Ano: 1981 Vol. 47 Ed. 1 - Janeiro - Abril - (6º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 53 a 58
INCISÃO NA BORDA LIVRE DA GENGIVA PARA O ACESSO AO SEIO MAXILAR: UM COMENTÁRIO APOS OITO ANOS DE EXPERIÊNCIA*
Autor(es):
R. M. Neves-Pinto**
Pedro E. de Lima***
Resumo:
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Em 1974, por ocasião do Congresso Panamericano de O.R.L. (São Paulo, SP), baseado numa experiência de mais de dois anos, um de nós (NEVESPINTO, 1974)4 apresentou um trabalho sobre a incisão na borda livre da gengiva para o acesso ao seio maxilar (incisão de Neumann).
Naquela ocasião, concluíra que tal incisão substituia com vantagem a incisão clássica do Caldwell-Luc modificada por MARTENSSON (1950)3. Passados seis anos, apesar de sua adoção por vários colegas (entre os quais o Prof. Ermiro de Lima) e do aparecimento de uma publicação (GOODMAN, 1976)¹ em periódico americano de grande divulgação (Otolaryngologic Clinics of North America), advogando uma incisão similar, sua prática não teve ainda a difusão que julgamos merecer. Por isso voltamos ao assunto, somando agora a experiência de oito anos de dois cirurgiões.
Como norma, nas intervenções bilaterais, fazíamos a incisão clássica em um lado e a incisão de Neumann no outro. Isto nos permitiu ajuizar melhor o comportamento destas incisões, num mesmo indivíduo, anulando portanto a interferência de fatores tais como o psiquismo, a resposta biológica individual dos tecidos e os medicamentos utilizados no pós-operatório.
Somente agora, em 1980, por estarmos definitivamente convencidos da superioridade da incisão de Neumann, é que resolvemos utilizar a incisão clássica apenas nos pouquíssimos casos nos quais a incisão de Neumann não seria aconselhável.
TÉCNICA
1. Com anestesia geral: infiltração anestésica da região com bupivacaina a 0,5% e adrenalina a 1:200.000, com a finalidade de reduzir o sangramento. Com anestesia local ou sob neurolepto-analgesia: acrescentamos infiltrações, com a mesma solução anestésica já citada, para o bloqueio do nervo maxilar superior.
2. Com um bisturi Bard-Parker n° 11 praticamos uma incisão, como mostra a figura 1-A, desde a porção medial do incisivo superior lateral até a porção lateral do segundo pré-molar ou do primeiro molar (de acordo com a necessidade). A incisão corta as papilas interdentárias, exatamente no ponto de união de suas faces vestibular e lingual, e se insinua cerca de dois milímetros por baixo do festão gengival que é preservado ao máximo. Com ela atingimos a gengiva aderida. Um prolongamento vertical, até o sulco gengivo-labial ou sua proximidade, partindo da extremidade lateral da incisão ("B" ou "C" da figura 2) é sempre necessário. O prolongamento vertical medial ("A" da figura 2) é opcional, entretanto, quando não o praticamos estendemos a incisão, no bordo livre da gengiva, até o incisivo central (figura 1-B). Na figura 3, chamamos a atenção para os tipos de prolongamento que devem ser evitados, pois podem produzir retrações indesejáveis.
3. Elevação da gengiva livre e logo descolamento da gengiva aderida, de modo uniforme e ao longo de toda a incisão a fim de evitarmos a laceração do festão gengival (figura 1-B). Este é um tempo delicado e o executamos com a ajuda do bisturi reto de Neves-Pinto (figura 5). Após o descolamento da gengiva aderida não haverá dificuldade em expormos toda a área cirúrgica, com uma gaze montada, com um elevador de Joseph, ou ambos. O ponto de emergência do infra-orbitário deve ser sempre identificado. Uma modificação interessante é a proposta por Ermiro de LIMA (1979) . Após a incisão descrita no item 2, praticase o prolongamento vertical medial e através dele se introduz um descolador (o de Joseph, por exemplo) que, de cima para baixo (figura 4) e de um modo mais fácil, rápido e seguro (para o festão) nos permitirá descolar a gengiva aderida.
4. Terminada a intervenção sinusal o retalho mucoso é reposto em seu sitio original. As papilas são então suturadas com agulha atraumática e fio não absorvível quatro zeros (figura 1-C). Os prolongamentos verticais da incisão também são suturados. Um curativo compressivo é mantido sobre a região geniana, por 12-24 horas.
5. Os pontos são retirados após sete dias e após outros sete dias o aspecto da região é anatômico (figura 1-D).
Até a presente data, não nos entusiasmamos com o uso do cimento cirúrgico odontológico para a proteção da incisão.
As seguintes precauções nos parecem importantes: o paciente deve evitar assoar o nariz, mastigar, usar escova dentária ou fazer bochechos (no lado operado) por sete dias. Nos casos bilaterais, a dieta deve ser líquida ou pastosa. Após tal prazo, manter-se-á apenas o cuidado de escovar os dentes de cima para baixo e evitar a mastigação de alimentos sólidos (no lado operado) por mais sete dias. Findas estas duas semanas, todas as restrições serão suspensas.
VANTAGENS DA INCISÃO DE NEUMANN
1. Por se tratar de uma incisão que respeita ao máximo os vasos e nervos da região, os quais só são cortados em sua porção mais distal, teremos:
1.1. Perturbações sensitivas mínimas que desaparecem completamente até três/quatro semanas após a cirurgia. Estas perturbações foram sempre flagrantemente menores do que as produzidas pela incisão clássica. Todavia, não devemos esquecer as perturbações sensitivas que podem ser provocadas pela abertura da parede anterior do seio maxilar e não pela incisão das partes moles.
Figura 1 - Incisão no bordo livre da gengiva: (A) iniciada, (B) terminada, (C) suturada a intervenção sinusal e (D) completamente cicatrizada duas semanas após a cirurgia (NEVES-PINTO)4
Incision in the margin of the gingiva: (A) beginning, (B) finished, (D) sutured after the sinus operation and (D) completely healed two weeks the surgery (NEVES-PINTO)4
Figura 2 - Extensões verticais da incisão (A e B ou C) GP = Papila Gengival. AG = gengiva aderida. FG = gengiva livre. GM = bordo livre. 2 = incisivo lateral. 6 = primeiro molar.
Vertical extensions of the incision in gingival margin (A and B or C) GP = gingival papilla. AG = attached gingiva. FG = free gingiva GM = gingival margin. 2 = lateral incisor. 6 = Ist molar.
Figura 3 - Tipos de extensão vertical a serem evitados (NO!) e o tipo correto (YES ).
The patterns of vertical extensions to be avoided (NO!) and the correct one (YES ).
Figura 4 - Modificação de Ermiro de Lima para tornar o descolamento da gengiva aderida mais fácil, rápido e seguro, J = descolador de Joseph.
Ermiro de Lima's modffication in order to make the attached gingiva separation easier, quicker and safer. J = Joseph's elevator.
Figura 5- Bisturi e descolador retos (N.P.).
The N. P.'s straight bistoury and elevator.
1.2. Sangramento mínimo, durante o ato operatório.
1.3. Perturbações vaso-motoras mínimas e, notadamente, menor edema pós-operatório.
2. Por permitir uma exposição ampla da região, teremos:
2.1. Melhor visualização dos relevos dentários, na parede anterior do seio, para evitarmos que a abertura óssea seja alargada de modo a atingir o plexo alveolar ou mesmo um ápice dentário.
2.2. Melhor oportunidade de obtenção de um retalho conveniente para o fechamento de uma fístula e realização simultânea de uma sinusectomia maxilar ou transmaxilar.
2.3. Melhor abordagem quando, após uma primeira cirurgia, o periósteo e/ou tecido cicatricial invadem o seio, através da janela óssea existente na parede anterior do mesmo.
3. Por haver um grande intervalo entre a abertura óssea praticada e a incisão no bordo livre da gengiva, teremos:
3.1. Possibilidade infinitamente menor de uma fístula alvéolo-sinusal ou vestíbulo-sinusal.
3.2. Menor possibilidade de invasão da cavidade sinusal por periósteo e/ou tecido cicatricial, uma vez que a janela óssea estará recoberta por periósteo íntegro.
4. Pacientes sem dentes (na área da incisão) poderão recolocar sua prótese dentária imediatamente após á cirurgia.
DESVANTAGENS DA INCISÃO DENEUMANN
São mínimas e irrelevantes:
1. Sua execução exige mais habilidade, trabalho e tempo por parte do cirurgião. Todavia, muito menor do que nos parece quando começamos a praticá-la.
2. Não convém ser feita quando o paciente apresenta patologia da gengiva (retração gengival, paradentose). Trata-se, porém de contra indicação relativa. Basta lembrarmos que o cirurgião-dentista se vale exatamente desta incisão para tratar tais problemas. Entretanto, para o otorrinolaringologista, a fim de evitar qualquer querela ou problema médico-legal (acusação de produzir ou agravar a patologia gengival) parece-nos mais prudente a abstenção de seu uso, nestes casos.
3. Requer maior cuidado do paciente com a alimentação e com a higiene bucal, nos primeiros dias após a cirurgia.
Têmo-la evitado apenas nos portadores de patologia gengival.
Apesar de exigir um pouco mais de habilidade, trabalho e tempo, por parte do cirurgião, as vantagens descritas nos parecem justificar de sobra a sua aceitação ampla.
RESUMO E CONCLUSÕES
A nossa experiência cirúrgica, nestes últimos oito anos, no Hospital Central da Aeronáutica, no Instituto Brasileiro de O.R.L. (Serviço do Prof. Ermiro de Lima), no Hospital dos Servidores do Estado (Rio de Janeiro) ou na clínica privada, nos tem apontado a incisão na borda livre da gengiva (incisão de Neumann) como a preferida para a abordagem do seio maxilar (comparando com a de Caldwell-Luc), mesmo em indivíduos sem dentes, em reoperações ou em portadores de fístula alvéolo-sinusal ou vestíbulo-sinusal.
SUMMARY AND CONCLUSIONS
Our personal experience, these last eight years, in the Hospital Central da Aeronáutica, in the Instituto Brasileiro de
Otorrinolaringologia, in the Hospital dos Servidores do Estado or in private practice, have pointed to us the convenience of choosing the incision in the gingival margin (Neumann's incision) instead of the Caldwell-Luc 's one for aproachíng the maxillary sinus, even in edentulousindividuals, in re-operations or in patients presenting a si nus fistula.
We haver avoided its practice just when the patients presented gingival pathology.
Despite the requisition of more dexterity, work and time on the part of the surgeon, the advantages above described justify, in our opinion, its broader adoption.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. GOODMAN, W. S.: The CaldwellLuc procedure. Otol. Clin. N. Amer., 9:187, 1976.
2. LIMA, E. E. de: comunicação pessoal (1979)
3. MARTENSSON, G.: Dental injuries foilowing radical surgery on the maxillary sinus. Acta Otolaryng. (Stockholm), suppl. LXXXIV, 1950.
4. NEVES-PINTO, R.M.: Incisão no bordo inferior da gengiva para o acesso ao seio maxilar. Rev. Brasil. Oto-rinolaring., 40:398, 1974.
(Anais do XIV Congr. Panamericano de O.R.L., São Paulo, SP, Brasil, 1974).
* Versão em língua portuguêsa de trabalho apresentado no VIII Congresso da Soc. Européia de Rinologia (Bolonha, 1980), XXV Congr. Brasileiro de O.R.L. (Canela, 1980) e XVII Congr. Panamerícano de O.R.L. (Santiago, 1980)
** Prof. livre-docente de CI. O.R.L. da F.M.P.A. (U.F.R.G.S.). Ten. Cel. med. Aeronáutica (CI. O.R.L. do H.C.Aer., Rio de Janeiro).
*** Prof. livre-docente de CI. O.R.L. da F.M.LI.F.R.J.