Ano: 1972 Vol. 38 Ed. 2 - Maio - Agosto - (37º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 241 a 243
ANESTESIA GERAL EM MICROCIRURGIA DA LARINGE Apresentação de técnica anestésica com relaxamento controlado sem entubação*
Autor(es):
João C. J. Becker*,
Tadayoshi Akiba**,
Renato R. Del Nero***
O uso da narcose nas intervenções endoscópicas perorais comumente provoca interferência do anestesiologista é de seu instrumental no campo operatório, com maior ou menor prejuízo da manobra cirúrgica, bem como pode determinar aumento desnecessário em sua duração. Nos casos de laringomicroscopia de suspensão e microcirurgia da laringe, a presença de sonda endotraqueal, ainda que de menor calibre, constitui impecilho altamente indesejável; também, a própria passagem da sonda através da fenda glótica costuma determinar alterações vasculares locais e microtraumatismos, perturbando a interpretação de lesões patológicas, o que tem sido observado por Kleinsasser(2). Baseados na experiência em cerca de 1.000 casos, dos quais os primeiros 200 foram apresentados por dois dos AA. em publicação anterior, submetidos a intervenções endoscópicas perorais diversas, em que foi empregada técnica anestésica de relaxamento controlado com respiração espontânea, sem entubação endotraqueal, passamos a utilizá-la, a partir de 1972, em exames e intervenções microscópicas da laringe. O presente trabalho tem por finalidade apresentar detalhes dessa técnica bem como seus resultados iniciais do ponto de vista anestésico e endoscópico, na microcirurgia da laringe.
Material e Método
Em 20 pacientes submetidos à microcirurgia da laringe, foi realizada anestesia geral com a associação Propanidid - succinilcolina por perfusão endovenosa continua. A variação etária dos casos esteve compreendida entre 11 e 62 anos;- 35% eram do sexo feminino e 65% do masculino. As lesões determinantes da cirurgia foram assim agrupadas:
polipo de corda vocal ...................... 4 casos
papiloma de laringe ......................... 3 casos
carcinoma de corda vocal ................ 3 casos
laringite crônica hiperplástica ......... 3 casos
edema de Reinke ............................. 2 casos
nódulo vocal unilateral .................... 2 casos
nódulo vocal bilateral ...................... 1 caso
paralisia de laringe ............................1 caso
blastomicose de laringe .....................1 caso
Nas intervenções, realizadas por Pedro Paulo A. Sodré e Seiji Nakakubo, foram empregados laringoscópios segundo Kleinsasser com suspensor de apoio toráxico de Riecker; aos endoscópios foi introduzida iluminação com fibras de vidro e acoplada pequena peça difusora de 02 em substituição a um dos iluminadores; com sistema óptico de aumento, foi usado microscópio com objetiva de 400 mm. Entre 5 e 10 min. após a aplicação da pré-medicação (0,5 mg de sulfato de atropina e 1,0 ml de InovaIR, Ev), foi iniciado gotejamento rápido - 100 a 120 gts/min - por via endovenosa, de solução de Propanidid a 1 % e succinilcolina a 0,1%, durante cerca de 2 minutos. Após este período, com o paciente já apresentando sinais de inconsciência e início de relaxamento muscular, foi aplicada dose suplementar de Propanidid (5 a 7 mg/kg de peso) lentamente por via venosa. A seguir, com inconsciência é relaxamento desejáveis, foi reduzida a velocidade do gotejamento EV da solução (de 30 a 60 gts/min) e realizada manobra de ventilação artificial por 1 a 2 minutos.
Este período inicial de relaxamento maior foi parcialmente aproveitado para a instalação do laringoscópio e sistema óptico pelo cirurgião, que se efetuou em tempo médio de 2,5 min. O grau de relaxamento muscular bem como a profundidade anestésicas passaram a ser mantidos no nível desejado, pela velocidade de gotejamento da solução e pela administração de doses complementares de Propanidid, quando necessário. A maior extensão da intervenção ou toda ela foi mantida sob respiração espontânea. Os controles vitais foram avaliados pelas medidas de pulso, freqüência cardíaca, tensão arterial, cianose de extremidades, eletrocardiograma em alguns casos e ventilometria. O controle do grau de curarização foi efetuado também pela excitação nervosa periférica com estimulador elétrico. Foram observadas as alterações de tons e de freqüência e amplitude da mobilidade das cordas vocais, em relação ao grau de curarização atingido durante a intervenção. Na ventilometria, efetuada em 10 dos casos, a sonda endotraqueal foi introduzida após o exame endoscópico, afim de evitar alterações locais durante o exame.
Resultados
Em todos os casos foi atingida profundidade anestésica suficiente durante a intervenção cirúrgica. Os resultados, do ponto de vista da anestesia, foram discriminados como se segue:
1) Tempo de anestesia - com duração média de 23,5 min., variou de 16 a 40 min., considerando-se o tempo desde o início do gotejamento da solução, à retirada do instrumental endoscópico.
2) Dose total de Propanidid - a dose máxima utilizada foi de 1750 mg e a mínima de 850 mg., com média de 1015 mg.
3) Dose total de succinilcolina - média de 84 mg., variando de 42 a 128 mg.
4) Respiração - espontânea durante toda a intervenção, a exceção do período inicial, na maioria dos casos. Em 10%, ocorreu apnéia de curta duração (menos de 1 min.).
5) Controle vitais - a taquicardia, precedida por discreta bradicardia inicial, foi comum a todos os casos, não ultrapassando porém a 120 bat./min. Da mesma forma, ocorreram aumentos de tensão arterial de até 30% da pressão inicial sistólica. Os dados da ventilometria, apurados em 50% dos casos da série, mostraram redução variável do ar corrente em acordo com o grau de curarização. Não foram verificadas alterações eletrocardiografias bem como cianose em nenhum dos casos, durante ou após a intervenção.
6) Recuperação anestésica - o retorno à consciência ocorreu, em média, 2,5 min. após o término da intervenção. Todos os pacientes saíram andando da sala cirúrgica para o quarto de repouso dentro de 10 min.; a alta do Serviço ocorreu, em média, 35 min. após a cirurgia.
7) Complicações - em nenhum dos casos ocorreu complicação intra ou pós-operatória de maior importância; em um dos casos, posicionado em aclive acentuado para a instalação do laringoscópio de suspensão e que se manteve durante toda a intervenção, pudemos observar congestão venosa cefálica e relativo retardo na recuperação anestésica. Tremores musculares e discreta hipertonia muscular logo após a anestesia, ocorreram em 2 casos.
Do ponto de vista cirúrgico, os resultados obtidos com a técnica anestésica foram:
1) Campo cirúrgico - em todos os casos, permaneceu livre com amplo campo visual; não houve também necessidade de manobras respiratórias externas.
2) Reflexos laríngeos - mantidos diminuídos, permitindo o estudo da mobilidade das cordas vocais sem deslocamentos do endoscópio; em fases determinadas da intervenção foram totalmente abolidos, visando repouso absoluto da glote. Não houve necessidade de anestesia tópica.
3) Alterações vasculares locais - nos casos em que foi realizada entubação traqueal para ventilometria, notamos sempre alteração nítida da vascularização das cordas vocais; em 2 casos, notamos o aparecimento de áreas de microedema e microhematomas, apesar da manobra ter sido suave. Em nenhum dos casos ocorreu sangramento de importância.
Comentários
O Propanidid, ao contrário dos derivados barbitúricos, tem período de recuperação rápido, com desaparecimento completo dos efeitos em 30 minutos e possibilidade de participação ativa no tráfego 2 horas após a anestesiai. É esta droga anestésica combinada a um relaxante muscular despolarizante, a succinilcolina, que rapidamente cindida e inativada no organismo torna-se o complemento ideal desse método anestésico. A succinilcolina, em perfusão venosa contínua de solução bastante diluída, permite bom controle do relaxamento muscular que pode ser alterado com muita rapidez; tal pôde ser constatado pela estimulação elétrica periférica e pela observação da mobilidade da laringe. O controle dos movimentos e tensões das cordas vocais era facilmente obtido conforme a velocidade imprimida à solução anestésico- relaxante muscular. A anestesia clínica mantida por estas 2 drogas, que normalmente não deixam resíduos ativos no organismo após sua rápida ação e cisão, permite um despertar rápido e possibilidade de altas precoces aos pacientes.
As vantagens da técnica baseiam-se entre outros fatores:
a - na respiração espontânea que evita a maioria dos inconvenientes da intubação traqueal em microcirurgia da laringe;
b - no controle do grau de relaxamento muscular, permitindo o exame funcional e tônus variável dos músculos da laringe;
c - rápida recuperação do paciente, possibilitando intervenções ambulatoriais.
Nos casos apresentados, não ocorreu hemorragia de maior importância pela intervenção cirúrgica realizada. Em intervenções outras, porém, que possam provocar sangramento maior, uma sonda traqueal provida de manquito insuflável previniria a possibilidade de entrada de sangue pela traquéia e seria a técnica de escolha, a nosso ver. As dosagens usadas do anestésico venoso não barbitúrico e do microrelaxante despolarizante são superiores às referidas em trabalho já apresentado pelas condições gerais de boas e ótimas dos atuais pacientes. Estes primeiros 20 casos refletem a nossa impressão inicial com esta técnica anestésica em microcirurgia de laringe. Observações mais profundas e relacionamento do grau de relaxamento muscular e atividade de cordas vocais serão objeto de uma próxima comunicação.
Resumo
Os autores apresentam a técnica e os resultados em 20 casos de microcirurgia de laringe, submetidos à anestesia geral com relaxamento controlado e respiração espontânea, sem entubação traqueal. A indução e manutenção anestésica foram obtidas por perfusão endovenosa de solução de Propanidid (1,0%) e de succinilcolina (0,1%) associada a doses intermitentes de Propanidid. São apresentados os resultados do ponto de vista anestésico e cirúrgico. Em nenhum dos casas ocorreu alteração mórbida de importância.
Summary
The autores present a technic and results in twenty cases of laryngeal microsurgery submeted to general anesthesia with controlled relaxation and spontaneous breathing, without endo-tracheal intubation. Induction and anesthetic mainterance were obtained by intravenous infusion of 1,0% Propanidid and 0,1% Succinylcholine associated to intermittent doses of Propanidid. The results are presented of the anesthetic and surgical point of view, and at no one of the cases ocurred important morbid alteration.
Bibliografia
1. 1. Del Nero, R. R., Becker, J. C. J., Sodre, P. P. A. e Nakakubo, S. - Anestesia em endoscopia peroral: apresentação de 200 caso sob respiração espontânea. Rev. Bras. Anest., 22(1) :26-37, 1972.
2. Kleinsasser, O. - Microlaryngoscopy and endolaryngeal microsurgery. W. B. Saunders Co., Philad., 1968.
3. Langrehr, D. - Aspectos farmacológicos e clínicos do Propanidid. Rev. Bras. Anest., 20(1) 131, 1970.
* Trabalho realizado na Fac. Cienc. Med. Santa Casa de Miser. São Paulo.
** Médico Anestesista no Ser. Anestesiologia Santa Casa de Miser. São Paulo.
*** Sextanista da Fac. Cienc. Med. Santa Casa de Miser. São Paulo.
**** Chefe do Serviço de Anestesiologia da Santa Casa de Miser. São Paulo.
Propanidid - Fabentol R. Bayer
Succinilcolina - Quelicin R. Abbott