Ano: 1972 Vol. 38 Ed. 2 - Maio - Agosto - (8º)
Seção: Relato de Casos
Páginas: 143 a 146
RINOSPORIDIOSE NASAL
Autor(es):
Nelson Fernando Simões de Oliveira*,
Clemente Borges de Barros Vieira**
Introdução
Rinosporidiose é um processo infeccioso causado pelo fungo Rhinosporidium seeberi e que acomete as mucosas, predominantemente a nasal. Olhos, ouvidos, laringe e, rarissimamente, vagina, pênis e pele também podem ser comprometidos(2).
Admite-se que a propagação se faça através de pó e água contaminada, porém nada se sabe de definitivo a respeito das fontes de infecção da rinosporidiose. A doença tem sido verificada em eqüinos, bovinos, muares e certos peixes. Sugeriram alguns autores que a infecção seja primariamente doença de peixes, e que o homem e os animais apenas hospedeiros acidentais(3,4,5,).
A lesão nasal caracteriza-se pelo desenvolvimento de polipos friáveis, sésseis ou pediculados, granulomatosos e vegetantes. É comum a presença de pontilhado branco-amarelado superficial, correspondente às formas evoluídas do fungo.
A rinosporidiose é freqüente na índia e Ceilão, onde assume características de endemia, sendo encontrada em outras regiões mais esporadicamente. No Brasil é rara, informando a literatura nacional o conhecimento de pouco mais de vinte casos até o presente(3,4,5).
Por esta razão animamo-nos a apresentar os dados de um caso, de localização nasal, recentemente observado, para chamar a atenção sobre a necessidade de se pensar nesta afecção, no contexto do diagnóstico diferencial das granulomatoses.
Descrição sumária do caso
R.O.S. - 16 anos - sexo masculino - cor parda - solteiro - Brasileiro - natural e procedente de São Paulo (SP) - balconista.
Queixa: notou saída de carne esponjosa (sic) pela narina esquerda, ao assoar o nariz, há 3 dias. Referiu resfriado (sic) com coriza há 7 dias, e obstrução nasal bilateral há 5 dias. Interrogado, negou obstrução nasal anterior a esta queixa. Apresentou pequeno sangramento nasal concomitante à saída da formação polipóide.
Antecedentes: tomava banhos em represa e córregos, em São Paulo.
Exame ORL: polipo verrucoso (figura 1) exteriorizando-se através da narina esquerda, alcançando o lábio superior; cor rósea, com pontilhado branco-amarelado difuso, aspecto friável, preso por pedículo à porção anterior do meato inferior; à rinoscopia anterior, havia também hiperemia difusa e abundante secreção muco-purulenta, em ambas as fossas nasais.
FIG. 1 - Aspecto macroscópico do pólipo rinosporidiótico exteriorizando-se através da narina esquerda.
O restante do exame ORL foi essencialmente normal.
Conduta:
a) efetuamos os seguintes exames:
RX de seios paranasais: veladura bilateral dos seios maxilares.
RX de tórax: essencialmente normal.
Citograma nasal: processo inflamatório crônico de características inespecíficas.
b) exerese total da formação polipoide com alça fria e cauterização da zona de sua implantação com ácido tricloroacético a 80%; a peça foi colocada em formol a 10% e encaminhada para o Laboratório de Anatomia Patológica e Citopatologia da Disciplina de Patologia Clínica, da Escola Paulista de Medicina (Prof. Dr. Fued Abdalla Saad).
c) instituiu-se tratamento da rino-sinusopatia encontrada com:
1º) Cloridrato de isotipendila .......................... 4 mg
Acido acetilsalicílico ............................. 230 mg
Fenacetina .............................................. 160 mg
Cloridrato de 1 - fenilefrina ....................... 5 mg
Acido ascórbico ..................................... 100 mg
(por comprimido)
Posologia: um comprimido de 6 em 6 horas, durante 5 dias.
2º) Cloridrato de benzidamina ............................................... 50 mg
Tetraciclina equivalente a de cloridrato de tetraciclina 250 mg (por cápsula)
Posologia: uma cápsula de 6 em 6 horas, durante 5 dias.
Descrição macroscópica da peça: Material recebido em formol, designado como formação polipóide, consta de um fragmento alongado, cor pardacenta, consistência ora elástica, ora firme, superfície irregular, mostrando aspecto vegetante na sua maior parte. O fragmento mede 3,5 x 1,4 x 1,3 cm (figura 2).
FIG. 2 - Aspecto macroscópico da peça após ressecção cirúrgica.
Descrição microscópica da peça: Os cortes examinados demonstram tratar-se de mucosa revestida por epitélio pavimentoso estratificado, que em alguns trechos apresenta solução de continuidade e em outros está hipotrofiado. No córion, há infiltrado linfoplasmocitário e histiocitário difuso, às vezes assumindo aspecto nodular. Observa-se também proliferação fibroblástica e colágena. Há zonas de exudato de poli morfonucleares e hemorragia. Evidenciamos no córion numerosos esporângios de Rinosporidium, às vezes representados apenas por envoltórios de quitina vazios, ou então, cheios de esporangiósporos. São vistos também alguns agrupamentos de gigantocitos do tipo corpo estranho englobando pequenas partículas (figuras 3 e 4).
FIG. 3 - Corte histológico da peça evidenciando-se numerosos esporângios de Rhinosporidium com reação linfo-plasmocitária e histiocitária diusa. Aumento 100 x H.E.
FIG. 4 - Corte histológico da peça evidenciando-se numerosos esporangiósporos dentro do esporângio, observando-se também seu envoltório da quitina. Aumento 250 x H.E.
Diagnóstico: Rinosporidiose em mucosa revestida por epitélio pavimentoso estratificado.
Formação poliposa.
Comentários
O presente caso de rinosporidiose desperta a nossa atenção, para a necessidade imperiosa da realização do exame histopatológico de rotina diante de qualquer tumor nasal.
O tratamento recomendado é o cirúrgico, efetuado neste caso(2,3,4,5). A literatura instrui sobre o uso de preparados antimoniais tri ou pentavalentes e eventualmente anfotericina B, como complementação terapêutica, quando necessário.
O paciente será mantido em observação por prazo prolongado com a finalidade de surpreender possível recidiva.
Summary
The authors present a case of nasal Rhinosporidiosis, the incidente of which is rare in Brazil, calling attention for the necessity of histopathologic examination for all nasal tumors, so that a differential diagnosis of granulomatosis can be established.
Bibliografia
1. Beeson, P. B.; McDermott, Walsh - Cecil-Loeb. Tratado de Medicina Interna. Nueva Editorial Interamericana, Decimotercera Edicion, México, 1972.
2. Conant et Al. - Manual of Clinica Mycology. W. B. Saunders Company, Third Edition, Philadelphia, 1971.
3. Lacaz, C. S. - Manual de Mitologia Médica. Livraria Atheneu, 3ª Edição, São Paulo, 1960.
4. Lacaz, C. S. - Compêndio de Micologia Médica. Sarvier, Editora da Universidade de São Paulo, 1967.
5. Lacaz, C. S.; Minami, Paulo S.; Purchio, Adhemar - O grande Mundo dos Fungos. Editora da Universidade de São Paulo, Editora Polígono, São Paulo, 1970.
6. Mansur, E. e Col. - Rinosporidiose nasal. R. Terap., Brasil, 2 (3); 185-8, 1968.
7. Jorge, N. E. S. - Ocorrência de rinosporidiose humana no Município de Arroio Grande - Estado do Rio Grande do Sul - "O Hospital", 74: 305-309, Julho de 1968.
* Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia (Prof. Titular Dr. Pedro Luiz Mangabeira Albernaz) do Dept. de Cirurgia (Prof Dr. Edison de Oliveira) da Escola Paulista de Medicina.
** Médico-residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da EPM.
*** Médico-estagiário da Disciplina de Otorrinolaringologia da EPM.
Agradecimentos
À Mauricio Malavasi Ganança (Professor Assistente-doutor da Disciplina de otorrino- laringologia da EPM), Sandra Maria Brondane (Fonoaudióloga do Hospital Municipal de São Paulo), Sara Bergman (Acadêmica de Fonoaudiologia da EPM), Reynaldo Tavares Rodrigues (Médico-residente do Serviço de Radiologia da EPM) pela cooperação neste trabalho.
* Nome comercial: Defril c/Vit. C (Lab. Ayerst Ltda.).
** Nome comercial: Tantum - ciclina (Lab. Organon do Brasil Ltda.).