Versão Inglês

Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 32 a 36

 

FISIOLOGIA NASAL

Autor(es): MAURILIO SOARES *

A Anatomia comparada informa que o nariz se inicia como órgão olfativo e que posteriormente ele passa a compartilhar do processo respiratório.

No homem, mais que em outros animais, houve franca regressão da função nasal olfatória.

O nariz é o órgão que inicia e termina o processo da respiração, oferecendo uma larga série de condições para a sua melhor realização.

A respiração e, em última análise, o processo de oxigenação da célula e o seu uso metabólico.

Estudando a fisiologia nasal focalizamos o seu complexo desempenho respiratório, que consideramos do mais alto interesse e extremamente fascinante, e apenas mencionamos a função olfativa que embora importante não é, nesta oportunidade, objeto de nossa cogitação.

A posição da narina é muito significativa em relação à câmara nasal, para que seja realizada a boa respiração.

Como é do conhecimento geral, a narina alongada e verticalizada é etnicamente característica do leptorrino, ou indivíduo da raça branca. A narina ampla e hórizontalizada é própria do platirrino ou indivíduo da raça negra e a narina arredondada é encontradiça no indivíduo da raça amarela ou asiática.

Na harmonia nasal a posição, o formato e as dimensões da narina correspondem à estrutura de toda a pirâmide, e a respiração se faz normalmente.

Mas, uma modificação desta harmonia ou uma desarmonia da posição, do formato, das dimensões da narina com as características raciais do indivíduo, já conduz a dificuldades funcionais respiratórias.

A narina recolhe ou coleta a massa aérea e com o vestíbulo encarrega-se de direcioná-la para dentro da cavidade nasal.

Deformidades do lóbulo com pontas excessivamente longas ou muito caídas, ou curtas, ou muito levantadas, nariz arrebitado), conduzem ao mau direcionamento das correntes aéreas, resultando, não raro, distúrbios respiratórios.

O ostium internum inclui a válvula, que é a fenda mais estreitada do tubo respiratório. Ela tem uma abertura angular de apenas 10 a 15 graus. Ao lado da sua função de direcionar a corrente aérea para dentro da fossa nasal, ela participa da definição do formato do jato respiratório de turbilhonar em laminar.

A sua parede lateral ou externa, formada pela borda caudal da cartilagem lateral superior, se aproxima ou se afasta da parede medial ou septal, de acordo com o trânsito aéreo respiratório.

O colapso da válvula não se realiza graças ao recurvamento para fora da borda caudal da cartilagem lateral superior, à existência de uma membrana de tecido conectivo que liga esta mesma borda caudal à borda cefálica dá cartilagem lateral inferior ou lobular e ainda à ação dos músculos dilatadores do nariz: os músculos dilatadores próprios; o músculo elevador superficial da asa nasal e do lábio superior; o músculo nasal, pela sua faixa alar; e o músculo piramidal ou procerus de ação secundária.

Todos eles são enervados pelo facial, assim como os constrictores (músculo transverso). Segundo Van Dishoeck, pelo estudo eletromiográfico, estes músculos são a sede de uma atividade elétrica intensificada, de um aumento do tônus, exercido de modo sincrônico com a inspiração e somente durante ela. E neste momento inspiratório faz-se uma pressão negativa no interior do vestíbulo, anulada pelos vários fatores acima mencionados.

Na respiração calma não há desequilíbrio de forças e o ostium internum e válvula não sofrem evidente modificação da sua amplitude. Mas, na inspiração profunda, se não há contração voluntária dos músculos dilatadores, haverá uma redução do calibre interno vestibular e ostial.

A contração dos músculos dilatadores, além de ser voluntária, resulta também de um comando automático do centro respiratório, estimulado diretamente ou por via reflexa, graças aos quimiorreceptores ou receptores excitáveis por substâncias químicas.

A abertura da válvula nasal na expiração é passiva em decorrência da passagem do fluxo aéreo. Ela pode ser ampliada pelo abaixamento da ponta do nariz por ação muscular ativa.

O ostium internum e válvula controlam a resistência, velocidade, direção e formato da coluna aérea inspiratória.

Durante o-sono, o decúbito lateral leva a um deslocamento das asas vestibulares, devido à gravidade: a asa vestibular se afasta do septo no lado declive e se aproxima do septo no lado oposto.

Anteparos ou amortecedores da corrente aérea ai existem em uma série e desempenham um papel de primeira importância na preparação do ar respiratório.

Já as narinas, maisamplas ou menos amplas, são o primeiro elemento de resistência à corrente aérea inspiratória, reduzindo a sua velocidade, acomodando-a ás convertiêncms, respiratórias. Da mesma forma procedem as vibrissas.
As asas opõem resistência ao fluxo aéreo, regulando a amplitude do ostiuna internum, graças à ação dos músculos alares.

I - Vários elementos vestibulares participam eficientemente do conjunto de resistências ou amortecedores do ar inspirado, alem dos já acima mencionados:

I. a extremidadae livre da crura lateral da cartilagem lobular que se projeta para dentro do vestíbulo;

2.o fundo de saco de Zuckerkandl ou fundo de saco vestibular. Ele se infla com o ar inspirado e sua parede medial, cartilagem lateral superior, conseqüentemente é deslocada para dentro, no sentido do septo nasal, estreitando a válvula.

Há, assim, um aumento da resistência à corrente aérea inspiratória e modificação do seu formato de turbilhonar para laminar, o que melhora as condições para o seu bom aquecimento e sua boa umidificação. O formato laminar aumenta a área de contato com a mucosa nasal medial e lateral;

3. o próprio ostium internum, ou óstio vestibular, e a válvula nasal são outros elementos de resistência inspiratória;

4. a crista piriforme no assoalho da abertura piriforme.

A crista é projetada, saliente, no adulto da raça branca e praticamente inexistente no adulto da raça preta ou amarela.

A resistência à corrente inspiratória resulta assim em uma pressão negativa intratoràcica, em uma maior profundidade respiratória, cúni participação do estímulo fisiológico, na mucosa, ao nível das terminações nervosas, do trigêmio, vago, glossofaríngeo, mais posteriormente.

II - Outros elementos vestibulares participam do conjunto de resistências ao ar expirado:

l. a extremidade livre da crura medial da cartilagem lobular que se projeta para dentro do vestíbulo:,

2. o ventríulo do v6tibulo que é um recesso situado sob a cúpula na ponta do nariz. Eles atuam como uma resistência ou amortecedor ao ar expirado, dificultando a sua saida para o exterior do nariz.

A passagem do ar expiratório pelo nariz, ele deixa ou perde calor em cerca de três graus centígrados e deixa também vapor d'água cm aproximadamente a metade do seu conteúdo,

Esta retenção de calor e umidade no nariz é de grande importância funcional porque eles são devolvidos à corrente aérea inspiratória que vem logo em seguida.

A fossa nasal propriamente dita vem logo em continuação ao ostium internum - válvula. Ela é delimitada pelo septo - cartilaginoso e ósseo - medialmente e lateralmente pelos cornetos e mucosa nasal, dotados de uma vasomotricidade muito ativa.

A sua rede arterial é tributária sobretudo da artéria esfenopalatina, grande palatina, , palatina anterior e etmoidal, e está disposta em três camadas:

1. uma profunda, justa-pericórid rica ou justa-perióstica;

2. uma média, ao nível da camada glandular, e, afinal,

3. uma superficial, subepitelial. Numerosas arteriolas são dotadas de espessamentos localizados, dependentes da túnica média ou da íntima e eles atendem aos dispositivos de bloqueio que arcam com a tarefa de realizar modificações bruscas do débito sangalneo nos seus respectivos territórios. .

As vénulas, provenientes das redes capilares, vão ter aos plexos cavernosos que por sua vez constituem os. lagos sangüíneos e que estão situados ao nível da camada média e principalmente da camada profunda da mucosa.

A histoquimica e a microscopia eletrônica identificaram ai uma grajnde concentração de áreas catecolaminicas. As áreas colinesterásicas estão em menor grau.

A abundância de anastomoses arteriovenosas, mais pronunciadas na camada profunda, e os dispositivos esfncterianos vasculares ai situados, tem grande importância no controle, da circulação local.

Os plexos cavernosos são mais abundantes ao nível dos. cornetos inferiores e médios,- principalmente corpo e cauda, e são ainda encontrados no septo nasal, na altura da cabeça do corneto médio, isto é, na região do tubérculo do septo.

Sob o ponto de vista funcional, encontram-se, assim, as redes capilares superficiais, densas, participando do aquecimento do ar inspirado e os plexos cavernosos mais profundos cujo grau de repleção determina o volume da mucosa e conseqüentemente a permeabilidade das fossas nasais.

Como a rede está sob o controle do sistema nervoso autônomo, o calibre dos vasos resulta do antagonismo entre o tónus vasoconstritor dependente dos receptores alfa-adrenérgicos e do, tônus vasodilatador dependente dos receptores colinérgicos.

A mucosa nasal é sede de freqüentes variações espontâneas vasomotoras. Umas, são de pequena amplitude e modificam apenas ligeiramente a permeabilidade nasala São regulares no seu ritmo e se renovam a pequenos intervalos de meio a dois minutos.

Outras são de grande amplitude e se alternam ciclicàmente de uma fossa nasal para a outra.

Quando a mucosa de uma fossa está congesta, túrgida. por vasodilatadõo, a mucosa da outra fossa está retraída ou isquémica por vasoconstrição. O inverso se realiza no período seguinte.

Assim a corrente aérea respiratória principal muda alternadamente de uma fossa nasal para a outra. Estas modificações alternadas da permeabilidade de cada fossa nasal-não são percebidas pelo indivíduo porque a permeabilidade total do nariz não varia (Stoksted, Guilherm eit alii, Spoor, Keuning).

E o ciclo vasomotor fisiológico que pode ser detectado mesmo pela rinoscopia simples direta; ou melhor, pela rinomanometria.

A.duração e amplitude, caracteres essenciais do ciclo, são muito variáveis de um indivíduo para outro.

A duração do período de um ciclo pode variar de meia a oito horas. O mais freqüente é de duas a cinco horas.

A amplitude é igualmente variável. Duração e amplitude variam também conforme a idade.

Na criança a duração é menor que no adulto.

A amplitude aumenta na adolescência e diminui após os 40 anos, quando aumenta ou se alonga a duração dos períodos cíclicos.

A predominância do sistema orto-simpático leva a uma vasoconstrição, e a do parassimpático a uma vasodilatadoo ao nivel da mucosa nasal.

Segundo as observações de Keuning, a obstrução nasal bilateral com respiração bucal momentânea, ou a anestesia da mucosa nasal, não interrompe o ciclo vasomotor nasal. Mas ele é abolido na eventualidade da supressão permanente da respiração nasal, como no caso do laringectomizado total.

Pode haver toda uma série de variações provocadas da vasornotricidade nasal.

Assim, as estruturas vestibulares e a mucosa nasal dos cornetos e septo são fisiologicamente responsáveis pelas resistências nasais, respiratórias e expiratórias, e são, como o ciclo nasal, da primeira importância funcional.

A extensa mucosa da parede medial septal e da parede lateral, cornetos etc., aliada ao formato laminar da corrente aérea, aumenta notavelmente a superfície de contato entre a mucosa e as correntes respiratórias, proporcionando um rápido e eficiente meio de umidificação e aquecimento destas mesmas correntes aéreas. O fluxo aéreo nasal anormal pode então resultar de uma diminuição do contato do ar inspirado com as paredes, se o formato da corrente tornar-se turbilhonar em vez de laminar.

As clássicas funções respiratórias nasais de aquecimento e umidificação do ar inspirado são realizadas graças à riqueza vascular da mucosa, lagos sangüineos, ou sinusóides, ou plexos cavernosos e anastomoses arteriovenosas. A riqueza glandular: glândulas serosas, seromucosas, células caliciformes produtoras de muco. A riqueza de inervação da pituitária.

O sistema mucociliar é o elo principal da cadeia de fatores de purificação ou filtração do ar respiratório.

A lâmina de muco é levada pelos cílios no sentido posterior, isto é, da rinofaringe, onde são lançadas as "impurezas" recolhidas durante o seu percurso.

Ao nível do esiroma encontram-se dois grupos de glândulas:

1º- glândulas pequenas disseminadas por toda a mucosa respiratória e cujos ácinos estão dispostos em grupos na porção mais superficial do esiroma;

2º - glândulas maiores localizadas nas proximidades do ostium internam, freqüentemente além dele, e onde se encontram 1(X1 a 150 aberturas dos seus duetos em cada fossa nasal e ainda na região do tubérculo do septo etc.

Com a dilatação das narinas por ocasião das inspirações forçadas, as glândulas maiores drenam suas secreções serosas na região.

A maior velocidade da corrente aérea nas inspirações forçadas propicia a nebulização das secreções serosas para dentro da câmara nasal, compensando a ausência dos cílios que são inexistentes no início da fossa.

Assim é obtida evidente melhoria da viscosidade da camada de muco, o que facilita sobremaneira a atividade ciliar.

O nariz, pelo seu complexo mucociliar, é a primeira linha de defesa contra a poluição em todos os níveis do ar respiratório, protegendo a árvore traqueobrônquica-alveolar.

O muco nasal transportando lisozima, imunoglobulina, interferon etc., participa efetivamente desta função nasal de purificação ou filtragem, em conjugação com a atividade ciliar.

Os cílios batem na mesma direção, mas não ao mesmo tempo, e sim, em ondas sincrônicas.

Exigem um rneio fluido paru o seu trabalho e mesmo para a sua sobrevivência.

A camada superficial do muco é viscosa, pegajosa, e a ela aderem as "impurezas" do ar inspirado, inclusive bactérias (os vírus escapam melhor desta contingência). E a camada subjacente que é serosa, fluida.

A camada superficial é transportada na extremidade dos cílios na direção da rinofaringe e a segunda camada, fluida, coloidal, envolve os cílios.

A natureza glicoprotéica do muco confere a ele uma pronunciada aptidão de se hidratar. A desidratação do muco torna-o muito viscoso, dificultando ou mesmo impedindo a atividade ciliar.

A hidratação excessiva do muco é também prejudicial porque a capacidade transportadora do conjunto mucociliar sofre, assim, a interferêncía ativa da gravidade; isto é, a excessiva hidratação permite a ação da gravidade.

Os vasoconstritorés muito enérgicos reduzem bastante a capacidade transportadora do conjunto, tornando-a demasiadamente lenta. E esses vasoconstritores enérgicos vêm sendo usados com excessiva generosidade.

Ainda o uso de medicação nasal oleosa e as pomadas e o frio retardam o movimento mucociliar. O calor, mesmo algo intenso, não tem influência sobre ele. O calor muito intenso dificulta o trabalho ciliar.

Quanto à ação do calor nas suas repercussões sobre a mucosa nasal, ocorre que o aquecimento cutâneo difuso, o aquecimento da boca, a inalação de ar quente, levam à turgência da mucosa. O esfriamento cutâneo generalizado, o esfriamento isolado da face, do dorso, dos pés, da boca, da fossa nasal levam igualmente a uma turgência da mucosa nasal. Há uma longa série de repercussões, reflexos iniciados na mucosa, e que vão se manifestar a distância, ao nível de diferentes áreas e aparelhos e de outros reflexos iniciados a distância e que vão se manifestar ao nível da mucosa nasal, mas cujo estudo foge ao nosso objetivo.

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Endereço do autor:
Rua Monte Alegre, 2960 Belo Horizonte - MG

* Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e Santa Casa de Belo Horizonte.

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