Ano: 1981 Vol. 47 Ed. 1 - Janeiro - Abril - (7º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 59 a 71
DESEMPENHO DE UM LASER DE CO² NACIONAL PARA USO EM CIRURGIAS OTORRINOLARINGOLOGICAS*
Autor(es):
E.M.D. Nicola**
M.A.S. Trevisan***
E.J. Lima****
R.R.G. Mello*****
J.H. Nicola******
Resumo:
No presente trabalho, apresentamos os resultados de cirurgias experimentais em mucosa oral de cobaias, realizadas com um LASER de C02 inteiramente construido no Instituto de Física da UNICAMP. Mostramos que o efeito da radiação LASER sobre o tecido é fundamentalmente dependente da densidade de energia da radiação, a qual é inversamente proporcional ao quadrado da distância focal da lente utilizada para concentração do feixe LASER. No caso, utilizamos tentes de 60 mm e 260 mm e para cada uma utilizamos potências de 9, 6 e 3 Watt com tempo de exposição de 1, 0,5 e 0,2 segundos.
INTRODUÇÃO
O primeiro relato do uso do LASER de C0² em cirurgia otorrinolaringológica ainda em carácter experimental foi publicado por Jako e Strong em 1972 e foi realizado em laringe de cães (corda vocal). Ficou evidenciado então, que a potência pode ser selecionada e aplicada a áreas pré-determinadas, causando dano tecidual mínimo, rápida cicatrização e sequela pós-cirúrgica desprezível.
Os trabalhos iniciais foram todos realizados em laringe onde lesões de corda vocal tipo queratose, nódulo, pólipo, papiloma e carcinoma in situ, foram ressecados com sucesso através do LASER de C0². Desde esta época, um número muito grande de cirurgias tem sido realizadas com LASER deCO² em outras áreas como cavidade oral, faringe, rinofaringe, nariz e mesmo o ouvido.
Comprimento de onda do LASER de C0² é na faixa do infra-vermelho (10,6 micrômetros) e seus efeitos no tecido são puramente térmicos. A energia neste comprimento de onda é quase que totalmente absorvida por todos os tecidos biológicos, independente da sua pigmentação, sendo o grau de destruição tecidual, em parte, proporcional á sua quantidade de água.
É fundamental que a área em que incidir o LASER esteja sempre no campo visual do operador, quer seja direta ou indiretamente através do uso de espelhos refletores como é o caso de aplicação a nível de rinofaringe e superfície laringeia da egiglote.
Muitos trabalhos têm mostrado as vantagens e desvantagens do LASER em medicina e apesar da rápida difusão de tal dispositivo no nosso meio ainda restam perguntas quanto a sua segurança e quanto a possíveis efeitos não desejados que eventualmente possam ocorrer. Por se tratar de equipamento bastante sofisticado o LASER é fabricado por somente duas ou três companhias estrangeiras, o seu custo é geralmente elevado a aquisição fica condicionada as morosas dificuldades de importação.
Atualmente o LASER tem sido usado para diversas aplicações na área médica; obviamente parâmetros como intensidade e duração de exposição do feixe são discutidos por diversos autores e relacionados com o efeito. Por esta razão os equipamentos comerciais devem apresentar facilidade de escolha destas variáveis. Nos equipamentos mais modernos dispõe-se geralmente de potências entre zero e 25 Watt, e tempos de 0,1 até 1 segundo e operação contínua.
O feixe LASER é gerado com um diâmetro inicial da ordem de 12 mm, e portanto para as aplicações em micro-cirurgia temos que focalizá-lo, alcançando então diâmetros convenientes.
O emprego do LASER em diversos tipos de cirurgia implica também no seu uso associado à lentes de distância focal diferentes uma vez que a distância focal da lente é que determina o espaço livre entre o campo cirúrgico e o microscópio. Exemplificando: lente de 400 mm para cirurgia da laringe e lente de 200 mm para o ouvido. Já procedimentos na cavidade oral tem sido realizados tanto com uma lente como com outra.
No presente trabalho, apresentamos os resultados de cirurgias experimentais em mucosa oral de cobaias realizadas com um LASER de C0² inteiramente construido no Instituto de Física Gleb Wataghin da UNICAMP e evidenciamos a importância de um outro parâmetro físico que tem sido negligenciado e que é a DENSIDADE DE ENERGIA na área tratada com LASER. Tal parâmetro (D) fica definido pela relação:
D = Potência de radiação / Área atingida x Tempo de exposição,
que em unidades convenientes é medida em
Watt x s / mm2 = Joule / mm2
"D" mede a quantidade de energia por unidade de área incidente no tecido durante um determinado tempo. Portanto a densidade "D" é o fator de mérito para qualquer cirurgia com LASER. A simples especificação de potência e do tempo de exposição não é suficiente para indicar o efeito da radiação com q tecido, por exemplo, 25 W focalizados durante 1 segundo sobre áreas de 1 mm e 5 mmfnos dão 25 Joules/mm² e 5 Joules/mm² respectivamente.
A variação do tamanho da área irradiada pode ocorrer:
a) pela troca de lente,
b) pela imprecisão da posição do foco.
A figura 1 mostra o efeito de concentração por uma lente de distância focal "f".Área = 4 x 10-6 f2
Existe uma área mínima (máxima densidade "D") exatamente no foco; esta área é encontrada pela relação pela qual podemos obter os resultados mostrados na tabela 1 para uma potência de 20 W e tempo de exposição de 1 segundo (LASER de C02).
Pela tabela, fica evidenciado que a quantidade de energia por milímetro quadrado (densidade) é fortemente dependente da lente usada, assim, e.g., para obtermos efeitos similares em cirurgias de laringe (f = 400 mm) e do ouvido (f = 200 mm), teríamos que usar, neste último caso um LASER com potência quatro vezes menor do que no caso anterior.
Outro parâmetro da figura 1 que devemos considerar é a distância "b" que define a posição de uma área irradiada 6% maior do que a área mínima. Portanto, se o tecido estiver a uma distância "b" do foco a densidade de energia será 6% menor. Os valores de "b" também são mostrados na tabela 1.TABELA 1 - Valores calculados da área mínima (A), profundidade de foco (b) e densidade de energia (D) para 4 lentes diferentes.
f = Distância focal
A = Área aproximada
b = Profundidade de foco
D = Densidade de energia aproximada)
MATERIAL E MÉTODOS
Na realização deste trabalho foram utilizados 21 cobaias, machos adultos, com peso entre 400 e 500 gramas. 0 anestésico utilizado foi eter sulfúrico, que embora seja uma substância inflamável, não nos apresentou riscos, uma vez que nossos procedimentos foram realizados em campo aberto (não utilizamos via endoscópica), portanto, os vapores do gás eram diluídos no meio ambiente.
O LASER utilizado foi construído quase que inteiramente a partir de componentes nacionais e trata-se de um modelo experimental de potência relativamente baixa mas suficiente para experiências com tecidos delicados do tipo da mucosa oral.
Como todo o LASER de C02, o nosso opera no infra-vermelho, emitindo a radiação de 10,6 micrômetros colimada em um feixe de 12 milímetros na saída do tubo e com uma divergência insignificante. A óptica de ouro foi construída em nossos laboratórios, enquanto que a de germânio foi a única parte importada.
A eficiência medida do nosso LASER é equivalente à eficiência dos LASERS importados.
Tratando-se de um protótipo, não dispunhamos de grandes facilidades cirúrgicas, mas o arranjo experimental foi satisfatório e está esquematizado na figura 2. Na figura 3 mostramos uma fotografia do equipamento.
O cobaia era posicionado com o auxílio de uma mesa, um pequeno estilete fixo marcava a posição do foco e um obturador eletrônico controlava o tempo de exposição.
Fig. 1 - Representação da focalização do feixe LASER ao passar por uma lente de distância focal "f".
Fig. 2- Representação esquemática do arranjo experimental.
Fig. 3 - Fotografia do LASER construido para o presente trabalho.
Fig. 4 - Parâmetros utilizados para a caracterização das perfurações obtidas com o LASER de C02 em mucosa oral de cobaias.
Os animais foram expostos à intensidades de LASER de 3, 6 e 9 W e tempos que variavam de 0,2, 0,5 e 1 segundo. Estas medidas foram tomadas respectivamente com lentes de distância focal de 60 mm e 260 mm. As medidas foram realizadas modificando-se uma das variáveis de cada vez, mantendo-se as outras duas constantes.
Os lábios do cobaia foram revertidos por meio de pinças de modo a expor uma área compreendida entre a inserção dos incisivos superiores e a mucosa dos lábios e bochechas. Após convenientemente exposta, a mucosa foi irradiada com pontos mais ou menos equidistantes e que delimitaram uma pequena área de tecido que foi posteriormente ressecada e conservada em formol a 15%.
No Departamento de Anatomia Patológica os fragmentos foram recortados e incluídos em parafina de forma a permitirem um corte paralelo ao maior eixo da perfuração. As lâminas obtidas foram coradas por hematoxilina-eosina. As medidas microscópicas das áreas de necrose foram feitas com uma ocular Zeiss graduada e foram facilmente convertidas em milímetro através de uma simples regra de três com a ajuda de um dispositivo milimetrado colocado no lugar da lâmina.
Os locais de medida estão esquematicamente representados na figura 4.
RESULTADOS
No local onde incide o feixe LASER constata-se uma perfuração que pode ir desde a superfície da mucosa até a camada muscular, circundada por um halo mais ou menos uniforme de necrose coagulativa. Essa perfuração tem profundidade e largura que variam com a intensidade do feixe e distância focal da lente utilizada.
As tabelas 2, 3 e 4 mostram os resultados médios típicos. As medidas tomadas com os parâmetros intermediários 6 W e 0,5 e não são apresentados uma vez que não se mostraram de interesse para a presente análise.
Os parâmetros considerados foram obtidos da forma descrita acima, à partir dos cortes mostrados nas figuras 5, 6e 7.
DISCUSSÃO
As duas lentes utilizadas no trabalho permitiram irradiar o tecido com densidades de energia diferentes para cada combinação de potência e tempo (energia). A lente de 60 milímetros permite uma densidade de energia 19 vezes maior do que a densidade de energia obtida com a lente de 260 milímetros para qualquer combinação potência versus tempo, portanto devemos esperar diferentes efeitos no tecido pela simples mudança de lente.
Os resultados das tabelas 2, 3 e 4 excetuando-se para o halo de necrose, são mostradas nas figuras 8 e 9. Na primeira figura representamos Profundidade versus Distância Focal para cada situação de energia constante. Em todos os casos nota-se um rápido decréscimo na profundidade da cratera com o aumento da distância focal. Na figura 9 mostramos o efeito da mudança de lente sobre a largura da cratera. Podemos notar aqui, além do esperado aumento em largura, que o efeito de troca de lente é mais significativo quando a irradiação é feita com maior energia (potência x tempo). Este efeito está associado à distribuição não uniforme de energia na área atingida e também à condutividade térmica do tecido.
Um dado mais significativo para a nossa análise é a medida do volume evaporado versus distância focal. Na figura 10 mostramos que, para cada uma das situações analisadas, o volume total evaporado é consideravelmente menor sempre que a lente de 260 milímetros é utilizada.
Em todos os gráficos a linha pontilhada serve apenas para auxílio visual, não sendo tanto uma interpolação de dados.TABELA 2 - Parâmetros da cratera obtidos para lentes de 60 mm e 260 mm com 0,6 Joules ( 3W x 1,0s)
TABELA 3 - Parâmetros da cratera obtidos para lentes de 60 mm e 260 mm com 9 Joules (9W x 1,0s).
TABELA 4 - Parâmetros da cratera obtidos para lentes de 60 mm e 260 mm com 1,8 Joules (9W x 0,2s).
CONCLUSÕES
O protótipo utilizado no presente trabalho, apesar de ainda não se encontrar em condições de ser instalado em Centro Cirúrgico apresentou um excelente desempenho em cirurgias experimentais. Acreditamos que seu acoplamento a microscópio cirúrgico e demais adaptações necessárias para as cirurgias convencionais são problemas que podem ser solucionados com as técnicas existentes no país.
Nossos resultados, mesmo que preliminares e de uma certa forma incompletos, já permitiram demonstrar a importância do fator DENSIDADE DE ENERGIA. Do seu conhecimento pode resultar um melhor aproveitamento do equipamento, evitando danos teciduais potencialmente severos.
No caso específico das miçrocirurgias otorrinolaringológicas a densidade de energia obtida com lentes de 200 mm será quatro vezes maior do que a obtida com as lentes de 400 mm. Em outras palavras, apenas 5 Watt de LASER para uma lente de 200 mm podem causar efeitos semelhantes a 20 Watt quando a lente utilizada for a de 400 mm e o tempo de exposição for o mesmo.
Fig. 5 - Cratera observada utilizando-se 9 W de potência durante, 1 segundo de exposição, a uma distância focal de 60 mm (H E, x 40).
Fig. 6 - Comparar com a figura anterior. Notar a menor profundidade da cratera ao se mudar a distância focal para 260 mm mantendo-se constantes os outros parâmetros (H E, x 40).
Fig. 7 - Necrose superficial da mucosa (seta) ao se utilizar o LASER com 3 W de potência, durante 0,2 segundos de exposição a uma distância focal de 260 mm.
Fig. 8 - Alguns resultados tipicos de PROFUNDIDADE x DISTÂNCIA FOCAL para diferentes energias.
Fig. 9 - LARGURA x DISTANCIA FOCAL. Resultados típicos.
Fig. 10 - VOLUME EVAPORADO x DISTANCIA FOCAL para os resultados anteriores.
SUMMARY
The autoors present the results of experimental surgery performed on the oral mucosa of the guinea pig. The LASER used in this work was intirely developed at the Physics Institute of UNICAMP. We show that the effect of the LASER radiation is primarely dependent on the energy density of the radiation, which is inversally proportional to the second power of the focal lenght of the lens used to focus the radiation.
We used 9, 6 and 3 Watt with exposition times of 1.0, 0.5 and 0.2 seconds with tens of 60 mm and 260 mm focal length.
AGRADECIMENTOS
Os autores EJL e JHN agradecem a Prof. Dra. Zoraide Arguello (IFGW) por sua assistência na construção da óptica de ouro utilizado no presente trabalho.
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* Trabalho realizado em colaboração entre a FCM e o IFGW da UNICAMP. ** Professora Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia da FCM UNICAMP.
*** Professora Assistente do departamento de Anatomia Patológica da FCM - UNICAMP.
**** Pós-graduando do curso de Mestrado em Física do Instituto de Física Gleb Wataghinda UNICAMP.
***** Professor Assistente Doutor do Departamento de otorrinolaringologia da FCM-UNICAMP.
****** Professor Livre Docente do IFGW - UNICAMP. Coordenador da disciplina de Física Médica e Coordenador do Projeto de Desenvolvimento de LASER de C02 para Diversas Aplicações UNICAMP - FIPEC. Professor Adjunto da UFRGS.