Versão Inglês

Ano:  1972  Vol. 38   Ed. 2  - Maio - Agosto - (33º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 222 a 225

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE DISTÚRBIOS VESTIBULARES DE ORIGEM PSÍQUICA

Autor(es): Sílvio Marone*

Se, sabidamente, as influências dos fatores da esfera psíquica se fazem sentir em qualquer elemento orgânico, com muito mais freqüência e intensidade é a sua repercussão no aparelho vestibular.

Órgão destinado a informar a situação do nosso organismo em relação ao espaço, exerce o vestíbulo trabalho de importância a um tempo pessoal e social. Vale isto dizer que tanto as ações patogênicas de qualquer órgão como as influências ambientais ou social podem repercutir sobre o vestíbulo.

A explicação reside nos fatos anatômicos do labirinto: a sua intensa vascularização, o emaranhado de seus canais fechados, encerrando líquidos de constituição complexa e a sua estreita conexão com todo o organismo.

A íntima conexão com todo o organismo, torna o vestíbulo sensível à patologia de qualquer órgão, donde Mygind afirmar que nele se reflete a patologia geral.

Diríamos nós que também nele se refletem as influências do mundo exterior.

Eis porque não se pode estudar as alterações labirínticas - seja no seu conjunto vestíbulo-cóclea seja isoladamente cada um de per si - sem exame clínico geral apurado; o intuito é não afastar causas aparentemente sem importância, mas que, na realidade, exercem atuações diretas e específicas, importantes e seguras. Citemos algumas das disfunções de origem psíquicas: gastro-intestinais, cárdio vasculares, do aparelho locomotor, na esfera gênito-urinário e particularmente desarmonias metabólicas. Todas essas causas, por sua vez, através do aparelho neurovegetativo determinam alterações da fisiologia vascular, que, no caso específico do aparelho vestibular se fazem sentir essencialmente na "Stria vascularis", decorrendo daí alterações quantitativas e qualitativas dos líquidos, sua tensão e as manifestações patológicas.

Indicam esses fatos, pois, que as influencias do mundo interior e exterior atuam intensa e freqüentemente sobre o vestíbulo. Tão freqüentes e tão intensas que nos obrigam, ao invés de separar a labirintologia como uma especialidade dentro de outra (como, ao que parece, se está pretendendo), ao contrário nos obriga a integra-la na Clínica Geral e, destarte, estudar o paciente em seu todo, em seus aspectos biopsíco-sociais.

Estabelece-se, pois, uma verdadeira cadeia de atuações: os fatores emocionais pessoais ou originários do ambiente agindo quer sobre os órgãos em geral quer especificamente sobre o vestíbulo, acarretam as respectivas disfunções. Essas conexões - repitamos - patenteia que no exame clínico se deve cuidar do homem como um todo integrado na sociedade, recebendo desta influencias e sobre ela exercendo outras tantas atuações,. numa verdadeira relação de expressividade entre ele e o mundo.

Há, todavia, condições favorecedoras pessoais e sociais para o aparecimento dós distúrbios vestibulares.

Tais pacientes são no geral indivíduos de maturidade intelectual e emocional, nos quais o sentido de responsabilidade é exaltado e presente. São industriais ou comerciantes em períodos de sobrecarga de responsabilidade, nos períodos de solver compromissos; ou profissionais liberais com grande carga de trabalho, indivíduos intimamente ligados às suas tarefas que "levam para casa os seus problemas profissionais"; não encontramos nos homens que, terminadas suas horas obrigatórias de trabalho, desfazem qualquer liâme entre seus deveres já cumpridos e os demais supervenientes, isto é, naqueles indivíduos que não se adaptam ao trabalho ou ao ambiente. Encontramos, também, em mulheres que vivem em estado de tensão por fatores domésticos, por incompatibilidade com o. marido e filhos, com empregadas, etc.

Por outro lado encontramos agindo acentuadamente fatores sociais, tais como períodos de crise de negócio, nas baixas das bolsas de câmbio, nas crises políticas, econômicas...

Também afirmam os psicanalistas e a clínica confirma que, devendo o homem manter-se sob tensão considerada normal e que não seja, pois, de sobrecarga acentuada, é ele impulsionado à realização de seus ideais. Quando há um "esvaziamento da sobrecarga" tais impulsos de luta se enfraquecem e se reduzem de tal ordem que são capazes de ocasionar sintomas neuróticos, por vezes mais intensos que os ocasionados pela sobrecarga.

Quer isto significar, em primeiro lugar, a instabilidade do equilíbrio de nossa vida emocional e em segundo lugar a necessidade de trabalho ou de uma ocupação para a realização de um ideal para o que devemos apelar com todos os nossos recursos intelectuais e materiais.

Explica-se assim o aparecimento de crises agudas vestibulares quando são passados os perigos ou quando, realizado o intento, termina o sentido de responsabilidade pela realização do objetivo, entrando assim, não raro, o indivíduo em tédio ou ociosidade. Eis porque encontramos com freqüência tais distúrbios nos "aposentados", os quais,. não tendo preparado a nova fase de sua vida, não se ocupam com as mesmas tarefas ou outras, substitutivas, ou com lazeres que estejam de acordo com suas capacidades.

O conhecimento de tais influencias orientará o especialista na pesquisa das citadas sobrecargas atuante ou seu "esvaziamento" num passado remoto ou recente.

Na simples observação de tais pacientes verificamos que são propensos a ansiedade, inquietude, instabilidade e impulsionalidade. Apresentam temores, descordenações motoras, ou, quando há controle, nota-se esforço para a manutenção de calma.

O estudo mais importante com tais pacientes é a anamnese que deve ser minuciosa, e ponderada; deve haver diálogos prolongados, coordenados, estruturados e reestruturados, com o que o médico captará a confiança do paciente.

Nesse trabalho a observação do paciente mostrará alterações na expressividade do paciente, alterações de entoação de voz, transpirações, rubores, exacerbações de gestos,
modificações de atitude, o cuidado na escolha de palavras ou de imagens, tiques, movimentos reacionários, referências ao passado recente ou remoto. Entre essas queixas o paciente refere que se sente "tonto", não percebe o solo nos pés, têm a sensação de "flutuação", a mesma sensação como se tivessem ingerido álcool. É a fase inicial. A persistência das causas agrava as "tonturas", passando a desequilíbrio mais acentuado.

O paciente procura diretamente o especialista, no geral, por indicação de leigos que incriminam as manifestações a uma "labirintite". Suas primeiras palavras revelam aflição e, por vezes o próprio paciente se adianta ao médico no diagnóstico de "labirintite". Nota-se que a queixa é superior em grau e em intensidade aos sintomas.

Freqüentemente o paciente revela que não pode abandonar ou fugir das responsabilidades ou dos trabalhos. Quer, isto sim, que o médico lhe dê uma medicação mantendo-se com os mesmos problemas emocionais ou no mesmo ambiente agressivo.

A pesquisa anamnética vai ainda revelar que tais manifestações são freqüentes e mais intensas em determinados locais ou situações, nos quais o fator genético dos distúrbios está presente. Apresentam, pois, inicialmente um caráter intermitente.

A intermitência poderá ter uma duração maior ou menor; no geral, o paciente revela que há diminuição dos distúrbios em períodos de férias ou nos lazeres prolongados.

Reconhecerá, desde logo, o clínico, a especificidade da situação conflitual; nessa pesquisa deverá faze-lo com prudência, acerto e boa conduta psicológica, pois freqüentemente o paciente não crê no nexo entre os seus distúrbios e os conflitos emocionais ou ambientais.

O paciente demonstra temor e então exagera seus sintomas, atribuindo-os a outras causas completamente diversas e julgando-os de natureza grave, mercê da sua persistência. Teme pela incurabilidade de seus males; nota-se então que o paciente formou um quadro ou uma imagem autoplástica, no conceito que tem de seu mal; julga-a muito séria e incurável e apavora-se a a idéia que ele mesmo criou.

Daí a necessidade de serem feitas indicações sobre as emoções a que o paciente está submetido, sobre o seu meio de trabalho, suas atribulações e responsabilidades, sua vivência no seio da família, desajustamentos sexuais, entrelaçamento com o cônjuge, filhos e colaterais, ainda o relacionamento com amigos e estranhos, com superiores e subordinados, suas diversões e entretenimentos preferidos...

Uma pergunta que sempre dirigimos aos pacientes com essas queixas - e o fazemos com muita cautela e em ocasião oportuna - E referente ao seu contato ou ao seu conhecimento de alguém (amigo ou parente) com distúrbios semelhantes aos que está relatado. Com freqüência - e não só neste setor orgânico como nos demais - há o fenômeno da transferência para si das queixas e dos males de terceiro. Sucede esse fato, muitas vezes, nos casos de disfonias pós-gripais prolongadas, julgando o paciente tratar-se de um tumor da laringe.

Após a anamnese cuidadosa, proceder-se-á aos exames clínicos gerais, iniciando-se com a verificação da tensão arterial, que poderá estar elevada, a contagem e o estudo do ritmo respiratório e os demais que se fizerem necessários.

Ao exame otorrinolaringológico, pouco se conseguirá que esteja relacionado com os distúrbios relatados.

O exame audiométrico, na fase inicial, pouca informação fornecerá.

Nos casos antigos, podem-se encontrar ligeiras disacusias neuro-sensoriais.

No estudo do vestíbulo retemo-nos às provas estáticas, as quais, a nosso ver, são suficientes. Verificamos que, na grande maioria dos casos, não há alterações nas vias e nos centros vestibulares; em alguns casos pode ser encontrada hiperexcitabilidade bilateral.

Procuramos o mais possível evitar as provas dinâmicas, pois, estas além de piorar a situação emocional, ainda o paciente assiste a todas as manobras, o que lhe causa certo temor, piorando os distúrbios vestibulares. Procuramos, com isto, evitar o agravamento iátrogênico do mal.

Devemos chamar a atenção para os seguintes pontos:

1) Há uma predisposição - muitas vezes adquirida - uma verdadeira miopregia vestibular, num terreno psicologicamente preparado próprio para receber as influências de fatores emocionais. A predisposição pode também ser devida á atuação de fatores ambientais; há evidente relação entre os momentos sociais, as crises econômicas, políticas, etc. e o ressurgimento de casos de distúrbios vestibulares.

2) Os fatores emocionais podem determinar distúrbios vestibulares imediatos ou tardios.
entre a gravidade da queixa e o grau de ação do agente con

3) Não há relação flitante.

Como se vê, para o reconhecimento e a resolução desses casos, deve o Otorrinolaringologista ter boa formação psicológica; caberá a ele explicar a etiologia dos distúrbios e o seu relacionamento com o fator ou fatores causais. Se a resolução for difícil (o que é caracterizado pela persistência dos sintomas ou pela sua repetida periodicidade) deverá o paciente ser encaminhado ao especialista para o aprofundamento dos exames na esfera psíquica.

Insistimos no fato de que tais pacientes não devem ser enviados a vários profissionais, para que não se lhes dê a impressão de gravidade de seus distúrbios; tratando-se de pessoas intelectualmente diferenciadas, ocorre-lhes e avulta-se-lhes, desde logo a referida gravidade.

Com freqüência indicamos, além de calmantes, o afastamento do ambiente agressivo, como, por exemplo, férias prolongadas ou viagem. A aceitação da nossa indicação obtemos quando o paciente vem acompanhado do cônjuge ou de outro elemento da família que conhece a existência do estresse emocional.

Somente em casos acentuados dos distúrbios prescrevemos medicação específica.

Insistimos: procuramos, nós próprios, dar-lhes explicações claras, sucintas oportunas e ponderadas, para que lhes fique bem claro a relação de causa e efeito entre os fatores emocionais pessoais ou ambientais e os distúrbios vestibulares.

Cabe, pois, razão a TZANCK, quando afirma que o médico deve ter não somente informação livresca do estresse emocional desencadeante e distúrbios orgânicos, nem ter somente formação clínica, mas deve passar êle próprio por uma transformação pessoal com a qual, compreendendo a sua própria personalidade e a sua própria atitude, pode situar as causas e os efeitos morbígenos e, assim, distinguir a doença do doente.

Resumo

O A. chama a atenção para a íntima relação entre o vestíbulo e todos os elementos do nosso organismo, de tal modo que qualquer processo patológico orgânico se reflete no aparelho vestibular. Ressalta ainda a influência de fatores ambientais e sociais sobre o vestíbulo, ocasionando - como tem observado atualmente verdadeiras fases epidêmicas de tais casos.

Refere-se à importância da anamnese para o reconhecimento do conflito emocional específico, desencadeados, e aconselha boa orientação psicossomática do médico, diálogos prolongados, explicações claras sobre a relação de causa e efeito. Evita, em seus exames as provas dinâmicas, detendo-se nas estáticas (que julga suficientes) para o não agravamento do estado mioprágico emocional.

Inicialmente a queixa é de instabilidade física ou "flutuação", podendo agravar-se para a cronicidade.

Aconselha o afastamento da "espinha irritativa" emocional ou do ambiente agressivo.

Summary

The A. advises to the close relation between the vestibular apparatus and other parts of our organism; any organic patology can reflet in that apparatus.

The are also the influence of the ambiental e social factors, causing the real epedemic fases of labirintic manifestations (Menièric disturbs).

The A. refers also the value of the diligent anamnesis for the acknowledgment of specific emotional conflits and advises good psycosomatic orientation of the physician, prolonged dialogues, clear explanation upun the cause and effects relations. Avoides the dinamic vestibular proves, detains in the static proves - which he things sufficients - for not aggravating the emotional myopragic status.

The beginning of the complaints is the insegurity of the body in the space or "fluctuation"; later the effects can pass to the cronicity.

The A. advises the causal removing or the resolution of the emocional problems, or, if it is necessary, the removing of the patient from de agressive ambient.

Bibliografia

1. Mygind, S. H. - "Le labyrinthe, indicateur des altérations du corps". Minerva Otolaringologica 1, 106, 1951.
2. Tzanck, R. - "Refléxions sur la médicine psychosomatique". René Julliard, Paris, Ville, 1964.




* Docente Livre de Clin. O.R.L. Fac. de Medicina da U.S.P. Ex-professor da Faculdade de Medicina da Univ. Católica de São Paulo.

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