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Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 21 a 25

 

ANOMALIAS CONGÊNITAS DA LARINGE - Tratamento com Laser do CO2*

Autor(es): JOSÉ ANTONIO PINTO 1
ABEL PALIPERIO 2
FRANCISCO JOSÉ COSER 3

Resumo:
Os autores apresentam sua experiência no tratamento de anomalias congênitas da laringe com o Laser de CO², Mod. Cavitron AO 300, acoplado ao microscópio cirúrgico D. F. Vasconcelos. Demonstram bons resultados no tratamento de 10 casos de más formações congênitas: membranas glóticas (WEBS), linfangiomas, estenoses subglóticas, hemangiomas e cistos subglóticos na criança, ressaltando as vantagens do uso do Laser de CO² sobre os demais métodos.

INTRODUÇÃO



Fig. 1 - Hemangioma subglóiico.



As anomalias congênitas da laringe requerem diagnóstico rápido e correto, especialmente quando causam obstrução das vias aéreas e risco de vida às crianças. Estes problemas sempre constituíram um desafio aos médicos devido. a natureza da laringe infantil, freqüentemente requerendo traqueotomia e hospitalização prolongada (1).

A permanência destas traqueotomias por longo tempo, os tratamentos dilatadores prolongados e repetidos, cirurgias externas extensas, radioterápia, corticoterapia, constituíram riscos importantes a esses pequenos pacientes.

São conhecidos os trabalhos de Oliver et al. (2) e Fearon e Cotton (3) sobre as traqueotgmias de longa duração nas crianças de baixa idade e seu alto índice de mortalidade (25%)

O emprego do Laser de CO² veio abrir novas perspectivas no tratamento das diferentes patologias em otorrinolaringologia e, em especial, nas afecções da laringe infantil.

O Laser (Light Amplification of Stimulated Emission of Radiations) é um fluxo luminoso de alta intensidade de energia, a qual é quase totalmente absorvida por todos os tecidos biológicos, produzindo a destruição tecidual de duas maneiras: péla rápida vaporização da água dos tecidos e pela desnaturação térmica de suas proteínas tissulares,(4).

Este primeiro fator é o responsável pela ablação dos tecidos; enquanto que. a desnaturação protéica em pequeno número de células circundantes oblitera pequenos vasos e coagula instantaneamente o sangue, principalmente em vasos de até 0,5 mm de diâmetro (efeito hemostátieo).

O raio Laser de CO² apresenta-se como uma onda contínua ou quase continua que, quando usada em baixos níveis de.energia de I a 25 W, não tem o efeito de choque, impacto significativo, não determinando disseminação tecidual. Isto não acontece com os Lasers pulsáteis. Por estas características, o Laser de CO² apresenta diversas vantagens em relação aos métodos convencionais no tratamento cirúrgico nas mais diferentes áreas da otorrinolaringologia, a saber:

1 - Diminuição do sangramento (efeito hemostático).

2 - Diminuição do edema: pode ser mínimo ou praticamente ausente, conseqüente a pouca manipulação da área operada, sem aumento da permeabilidade vascular.

3 - Melhor cicatrização, com epitelização completa dos tecidos em três semanas.

4 - Facilidade de acesso ao campo operatório com o uso de espéculos, laringoscópios de suspensão, superfícies polidas de reflexão, broncoscópios etc.

5 - Precisão: podemos dirigir o Laser direta e precisamente à área desejada, eliminando apenas a lesão focalizada, tanto em extensão como em profundidade, preservando-se ao máximo a anatomia e a função do órgão. Isto só se tornou possível graças ao acoplamento do Laser ao microscópio operatório.

6 - Diminuição do tempo de ciruegia: devido a esses fatores, expomos o paciente a um menor tempo de cirurgia e anestesia, o que é fundamental principalmente em. crianças pequenas, reduzindo em muito os riscos cirúrgicos.

7 - Rápida recuperação: todas estas vantagens levam o paciente a apresentar uma recuperação mais rápida, diminuindo o tempo de hospitalização.

8 - A possibilidade de podermos executar intervenções sobre a laringe de crianças, preservando-se as vias aéreas e evitando-se traqueotomias, é efetivamente uma grande vantagem.

MATERIAL E MÉTODOS

Durante os anos de 1979-1980 tivemos a oportunidade de tratar no Hospital Ibirapuera 10 casos de más formações congênitas de laringe com Laser d.e CO², a saber:

- 2 casos de hemangioma subglótico

- 3 casos de membrana glótica (web)

- 3 casos de estenose subglótica

- 1 caso de cisto subglótico

- 1 linfangioma de laringe.

As idades variaram de um dia a quatro anos de idade, sendo a maioria das crianças lactentes entre 3-6 meses.

Utilizamos o Laser de CO², Mod. Cavitron AO 300,. acoplado ao microscópio D. F. Vasconcelos.

As cirurgias foram realizadas sob anestesia geral, sendo as crianças intubadas com pequenas sondas de Rusch protegidas com invólucro de alumínio ou, então, sem intubação, ventilados pelo laringoscópio com o sistema Venturi. Gase embebida em solução salina foi colocada na luz da traquéia para proteger o balonete da sonda.

Descreveremos detalhadamente as características de cada patologia e os resultados obtidos com o uso do Laser de CO².

1 - Hemangioma Subglótico

O hemangioma subglótico causa obstrução de vias aéreas superiores durante os primeiros meses de vida; não apresenta sinais ou sintomas patognomônicos, mas aproximadamente 1/2 dos pacientes tem hemangiomas em outras partes do corpo (5). Contudo, pode ocorrer como uma lesão localizada na laringe, principalmente na região subglótica.

Dependendo do tamanho do tumor, o estridor laríngeo inspiratório é o sintoma mais precoce e mais comum.

A rouquidão não é freqüente, mas ataques de sufocação ou tosse podem aparecer, assim como o choro ou a voz da criança pode ser fraca ou abafada.

Estas crianças requerem um cuidadoso exame endoscópico, com, ou sem anestesia geral.

O tumor é de coloração rósea ou azulada, localizado logo abaixo das cordas vocais, geralmente de um lado, séssil, compressível, estreitando a subglote (Fig. 1). Ao toque, pode sangrar, sendo a biópsia desnecessária.

O principal problema tem sido sempre o tratamento, e diversos métodos têm sido propostos.

Há considerável discussão quanto ao melhor, variando desde o "método conservador", com sua atitude expectante, até a injeção de substancias esclerosantes, cirurgia externa (5), radioterapia (6) e irradiação intersticial com sementes de ouro radioativo (7).

Usando o Laser de CO² nós encontramos os melhores resultados no tratamento do hemangioma subglótico, sem os riscos e desvantagens de outros métodos. O Laser de CO², acoplado ao microscópio cirúrgico, é um instrumento seguro, fácil e preciso (8).

Tratamos duas crianças, já traqueotomizadas previamente, e tivemos a oportunidade de descanulizar uma e já manter a cânula tamponada da outra.

2 - Membrana Congênita da Laringe

A membrana congênita da laringe consiste em uma falha na dissolução da membrana epitelial que une as cordas vocais durante a vida fetal, em torno da sétima semana. A mais comum é a membrama glótica (75%).

Os sintomas estão presentes ao nascimento ou imediatamente após, e consistem de choro fraco ou ausente e obstrução respiratória, dependendo-da extensão da membrana.

Diversas tentativas foram feitas no sentido de restaurar a abertura normal da laringe nestes casos, salientando-se os procedimentos de Chevalier Jackson (1921), Haslinger (1923), Iglauer (1935) McNaught (1950), Afonso (1957) Dedo (1979) (9), demonstrando as dificuldades que existem em obter-se uma comissura anterior livre de cicatriz. Com o uso do Laser de CO² encontramos rápida cicatrização, menos edema e cicatriz mínima, mesmo em membranas espessas da glote anterior.

Inicialmente tentamos abrir a membrana com o Laser de CO² sem o uso de molde após a ressecção. Observamos que a abertura glótica ampliou-se, melhorando enormemente a respiração, mas não notamos melhora satisfatória da voz porque restou pequena cicatriz justacomissural de aproximadamente 2 mm.

Desta forma, achamos que o Laser de CO² pode ser usado com sucesso, segurança e precisão nas membranas congênitas de laringe sem necessidade de traqueotomia, principalmente em recém-nascidos e crianças com problemas respiratórios (Figs. 2 e 3).



Fig. 2 - Membrana Congênita da Laringe Pré-operatória.



Para uma melhor voz, entretanto, recomendamos ainda a colocação de pequena placa de silicone ao nível da comissura anterior, de acordo com a técnica de Afonso.



Fig. 3 - Membrana Congênita da Laringe Pós-operatória com Laser de CO².



3 - Estenose Subglótica Congênita

As estenoses subglóticas congênitas podem aparecer isoladas ou associadas às membranas da laringe. Consistem em um espessamento das estruturas subglóticas, levando a insuficiência respiratória de graus variáveis dependendo dá intensidade da estenose.

Podem manifestar-se logo após o nascimento com estridor, cianose e choro fraco, ou então, nas formas mais moderadas, estas crianças podem apresentar crises de "laringite" freqüentes, comumente associadas a infecções .de vias aéreas superiores.

A traqueotomia quase sempre se fazia necessária e as dilatações intermitentes da subglote prolongavam-se por longo tempo. Com o uso do Laser de CO² evitamos atualmente o emprego de moldes, dilatações ou outras cirurgias externas. Em três casos por nós tratados, dois foram submetidos a traqueotomia e em um ela não foi necessária. Uma das crianças já foi descanulizada e outra mantém o tubo tampónado.

Com o Laser de CO² acoplado ao microscópio cirúrgico nós vaporizamos as lesões de partes moles da região subglótica em três sessões, conseguindo-se uma permeabilidade satisfatória de vias aéreas.

4 - Cisto Subglótico

A maioria dos cistos congênitos estão confinados à região glótica e especialmente aos ventrículos.

Os cistos subglóticos são raros. Eles produzem dispnéia com estridor e alterações fonatórias.

Relataremos o caso de uma menina de quatro anos de idade que apresentava problemas respiratórios desde o nascimento, tendo sido já submetida a três drenagens endoscópicas e duas traqueotomias em outro centro (descrição de colega ORL). Ao dar entrada em nosso Serviço, apresentava acentuado estridor inspiratório e voz fraca. Um Raio-X lateral do pescoço mostrou tumefação de partes moles da região subglótica.

Microlaringoscopia sob anestesia geral revelou grande cisto abaixo da corda vocal direita, compressivel e recoberto por mucosa congesta (Fig. 4). A aspiração da cisto revelou secreção mucóide e diminuição de seu volume, sendo o mesmo dissecado e totalmente removido com o Laser de CO².

5 - Linfangioma da laringe

Linfangioma é um defeito congênito dos vasos linfáticos, histopatologicamente benigno, porém clinicamente maligno quando suas características infiltrativas acometem as funções respiratórias, de deglutição ou nervosa (10).

A invasão de suas massas cisticas para dentro da luz da laringe pode desencadear quadro de obstrução respiratória acentuada com estridor, cianose, fazendo necessária a traqueotomia de urgência.



Fig. 4 Cisto subglótico congênito.



A lactente J. S. apresentava quadro de insuficiência respiratória com massa cervical lateral E, de característica cística, sendo traqueotomizada com 10 dias de vida.

A ressecção da massa cervical revelou tratar-se de "hígroma cístico".

A microlaríngoscopia mostrou a laringe desde seu vestíbulo, obstruída por massas císticas que foram vaporizadas com Laser de CO², permitindo então uma completa permeabilização das vias aéreas.

CONCLUSÕES

O Laser de CO² acoplado ao microscópio cirúrgico é hoje, um método seguro, eficaz é sem complicações no tratamento das más formações congênitas da laringe.

Sua utilização na laringe infantil veio a constituir um dos maiores avanços na cirurgia endoscópica das vias aéreas superiores nos últimos anos.

No Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital Ibirapuera de São Paulo tivemos a oportunidade de tratar, nos últimos dois anos, 10 casos de más formações congênitas da laringe com sucesso, e através da comparação com os métodos utilizados anteriormente podemos afirmar que a utilização do Laser de CO² em microcirurgia da laringe da criança mostrou-se superior e inócuo.

SUMMARY

CONGENITAL ANOMALIES OF THE LAR YNX - Treatment with lhe CO² Laser.

The authors present their experiences with the treatment of congenital laryngeal disease in children using the CO² Laser, coupled to à D.F. Vasconcelos surgical microscope, as subglottic hemangioma, subglottic stenosis, glottic web, subglottic cyst and lymphagioma.

Ten cases are presented to show the advantages of the CO² Laser over the conventional techniques avoiding the tracheotomy, external approaches, radiation, prolonged steroid therapy or hospitalization.

BIBLIOGRAFIA

1. HOLINGER, P.H. and B ROWN, W.T. - Congenital webs, cysts, laryngoceles and other anomalies of the lárynx. Ann. Otol. Rhinol. and Laryngol, 76:744-752, 1967.

2. OLIVER, P.; RICHARDSON, J.R.; CLEIBB, R.W. et al. - Tracheostomy in children. N. Engl. J. Med., 267:631-639, 1962-

3. FEARON, B. and COTTON, R.T. - Subglottic stenosis in infants and children: The clinical problems and experimental surgical corrections. Cen. J. Otolaryngol., 1:281-289, 1972.

4. MIHASHI, S.; JAKO, G.; INCZE, J.;STRONG, S.S., and VAUGHAN, C.W. - Laser surgery in otolaryngology: Interaction of CO2 Laser and soft tissue. Annal of the New York Academy of Sciences. Vol. 267:263-294, 1976.

5. FERGUSON, C.F. and FLAKE, C.G. - Subglottic hemangioma as a cause of respiratory obstruction in infants. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. 70:1095-1112, 1961.

6. MAWSON, S.- Subglottic hemangioma of the larynx treated by excision. J. Laryngol. Otol. 75:1076-1081, 1961.

7. TEFFT M. - The radiotherapeutic management of subglottic hemangioma in children. Radiology 86:207-214, 1966.

8. BENJAMIN, B. - Treatment of infantile subglottic hemangioma with radioative gold grain, Ann. Otol. Rhinol. and Laryngol.87:18-21, 1978.

9. SIMPSON, GT; MCGILL T.; HEALY, G.B. and STRONG, M.S. - Benign tumors and lesions of the larynx in children. Surgical excision by COz Laser. Ann. Otol. Rhinol. and Laryngol. 88:479-485, 1979.

10. DEDO, H.H. - Endoscopic tef1on keel for anterior glottic web. Ann. Otol. Rhinol. anã Laryngol. 88:467-473, 1979.

11. PINTO, J.A. et al. - Higroma cístico de cabeça e pescoço. Rev. Bras. Cir. Cab. Pesc. vol. 3 143-156, 1979.




* Trabalho realizado no Centro de Estudos e Pesquisas do Hospital Ibirapuera. Apresentado no IIIº Congresso Mundial de Broncoesofagologia, Palm Beach, Flórida, 9-11 de abril de 1980.

1 - Médico Diretor do Centro de Esiuidos e Pesquisas do Hospital Ibirapuera.
2 - Médico do Hospital Ibirapuera.
3 - Médico R-2 do Hospital Ibirapuera.

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