Ano: 1972 Vol. 38 Ed. 2 - Maio - Agosto - (23º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 196 a 198
MEDICINA PSICOSSOMÁTICA E MEDICINA LATROGÉNICA EM OTORRINOLARINGOLOGIA
Autor(es): Costa Belle*
"A medicina psicossomática traduz a concepção integral do homem e a aplicação dessa concepção à prática médica, isto é a concepção e compreensão do homem como um todo", podemos pois definir como o estudo da interação dos dois fatores inseparáveis da unidade biológica a "psique" e o "soma".
- Entretanto é necessário muita cautela neste estuda que o médico, por inadvertência, não rotule o caso de psicossomático onde existe somente alteração do ''soma", transformando-o em iatrogênico dizendo ao paciente: "Isto não é nada, procure se distrair" ou "Esqueça isto que vai ficar bom". São frases ditas freqüentemente a doentes que, ao primeiro exame superficial, parecem psicossomáticos mas que, na realidade, não o são e assim o médico cai em mais um caso iatrogênico.
O professor J. J. Lopez Ibor diz muito bem que: "A medicina moderna não só cura, como também faz infermos". Cada dia aparecem mais trabalhos sobre enfermidades iatrogênicas. O médico se converte em agente iatrogênico, por deficiência de conhecimentos profissionais ou de psicologia. Não se pode dissociar a complexa relação médico-enfermo na sociedade atual a mera intuição do médico".
Os casos que tenho diagnosticado como psicossomáticos têm sido quase sempre, o resultado de um bom relacionamento médico-cliente e de uma cuidadosa anamnese. Certa vez fui procurado por um colega neurologista que me levava uma paciente completamente afônica, acompanhada pelo marido.
Fiz uma laringoscopia indireta encontrando as cordas vocais com coloração e movimentação normais.
Respondendo às minhas perguntas, disse-me o marido: que a afonia coincidia sempre com as fases menstruais da paciente. Insistindo: em detalhes, cheguei a solução do problema: na primeira gestação ela sofrera queda de uma escada, ocorrendo o aborto e. do susto, resultou a afonia.
Em virtude de sua profunda formação religiosa, surgiu o sentimento de culpa por não ter sido cuidadosa ao descer a escada. Desde então, a afonia se manifestava, simultaneamente, corri a menstruação. Com a psicoterapia que aconselhei, ficou curada.
Outro caso que tive, foi o de uma senhora que me procurou, queixando-se de tonteiras.
Fiz as provas mais simples e comuns de equilíbrio, sem todavia chegar a uma conclusão. Não satisfeito, ainda, enviei-a ao meu amigo DY. Hugo Borges de Carvalho, um apaixonado pelas provas de equilíbrio, que fez o diagnóstico: "Alteração de origem periférica". Insisti sobre a origem do aparecimento das tonturas: cheguei a conclusão de que a 1.a crise coincidiu com um problema emocional de origem conjugal. Submetida ao tratamento psicoterápico indicado, voltou ao consultório para dizer que as tonteiras tinham desaparecido. por completo.
Em compensação, casos que me chegaram às mãos diagnosticados como "distonias neurovegetativas ou histerias" mas que na realidade, eram perturbações somáticas, transformaram-se em iatrogênicas.
Uma doente procurou-me muito angustiada, portadora de intensa cefaléa, rotulada como histérica.
Consegui um bom relacionamento médico-paciente e após detalhada anamnese, pensei em problema cervical.
Solicitei uma radiografia que mostrou uma espondilartrose cervical, o que justificava a cefaléa. Encaminhada a um ortopedista, submeteu-se ao tratamento adequado: as perturbações desapareceram, comprovando o mal somático. Posteriormente voltou ao consultório, não mais angustiada, dizendo-se bem melhor daquela "terrível dor de cabeça".
Outro caso que vi, foi de uma senhora queixando-se de um "bolo na garganta", que fora diagnosticado como uma "distonia neuro-vegetativa da menopausa". Segui a minha conduta de sempre: uma cuidadosa anamnese ao lado de um bom relacionamento, médico-doente e um minucioso exame. Encontrei na base da língua, uma grande quantidade de varizes, comuns em senhoras na fase da menopausa, daí a sensação que a paciente sentia é que, com o tratamento antevaricoso que empreguei, consegui muito bom resultado.
Finalmente, tive ocasião de examinar uma outra cliente, apresentando a mesma sintomatologia do caso anterior e trazendo o diagnóstico de "distonia neuro-vegetativa". Pelo exame, constatei, ser uma hipertrofia da amígdala lingual que desapareceu com o clássico tratamento de, iodo-glicerina.
Pelos casos apresentados e por muitos outros da minha longa experiência clínica e `que não me seria possível citar pela exiqüidade de tempo, é sempre perigoso nos deixarmos levar pela primeira impressão.
É imprescindível um bom "rapport" com o doente, não esquecendo, é claro, o valor da anamnese, só assim, evitaremos as doenças iatrogênicas.
Um dos objetivos de meu trabalho, é dirigido aos colegas jovens, com menor experiência de vida clínica diária pedindo que lembrem-se sempre da importância daqueles dois fatores.
É com muita razão que diz o professor J. J. Lopez Ibor, que cito mais uma vez:
"O médico deve aprender a reconhecer de uma vez por todas, que o melhor medicamento, o mais eficaz, é o próprio médico".
Resumo
E necessário saber reconhecer quando a doença é psicossomática; do contrário cairemos na iatrogenia, como nos casos citados de disfonia, tonteiras, cefaléas e do "bolo na garganta".
Insistimos, também, sobre a importância da anamnese e do relacionamento que deve sempre ser estabelecido entre o médico e o cliente.
Summary
We must always be able to tell if the illnees is of psychosomatic origin, as otherwise we shall be facing cases of iatrogenic, such as dysphonia, states of dizziness, cephaleas and "lumps in the throat", mentioneci above.
We would also insist that both anamness and a relationship between the doctor and the client are of vital importante.
Bibliografia
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* Chefe de Serviço de Otorrino do H. E. Souza Aguiar, da Guanabara.