Ano: 1972 Vol. 38 Ed. 2 - Maio - Agosto - (39º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 250 a 267
A FASE SECUNDÁRIA DO NISTÁGMO PÓS-CALÓRICO
Autor(es):
Nelson Alvares Cruz*,
Mauricio M. Ganança**,
Paulo Augusto de Lima Pontes***,
Pedro Guilherme Vergueiro Lobo****
Introdução
Um dos elementos de primordial interesse clínico no contexto do exame otoneurológico é o nistagmo pós-calórico.
O advento da electronistagmografia trouxe aprimoramento de seu estudo por conferir maior sensibilidade à sua exploração e interpretação.
Com o uso rotineiro daquele meio eletro-técnico, os diversos parâmetros da reação calórica puderam ser melhor estudados e avaliados.
Atualmente, a concordância de opiniões sobre muitos destes parâmetros é alicerçada em bases analíticas plenamente definidas e acatadas.
Sabe-se, porém, que após esta reação vestibular, dita primária, pode surgir uma reação secundária, em que os batimentos oculares têm direção oposta. Trata-se da segunda fase do nistagmo pós-calórico, ou fase secundária, de origem e valor controvertidos, de acordo com a literatura compulsada.
O propósito deste trabalho é avaliar a ocorrência deste fenômeno em indivíduos aparentemente normais e em doentes vestibulares, buscando contribuir para a elucidação de sua importância semiológica. Procuramos tomar, ainda, posição em face das hipóteses sobre a gênese do fenômeno.
Análise da Literatura
De imediato, ressalte-se que o conhecimento da existência da fase secundária do nistagmo provocado é muito antigo.
De fato Bárány(3) (1907) já a ele se referia, denominando a fase primária de "nach nystagmus" e à secundária, de "nach nach nystagmus".
Depois dele, surgiram vários trabalhos preocupando-se em conjecturar sobre a origem da segunda fase.
Admite-se universalmente que a primeira fase do nistagmo pós-calórico seja conseqüente ao desvio da cúpula sobre a crista ampular do dueto semicircular labiríntico, de acordo com a concepção hidrodinâmica de Bárányz (1906). Mas não há unanimidade quanto à explicação da gênese da segunda fase, embora a maioria dos autores, como se pode ver no quadro t, seja partidária da origem central.
Persiste a polêmica, à espera de solução definitiva.
Não nos deteremos em descrever as minúcias das diversas teorias, não apenas pela complexidade dos mecanismos envolvidos, como também pela dificuldade em entender o seu significado, especialmente pela deficiência em clareza, em muitos dos textos consultados.
QUADRO I: Justificativas das opiniões dos diversos autores sobre a origem da segunda fase do nistagmo provocado.
Esta visão panorâmica e polimórfica das atitudes em relação à etiologia da segunda fase, mostra-nos que ainda se apalpa o terreno, pouco realmente conhece sobre o assunto.
Quanto à ocorrência do fenômeno às diferentes técnicas de estimulação labiríntica, em normais, grande é a variação dos resultados encontrados. E há variações, também, nos resultados obtidos pelos vários autores, com Uma mesma técnica (quadro II).
QUADRO II: Percentagem de ocorrência da segunda fase do nistagmo provocado, às diversas provas labirínticas, em indivíduos normais, de acordo com vários autores.
Não há, pois, iam denominador comum no que concerne à conceituação da ocorrência do fenômeno, em indivíduos normais.
Milojevic & Allen(16) (1967) verificaram que a segunda fase se desenrola especialmente após a 1ª e 3ª irrigações calóricas da prova de Fitzgerald & Hallpike(9) (1942), em indivíduos normais, e crêem ser patológica a existência de segunda fase depois da 2ª e 4ª irrigações.
Observaram, ainda, que em 149 doentes vestibulares, apenas 55 apresentaram a segunda fase (36,8%), justificando a menor incidência nos doentes pela elevada taxa de hipo-reflexia nesses pacientes.
Procuraram, também correlacionar a presença da segunda fase com o nistagmo espontâneo, o de posição e a preponderância direcional do nistagmo pós-calórico, nas enfermidades labirínticas. Concluíram que é muito estreita a relação entre esses sinais, pois 49 dos 55 casos apresentaram um ou mais deles, simultaneamente.
A inter-relação entre os sinais, abordada anteriormente por Hamersma(12) (1957) e Fluur(10) (1961), justificar-se-ia, no seu entender, por uma diferença central entre a atividade dos sistemas vestibulares direito e esquerdo.
Excepcionalmente raras são as menções sobre a correlação clínica com a patologia em casos centrais. A primeira referência é de Wodak(24) (1946), descrevendo um caso de tumor hipofisário em que havia uma exacerbação da segunda fase do nistagmo e da sensação rotatória concomitante. A seguir, Gabersek & Jobert(11) (1965) assinalam o achado de preponderância direcional da segunda fase, em paciente com Síndrome de ArnoldChiari. E, finalmente, a terceira citação da literatura, a primeira em nosso meio, partiu de Cruz, Ganança & Pontes(5) (1968), narrando acentuada hiperreflexia da segunda fase, após as 4 irrigações da prova de Fitzgerald & Halipike, também em um caso de Síndrome de Amold-Chiari, por singular coincidência. Estes autores sugerem a possibilidade de que esta alteração seja um sinal de comprometimento das vias vestibulares do tronco cerebral e da inter-relação vestíbulo-cerebelar, naquele caso.
Apesar da aparente raridade de alterações da segunda fase do nistagmo pós-calórico em doentes, sentimo-nos encorajados em prosseguir na investigação do valor semiológico do fenômeno e tentar compreendê-lo melhor.
Material e Método
Nossos estudos abrangeram 24 indivíduos aparentemente normais e 61 doentes vestibulares.
O conceito de normalidade baseou-se no seguinte critério: escolhemos indivíduos hígidos, sem antecedentes otológicos e que tiveram exames otoscópico e audiológico sem quaisquer alterações. As idades, nesse grupo, variaram de 16 a 30 anos.
No diagnóstico dos doentes vestibulares, firmamo-nos na queixa de vertigem objetiva bem caracterizada ou de instabilidade e, também, nos resultados do exame otoneurológico, excluindo-se os casos em que houve observação de comprometimento central.
Portanto, nossa casuística de doentes inclui apenas pacientes com síndromes vestibulares periféricas.
Apesar de termos feito um estudo completo de cada caso, neste trabalho apresentaremos somente os dados de importância básica para o nosso objetivo.
Assim, o elemento primordial de análise foi o nistagmo pós-calórico. Utilizamo-nos das seguintes provas térmicas:
a)FRIA (30 ºC) e QUENTE (44 °C), em conformidade com os princípios elaborados por Fitzgerald & Hallpike (1942), observando-se a seguinte ordem, nas irrigações:
1.ª) 30 ºC - orelha direita;
2.ª) 30 ºC - orelha esquerda;
3.ª) 44 ºC - orelha direita e
4.ª) 44 ºC - orelha esquerda.
Cada estimulação durou 40 segundos e respeitou-se o intervalo de 6 minutos entre alma e outra das irrigações. O volume de água empregado foi aproximadamente de 240 cc para cada irrigação.
b) FRIA (18 ºC), durante 60 segundos, iniciando-se sempre pelo lado direito e aguardando-se o mesmo lapso de tempo de 6 minutos entre as excitações labirínticas. Nesta prova o volume de água para cada irrigação foi de 360 cc aproximadamente.
As provas calóricas foram realizadas com os pacientes em decúbito dorsal e com a cabeça fletida de 30°. Cuidou-se de manter o ambiente obscurecido, permanecendo os examinados com os olhos cerrados, para evitar a interferência da luminosidade e dá fixação do olhar. Para impedir a inibição cortical sobre a resposta e conseqüentemente sobre o registro, os normais e os doentes foram solicitados a realizar operações aritméticas relativamente elaboradas, depois das irrigações.
Empregou-se sistematicamente a electronistagmografia, através de equipamento específico Beckman Dynograph 9800 RS, de corrente alternada, escolhendo-se a constante de tempo mais adequada à sensibilidade do registro nos diferentes casos (1 ou 3 segundos), norteados nas- recomendações de Gabersek & Jobert(11) (1965).
FIG. 1 - Electronistagmógrafo Eleckman Dynograph 9800 RS.
De acordo com os registros electronistagmográfícos feitos antes do início de cada prova calórica, ambos os grupos de normais e de doentes foram subdivididos em dois outros segundo a presença ou ausência de nistagmo espontâneo.
A presença de nistagmo espontâneo impede a distinção segura da fase secundária do nistagmo pós-calórico, na grande maioria dos casos. Por esse motivo, preferimos separar os normais e doentes que apresentaram aquele sinal espontâneo, para evitar a inclusão de dados de valor duvidoso, em nossos resultados.
FIG. 2 - Traçado electronistagmográfico de resposta ao estímulo frio (30 ºC) do labirinto direito. Observa-se no registro superior o fim da fase primária, o período de latência e o início da fase secundária. O registro inferior oferece imagem semelhante para leitura direta da VACL do Nistágmo Pós-Calórico.
Em todas as pessoas submetidas à prova de Fitzgerald & Hallpike, aplicamos a fórmula de Jongkees & Philipszoon(13) (1964), para o cálculo da preponderância direcional do nistagmo, tanto para a duração quanto para a velocidade angular máxima da componente lenta da fase primária.
Esta fórmula é a seguinte:
Preponderância: (1 + 4)-(2 + 3) / 1 + 2 + 3 + 4 x 100%
em que:
1 = valor da resposta à irrigação fria do ouvido direito;
2 = valor da resposta à irrigação fria do ouvido esquerdo;
3 = Valor da resposta à irrigação quente do ouvido direito;
4 = valor da resposta à irrigação quente do ouvido esquerdo.
Segundo esses autores, os limites críticos da normalidade são 18% e 30%, em termos de velocidade angular da componente lenta e duração, respectivamente.
Doravante, sempre que nos referirmos à velocidade angular da componente lenta, no texto e nos quadros, utilizaremos a sigla VACL, subentendendo-se o fato de que a medida deste parâmetro foi efetuada no período máximo da reação vestibular primária ou secundária.
Procuramos analisar os seguintes dados da segunda fase do nistagmo pós-calórica, em normais e doentes vestibulares:
1) ocorrência;
2) período de latência;
3) intensidade em termos de VACL;
4) correlação entre sua ocorrência e a média dos valores da VACL da fase primária;
5) correlação entre sua ocorrência e a média dos valores da duração da fase primária;
6) correlação entre sua ocorrência e a coincidência ou não de preponderância direcional em duração e VACL da fase primária.
Resultados
Os indivíduos aparentemente normais e os doentes vestibulares de nossa casuística foram analisados segundo a ausência ou presença de nistagmo espontâneo, às provas de Fitzgerald & Hallpike ou a 18 ºC, conforme já dissemos.
No quadro III observamos o número de indivíduos normais e doentes vestibulares que apresentaram nistagmo espontâneo e que, por essa razão, não foram computados para efeito de avaliação da fase secundária.
QUADRO III: Número de indivíduos normais e doentes vestibulares que apresentaram nistagmo espontâneo.
Apresentaremos a seguir os resultados obtidos em normais e em doentes vestibulares, sem nistagmo espontâneo.
Normais
a) Prova de Fitzgerald & Hallpike.
Em 12 casos (quadro IV) a fase secundária ocorreu em 9; destes, 5 apresentaram-se exclusivamente após a 1.ª e 4.ª irrigações, concomitantemente. Outros 2 tiveram-na após as 4 irrigações, 1 único após a 1.ª e 2.ª, e o último depois da 1.ª, 2.ª e 4.ª (quadro V).
QUADRO IV: Ocorrência da fase secundária à prova de Fitzgerald & Halipike em indivíduos normais.
Portanto, a ocorrência da fase secundária depois da 1.ª e 4.ª irrigações foi o achado mais freqüente. Somente um único caso, como vimos, não a apresentou após a 4.ª irrigação. Nunca registramos a fase secundária em apenas uma das irrigações, isoladamente, em normais.
O período de latência da fase secundária variou amplamente (quadro VI) e não mereceu, por conseguinte, estudo minucioso.
A VACL da fase secundária foi sempre mais expressiva, em termos quantitativos, após a 1.ª e 4.ª irrigações, do que à 2.ª e 3.ª, quando o fenômeno ocorreu (quadro V). A VACL da fase secundária sempre foi inferior à da fase primária.Código: FP = fase primária; FS = fase secundária.
QUADRO V: Comparação entre a VACL das fases primária e secundária, nos casos em que esta última esteve presente, em indivíduos normais, à prova de Fitzgerald & Halipike.
QUADRO VI: Média dos valores e valores extremos do período de latência da fase secundária, em normais, à prova- de Fitzgerald & Hallpike.
Não pudemos estabelecer a mesma comparação quanto à duração do nistagmo, em virtude do método adotado, em que o registro era sistematicamente interrompido aos 300 segundos, medidos a partir do início da irrigação, mesmo que ainda houvesse resposta.
Os valores médios da VACL e da duração da fase primária foram praticamente os mesmos, na presença ou ausência da secundária, após as 4 irrigações (quadro VII).
QUADRO VII: Média dos valores da VACL e duração da fase primária, em indivíduos normais, com ou sem fase secundária, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
Os desvios no sentido da preponderância direcional da fase primária, quanto à VACL e duração, foram sempre concordantes, com ou sem fase secundária (quadro VIII).
QUADRO VIII: Normais com desvios no sentido da preponderância direcional em termos de VACL e de duração da fase primária, com ou sem fase secundária, à prova Fitzgerald & Hallpike.
b)Prova a 18 OC.
De 9 casos, 6 apresentaram fase secundária (quadro IX).
Destes 6, todos após a 1.ª irrigação e apenas 1 também após a 2.ª (quadro X).
A VACL da fase primária sempre foi superior à da secundária (quadro X).
Por motivo anteriormente exposto, desinteressamo-nos pela avaliação da duração do nistagmo na fase secundária
Nesta prova o período de latência também apresentou ampla variação (quadro XI).
QUADRO IX: Ocorrência da fase secundária em indivíduos normais à prova a 18 ºC.
QUADRO X: Comparação entre a VACL da fase primária e da secundária, nos casos em que esta última esteve presente, em normais, a 18 ºC.
QUADRO XI: Média dos valores e valores extremos do período de latência da fase secundária em indivíduos normais, à prova de 18 ºC.
Após a 2.ª irrigação apenas 1 caso teve fase secundária.
A média dos valores da VACL da fase primária foi praticamente a mesma na presença ou ausência da fase secundária. O mesmo ocorreu em relação à média dos valores da duração da fase primária (quadro XII).
QUADRO XII: Média dos valores da VACL e da duração da fase primária, em indivíduos normais, com ou sem fase secundária, à prova a 18 ºC.
Doentes Vestibulares
a) Prova de Fitzgerald & HaLlpIke.
Em 14 casos, a fase secundária surgiu somente em 5 (quadro XIII).
QUADRO XIII: Ocorrência da fase secundária em doentes vestibulares, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
Não houve predomínio de ocorrência após uma determinada estimulação, como se pode verificar no quadro XV.
Quanto ao período de latência, variou amplamente (quadro XIV).
A VACL da fase secundária não foi mais expressiva após uma das irrigações, em relação às outras (quadro XV).
A média dos valores da VACL, às 4 irrigações, foi mais elevada quando ocorreu a fase secundária, o que não aconteceu com a média dos valores da duração (quadro XVI).
QUADRO XIV: Média dos valores e valores extremos do período de latência da fase secundária, em doentes vestibulares, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
QUADRO XV: Comparação entre a VACL das fases primária e secundária, em casos em que esta última esteve presente, em doentes vestibulares, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
QUADRO XVI: Média dos valores da VACL e da duração da fase primária, em doentes vestibulares, com e sem fase secundária, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
Houve concordância entre duração e VACL da fase primária, no que respeita à preponderância direcional ou a seus desvios não significantes, quando a fase secundária não estava presente (7 em 8 casos). Em presença desta, deixou de existir a referida concordância (4 em 5 casos) (quadro XVII).
QUADRO XVII: Doentes vestibulares com preponderância direcional ou seus desvios não significativos, em termos de VACL e duração da fase primária, com ou sem fase secundária, à prova de Fitzgerald & Hallpike.
Dos doentes vestibulares apenas 4 apresentaram preponderância direcional do nistagmo da fase primária de acordo com a fórmula de Jongkees & Philipszoon. Destes, 2 apresentaram fase secundária.
b)Prova a 18 ºC.
20 casos em 34 evidenciaram fase secundária, todos após a 1.ª irrigação e 8 deles também após a 2.ª (quadro XVIII).
QUADRO XVIII: Ocorrência da fase secundária em doentes vestibulares, à prova a 18 ºC.
Verificou-se ampla variação dos valores do período de latência (quadro XIX).
A VACL da fase primária sempre foi bastante superior à da secundária (quadro XX).
A média dos valores da VACL da fase primária foi maior quando ocorreu a fase secundária, tanto após a 1.ª irrigação quanto após a 2.ª, o que não se deu com a duração (quadro XXI).
QUADRO XIX: Valores médios e extremos do período de latência da fase secundária, em doentes vestibulares à prova a 18 ºC.
Código: FP = fase primária; FS = fase secundária.
QUADRO XX: Médias dos valores da VACL e da duração da fase primária, em doentes vestibulares, com e sem fase secundária, a 18 ºC.
QUADRO XXI: Média dos valores da VACL e da duração da fase primária, em doentes vestibulares, com e sem fase secundária, à prova a 18 ºC.
Discussão
A fase secundária ocorreu com grande freqüência, às duas provas, em indivíduos normais.
À prova de Fitzgerald & Hallpike, a ocorrência desse achado foi de 75% e à prova a 18 ºC, foi de 66,6%. Parece não haver, portanto, diferença entre elas, no tocante ao aparecimento do fenomeno.
Verificamos que Hamersma(12) (1957) e Milojevic & Allenls (1967) observaram a ocorrência da fase secundária em 51% e 56% respectivamente, em normais submetidos à prova de Fitzgerald & Hallpike. Contrariando totalmente estes achados, as pesquisas de Aschan & Bergstedt(1) (1955) resultaram na não obtenção de registro da fase secundária, em normais examinados à mesma prova.
Nossos achados, além de contrários aos de Asschan & Bergestedt, foram superiores aos encontrados pelos outros autores mencionados.
Não pudemos estabelecer confronto com os nossos resultados a 18 ºC, por não encontrarmos referencia pertinente na literatura compulsada.
Na prova de Fitzgerald & Hallpike, dentre os normais que apresentaram a fase secundária, observamos a sua ocorrência em 100% dos casos após a 1.a irrigação. Depois da 1.ª e 4.ª irrigações, associada ou não ao aparecimento depois da 2.ª e/ou 3.ª, surgiu em 88,8% dos casos. Exclusivamente após a 1.ª e 4.ª irrigações a freqüência foi de 55,5%.
Milojevic & Allenls (1967) assinalaram que 40% dos seus casos evidenciaram a fase secundária após a 1.ª e 4.ª ou após a 2.ª e 3.ª irrigações (fase secundária unidirecional), mas não especificaram a ocorrência numa e noutra direção. Conseqüentemente, não comparamos nossos resultados com os daqueles autores, a não ser para expressar que nosso achado da fase secundária, após a 1.ª e 4.ª irrigações, foi mais freqüente que o registrado pelos mesmos para a fase secundária unidirecional.
Além disso, aqueles pesquisadores não começaram a prova calórica sempre com estimulação fria no ouvido direito. As alterações da seqüência das estimulações impedem o confronto analítico entre o nosso material e o deles.
Porém, discordamos frontalmente de Milojevic & Allenls (1967), quando afirmam que o aparecimento da fase secundária após a 2.ª ou 4.ª irrigações ou após duas ou mais, deve ser considerado patológico. Em nossos indivíduos normais, em flagrante contraste, a 1.ª e 4.ª irrigações foram as que proporcionaram maior incidência da fase secundária.
Concordamos com os mesmos investigadores quanto à influencia da 1.ª irrigação, pois nos casos em que o fenômeno ocorreu, sempre esteve presente após aquela estimulação labiríntica.
Alegaram aqueles autores que esta influencia da 1.ª irrigação é devida ao fato de que esta resposta pós-calórica era quase sempre a mais intensa. Não somos adeptos da mesma opinião, pois os nossos resultados mostraram que a média dos valores da velocidade angular da componente lenta da fase primária do 1.º estímulo foi essencialmente igual à das outras irrigações e, ainda mais, esta igualdade também se observou nos casos com ou sem fase secundária.
A duração da reação nistágmica primária comportou-se de forma similar à velocidade angular da componente lenta da mesma fase, em normais.
Aschan & Bergstedtl (1955) verificaram a proporcionalidade entre a intensidade da fase primária em termos de duração e a ocorrência da fase secundária, o que não coincide com os nossos achados.
A 18 ºC, a influencia da 1.ª irrigação se fez sentir da mesma forma, pois encontramos fase secundária depois da 1.ª irrigação em todos os 6 casos, enquanto que após a 2.ª irrigação em um único caso dentre eles. Nesta prova, encontramos média dos valores da VACL da fase primária da 1.ª irrigação maior do que a da 2.ª irrigação.
Não observamos, no entanto, diferença entre as médias dos valores da VACL da fase primária, nos casos com ou sem fase secundária.
À 18 ºC, a duração da resposta nistágmica primária de ambas as irrigações não mostrou diferença entre um e outro lado, com ou sem fase secundária.
Nos poucos normais que tinham nistagmo espontâneo, a presença ou ausência da fase secundária nada acrescentou ao nosso estudo.
Quanto ao período de latência da fase secundária, em normais, nas duas provas empregadas , a ampla variação dos valores encontrados demonstrou que este parâmetro é destituído de importância. Os valores extremos desta variação entre 20 e 102 segundos são muito semelhantes aos de Thornval (22) (1932), que os encontrou entre 30 e 120 segundos.
Em relação à intensidade da fase secundária, sempre foi inferior à da fase primária. Este fato é de conhecimento notório desde os primeiros trabalhos sobre o assunto, como o de Fischer(8) (1928).
Nenhum dos nossos normais ultrapassou os limites convencionais da fórmula de Jongkees & Philipszoon(13) (1964) para a preponderância direcional, quer em VACL, quer em duração.
Milojevic & Allen(16) (1967) registraram a ocorrência de preponderância direcional em 22 de 53 normais. Estranhamos esta elevada proporção já que Jongkees & Phitigszoon(13) (1964) afirmam que os limites por eles criados correspondem a um afastamento da média igual a 2 desvios padrões.
Por essa razão, só pudemos comparar a preponderância direcional por eles encontrada com os nossos desvios no sentido da preponderância direcional. Eles observaram que 20 de 22 indivíduos tinham preponderância direcional na mesma direção do nistagmo induzido pela primeira irrigação. Constatamos o oposto, ou seja, 8 de 12 normais apresentaram desvio no sentido da preponderância direcional na direção contrária ao nistagmo pós-calórico da 1.ª irrigação. Devemos realçar a concordância entre a VACL e a duração, quanto à direção dos desvios no sentido preponderância direcional.
Em doentes vestibulares, a ocorrência da fase secundária foi substancialmente menor do que em indivíduos normais, à prova de Fitzgerald & Hallpike (35,7%) e ligeiramente menor à prova de 180C (58,8%).
Milojevic & Allen(16) (1967) notaram também o mesmo fato, tendo encontrado a fase secundária em 36,8% nas afecções vestibulares, em contraposição a 56,6 % dos normais, à prova de Fitzgerald & Halipike.
No concernente à ocorrência depois de cada uma das irrigações à esta prova, não encontramos a mesma distribuição observada em normais.
Tivemos somente um caso em que a fase secundária apareceu após a 1.ª e 4.ª irrigações, associada ao aparecimento após as outras 2 irrigações (20%). Exclusivamente após a 1.ª e 4.ª irrigações, não registramos nenhum caso (0%). Recordamos que em normais estes achados aparecem em 88,8% e 55,5%, respectivamente.
Julgamos bastante expressiva esta diferença entre normais e doentes, quando analisados em grupo.
Estes dados emprestam valor semiológico à presença da fase secundária, quando esta não ocorre após a 1.ª e 4.ª irrigações. O aparecimento depois da 3.a irrigação, estando ausente após a 1.ª e 4.ª irrigações, reforça a possibilidade de estarmos diante de um achado patológico.
Outra diferença marcante entre normais e doentes vestibulares foi a observação, nos últimos, de média da VACL da fase primária positivamente maior nos casos em que ocorreu a fase secundária, às duas provas.
Depreende-se, diante do exposto, que nos doentes vestibulares registrou-se menor probabilidade de aparecimento da fase secundária, parecendo estar esta ocorrência relacionada com valores mais elevados da VACL da fase primária.
Quanto à duração, não observamos diferenças expressivas entre normais e doentes vestibulares.
Outrossim, merece especial atenção a discordância entre o desvio no sentido da preponderância direcional, quando calculada em termos de duração da fase primária, nos doentes vestibulares com fase secundária. Tal fato não se deu em normais com ou sem fase secundária e nem nos doentes vestibulares que não a apresentaram. Seria a fase secundária a razão dessa discordância?
A preponderância direcional em termos de VACL da fase primária, não se relacionou diretamente com a fase secundária, pois tivemos entre os doentes 4 casos que ultrapassaram os limites da fórmula de Jangkees &- Philipszoon e apenas 2 deles apresentaram a fase secundária.
Exatamente como Milojevic & Allen(16) (1967) encontramos ocorrência maior da fase secundária do que da preponderância direcional, em doentes vestibulares.
No entanto, não podemos concordar com as conclusões daqueles autores, que acreditam na correlação entre os dois fenômenos. Para eles, a presença da fase secundária teria o mesmo significado patológico que a da preponderância direcional da fase primária, ou seja, traduziria o desequilíbrio entre os sistemas vestibulares direito e esquerdo.
Ora, em normais verificamos muito mais fase secundária do que em doentes e, por outro lado, nenhuma observação de preponderância direcional foi registrada nos primeiros. Em conseqüência, os dois fenômenos comportam-se diversamente em normais e doentes, segundo nossos achados. Portanto, não podemos conferir-lhes o mesmo significado semiológico.
A preponderância direcional em termos de duração da fase secundária, em nenhum normal ou doente vestibular excedeu os limites da normalidade adotados por Jongkees & Philipszoon.
A prova de 18 ºC veio depor a favor de nossa suposição de que, ao contrário da que ocorre em normais, o aparecimento da fase secundária em doentes vestibulares está ligado a valores mais intensos da VACL da fase primária. Esta dedução baseia-se no fato de encontrarmos diferença flagrante entre as médias da VACL da fase primária nos casos com e nos casos sem fase secundária.
Quanto aos parâmetros restantes, não encontramos diferença digna de nota entre os normais e os doentes vestibulares.
Nosso estudo não forneceu elementos seguros quanto à origem da fase secundária. Cremos não ser a mesma periférica, pois se tal fosse verdade, a fase secundária deveria aparecer após as 4 irrigações ou pelo menos após estímulos semelhantes em ambos os lados e não predominantemente após a 1.ª e 4.ª irrigações, como observamos.
Acreditamos na influência de fenômenos de adaptação e habituação na gênese da fase secundária, o que explicaria a diminuição da sua ocorrência nas síndromes vestibulares periféricas.
Conclusões.
A fase secundária do nistagmo pós-calórico:
1 - Ocorre tanto em normais quanto em doentes, sendo que nestes com menor freqüência.
2 - Quando presente em normais ocorre sempre após a 1.a irrigação e com grande. freqüência após a 1.ª e 4.ª irrigações.
3 - Quando aparece após a 3.ª irrigação, estando ausente após a 1.ª e/ou 4.ª, sugere afecção labiríntica.
4 - Em doentes vestibulares está diretamente relacionada com a velocidade angular máxima da componente lenta da fase primária.
5 - Não tem relação com a preponderância direcional da fase primária.
Resumo
Os autores estudaram a fase secundária do nistagmo pós-calórico em 24 indivíduos normais e 61 doentes vestibulares, através de exame electronistagmográfico. Compararam os resultados obtidos nos dois grupos e confrontaram seus achados com os da literatura.
Os autores são de parecer de que o estudo da fase secundária oferece dados que contribuem para enriquecer a semiologia labiríntica.
Summary
The autors studied caloric secondary phase nystagmus in 24 normal human subjecis and 61 vertigo patients, with electronystagmography.
If secondary phase nystagmus appears in a Fitzgerald-Hallpike caloric test after only -cne irrigation (first or fourth) this should be regarded as a normal phenomenon.
The appearance of secondary phase nystagmus after the third irrigation, and absent after the first ou fourth, may be considered as pathological.
Secondary phase is closely related to maximum eye speed of the slow component of caloric inystagmus.
No relationship was observed between secondary phase and directional preponderante of primary phase.
Caloric secondary phase nystagmus appears to be a phenomenon reflecting a functional central embalance of the vestibular systems and can be a significant diagnostic tool.
Agradecimentos
Consignamos nossos mais sinceros agradecimentos a Dr. Rodrigo de Souza Spinola Médico Otorrinolaringologista do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo e .a Sandra Maria Elrandane fonoaudióloga do Hospital Municipal de São Paulo, pela valiosa cooperação na fase final deste trabalho.
Bibliografia
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25.
* Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia (Prol. Titular Pedro Luiz Mangabeira Albernaz) do Departamento de Cirurgia (Chefe Prof. Dr. Edison de Oliveira) da Escola Paulista de Medicina e na Clínica Otorrinolaringológica (Chefe Dr. Cássio Morais Alves) do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
** Prof. Titular da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (SP) Prof. Adjunto e Livre docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina.
*** Prof. Assistente-Doutor e Chefe da Divisão de Labirintologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina. Encarregado da Secção de Otoneurologia da Clínica Otorrino laringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
**** Auxiliar de Ensino-Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina. Otorrinolaringologista da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
***** Otorrinolaringologista do Serviço Médico da Prefeitura Municipal de São Paulo.