bacterioscópico e cultural.

Pode-se ver, pela simples leitura dêste quadro, que não se trata de um conjunto humoral patognomônico, sendo muito possível a confusão com outras meningites. Convém lembrar que a hipercitose é quasi sempre notável, acima de 300 células por mm3 de liquor, predominando nítidamente os linfocitos. Os cloretos podem baixar bastante, quando a reação citológica é acentuada, mas em geral não chegam a valores tão pequenos como na meningite tuberculosa; por sua vez a hiperglobminose não alcança, senão por exceção, as taxas muito elevadas dessa meningite. Quanto ao teôr em glicose, que costuma manter-se próximo da cifra normal, constitúe um bom elemento para a diferenciação com a meningite tuberculosa.

Os antecedentes pessoais e hereditários do paciente, a investigação do ambiente em que se passou o quadro mórbido e os exames complementares de laboratório trazem sempre resultados negativos, que reforçam as conclusões.

Quanto ao quadro clínico, não oferece grandes informes. A cefaléia é constante, geralmente intensa e pertinaz; a rigidez da nuca e os vômitos são ocorrências das mais frequentes; a febre quasi nunca falta. E importante saber, entretanto, que em certos casos a sintomatologia pode ser muito escassa, a ponto de não parecer tratar-se de uma meningite, ás vezes só descoberta após a punção raquidiana. Foi o que sucedeu numa das observações que publicámos (6) e também o que Krabbe (8) já fizera notar quando descreveu, em 1930, onze casos da afecção.

Outro fato que convém mencionar é a melhora rápida, ás vezes instantânea, que se obtem nesta forma de meningite após a raquicentese, fato para o qual já chamavam a atenção Roch e seus colaboradores (12) e que foi bem confirmado em quatro dos casos que estudámos (5, obs. I, IV e V) e (5).

Mais pormenores sôbre esta interessante meningite serão encontrados na nossa tese inaugural (5).

Passemos agora, rapidamente, ás meningites poliomielítica, encefalítica, parotidiana e herpética, cujos quadros humorais não se diferenciam, na sua essência, do que foi acima descrito, e cujo diagnóstico está baseado nos elementos clínicos e epidemiológicos:

a) Meningite poliomielítica - Dá, pela punção lombar, "um líquido claro, límpido, com reação linfocitária constante e por vezes uma proporção de linfocitos indo até 500, 800 e mais por milímetro cúbico (Comby, 7).

O seu diagnóstico deve ser baseado, principalmente, na existência de paralisias e na concomitância de uma epidemia da moléstia de Heine-Médin.

b) Meningite encefalítica - Apresenta um quadro líquórico semelhante ao da meningite poliomielítica.

O seu diagnóstico será feito pela presença de sintomas de encefalite, pela existência de epidemia desta moléstia na região ou pelo aparecimento tardio de sequelas.

c) Meningite parotidiana - Segundo Weissembach, G. Basch e M. Basch (13), dá um líquido límpido, hipertenso, hiperalbuminoso, sem gérmes ao exame direto, negativo á cultura e fortemente linfocitário, sendo a linfocitose exclusiva ou predominante. A moléstia tem manifesta predileção pelas crianças e pelo sexo masculino, de acôrdo com o que concluiu Taillens, em 1928, de um estudo estatístico dos casos que encontrou na literatura.

O seu diagnóstico deriva principalmente da participação da parótida (não importa em que período da afecção), da existência de uma epidemia simultânea de cachumba e da idade do paciente.

d) Meningite herpética - Ainda discutida quanto á sua autenticidade, que por uns é negada, por outros posta em dúvida e por outros admitida, é descrita como tendo os seguintes caraterísticos humorais: líquido geralmente claro e quasi sempre linfocitário, podendo, contudo, ser turvo e polinuclear; citologia variável, sendo a fugacidade o caráter essencial das reações leucocitárias; albumina normal ou aumentada.

O seu diagnóstico far-se-á nos casos em que, afastadas as demais etiologias, a meningite coexistir com uma erupção herpética evidente (de regra labial ou genital). A inoculação positiva do líquido céfalo-raquidiano na córnea de coelho reforçará as conclusões, pois ela representa, segundo Aubertin e Fleury (3), "um argumento importante, senão decisivo, em favor da individualidade clínica da meningite herpética" (eliminada a possibilidade de espiroquetose).

Meningites serosas

São próximas das meningites que acabámos de estudar, principalmente pelo quadro humoral que as caracteriza, e podem ser, segundo Eckstein: a) traumáticas; b) por estase (transudativas) ; c) por hipersecreção (ependimites) ; d) por hiporeabsorção (trombose dos sinus) ; e) tóxicas; f) concomitantes (processos ósseos de visinhança) ; g) infecciosas (cit. 10).

O seu diagnóstico etiológico não pode ser feito, geralmente, pelo estudo exclusivo do liquor, mas por uma apreciação minuciosa dos elementos clínicos, orientada para as causas referidas.

Do que expuzémos, vê-se que pode ser um sério problema encontrar-se a etiologia de certas meningites mononucleares, e que é preciso sempre, em cada caso, reunir todos os dados diagnósticos que êle possa oferecer e interpretá-los em conjunto. Só assim o médico pode, senão acertar sempre, pois que o êrro é prório do homem, pelo menos errar tão pouco quanto possível, em benefício dos seus pacientes e para tranquilidade da sua consciência.

BIBLIOGRAFIA

1 - Trabalho apresentado á Sociedade de Medicina e Cirurgía de S. Paulo, na sessão de 1 de julho de 1935.
2 - AGUIRRE (R. C.) y TETES (R.) - La Prensa Med. Argentina - Ano XX - N.º 34 - 23 Agosto 1933 - pag. 1826.
3 - AUBERTIN (Ch.) et FLEURY (J.) - La méningite herpétique - Monde Méd. - N.º 770 - 15 Mai 1930 - p. 533.
4 - BABONNEIX (L.) - Réactions méningées chez 1'enfant - Monde Méd. - N.º 699 - 1-15 Déc. 1926 - pag. 970.
5 - BASTOS (Fernando de O.) - Meningite agúda linfocitária benigna. Idéias gerais sôbre as meningo-encéfalo-mielites por virus neurotrópicos - Tese de doutoramento - São Paulo - 1933.
6 - BASTOS (Fernando de O.) - Meningite agúda linfocitária benigna (a propósito de um novo caso) - Rev. de Neurol. e de Psych. de São Paulo - V. I - N.º 1 - Outubro de 1934 - pag. 41.
7 - COMBY (J.) - La poliomyélite à forme méningée - Clinique et Laborat. - N.º 1 - 30 Janv. 1931 - pag. 1.
8 - KRABBE (K. H.) - Meningite linfocitaire benigne - Rass. intern. di clin. e terapia - Ano XI - N.º 3 - Marzo 1930 - pag. 168.
9 - LANCE (Oswaldo) - O liquido cephalo-rachideano nas affecções do systema nervoso - Rev. de Medicina - N.° 58 - Julho de 1933 - p. 3.
10 - LANCE (Oswaldo) - O liquido cephalo-rachideano nas meningites - Annaes da Fac. de Med. de São Paulo - V. VII - 1932 - pag. 169.
11 - RIQUIER (G. C.) - Forme atipiche di meningite tubercolare nell'adulto - Rass. clinico-scient. - Ano XI - N.° 3 - 15 Março 1933 - pag. 124.
12 - ROCH, E. MARTIN e V. MONEDJIKOVA - Bull. et mém. Soc,. Méd. d. hôp. de Paris - 1930 - pag. 402.
13 - WEISSEMBACH (R.J.)BASCH (G.) et BASCH (M.) - Ann. de Méd. - T. XXVII - N.º 1 - Janv. 1930.

RESUMÉ

DR. FERNANDO DE OLIVEIRA BASTOS - Sur les méningites mononucleaires.

Après quelques considérations générales sur 1'étiologie des méningites, attire 1'A. 1'attention sur les divers facteurs qui peuvent déterminer des causes d'erreur, en difficultant le diagnostic: il signale la grande importance d'une bonne connaissance de quelques élements, par le médecin, et rapelle la valeur des altérations presentées par le liquide cephalo-rachidien.

L'A. étudie particulièremente les méningites mononuclésires et aussi les méningites syphilitique et tuberculeuse, la méningite aigue lymphocytaire benigne, de cause indeterminée.
L'A. conclut son travail avec rapides reférences au sujet des méningites polyomyelitique, encéphaletique, parotidienne, herpétique et séreuses.

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