Versão Inglês

Ano:  1972  Vol. 38   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 20 a 22

 

TELEANGIECTASIA HEMORRÁGICA HEREDITÁRIA. DERMOPLÁSTIA DO SEPTO NASAL

Autor(es): Nelson Alvares Cruz*,
Marcos Grellet**
Paulo Augusto de Lima Pontes***

Resumo:
Os autores tiveram a atenção despertada para o problema das hemorragias nasais em portadores de teleangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler), nos quais efetuaram tamponamentos ou cauterizações nasais com resultados aleatórios. Por isso, realizaram dermoplastia septal em paciente portador da doença e obtiveram bom resultado com seguimento de 1 ano. São de parecer que este recurso cirúrgico traz benefício mais eficaz que as cauterízações de resultados tão pouco animadores.

A ocorrência de epistaxes recorrentes em indivíduos de várias gerações de uma mesma família foi relatada pela primeira vez por Babington 1865; Hanes 1909 deu à doença o nome de Teleangiectasia hemorrágica hereditária. Três são os elementos principais para o diagnóstico: a) teleangiectasias da pele, mucosas e vísceras; b ) tendência á hemorragia a partir das lesões; c) história familiar de hemorragias intermitentes.

Raros são os casos da afecção em raça negra relatados na literatura. Acomete ambos os sexos igualmente e é transmitida como fator dominante Livingston e Carr, 1956.

A doença é referida como defeito congênito no desenvolvimento dos capilares que se apresentam dilatados, de tamanho e forma irregulares, com camada endotelial delgada e com ausencia de revestimento muscular e elástico. Em conseqüência das paredes serem delgadas e próximas à superfície traumatizam-se fácilmente e por não apresentarem elementos contrateis o sangramento pode não cessar espontâneamente Saunders, 1960. O sintoma mais frequente é a epistaxe, que principia geralmente na puberdade e prossegue até o fim da vida. As lesões aparecem nas seguintes regiões, segundo uma freqüência decrescente: mucosa nasal, superfície externa dos lábios, gengivas, mucosa jugal, palato, língua, pele da face, tronco, dedos, sob as unhas, conjuntivas, couro cabeludo e orelhas. Lesões viscerais são também encontradas no estômago, árvore respiratória, útero, rins, bexiga, meninges, cérebro, medula espinhal e olhos Smith e Linelack, 1954. Na criança há dificuldade para o diagnóstico da doença, na qual a epistaxe precede o desenvolvimento de teleangiectasias cutâneas.

Pretendemos ressaltar o aspecto problemático do tratamento da epistaxe na teleangiectasia hemorrágica hereditária, por ser este sinal o mais frequente e acudido com métodos terapêuticos em geral ineficazes.

O paciente quando apresenta crises de hemorragia nasal é submetido a diferentes tipos de tratamento conforme a gravidade do quadro. Geralmente realizam-se tamponamentos ou cauterizações para obtenção de esclerose na área sangraste. No entanto essas medidas apresentam solução temporária pois novas hemorragias as vezes profusas surgem em intervalos variáveis de tempo. O estado geral do paciente costuma alterar-se: há queixa de fraqueza, cansaço e emagrecimento devido a anemia que surge como conseqüência das hemorragias, impondo inúmeras vezes a necessidade de transfusão de sangue. Diante da pouca eficiência desses métodos terapêuticos, inclusive outros como medicamentos para reduzir a fragilidade capilar, radiumterapia, e mesmo ligadura de vasos, é de grande interesse salientar um método cirúrgico com resultados dos mais favoráveis, mesmo na ocorrência de perfuração septal- a dermoplastia septal Saunders, 1960.

Esta cirurgia consiste na substituição da mucosa septal por pele e fundamenta-se na maior resistência desta em relação à mucosa nasal frente aos vários agentes traumáticos, pois são estes os responsáveis pelo desencadeamento das hemorragias (traumas mecânicos, espirros, ressecamento, etc.). Nas outras áreas do nariz o aparecimento de hemorragias é raro por estarem melhor protegidas dos mesmos.

Em linhas gerais, a técnica para a substituição consiste em se expor a região septal anterior por meio de uma rinotomia bilateral no sulco da asa do nariz (incisão alar). O retalho de pele que pode ser retirado de diferentes regiões (coxa, nádegas, braço, etc.) é transplantado em ambos os lados da porção anterior do septo nasal, após excisão da mucosa comprometida. Nos casos de perfuração septal, a correção é feita com retalhos de pele que devem ser espessos e colocados em ambos os lados do septo, enquanto que a mucosa normal precisa ser reavivada para provocar boa base de implantação para o retalho. O excelente suprimento sanguíneo do septo assegura a pega completa do enxêrto. Após a plástica, tamponam-se as fossas nasais frouxamente a fim de não haver prejuízo na irrigação do enxêrto.

Gignoux 1968 realizou cinco intervenções segundo a técnica de Saunders; com bons resultados em portadores de teleangiectasias que apresentavam hemorragias nasais graves há meses. Houve seguimento dos casos durante 3 anos.

Lewy e Hammond 1962 impressionados pelo insucesso obtido em um paciente que continuou a apresentar hemorragias profusas após a dermoplastia septal, modificaram a técnica de Saunders. Com a nova tática, prolonga-se a incisão alar ao longo da linha nasogeniana até próximo à comissura palpebral medial, atingindo-se o plano ósseo; a junção do osso nasal com o processo frontal da maxila é identificado e ambos são separados por cinzel. Toda a metade do nariz é então rodada para frente expondose amplamente o septo. Assim, um retalho maior de pele pode ser colocado no septo parcialmente desnudo. Esta técnica deu-lhe melhor resultado com redução da freqüência e intensidade das hemorragias.

Observamos 6 casos desta doença, de famílias diferentes, nos últimos 2 anos e operamos um deles com resultado amplamente satisfatório. Este paciente (D. D., 32 anos, casado, natural de São Paulo) desde a infância apresentava epistaxes frequentes. Aos 13 anos, as hemorragias se agravaram, quase sempre à direita e desencadeadas pelos mais leves traumatismos. Nesta ocasião foi feito o diagnóstico da doença. Desde então, submeteu-se à varias cauterizações que causaram pequena perfuração septal anterior. Aos 17 anos apareceram varias teleangiectasias na língua e lábios. Nestas regiões há sangramento esporádico e de fácil controle. Informou-nos o paciente que seu pai sofria da mesma moléstia e seus dois filhos, de 5 e 7 anos respectivamente, já apresentavam epistaxes frequentes. Ao exame geral o paciente mostrava intensa palidez. No exame otorrinolaringológico, como a anamnese assinalara, observamos teleangiectasias nos lábios, na língua e na mucosa nasal, mais numerosas a direita. Havia pequena perfuração septal anterior.

Decidimos realizar a dermoplastia do septo nasal a direita, deixando para segundo tempo a do lado oposto, se houver necessidade.

Na técnica empregada utilizamos a incisão alar para exposição do septo e extirpamos a mucosa doente de sua porção anterior direita. Retiramos o enxerto de pele da região retro-auricular do mesmo lado, com espessura de aproximadamente 1 milímetro, e diferentemente da técnica proposta por Saunders, levamos o enxerto ao leito, por meio de um tubo de borracha envolto em gase furacinada que moldando-se á fossa nasal aí permaneceu realizando suave compressão na pele transplantada, com a vantagem de permitir a passagem de ar pela fossa.

O pós-operatório decorreu sem acidentes e o sistema de compressão foi retirado no 7º dia.

Depois de 15 dias o enxerto encontrava-se integrado totalmente em seu leito. Até a última revisão, com um ano de seguimento pós-operatório, o paciente não apresentou epistaxe. O enxerta evidenciou ótimo aspecto e coloração rosea.

Em conclusão, julgamos ser a dermoplastia do septo nasal um excelente método terapêutico para o problema da epistaxe na teleangiectasia hemorrágica hereditária, apesar de ainda não termos tempo de observação suficientemente longo para nos certificarmos do resultado a longo prazo.

Resumo

Os autores tiveram a atenção despertada para o problema das hemorragias nasais em portadores de teleangiectasia hemorrágica hereditária (doença de Rendu-Osler), nos quais efetuaram tamponamentos ou cauterizações nasais com resultados aleatórios. Por isso, realizaram dermoplastia septal em paciente portador da doença e obtiveram bom resultado com seguimento de 1 ano.

São de parecer que este recurso cirúrgico traz benefício mais eficaz que as cauterízações de resultados tão pouco animadores.

Summary

The autors make some considerations about the problem of nosebleeds in cases of hereditary hemorrhagic teleangiectasia (Osler's diseases). With septal dermoplasty the control of hemorrhage is better than with others process as cauterization.

Resumé

Les auteurs font quelques considerations sur le problème des hemorragias nasales dans les cas de teleangiectasie hereditaire (maladie de Rendu-Osler). Ils sons d'avis que la dermoplastie septale represente un méthode de resultar plus effective que les méthodes classiques, par exemple, la cauterization de la cloison nasal.

Babigton, B. O, - Hereditary Episuais. Lancet, 2:362-363, 1865. In Livingston, S. O. & Carr, R. E. - Hereditary hemorrhagic teleangiectasia. J. Thoracic Surg.: 31): 497-503, 1956.
Gignoux, M. - A propos du traitement chirurgical de la maladie de Redu-Osler. Cahiers D'Oto-Rhinolaryngologie, 3:243.244, 1968.
Hanes, F. M. - Multiple hereditary telangiectases causing hemorrhage (Hereditary hemorrhagic telangiectasia). Bull. Johns Hopk. Hosp., 20:73, 1909. In Livingston, S. O. & Carr, R. E. - Hereditary hemorrhagic telangiectasia. J. Thoracic Surg.: 31:497-503, 1956.
Lewy, R. B. & Hammond, A. - Septal dermoplasty observation. Technique and results. Ann. Otol. (St. Louis), 71:411-418, 1962.
Livingston, S. O. & Carr, R. E. - Hereditary hemorrhagic telangiectasia. J. Thoracic Surg., 31:497-503, 1956.
Saunders, W. H, - Septal dermatoplasty for control of nosebleeds caused by hereditary hemorrhagic telangiectase or septal perforations. Trans. Amer. Acad. Ophthal. Otolaryngol. 64:500-505, 1960.
Saunders, W. H. - Permanent control of nosebleeds in patients with hereditary hemorrhagic telangiectasia. Ann. Intern. Med., 53):147-152, 1960.
Smith, J. L. & Lineback, M. I. - Hereditary hemorrhagic telangiectasia. Amer. J. Med., 17:41-49, 1954,




Nelson A. Cruz

Rua Basílio da Cunha, 510

S. Paulo

* Ex-Professor da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

** Professor Assistente-Doutor da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

*** Doutor em Ciências pela Escola Paulista de Medicina.

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