Versão Inglês

Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 3  - Setembro - Dezembro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 15 a 19

 

ETIOLOGIA DA OTITE MEDIA AGUDA NA INFANCIA E SUA SENSIBILIDADE A ANTIBIOTICOS*

Autor(es): OTACILIO LOPES 1
IGOR MIMIÇA 2
NEY PENTEADO DE CASTRO JR. 3
LYCIA JENE MIMIÇA 4
HELOISA HELENA MACEDO 5
LEONOR GARCIA DA SILVA 5
JOSÉ CARLOS GODINHO 5

INTRODUÇÃO

As pesquisas a respeito da etiologia das otites médias agudas supurativas na infância têm mostrado uma tendência ao aumento de cepas de Haemophilus influenzae. O Streptocoçcus pneumoniae, que há.alguns anos mostrava sua maior freqüência nestas otites passa agora a ocupar o segundo lugar nas estatísticas mundiais.

Riff e col. (1), em 1972, mostraram que em crianças abaixo de cinco anos de idade o predominio era de. Haemophilus infleienzae, e que acima de cinco anos de idade predominava ainda o Streptocoecus pneumonias.

Schwartz e col. (2) demonstraram recentemente que mesmo em crianças acima de cinco anos, o Haemophilus in luenzae já predomina. Em seu estudo verificou que 33% das otites, num grupo de pacientes com idades que. variavam entre 8 e 17 anos, eram determinadas pelo H. influenzae.

Em nosso meio, as pesquisas a respeito da etiologia da otite media aguda são datadas de muitos anos e não temos dados recentes.

Há cerca de quatro anos, iniciamos um estudo a este respeito e encontramos algumas dificuldades de ordem técnica, relativas á colheita do material do ouvido médio. Naqueles casos iniciais, tentamos a cultura da lâmina da faca de miringotomia, sem que obtivéssemos resultados satisfatórios. Outro problema era a assepsia do canal auditivo externo. Estudamos a ação do Timerosal (Merthiolate) incolor sobre a flora bacteriana do canal em um grupo de pacientes e verificamos que esta droga tinha um efeito muito satisfatório na supressão da flora bacteriana do conduto auditivo.

Com a introdução no mercado do "JUHN TYM TAP" uma peça descartável, constituída de uma ponta,de aspiração para colheita estéril da secreção obtida após miringotomia, solucionamos o problema da colheita do material para cultura. Em nosso estudo este material descartável foi empregado em todos os casos.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudamos 61 pacientes de idade compreendida entre três e 36 meses, portadores de otite média aguda supurativa. Estas crianças estavam distribuídas segundo os seguintes grupos etários:

3 meses ................. 14/61 ou 23%
6 meses ................ 12/61 ou 19.6%
9 meses .................16/61 ou 26%
12 meses ................ 07/61 ou 11,5%
mais de 12 meses ........
menos de 36 meses .......12/61 ou 19,6%

Neste grupo etário o peso variou de 4 a 13,5 kg.

O diagnóstico foi feito pelo quadro clínico, segundo a concepção de Shambaugh (3) descrita entre nós por Lopes Filho (4) e confirmado através de miringotomia, realizada sob anestesia geral sempre que necessária.

A miringotomia foi feita em todos os pacientes. O material foi colhido com o "JUHN TYM TAP", e imediatamente enviado ao laboratório para cultura e antibiograma. Após o uso este equipamento foi descartado.

O conduto auditivo externo era limpo e esterilizado com Timerosal, segundo pesquisas de Lopes Filho.

No laboratório, o material obtido por miringotomia sofreu o seguinte fluxo: coloração pelo método de Gram e semeadura em Agar sangue e Agar chocolate. O Agar chocolate foi acrescido dos fatores V e X que são importantes para o crescimento do H. influenzae. As cepas, depois de identificadas, foram então testadas com relação a sensibilidades aos seguintes antibióticos: Cefaclor, Cefalotina, Amoxicilina, Ampicilina, Penicilina G, Cloranfenicol, Estreptomicina, Eritromicina, Tetraciclina, associação sulfametoxazol + trimetoprim e Clindamicina. O estudo da sensibilidade foi feito por intermédio dos discos e empregada a técnica de Kirby-Sauer (16).

RESULTADOS

A. EXAMES BACTERIOLÓGICOS

Dos 61 pacientes submetidos a miringotomia, conseguimos obter os seguintes resultados dos exames bacteriológicos:

A. I. Flora reconhecidamente
patógena ........... 35/61 ou 57,7%

A.2. Flora com patógenos
duvidosos .......... 13/61 ou 21,3%

A.3. Hora mista .........2/61 ou 3%

A.4. Culturas negativas ..... 11/61 ou 1,8%

A.1. Flora reconhecidamente patógena Consideramos como participantes desta flora os agentes bacterianos, descritos na literatura, como mais freqüentemente envolvidos neste tipo de problema. Assim sendo, obtivemos os seguintes germes:

Haeniophilus influenzae ..... 15/61 * ou 24,65
Streptococcus pneumoniae ... 11/61 * ou 18,0`%
Staphylococcus aureus ...... 06/61 * ou 09,8%
Escherichia coli ........... 04/61 ou 06,6%
Streptococcus pvogenes ..... 01/61 ou 01,6%

* acrescidos de uma unidade, encontrada em cultura de Ilora mista.

A.2. Flora constituída de patógenos duvidosos Este contingente foi constituído de germes que normalmente não são considerados patógenos, porém em casos especiais podem tornar-se responsáveis pelo quadro infeccioso:

Staphylococcus epidermidis . 5/6-1 ou 8,2%
Streptococcus faecalis ..... 2/61 ou 3,3%
Pseudomonas aeruginosa... 1/61 ou 1,6%
Proteus morganü
Salmonella typhimurium ... 1/61 ou 1,6%
Klebsiella pneumoniae
Proteus rettigeri
Proteus mirabilis ........ 2/61 * ou. 3,3%

* Acrescido de um, obtido numa cultura com nora mista.

A:3. Flora mista
Flora esta composta de mais de um agente, sendo iam deles considerado como patógeno ou mesmo os dois de modo simultâneo:

S. aureus + P. mirabilis........... 1/61*
S. pneumoniae + H. influenzae ..... 1/61

* a acrescidos nos resultados anteriores.

A.4. Culturas negativas
Culturas sem crescimento de qualquer germe foram encontradas em 11 dos 61 casos. Em todas a secreção era francamente purulenta.

B. CORRELAÇOES CLINICAS

B.1. Tentamos correlacionar o quadro clínico com o germe obtido na cultura, como já se fez anteriormente. Howie et al (5) verificaram uma certa relação entre o quadro clínico e o agente etiológico nas otites médias agudas supurativas. Quando a dor era intensa, havia um predomínio do S. pneumoniae sobre o H. infuenzae, enquanto que quando a temperatura era pouco elevada o predomínio era do H. influenzae sobre o S. pneumoniae.

Todos os pacientes que foram por nós estudados apresentavam aumento de temperatura, ou no momento da miringotomia ou anteriormente a esta, muitas vezes tendo recebido um antitérmico.

O aumento de temperatura (febre) esteve associado com a seguinte sintomatologia, que se apresentava como queixa predominante:

com diarréia ....... 21/61 ou 34%
com vômito ....... 15/61 ou 24%,
com diarréia e vômito ..10/61 ou 16%
com tosse .......... 10/61 ou 16%
com otalgia ........ 05/61 ou 8%
com coriza ......... 05/61 ou 8%
com anorexia ..... . 02/61 ou 3%

B.2. Correlação Bactéria/Diarréia Tentamos correlacionar bactéria/diarréia, visto ser aquele o sintoma mais freqüente depois da febre; porém não conseguimos obter qualquer correlação.

B.3. Correlação Bactéria/Vómito

Seu correlacionamento com vômito, que foi o outro sintoma mais freqüente, demonstrou o seguinte:

H. influenzae ............ 3/15 ou 16%
S. pneumoniae ............ 3/11 ou 27%,
E. colli ............ 2/4 ou 50% S,
aureus.................. 1/5 ou 20%
culturas negativas ............ 7/11 ou 63,5%

Outras correlações, como bactéria/grupo etário, bactéria/tosse, bactéria/otalgia etc. não foram obtidas como significativas.

Amoxicilina
Trimetoprim e Sulfametoxazol (TM + SMZ)
Penicilina G

Os resultados obtidos encontram-se nas tabelas 1 e II. Nestas tabelas os números encontrados entre parênteses significam casos de resistência intermediária.


TABELA 1



TABELA 2




DISCUSSÃO

Nossos resultados a respeito do agente etiológico coincidem com os da literatura atual, entre eles os de Bluestone & Shurin (6), Riff (I ), Schwartz (2), Howie et al (5) e Haugsten & Lorentzen (7).

Tem sido encontrado na literatura um número em torno de 20% de culturas estéreis, ou melhor, sem crescimento bacteriano. Nossos resultados mostraram 18% de culturas negativas. A que poderia atribuir-se este número, uma vez que em todos os casos aspirou-se pus do ouvido médio? Teria havido um controle imunológico pelo organismo, já com a esterilização daquele pus? É uma resposta que não, poderá ser dada momentaneamente, pois nossos conhecimentos neste campo ainda estão em fase de evolução (Palva, 8) e existem poucos trabalhos a este respeito. O encontro de germes anaeróbios seria uma outra explicação que poderia ser dada. Trabalhos realizados por vários autores têm demonstrado que os anaeróbios desempenham um papel muito mais importante nas otites médias crônicas que nas agudas (Brook & Finegold, 9 e Brook & Schwartz; 10). Estes autores revelaram que as, preocupações .que se tem tido com os germes anaeróbios nas infecções agudas do ouvido médio não se justificam.

Dentre os germes considerados patogênicos, houve em nossos resultados uma predominância de H. influenzae (H I) sobre S. pneumoniae (SP). Estes resultados estão em perfeito acordo com os da literatura já citados anteriormente. Encontramos o H. inJluenzae em 24,6% de nossos casos, contra 18,0% de S. pneumoniae. Em 61 culturas, o encontro de .germes patogênicos reconhecidos foi de 37, isto é, 60%. Nestes, o H. influenzae e S. ptteimtoniae corresponderam a cerca de 70%. Pouca expressão tiveram outros germes patogênicos como S. aureus. E. coli e S. progenes.

Cerca de 40% das culturas revelaram germes não considerados patogênicos; ou melhor, não reconhecidos como patógenos, pela raridade de seu encontro neste tipo de patologia. São germes encontrados na maioria das vezes no conduto auditivo externo, ou na pele próxima a este, e sem determinar em condições normais qualquer tipo de patologia. Isto acontece com o S. epidermidis, encontrado em 8,20% das culturas (5/61). O S. Jaecalis em 3,30% (2/61). Germes como Pseudontonas aeruginosa, Proteus morganü, Salmonella typhimurium, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e-Proteus rettigeri foram encontrados esporadicamente (1/61). Embora não sejam considerados patogênicos habituais para o ouvido médio, temos que aceitar que foram os agentes responsáveis pelo quadro de otite média aguda, pois foram os únicos germes encontrados em cultura do pus colhido do ouvido. Isto pode ser comprovado pela exemplificação do caso em que o germe ençontrgdo foi a Salmonella typhimurium, e se tratava de uma criança que sofria uma septicemia por Salmonella typhimurium, já , identificada em hemoculfura. .

Em apenas dois casos encontramos culturas mistas, mostrando que realmente a otite média aguda é determinada por um único agente etiológico na grande maioria dos casos ( 96,7%).

As culturas foram submetidas a provas de sensibilidade in vitro, pelo método de discos (Kirby-Bauer) a grupo diferente de antibiótico previamente referido. Seus resultados são apresentados nas tabelas I e II Para o estudo da sensibilidade aos antibióticos, foram considerados apenas os germes considerados patogênicos, pela sua maior freqüência e maior gravidade do quadro clínico.

Do primeiro grupo de antibióticos estudados, verificamos a excelência do Cloranfenicol e da Tetraciclina. O Cloranfenicol, infelizmente, não pode ser recomendado para uso clinico de rotina, pois sabemos que ele deve ser reservado para casos de febre tifóide, e em especial em países em desenvolvimento como o nosso, onde os riscos de epidemias desta patologia não estão afastados de eventual ocorrência. Outro inconveniente, porém de menor importância pela sua raridade, é a possibilidade de depressão medular levando a agranulocitose, conforme descreve Lu et al (11), apesar da opinião em contrário de Mauri (12). As tetraciclinas também revelaram um excelente comportamento frente aos germes patógenos. Não pode, no entanto, ser recomendado seu uso na infância, principalmente antes dos oito anos de idade, como descreve Riff (1) e Cvrbertt (13). As tetraciclinas podem afetar seriamente a dentição, pelo comprometimento do esmalte dentário, antes dos oito anos de idade (e em especial a demetilclorotetraciclina). Afora a tetraciclina e o cloranfenicol, os outros antibióticos estudados neste grupo não se revelaram como opções adequadas.

A análise da tabela II, onde outro grupo de antibióticos é estudado; revela alguns dados interessantes è que já foram descritos na literatura, recentemente (I, 5, 7, 14 e I5). A associação TM + SMT mostrou-se eficaz. quando não se considerou as culturas de H. influenzae (resistentes em 47% dos casos), e em especial quando o agente enológico foi o S. aureus, E. coli, ou ainda o S. pneumoniae. Esta associação revelou-se bem mais ativa que a Amoxicilina ou a Ampicilina. Syriopulou et al (14) e Granoff (15) já haviam descrito um aumento da resistência do H. influenzae a estes derivados da penicilina. Nossos resultados mostraram uma resistência de 60% do H. influenzae à Ampicilina e 53% à Amoxicilina.

As Cefalosporinas estudadas (Cefaciof e Cefalexina) mostraram ser, no conjunto, os antibióticos deste grupo mais efetivos contra os agentes etiológicos estudados.

O S. pyogenec encontrado em apenas 1,6% dos casos mostrou-se sensível a todos os antibióticos estudados e este dado é muito importante quando se considera que ele é o germe determinante da mais grave de todas as infecções agudas do ouvido médio, que é a otite média necrotizante.

RESUMO

Os autores apresentam um estudo da população bacteriana nas otites médias agudas. O material foi colhido por meio do "JUHN TYM TAP", aparelho descartável que facilitou a obtenção do material para a análise. O material colhido foi submetido a cultura e testes de sensibilidade a dois grupos de antibióticos. São a resentados os resultados e discutidos em função análise da literatura e da experiência clínica.

SUMMARY

The Authors present a study on the imaterial population in Acute Otitis Media. Material was collected by means of the disposable aspirator "JUHN TYM TAP" which has made easier the collection of material for analysis. Material collected was submitted to eultures, irnd susceptibility tests to two groups of antibiotics. Results are presented and discussed as far as literature analysis and clinical experience are concerned.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. SCH WA RTZ, R. et al - Acute Purulent Otitis in children older than 5 years. DAMA, 238:1032-1033, 1977.

3 . SHAMBAUGH, JR., G.E. - Surgery of the ear. 2nd Ed. W.B. Saunders Co. Philadelphia, 1967.

4 . LOPES FILHO, O. - Temas de Otorrinolaringologia, vol. I. Ed. Mano. S. Paulo, 1977.

5. HOWIE, W.M. et al - Otitis Media: a clinical and bacteriological correlation. Pediatrics 45:29-32, 1970.

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7. HAUGSTEN-P. and LORENTZEN, P. -The Bacterial etiology of acute suppurative otitis media J. Laryngol. Otol. 94:169-176, 1980.

8. PALVA, T. et at: Imunologic aspects of otitis media. Acta. Otolarivtgol. 49:177-181, 1980.

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14. SYRIOPOULOU, V. et al: Increasing incidence of ampicillin resistance in H. iïifuen_ae. The Journal of Pediatrics, 92:889-892, 1978.

15. GRANOFF, D.M. et al - Ampicillin Resistance Minfluenzae. The Western Journal of Medicine. 128:101-,105, 1978.

16. GROVE, D-C. and. RANDALL, W.A. .- Assay methods of antibiotics: a laboratory manual Med. Encycl., New York, 1955




* Trabalho das Disciplinas de MicrobiologiaImunologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de S. Paulo.

1 - Prof. Titular de Otorrinolaringologia.
2 - Prof. Titular de Microbiologia e Imunologia.
3 - Prof. Assistente de Otorrinolaringologia.
4 - Prof. Instrutor de Microbiologia e Imunologia.
5 - Residentes de 2° ano de Otorrinolaringologia.

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