Versão Inglês

Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 1  - Janeiro - Abril - (10º)

Seção: Artigos Originais

Páginas: 83 a 92

 

COR PULMONAL E POR HIPERTROFIA DE AMIGDALAS EDAS ADENODES. FATORES PREDISPONENTES

Autor(es): * Luiza Hayashi Endo
* Ester Maria D. Nicola
** Maria de Fátima P. Caldato

Resumo:
Os autores apresentam 2 casos de Cor Pulmonale associado à hipertrofia de vegetações adenóides e amígdalas em crianças com possível erro metabólico. Fazem revisão da literatura discutindo a mucopolissacaridose como possível fator predisponente.

INTRODUÇÃO:

Noonan (1) e Menashe (2) em 1965, isoladamente apresentaram os primeiros casos de Cor Pulmonale provocado por hipertrofia de amígdalas e adenóides, considerando os seguintes sintomas: ruído respiratório, particularmente em posição supina, sonolência, insuficiência cardíaca congestiva e evidência radiográfica de edema pulmonar (3).

A obstrução crônica das vias aéreas respiratórias altas leva à hipoventilação alveolar com conseqüente retenção de C0² e hipóxia. Isto acarreta uma vasoconstrição pulmonar, que por sua vez, aumenta a resistência ao fluxo capilar pulmonar. Conseqüentemente há um aumento da pressão arterial pulmonar, sobrecarga ventricular direita levando à hipertrofia de ventrículo direito e falência cardíaca.

Ao lado deste mecanismo aceita-se que a hipercapnia também causa uma bronco-constrição que resulta num aumento de esforço respiratório, exacerbado por exercício físico provoca grandes oscilações na pressão intra torácica, o que leva ao edema pulmonar (fig. 1).

A hipóxia crônica leva à uma policitemía que também aumenta a pressão pulmonar por hipervolemia e aumento da viscosidade sangüinea.

De 1965 a 1975, Djalilian (4) revisou os casos descritos na literatura encontrando 27 casos no total, incluindo aqueles por ele descritos.

O objetivo deste trabalho é o de apresentar dois casos de pacientes com Cor Pulmonale conseqüente à hipertrofia de vegetações adenóides e amígdalas, e discutir os possíveis fatores predisponentes, uma vez que, em ambos os casos as crianças apresentaram evidências clínicas de mucopolissacaridose.



MECANISMO FISIOPATOLÓGICO DA OBSTRUÇÃO CRÔNICA DAS V.A.S., SEGUNDO LUKE- Dept° de ORL-FCM-UNICAMP



APRESENTAÇÃO DE CASOS:

Caso n ° 1

E.J.A. -2a. e 6m; masc.; branco

Paciente encaminhado pela Santa Casa de Valinhos onde esteve internado com queixa de tosse, chiadeira no peito e febre, com suspeita de Pneumonia e Bronquite. A radiografia tirada naquele serviço mostrou aumento de área cardíaca e infiltrado pulmonar á direita. Veio para o serviço de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas para elucidação diagnóstica, uma vez que, com seis meses deidade já tinha sido avaliada neste serviço por causa de obstrução devias aéreas superiores altas a esclarecer.

EXAME FISICO:

Criança com facies mongolóide (hipertelorismo, nariz em sela), acianótico, mucosas descoradas, taquipneico, P.A. 150/90.

Nariz: rinorréia purulenta.

Orofaringe: amígdalas hipertrofiadas + + / + + +

Pulmões: roncos, estertores sub crepitantes em ambos os campos pulmonares.

Coração: B.R.N.F., sem sopros.

Abdomen: fígado no rebordo costal direito; baço não palpável.

Membros Inferiores: ausência de edema.

Membros Superiores: prega simiesca.

IMPRESSÃO DIAGNOSTICA:

- Erro inato do metabolismo (mucopolissacaridose)
- Hipotireoidismo
- Doença Genética (S Down)
- Hipertensão arterial á esclarecer
- Rinotraqueobronquite.

CONDUTA:

- Pedido exames subsidiários
- Dieta hipossódica
- Inalação
- Interconsulta com Genética, Oftalmologia e Cardiologia.

Passou 10 dias internado com melhora do quadro pulmonar, acianótico, discreta dispnéia, aguardando esclarecimento diagnóstico.

No 11° dia foi pedido Raio X de cavum devido á rinorréia purulenta persistente, que revelou hipertrofia acentuada de vetações adenoideanas, sendo que, nesta ocasião incluiu-se entre os diagnósticos diferenciais, o Cor Pulmonale consequente a hipertrofia de adenóides (fig. 2).

- Raio X de tórax = aumento de área cardíaca (fig. 3) - E.C.G. = sobrecarga de A.D. e V.D.

Opinião do cardiologista: Cardiopatia acianótica, rejeitando a hipótese de Cor Pulmonale por hipertrofia de amígdalas e adenóides.



Fig. 2 - Raio X de Cavum: demonstra a acentuada hipertrofia de adenóides.



Fig. 3 - Raio X de Tórax: infiltrado pulmonar e cardiornegalia.



INTERCONSULTA DE ORL

Proposta adenoamidalectomia que foi realizada alguns dias após, tendo alta a seguir, sem no entanto afastar a hipótese de mucopolissacaridose. A dispnéia teve uma regressão satisfatória, porém, não total.

Acompanhado ambulatorialmente: 4 meses após cirurgia, fígado palpável a 3 cms. do rebordo costal com queixa de falta de ar aos esforços e ganho ponderal (figs. 4 e 5).

Caso n°2

I.B. - 3a. e 6m; masc.; branco.

Procurou o serviço de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, em julho
de 1979, com queixa de gripe e falta de ar, que piorou há 8 dias, intensificando quando deitado. Cianose noturna há algumas semanas e edema de rosto e pernas.

EXAME FISICO:

Criança com facies mongolóide. Cianose peri-oral e de leitos ungueais; dispnéia; P.A. 140/110.

Orofaringe: amígdalas hipertrofiadas + + Nariz: rinorréia purulenta.

Pulmões: estertores sub-crepitantes de base esquerda. Coração: B.R.N.F., ausência de sopro.

Abdomen: fígado há 2 cms. do rebordo costal. Baço percutível. Membros Inferiores: edema frio, depressível.

HIPOTESE DIAGNOSTICA:

- Broncopneumonia
- Sinusite.
- Hipertrofia de amígdalas e adenóides.
- Cardiopatia à esclarecer.
- Mucopilissacaridose.

- G.N.D.A.

EXAMES SUBSIDIÁRIOS:

- Raio Xdeseios deface(fig.6)
- Raio X de cavum (fig. 7)
- Raio X de torax (fig. 8)
- E.C.G.
- Dosagem de Mucopo lissacárides.

RESULTADOS:

Sinusite maxilar direita, hipertrofia de adenóides + + + +, cardiomegalia e sinais de hipofluxo pulmonar; alargamento de mediastino; mucopolissacárides negativo.



Fig. 4 - Raio X de Cavum: Pós-operatório. Boa permeabilidade da via aérea.



Fig. 5 - Raio X de Tórax: melhora acentuada do quadro pulmonar e moderada regressão da área cardíaca.



Fig. 6 - Raio X dos seios da face: velamento de seio maxilar direito.



Fig. 7 - Raio X de Cavum: observa-se a acentuada hipertrofia de amígdalas importante da aérea cardíaca, e adenóides.



Fig. 8 - Raio X de Tórax: aumento importante da área cardiaca



Após 14 dias de internação com antibioticoterapia teve melhora considerável do processo pulmonar. Alta após ter sido proposta avaliação cardiológica, adenoidectomia e estudo da doença genética.

Dezesseis dias após a alta o paciente reinternou com febre alta e falta de ar. Observou-se ao exame físico cianose perioral, secreção nasal purulenta, estertores sub crepitantes no pulmão D. Retração intercostal intensa. No segundo dia desta internação houve piora da insuficiência respiratória que levou à intubação endo-traqueal com parada càrdio respiratória, desenvolvendo Coma Grau II e edema cerebral. No 3° dia, sem melhora da insuficiência respiratória, foi realizada traqueotomia. Após 14 dias de Coma Grau II/III, fez parada cardio respiratória que o levou a óbito.
Durante todo o período que ficou internado a suspeita diagnóstica maior foi a de Cor Pulmonale por hipertrofia de adenóides.

DISCUSSÃO

Desde os primeiros casos descritos de Cor Pulmonale por hipertrofia de adenóides e amígdalas, existem atualmente mais de 40 casos na literatura. Alguns autores responsabilizam exclusivamente este quadro à hipertrofia de amígdalas e vegetações adenóides (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10). Outros apresentam casos, nos quais aliado à hipertrofia de amígdalas e/ou adenóides, encontraram outras alterações: obesidade (2,11), mal formações cardíacas congênitas (6), hidrocefalia (7), retardo mental (7,11). É comum encontrarmos crianças apresentando graus de hipertrofia de adenóides e amígdalas semelhantes à estas, que desenvolveram Cor Pulmonale, sem no entanto, apresentarem sintomatologia tão significativa. Deve haver, portanto, alguns fatores predisponentes para desenvolver o quadro. Alguns autores levantaram as seguintes hipóteses:

1. Alergia humoral ou tissular (1,12)

2. Hipotonia de parede posterior de faringe (9,11).

3. Glossoptose, micrognatia, macroglossia, traqueomalácea, prega laríngea, Doença de Hurler (1, 3, 8, 12).

4. Predileção racial (raça negra) (3). Ta. 1.

5. Defeito do Sistema Nervoso Central (centro respiratório, medula ou hipotáíamo) (3, 7, 11).

6. Leito vascular pulmonar hiporreativo (3).

7. Fator sócio econômico baixo (7).

Goodman (7) em seu trabalho, faz algumas considerações interessantes com respeito ao Cor Pulmonale decorrente de hipertrofia de amígdalas e adenóides:

1° Porque esta síndrome não foi reconhecida até 1965?

Seria devido ao maior número de adenoamigdalectomias realizadas no passado? Seria por deficiência na avaliação destes pacientes sob o ponto de vista otorrinolaringológico, ficando os mesmos com diagnóstico de miocardite idiopàtica?

2° Existiria uma forma frustra?

Segundo Jaffee (12) muitas crianças avaliadas em consultório apresentam manifestações menos severas e talvez por isto, após a cirurgia apresentam ganho ponderal e desenvolvimento tão importante.

Nos dois casos por nós apresentados, havia grande hipertrofia das adenóides e hipertrofia das amígdalas pouco acentuada.

No exame físico de ambas as crianças encontrou-se características sugestivas de doença genética, mais precisamente a mucopolissacaridose. O caso n° 1 evoluiu favoravelmente após a cirurgia mas manteve, ainda, discreta dispnéia. Foi seguido ambulatorialmente e, 6 meses após a cirurgia, persistia dispnéia noturna ainda que discreta. O caso n° 2 evoluiu para o óbito sem que houvesse condições de ser efetuada a adenoidectomia e o estudo genético proposto.

O aspecto físico de ambas as crianças era muito semelhante induzindo fortemente à hipótese de mucopolissacaridose. Seria esta doenca outro possivel fator predisponente à instalação de Cor Pulmonale nas crianças portadoras de hipertrofia de adenoides e amígdalas?
Na literatura existem vários casos em que o fator desencadeante havia sido tão somente a hipertrofia destes órgãos. A doença de Hunter, que foi citada como fator predisponente, é uma mucopolissacaridose com sinais conhecidos.

É evidente que se trata apenas de uma pressuposição sem comprovação. Julgamos importante salientar o valor do exame físico considerando a mucopolissacaridose como mais um possível fator desencadeante de Cor Pulmonale em crianças portadoras de hipertrofia de amígdalas e adenóides, uma vez que, não vimos relatado até então na literatura.

SUMMARY

The autoors present two cases of Cor Pulmonale associated with hypertrophy of tonsils and Adenoids in children with a possible metabolic error.

A revision of the literature is proceeded and mucopolysaccharidosis discussed as being a possible predisponent
factor.

BIBLIOGRAFIA

1. Noonan J. Extrinsic Factors Resulting in Hypoxia from Alveolar Hipoventilation

2. Menashe V. D., Farrehi C. et al Hipoventilation and Cor Pulmonale due to Chronic Upper Airway Obstruction J. of Pediat 67(2): 198-203 - 1965.

3. Bland W. J., Edwards F.K. et al Pulmonary hypertension and Congestive Heart Failure in children with Chronic Upper Airway Obs truction. New Concepts of Etio logic Factors
Am. J. Card. 23: 830-837 - 1969.

4. Djalilian M., Kern E.B. et al Hypoventilation Secondary To Chronic Upper Airway Obstruction in childhood Mayo Clin. Proc. 50: 11-13 - 1975

5. Edson B. D., Kerth J. D. Tonsilloadenoid Hypertrophy Resulting in cor Pulmonale Arch. Otolaryng. 98: 205-207 - 1973

6. Freeman W. J. Adenoid Hypertrophy, Cyanosis and Cor Pulmonale, in Children with congenital Heart Disease. Laryng. 83(2): 238-249 - 1973.

7. Goodman R. S., Goodman M. et al Cardiac and Pulmonary Failure Secondary to Adenotonsillar Hy pertrophy Laryng. 86(9): 1367-1374 - 1976.

8. Levy A. M., Babakin b. S. et al Hypertrophied Adenoids causing Pulmonary Hypertension and severe congestive Heart New Engl. J. of Med. 277(10):506-511-1967.

9. Sagardia J. R. M. Cor Pulmonale in niños con Hipertrofia de Amígdalas y Adenoides An. ORL Iber. Am. 3(3): 303-308 -1976.

10. Thanapoulos B., Ikkos D.D. et al Cardiorespiratory Syndrome due to Enlarged Tonsil and Adenoids Enlarged Tonsil and Adenoids Acta Paediatr. Sacand. 64: 659,663-1975.

11. Licht J. R., Smith W. R. et ai Tonsíllar Hypertrophy in an Adult with Obesity Hypoventilation Syndrome Chest 70:5 - 1976.

12. Jaffee I. S. Adenotonsillectomy as the Treatment of Serious Medical Conditons Five cases report
Laryng. 87: 1135- 1141 - 1974.

13. Gerald B., Dungan W. T.Cor Pulmonale and Pulmonary edema in Children Secondary to Chronic Upper Airway Obstruction Radiol. 90: 679-682 - 1968.

14- Mangt d. Sleep Apnea, Hypersomnolence and Upper Airway Obstruction Secondary to Adenotonsillar Enlargement
Arch. Otolaryng. 103(7): 383-386 - 1977.

15. Talbot A. R., Robertson L.W. et ai Cardiac Failure With Tonslis an Adenoid Hypertrophy
Arch Otolaryng 98: 277-281 - 1973.




* Professor Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

** Residente de 2° Ano do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM da Universidade Estadual de Campinas.

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