Versão Inglês

Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 72 a 75

 

PAROTIDITE AGUDA PÓS CIRURGIA ABDOMINAL*

Autor(es): Nero André Maffessoni**
Eugênio Milton Machado de Vargas***
Suzana Lucho Ferretjans****
Sadi Poletto*****

Resumo:
Apresentamos quatro casos de parotidite aguda, pós cirurgia abdominal em pacientes idosos e debilitados. Relatamos todas as circunstâncias da evolução clínica e discutimos os aspectos patológicos perante a pouca literatura existente. Mostramos o tratamento segundo o qual foram submetidos estes pacientes resultando na remissão completa da sintomatologia sob o aspecto do problema parotídeo.

INTRODUÇÃO

As sialadenites há muitos anos são descritas como conseqüências de cirurgias, de traumatismos de face e de doenças crônicas. A literatura médica pouco se preocupou com as parotidites pós cirúrgicas, principalmente após o surgimento dos antibióticos que diminuíram muito a incidência de tais patologias. Por outro lado, autores como Remé (1), afirmam que as parotidites pós operatórias têm triplicado após os antibióticos, face a alteração da flora bucal que provocam, aspecto não confirmado por aqueles que convivem em ambientes cirúrgicos. Como o assunto é controvertido e tivemos a oportunidade de observar quatro casos em nossa rotina hospitalar, vamos descrevê-los e discutí-los segundo a bibliografia, o que temos certeza será de utilidade para aqueles que trabalham em otorrinolaringologia e que são chamados a opinar em hospitais sobre ocorrências de outras especialidades cirúrgicas.

CASO N° 1 - A.S.K., 75 anos, branco, viúvo, aposentado, procedente de Soledade RS. Foi hospitalizado em 26/11/79 no setor de emergência do HED, apresentando desidratação, desnutrição importante, DBPOC e estória de etilismo crônico. Devido ao quadro de senilidade e dificuldade em alimentar-se pela via oral fêz-se gastrostomia. Foi anestesiado, face as condições clínicas, pelo método condutivo. Sete dias após a intervenção apresentou edema na região parotídea direita. Ao exame ORL encontrou-se a tumefação na região parotídea direita, caracterizada por edema duro, inelástico, pele quente, hiperêmica, brilhante e a glândula estava dolorosa à palpação digital.

Cavidade oral com má higiene bucal e mucosas secas. 0 ducto de Stenon apresentava-se com o óstio avermelhado e edemaciado. Foi realizada palpação bimanual da glândula e coletada secreção proveniente da parótica, com "swab", tendo-se desprezado a primeira gota. A baciloscopia revelou cocos gram positivos e no exame cultural foi encontrado estafilococo dourado coagulase positivo. Foi utilizado o seguinte esquema terapêutico. Hidratação, Cefazolina sódica cristalina 500 mg IV de seis em seis horas durante dez dias, calor local, estímulo da salivação com substâncias cítricas, exercício de mastigação, massagem externa suave. Dez dias após o início do tratamento estava assintomático sob o aspecto ORL e recebeu alta hospitalar em 15/1/80.

CASO N° 2 - E.K.L., 67 anos, branco, casado, engenheiro, procedente de Santa Cruz do Sul - RS. Foi hospitalizado no HED em 27/07/80, com queixa de dor abdominal difusa, contínua e de forte intensidade à palpação profunda do abdômem na região epigástrica e hipocôndrio esquerdo. Era portador de hérnia inguinal esquerda, redutível por manobras manuais. Um dia após a internação apresentou distenção abdominal e foi levado à laparotomia. Apresentava massa obstrutiva e doença diverticular a nível do cólon sigmóide. Foi realizada colostomia do sigmóide. No dia seguinte necessitou ser operado de urgência por hérnia inguinal à esquerda encarcerada. Seis dias após a herniorrafia apresentou dolorimento na região parotídea direita e secura de boca. Apresentava tumefação na região parotídea, edema duro, pele quente, hiperêmica e brilhante, extremamente dolorosa à palpação e limitação dos movimentos mastigatórios pela dor. Cavidade oral com mucosas secas, óstio do ducto de Stenon hiperêmico e edemaciado. Coletou-se secreção da glândula para exames laboratoriais sendo constatada presença de estafilococo dourado coagulase positivo. 0 tratamento foi idêntico ao caso n° 1. doze dias após a parotidite apresentou quadro de abdômem agudo por ruptura de cólon direito e ceco. Foi realizada hemicolectomia direita e gastrostomia. Recebeu alta hospitalar em 10/09/80.

CASO N° 3 - M.L.M., 56 anos, branca, casada, professora universitária, de Porto Alegre - RS. Hospitalizada em 14/09/79, há cêrca de dez meses iniciara com alteração do hábito intestinal, emagrecimento com perda ponderal de 13 kg. Evidenciou-se à palpação do abdômem massa tumoral a nível de cólon sigmóide. Os exames laboratoriais na internação foram inexpressivos. Submetida a laparotomia localizou-se o tumor na porção média do cólon sigmóide. Foi ressecado juntamente com útero e anexos por invasão neoplásica. 0 exame anátomo patológico revelou adenocarcinoma bem diferenciado, úlcero-vegetante, anelar, com invasão de serosa, aderências à trompa e mesossalpinx esquerdos com linfadenite crônica. 0 pós operatório imediato transcorreu de forma habitual. No 6° dia houve referência de dolorimento na região parotídea direita e secura de boca. Apresentava tumefação na região parotídea com edema duro, pele quente, hiperêmica e brilhante. A glândula estava dolorosa à palpação digital. Cavidade oral com mucosas secas, dueto de Stenon com óstio hiperemiado e edemaciado. A secreção da glândula revelou estafilococo dourado coagulase positivo. 0 tratamento foi semelhante aos anteriores, substituindo-se a Cefazolina por Dicloxacilina 1,0 g I.V. durante cinco dias reduzida para 500 mg V.0. perfazendo dez dias. Recebeu alta hospitalar em 10/10/79.

CASO N° 4 - O.S.G., 82 anos, feminina, branca, viúva, procedente de Porto Alegre - RS. Paciente com várias internações anteriores por problemas cardiológicos, foi hospitalizada de emergência no HED em 26/10/79, referindo na ocasião dor intensa no hipocôndrio direito com irradiação para o flanco. Apresentava desidratação e mau estado geral. Cinco dias após foi submetida a laparotomia por abscesso retroperitonial. 0 pós operatório imediato foi normal. Vinte e três dias após fêz-se nova laparotomia por abscesso perirrenal direito e retroperitonial. Quatro dias após surgiu tumefação de ambas regiões parotídeas, mais acentuada à esquerda e trismo. 0 exame das secreções glandulares revelou estreptococo beta-hemolítico. 0 tratamento instituído foi semelhante ao anterior. Óbito em 12/12/79 em virtude de complicações cirúrgicas.

DISCUSSÃO

Os quatro casos descritos, com idades acima dos cinqüenta e cinco anos, configuram uma patologia típica que se repetiu de maneira perfeitamente idêntica. Um processo patológico abdominal que necessitou intervenção cirúrgica, surgindo no pós operatório a parotidite.

O quadro clínico é uma inflamação parotídea típica, com hiperemia, calor local, distensão da pele e dor à palpação. Como a literatura relata e nossos casos provam, todos foram conseqüência de laparotomias e na maioria unilaterais. A freqüência desta patologia parotídea segundo Bach-Buttenbeg (2) e Mathis (3) oscila entre 0,09 e 0,88% dos casos. Becker (4) afirma que a maioria dos pacientes adquiriu a parotidite após cirurgia abdominal sob proteção antibiótica, concluindo que as bactérias que ocasionam a inflamação da glândula salivar não são aquelas sensíveis aos antibióticos usados durante o tratamento pós operatório. Remé (1) crê que a incidência maior na era antibiótica atual devese à perturbação da simbiose na flora bucal ocasionada pelos quimioterápicos, dando uma explicação semelhante a de Becker (4). Schmieden e Benzer (5) comparam a parotidite pós operatória à pancreatite aguda, uma vez que existem aspectos morfológicos, fisiológicos e patológicos semelhantes entre as glândulas salivares e o pâncreas. Em nossos pacientes não se evidenciaram sinais e ou sintomas de pancreatite. Haveria em ambos os órgãos nessas situações problemas de estase no sistema canalicular que ocasionaria a infecção e cujo desencadeamento seria dado pelo ato cirúrgico. Esta inter-relação orgânica patológica tem um aspecto interessante que é a calicreína, obtida da parótida de bovinos, usada para inativar a tripsina que por sua vez produz as pancreatites agudas. Estes fatos são relatados por Forrei (7). Na terapêutica dos nossos casos não foi utilizada a aplicação de RX, nem anestesia do gânglio estrelado como é preconizado por alguns autores. Outro aspecto que nos chamou atenção foi o de que não se interviu cirurgicamente em nenhuma das ocasiões sobre a glândula, embora sabendo ser de difícil ocorrência a flutuação na parótida, em virtude da septação anatômica e contrariando Remé (1) que a indica após três dias do início do quadro de inflamação parotídea desde que não se evidencie melhora clínica, em vigência do tratamento.

O tratamento como relatado nos casos descritos foi à base de antibióticos, calor local, estímulo da secreção salivar e fisioterapia, obtendo-se excelente remissão do quadro de parotidite aguda.

Embora, não pudéssemos ter tido a oportunidade de avançar nos mecanismos etiopatogênicos desta relação: cirurgia abdominal e parotidite, apresentamos estes casos com a nossa orientação terapêutica.

SUMÁRIO E CONCLUSÃO

Apresentamos quatro casos de parotidite aguda, pós cirurgia abdominal em pacientes idosos e debilitados. Relatamos todas as circunstâncias da evolução clínica e discutimos os aspectos patológicos perante a pouca literatura existente. Mostramos o tratamento segundo o qual foram submetidos estes pacientes resultando na remissão completa da sintomatologia sob o aspecto do problema parotídeo.

SUMMARY

The autoors present the study of four cases of acute suppurative parotitis after abdominal surgery in older age debilited pacients. They describe ali the clinicai evolution and comment the pathologic aspects that are described in literature. They see the therapeutical treatment developed, concluding for the good results, with the resolution of the parotid disease.

BIBLIOGRAFIA

1. REME, G.; Die postoperative parotitis vortrag auf der jah-restagun der norddtsch. HNO - Arzte in Lübeck, 1961.

2. BACH, H. G. D. Buttenberg.: Zur postoperative parotitis. Münch. Med. Wschr. 100 (1958) 532.

3. MATHIS, H.: Die Erkrankungen der Speicheidrüssen. C. Hanser, Munich, 1954.

4. BECKER, W.: Enfermedades de Ias glandulas salivares. Tratado de Otorrinolaringologia, II/1, 379-417, 1970.

5. BENZER, H.: Zur pathogenese der akuten postoperativen parotitis. Langenbecks Arch. Klin. Chir. 297 (1961), 445.

6. HARKER, L. A. and MACCABE, B. F.: Deseases of the Salivary Glands. Clinical Otolaringology. 443, 1979.

7. FORREL, M. M.: Aktiviening und Inaktiviening proteolytischier fermente des pankreas und ihre Minische Bedentung Dtsch med. Wschar. 86 (1961) 981.

8. TRAVIS, L. W. and HECHT, D. W.: Acute and Chronic Inflamatory Deseases of the Salivary Glands: Diagnosis and Management. The Otolaryngologic Clinics of North America. 329, June, 1977.




* Trabalho realizado no Serviço de ORL do Hospital Ernesto dornelles Porto Alegre - RS

** Médico Otorrinolaringologista do HED

*** Residente R2do Serviço de ORL do HED

**** Residente R1 do Serviço de ORL do HED

***** Estagiário do Serviço de ORLdoHED

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