Versão Inglês

Ano:  1972  Vol. 38   Ed. 2  - Maio - Agosto - (40º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 267 a 272

 

TRATAMENTO DAS FRATURAS NASO-ORBITÁRIAS NAS CRIANÇAS E SUAS SEQUELAS - ATUALIZAÇÃO E CONSIDERAÇÕES EM TORNO DE 2 CASOS

Autor(es): F. S. Villela *,
L E. Reginato **

Introdução e Objetivo do Trabalho

As fraturas naso-orbitárias em crianças provocam, se não corrigidas em tempo hábil, deformidades que se caracterizam por nariz em seta, tetecanto, obstrução nasal e obstrução do canal lácrimo-nasal.

Revisão da Bibliografia

O tratamento das fraturas naso-orbitárias, segundo Mustarde(1), nas quais os ossos nasais foram empurrados para dentro do espaço inter-orbital, com envolvimento das estruturas fronto-etmoidais, podem ser melhor tratadas pelo método de "Céu Aberto". Na redução aberta, realizam-se incisões laterais periórbitas que podem ser unidas, para melhor exposição, por uma incisão estendida horizontalmente através da raiz do nariz. Os fragmentos de ossos são expostos, realinhados e mantidos por uma alça de fio de metal transfixante. Este tipo de abordagem direta pode prevenir as seqüelas subseqüentes: de uma deformidade pós traumática. O nariz em sela pode ser tratado pelo enxerto de cartilagem costal ou enxerto ósseo, com a expectativa de que a cirurgia definitiva seja requerida durante a adolescência. Zaydon e colaboradores(2), acrescentam que as fraturas graves da região nasal podem abarcar o "canthus" interno, causando um marcado deslocamento lateral e alargamento desta zona: "telecanto". Quase sempre permanece lesado o conduto lacrimal, requerendo outra cirurgia, posteriormente. Strank(3), tentou racionalizar o tratamento primário das lesões naso-etmoidais severas com separação do ligamento cantai mediano. Este se destaca com freqüência da sua inserção (processo frontal do maxilar e ossos próprios do nariz); isto não pode ser facilmente diagnosticado sem exploração aberta e, o tratamento fechado resulta em um pseudo-hipertelorismo póstraumático. O autor, também aproveitava as próprias lacerações existentes para à abordagem do ligamento cantal. Concluiu que esta conduta, para as lesões naso-etmóidais severas, comparada ao tratamento por transfixação cega percutânea nasal, através de fios metálicos e compressão lateral com placas metálicas, produz com menor freqüência o pseudo-hipertelorismo pós-traumático, uma incidência menor de epífora e contorno nasal externo mais satisfatório.

MacCoy(4), adotou as seguintes condutas para os casos mais graves de fraturas: As fraturas de classe li, envolvendo a fragmentação da pirâmide nasal e septo, não se corrigem apenas com tamponamento e a moldagem externa por gesso, necessitando uma sutura horizontal, transfixante, cujo ponto superior deve estar a 1 cm abaixo das bordas supra-orbitais. O ponto inferior da sutura deverá estar 12 mm abaixo. Os orifícios são feitos por finas brocas, passando através deles e do septo é fixado sobre placas metálicas. O risco de necrose da pele é óbvio e constitui uma séria desvantagem desse processo de tratamento. As fraturas de classe III, afastam as estruturas naso-etmoidais atingindo uma ou ambas órbitas e causam um deslocamento para trás dos fragmentos ósseos. Freqüentemente, os ligamentos palpebrais medianos são arrancados de suas inserções e se retraem. O saco lacrimal e os canalículos podem ser esgaçados. O tratamento dirigido para a correção do rebordo lacrimal é feito através de incisões angulares ou curvas, anterior e medialmente ao canthus. Os fragmentos ósseos são expostos por um elevador periostal. As lâminas do fórceps de "Asch" são introduzidas de cada lado da base da pirâmide nasal, aplicando firme pressão e exercendo tração para cima. Obtendo-se boa redução antero-posterior e estabilidade da pirâmide, mantemos a sua dimensão normal por fios metálicos transpassando ossos e septo. O orifício anterior deve estar anteriormente à extremidade superior do saco lacrimal e orifício posterior a 1 ou 1,5 cm no mesmo plano horizontal, onde, a estrutura óssea é facilmente perfurada por um tracáter de Antro. Antes de amarrar os fios, devemos incluir os 2 ramos do ligamento cantai mediano, bilateralmente. Na maioria dos pacientes severamente traumatizados, e naqueles vindo tardiamente para a cirurgia, a manutenção da posição antero-posterior pode ser difícil. A tração está indicada e deve ser judiciosamente aplicada. Usando um método de aplicação similar àquele descrito, uma sutura em figura de 8 exerce compressão do arco para o plano sagital médio e empurra a pirâmide para a frente. Segundo Converses, no tratamento tardio das fraturas naso-orbitárias, quando o paciente é visto semanas após o acidente, os tecidos são usualmente endurecidos e edemaciados. É necessário a espera de vários meses para permitir a progressiva regressão dos tecidos e restauração da continuidade dos vasos sanguíneos e linfáticos. O exame clínico mostra a extensão do deslocamento ósseo e da deformidade. O exame radiológico, e em particular a planigrafia feita através do espaço interorbital, é de valor na demonstração da natureza da deformidade óssea, serve, também, para a verificação da integridade do sistema lacrimal, quando empregado com a utilização de contraste. William Campbell (6), encontrou 12% de casos com epífora em lesões graves, sendo. portanto o exame radiológico importante em casos de dúvida. Uma investigação sobre a concomitância de fraturas do, assoalho da órbita e da lesão do músculo elevador da pálpebra superior deve ser feita. A pesquisa do aparelho lacrimal é essencial e é testada por meio de injeções de fluído, através de uma cânula introduzida no punctum lacrimal inferior e canalículos. Se o líquido atinge a cavidade nasal, presume-se que haja continuidade do sistema lacrimal. Quando o dueto naso-lacrimal está obstruido o saco lacrimal é, freqüentemente, dilatado e forma um cisto semelhante a mucocele. A correção envolve quatro diferentes técnicas cirúrgicas que são melhor realizadas em uma só sessão. Intervenções parceladas são inconvenientes, devido às cicatrizes resultantes das operações prévias, contudo, procedimentos espaçados podem ser necessários nas lesões muito graves. O primeiro tipo de cirurgia tem por objetivo a correção da prega cutânea epicantal pela técnica de Zetaplastia. O segundo, compreende a restauração do contorno ósseo da área naso-orbitária e requerendo a remoção dos fragmentos ósseos deslocados e redução da espessura da parede orbital média, resultante da sobreposição dos fragmentos fraturados. Restaura-se, então, o contorno da pirâmide óssea nasal por enxerto ósseo. Segue-se o realinhamento das porções ósseas da pirâmide nasal, após osteotomia. O terceiro tipo refere-se ao restabelecimento da continuidade do sistema lacrimal. No quarto tipo consegue-se a reincerção do coto do ligamento canta] mediano ao rebordo da parede orbital mediana (Cantoplastia). Com esta atualização os autores procuraram mostrar qual a melhor maneira para o tratamento das fraturas naso-orbitárias e qual o tipo de conduta que se deve instituir. Outro objetivo é apresentar o procedimento na correção das seqüelas de fraturas naso-orbitárias em 2 crianças que apresentaram nariz em sela, telecanto e obstrução lacrimal.

Casos Clínicos

1) - N. 0. R., 9 anos, feminino, cor branca, brasileira - procedência de Paranavaí (PR).

Atendida na Clínica de O.R.L., da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 20/05/69. Traumatismo por acidente de automóvel há 6 meses, com fraturas naso-orbitárias bilaterais. Ao exame clínico revelou Dacríocistite com obstrução do canal lacrimal, nariz em sela e afastamento do canthus orbitários, bilateralmente. Tendo sido feita pré-operatoriamente tomografia e tratamento tópico da dacriocistite.

A primeira cirurgia realizada em 23/03/70, constou, inicialmente de osteotomia bilateral das apófises montantes do maxilar, para o levantamento do dorso da pirâmide nasal e facilitar a exposição do saco lacrimal, través de incisão vestibular endonasal. A projeção da pirâmide nasal foi mantida pela aproximação mediana das paredes ósseas por duas lâminas de metal unidas por um fio de aço (transfixação óssea). A dacriocistorrinostomia foi realizada pela técnica de Dupuis Dutemps, modificada por D. Vale, descrita por F. Linhares(1).

Descrição da Cirurgia da Dacriocistorrinostomia

I - Incisão perpendicular de 3 cm ao longo da pirâmide nasal, interessando pele e periósteo, distanciada 3 mm da curuncula lacrimal e exposição do ligamento palpebral interno.

II - Descolamento do periósteo correspondente ao ramo montante do maxilar superior.

III - Descolamento do saco lacrimal começando pela parte superior da fosseta. Colocação do afastador autostático, permitindo hemostasia. Trepanação do unguis com um gancho. Trepanação do ramo montante do maxilar superior, executada com uma pinça escopro, até perfazer um quadrilátero de 1 cm de largura por 2 cm de altura, respeitando integralmente a mucosa nasal que aparece intacta. Retirada do afastador autostático e incisão do saco lacrimal em forma de C invertido. Incisão das duas folhas de uma janela. Passagem de um fio de seda pelo ponto lacrimal inferior, saindo pelo orifício que corresponderia a parede interna do saco, mergulhando na fossa nasal correspondente. Sutura apenas dos dois retalhos inferiores (visto que os posteriores estão intimamente justapostos, não havendo necessidade de suturá-los).

IV - Sutura da pele com fio mononylon 00000.

Ao alcançar os sacos lacrimais estes se encontravam fibrosados e aderentes aos planos subjacentes. Foi colocado um fio de nylon através da caruncula lacrimal, mantido por 40 dias, a fim de se restabelecer o canal lacrimal. A evolução foi satisfatória. Em 18/08/70, procuramos corrigir a sela nasal remanescente por enxerto de cartilagem auricular, aproveitando a correção de orelha em abano que a paciente apresentava. O resultado final foi o esperado.



FIG. 1



FIG. 2



FIG. 3



FIG. 4



2) - J. J. O., 10 anos, masculino, cor parda -- procedência de Ibiacê (BA).

Atendido no Departamento de O.R.L. da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 07/07/70.
Traumatismo por coice de cavalo há 3 anos, na região naso-orbitária. Ao exame clínico revelou dacriocistite esquerda, sela nasal e afastamento dos rebordos orbitários internos. Após tratamento pré-operatório da dacriocistite, praticou-se em 17/08/70 a dacriocistorrinostomia descrita, com evolução satisfatória. Não se corrigiu a sela nasal por motivos de ordem sócio-econômica.



FIG. 5



FIG. 6



Considerações

Procuramos fazer esta cirurgia em estágios, dada a dificuldade do campo operatório e das condições gerais das crianças. Instituímos para correção da sela nasal o enxerto de cartilagem auricular, devido à facilidade de obtenção de material autógeno, evitando outras cicatrizes visíveis e pelos bons resultados obtidos com esta técnica. Com o desenvolvimento físico das crianças, se houver necessidade de uma correção cirúrgica mais completa, a mesma deve ser praticada.

Esta correção evita, temporariamente, a depressão do dorso nasal, o alargamento da pirâmide. Evitando problemas psicológicos que poderiam advir com a deformidade.

No segundo caso, em virtude do paciente não poder permanecer na cidade por razões diversas, e por se interessar exclusivamente pelo tratamento da Dacriocistite, não foram praticadas as cirurgias complementares. Todavia, recomendamos ao paciente que retornasse no futuro, se possível, ao nosso serviço, a fim de prosseguirmos no tocante à cirurgia estética.

Conclusões

1) - As fraturas naso-orbitários devem ser, preferivelmente tratadas, em um tempo imediato, após o trauma.

2) - O tratamento visa a correção das lesões das vias lacrimais, do nariz em sela e da obstrução nasal e do telecanto.

3) - O tratamento das seqüelas pode ser realizado em um só ou mais tempos.

4) - O enxerto autógeno por cartilagem auricular pode ser usado com segurança.

5) - É desejável a colaboração de vários especialistas médicos (otorrinos, plásticos e oftalmologistas), nas cirurgias das fraturas naso-orbitárias devido a sua complexidade.

Resumo

Os autores apresentam uma atualização do tratamento das fraturas naso-orbitárias, em virtude de sua complexidade, gravidade e seqüelas. Descrevem a experiência que tiveram no tratamento das seqüelas, em dois casos, a conduta seguida e os resultados obtidos. Salientam o tratamento das lesões do conduto lacrimal e a correção do nariz em sela por enxerto de cartilagem auricular.

Bibliografia

1. F. Linhares - Dacriocistorrinostomia plástica - Revista Brasileira de Cirurgia, 1948.
2. Zaydon, T. J. e Brown, J. B. - Tratamiento precoz de los Traumatismos de la cara - Editorial Jenis - Barcelona, 1964, pág. 97.
3. Strank, M. F. - Primary Treatment of Naso-etmoid Injuries with increasead intercanthal distance. Brit. J. Plastic Surg. 1970.
4. MacCoy, F. J. Fractures of the Naso-Orbital ethmoidal complex Plastic and maxillofacial trauma symposium - The C. V. M. Company Saint Louis (pages, 117 to 122), 199.
5. Converse, J. M. & Smith, 8. - Naso-orbital fractures and Traumatic Deformities of the medial Canthus - Plastic & Reconstructive Surgery 1966, vol. 38, pages. 147 to 162.
6. Campbell, W. - Radiology of the lacrimal system. Proceedings of the Secund International Symposium on Plastic and Reconstructive Surgery of the eye and adnexa. Saint Louis, The C. V. M. Company (pages. 13 to 143), 1964.
7. Mustardé, J. C. - Plastic Surgery Infancy and Childhood - London E. & S. Livingstone, 1971, (pages, 185 to 188).




* Do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo.

** Do Departamento de Cirurgia Plástica da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial