Versão Inglês

Ano:  1972  Vol. 38   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 297 a 303

 

ASPECTOS NEUROLÓGICOS E OFTALMOLÓGICOS DO DIABETES MELLITUS*

Autor(es): Marcos Grellet **,
Harley Edison Amaral Bicas***,
Argemiro Lauretti Filho***,
Tatsuto Kimachi ***

Introdução

Ao examinarmos pessoas diabéticas despertou-nos interesse quais possíveis alterações poderíamos encontrar no labirinto anterior, posterior e suas prováveis correlações com possíveis patologias da retina e também com seus aspectos clínicos gerais.

A discussão sobre a relação entre diabetes mellitus e doenças do órgão acústico e vestibular vem sendo feita há mais de cem anos. Assim, Jordão em 1857, foi o primeiro a relatar um caso de coma de diabetes incipiente em um paciente de 41 anos de idade com alterações da visão, audição, olfato e gosto. Afecção isolada do aparelho vestibular foi descrita por Lang (1913). Num homem diabético com 61 anos de idade, que tinha vertigem na mudança de posição da cabeça, encontrou hipersensibilidade do aparelho vestibular esquerdo ao teste calórico pelo método de Ruttin. Os sintomas desapareceram após 2 semanas de terapia antidiabética. Lederer (1926) estabeleceu que a doença do ouvido interno em diabéticos era de início insidioso, de curso extremamente crônico e geralmente bilateral.

Root (1946) estabeleceu que sintomas semelhantes ao Ménière são complicações comuns, especialmente em diabéticos com idade média ou avançada. Outros autores como Cojazzi (1950), Jorgensen (1959) e Jorgensen e Buch (1961) também tecem considerações semelhantes. Um apreciável número de estudos clínicos Kulz, 1899, Edgar, 1915, Camisasca, 1950, Marullo, 1950, Vigi, 1950, Profazio e Baravelli, 1959, indicam que o diabetes mellitus pode lesar o ouvido interno caracterizado por perda da audição bilateral progressiva do tipo de percepção. Lundbaek, 1953, aceita a existência de doença vascular específica de diabetes mellitus (angiopatia diabética). Retinopatia e nefropatia são consideradas manifestações puras de angiopatia diabética. Jorgensen, 1961, considera que a base anátomopatológica da doença do ouvido interno seja a mesma da retinopatia. Explica ser a surdez súbita em diabéticos devido a hemorragia, edema e absorção parcial como pode ser observado diretamente na retina.

Material e Métodos

Observamos 26 pacientes com diabetes controlados ou com insulina ou com hipoglicemiantes e dieta. Estes pacientes foram tomados ao acaso no ambulatório de Clínica Médica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, cuja distribuição etária variou de 51 a 84 anos com exceção de 1 paciente que contava 16 anos de idade.

O interrogatório visou a sintomatologia clínica geral e do aparelho coclear e vestibular. Submetemos o paciente a exame clínico geral, otorrinolaringológico, otoneurológico e da retina. Não realizamos registro eletronistagmográfico. A audição foi avaliada através da audiometria liminar, supraliminar (SISI e Tone-Decay) utilizando o audiômetro Peters AP-5. Estudos de possíveis lesões cocleares ou retrococleares foram realizados com o audiômetro de Békèsy.

A função vestibular quanto a sua excitabilidade foi avaliada pela prova calórica de Fitzgerald-Hallpike. Dos 26 pacientes, 11 foram submetidos a exames oftalmológicos (eletrooculograma e oftalmoscopia).

Resultados

Dos 26 pacientes observados, cuja distribuição etária variou de 51 a 84 anos de idade, tivemos uma paciente que contava 16 anos de idade. Quinze pacientes pertenciam ao sexo feminino e 10 ao sexo masculino. No referente a cor, dois pacientes eram de cor preta e os demais de cor branca. A duração da doença variou na grande maioria dos casos de 8 a 20 anos; em 6 pacientes q variação foi de 2 a 7 anos e apenas um contava ser diabético há 6 meses. A maioria dos doentes, 18 ao todo, não referiam perda de audição e destes somente dois apresentaram audiograma normal. Também ocorreu que 17 pacientes não queixavam-se de zumbidos embora também com audiograma alterado. A tontura giratória e não giratória estava ausente sendo referida apenas em alguns casos quando havia diabetes descompensada ou aumento da pressão arterial.

O exame otorrinolaringológico não revelou alterações dignas de nota.

Nas investigações vestibulares os achados foram os seguintes:

1 - Equilíbrio

Um paciente parkinsoniano revelou tremores nos membros superiores, Romberg oscilante e marcha em estrela. Outro mostrou tendência à queda para a direita no exame de Romberg. Na marcha um doente revelou desvio para à direita. Os demais não demonstraram alterações do equilíbrio.

2 - Cerebelo normal

3 - Nervos cranianos: pesquisa do III ao XII par sem alterações

4 - Nistagmo

a) movimentos oculares: normais

b) nistagmo expontâneo e semi-expontâneo: ausente


c) nistagmo de posição: ausente

Vertigem de posição presente em dois casos ao passar da posição deitada com a cabeça pendente para a posição sentada com a cabeça ereta.

Nistagmo pós-calórico:

Observamos normorreflexia em 23 pacientes. Hiporreflexia unilateral em 1 doente. Preponderância direcional para a esquerda, um caso. A diferença de excitabilidade revelada pela fórmula de Jongkees variou de 0 a 6%. No único caso com preponderância direcional do nístagmo encontramos pela fórmula de Jongkees resultado 11%.

5 - Os resultados dos exames audiológicos foram os seguintes:

Audiograma normal em 2 pacientes.

Disacusia neuro-sensorial em 23 pacientes na maioria bilateral, com diferentes graus de intensidade e apresentando nestes casos diferentes tipos de audiogramas:

a) queda nos agudos bilateral e moderada; 5 casos

b) queda nos agudos bilateral de moderada para severa; 4 casos

c) queda nos agudos unilateral; 1 caso

d) queda mais acentuada nos agudos bilateral, de moderada para severa; 3 casos

e) curva horizontal bilateral moderada; 1 caso

f) queda em freqüências isoladas, bilateral, moderada; 6 casos

g) curva em U, queda moderada, bilateral; 2 casos

h) curva em U invertido, queda acentuada bilateral; 1 caso

i ) os testes supraliminares revelam;

SISI:

a) positivo - 0 caso

b) negativo - 23 casos

c) duvidoso - 2 casos

Tone-Decay:

adaptação normal - 23 casos

adaptação anormal - 2 casos

Békèsy: registramos este audiograma em 16 casos e todos apresentaram traçado tipo I. Observamos que em 5 casos a amplitude do traçado para sons contínuos e interrompidos foi maior do que 15 decibéis. Houve
3 casos com recrutamento em algumas freqüências agudas. Dos 26 pacientes, 11 foram submetidos a exames oftalmológicos (eletrooculograma e oftalmoscopia). O índice eletro-oculográfico, (Arden, 1962) pelo qual se pode inferir o estado da função retiniana, apresentou valores patológicos em três pacientes, um dos quais também com alterações do labirinto anterior e posterior, diabetes não compensada e alterações oftalmoscópicas (microaneurísmas, hemorragia e exsudatos); os outros dois com audiograma em U e do presbiacúsico, respectivamente. Quatro mostraram valores suspeitos do índice eletro-oculográfico; um deles mostrou-se clinicamente com diabetes apenas moderadamente compensada e audiograma com quedas em freqüências isoladas. Nos outros três, a diabetes estava clinicamente compensada e o audiograma apresentou-se compatível com a senilidade em dois deles e normal no outro. Em quatro pacientes com valores normais, um encontrava-se com diabetes não compensada e audiograma em U invertido e alterações oftalmoscópicas (microaneurismas e exsudatos) e dois com quedas em freqüências isoladas no registro audiométrico.

Discussão

Os sintomas otológicos quer referentes ao aparelho coclear, quer referentes ao aparelho vestibular são raros, estando relacionados com o diabético descompensado e/ou com aumento da pressão arterial. Apesar de pertencerem a um grupo etário avançado não houve riqueza da sintomatologia do labirinto, devido provável envelhecimento das artérias, mas sim causado por alterações do açúcar sanguíneo e hipertensão arterial. Jorgensen e Buch (1961) realizaram exame otoneurológico em 69 diabéticos, encontrando em 28 casos perda auditiva simétrica progressiva do tipo perceptivo. Alguns pacientes relataram perda da audição de início agudo, acompanhada de zumbidos e vertigens. Nos casos onde os testes de recrutamento foram realizados, a doença foi localizada na cóclea. Testes para a função vestibular não revelaram comprometimento deste aparelho. Em nossos resultados também encontramos disacusia neurosensorial com exceção de 2 casos, cujo audiograma era normal. Torna-se difícil poder afirmar até que ponto essa disacusia é devido a idade (presbiacusia) ou devido patologia diabética quer no sentido de tornar mais intensa essa disacusia, quer no sentido de por si só causá-la, principalmente porque nos sos pacientes avançam na idade, havendo somente 1 caso de paciente jovem sem sintomatologia labiríntica e cujos testes otoneurológicos revelaram-se normais. Entretanto temos 10 casos cujo audiograma foge daquele que se nos apresenta semelhante ao dos presbiacúsicos, o que nos permite pensar serem devidos, provavelmente a alterações produzidas pela diabetes como distúrbios metabólicos, microangiopatias, arterioesclerose e hípertensão arterial. Estamos procurando fazer estudo de um grupo etário jovem para podermos fazer comparações com os resultados já obtidos. Outro fator importante se refere ao problema de estarem esses pacientes com sua diabetes controlada por tratamento insulínico o que nos impede de fazermos observações do labirinto na fase de descompensação do diabetes.

Também o problema se acentua ao pensarmos na dificuldade, para não dizer da impossibilidade de estudos histopatológicos do labirinto humano. As alterações reveladas pelos testes supraliminares (SISI, Tone-Decay e Békèsy) quando presentes eram cocleares. O exame do labirinto posterior mostrou-se alterada somente em um caso estando de acordo com os achados de Jorgensen. Nos casos em que o exame eletro-oculográfico foi realizado a correlação com os dados otoneurológicos não foi conclusiva.

Resumo

Estudamos vinte e seis pacientes com idade entre 51 a 84 anos, havendo somente um com 16 anos. A duração da doença variou na grande maioria dos casos de 8 a 20 anos; em 6 pacientes a variação foi de 2 a 7 anos e apenas um contava ser diabético há 6 meses. Testes otoneurológicos demonstraram que os sintomas referentes aos aparelhos coclear e vestibular eram raros, estando relacionados com a diabetes descompensada e/ou com aumento da pressão arterial. Em nossos resultados encontramos disacusia neurosensorial com exceção de 2 casos, cujo audiograma era normal. Torna-se difícil poder afirmar se a disacusia é devida à idade (presbiacusia) e/ou à patologia diabética. Entretanto temos 10 casos cujo audiograma (em U, U invertido, horizontal e com queda em freqüências isoladas) foge daquele que se nos apresenta nos presbiacúsicos, o que nos permite pensar serem devidos, provavelmente, a alterações produzidas pela diabetes (distúrbios metabólicos, microangiopatias, arterioesclerose e hipertensão arterial). As alterações reveladas pelos testes supraliminares (SISI, Tone-Decay e Békèsy) quando presentes eram cocleares. O exame do labirinto posterior mostrou-se alterado somente em um caso. Onze pacientes foram submetidos a exame oftalmoscópico e eletro-oculog rama. A relação eletrooculográfica de Arden estava anormal em três pacientes; um deles apresentou também alterações do labirinto anterior e posterior, diabetes não controlada e alterações oftalmoscópicas (microaneurismas, hemorragias e exsudatos); um paciente apresentou audiograma em U e o outro audiograma do presbiacúsico.

Quatro pacientes mostraram valores suspeitos do índice eletro-oculográfico; um diabético estava moderadamente controlado e audiograma com queda em freqüências isoladas. Nos três restantes, a diabetes estava controlada, o audiograma normal em um caso e semelhante ao do presbiacúsico nos outros dois. Em quatro pacientes com eletro-oculog rama normal, um apresentou diabetes não controlada, audiograma em U invertido e alterações oftalmoscópicas (microaneurismas e exsudatos) e dois com quedas em freqüências isoladas no audiograma. Nesses casos em que o exame eletro-oculográfico foi realizado a correlação com os dados otoneurológicos não foi conclusiva.

Summary

Twenty six diabetic patients aged between 51 to 84 yars (one was 16) were taken for clinical studies. Usually the diabetes was lasting for 8 to 20 years before the tests but in 6 patients the range was 2 to 7 years and in one the symptoms were recent (6 months). Otoneurologic tests showed only few complaints referring to the coclear and vestibular apparatus aithough they can be related to the non controlled diabetes and/or to the increased arterial pressure. In every case the audiograms pointed out to a sensoryneural alteration but in two cases the results were normal. It is dificult to say if the neurosensorial alterations are due to the increased age (presbyacusis) or to the diabetes. In 10 cases the audiogram was altered (Ushapped, inverted U-shapped, horizontal and with isolated frequencies fali) and probably due to the diabetes. When present, they showed by the supraliminars tests (SISI, Tone-Decay and Békèsy) they were coclear. The posterior labyrinthine tests showed changes in just one case.

Eleven patients were studied with electrooculograms and ophthalmoscopy. The Arden's electro-oculographic ratio (which is lower in several fundus affections) were abnormal in 3 patients; one of them presented also anterior and posterior labyrinthine changes, non controlled diabetes and ophthalmoscopic abnormalities (microaneurysms, haemorrhages and exsudates); one patient presented an U-shapped audiogram and the other an audiogram of an aged patient. Four patients showed low values to the Arden's ratio; in one diabetes was moderately controlled and the audiograms presented frequencies fali. In the remaining three, the diabetes was controlled, the audiogram was normal in one case and similar to the audiogram of the presbyacusics in the other two. In the four patients in which the electrooculogram was normal, one presented non controlled diabetes, inverted U-shapped audiogram and ophthalmoscopic changes (microaneurysms and exsudates); two of them presented isolated frequencies fali in the audiograms. It was not possible to point out a definite relationship between otoneurologic and ophthalmologic findings in those cases.

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* Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia e no Dept.º de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

** Professor Assistente-Doutor e Coordenador da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

*** Professor Assistente-Doutor da Clínica Oftalmológica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

**** Professor Assistente-Doutor da Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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