Versão Inglês

Ano:  1981  Vol. 47   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Relato de Casos

Páginas: 7 a 17

 

CISTO ÓSSEO ANEURISMÁTICO DO SEIO MAXILAR

Autor(es): Dr. Lidio Granato *
Dr. José Donato de Próspero **
Dr. J. Tarciso Moreno Loureiro***

Resumo:
Os autores apresentam caso de Cisto ósseo Aneurismático do seio maxilar esquerdo, com seus caracteres clíinicos, estudo radiográfico e anátomopatológico. Embora esta entidade seja bem conhecida na patologia óssea em geral raramente compromete ossos cranianos, motivo pelo qual consideramos de interesse a publicação deste caso que, há 2 anos, foi tratado cirurgicamente e está clinicamente curado.

O cisto ósseo aneurismático é lesão óssea pseudo-tumoral, pois embora incluído no grupo dos tumores que acometem o esqueleto, não é reconhecido como verdadeira neoplasia, tendo em vista seus caracteres clínicos, anátomopatológicos e sua evolução.

Trata-se de processo reconhecido como entidade distinta com os trabalhos de Jaffe (2) Lichtenstein (5) que em 1950, em trabalhos independentes, estabaleceram sua identidade sob aspecto clínico, radiográfico e anátomopatológico.

Antes, confundia-se com tumor giganto-celular, hemangioma e outros processos, inclusive com osteossarcoma tela ngiectásico.

Localiza-se nos mais variados ossos, mais comumente na coluna vertebral e em ossos longos, raríssimos nos ossos da cabeça, não havendo referência nesta localização até 1960.

RELATO DO CASO

R: P., 33 anos, masculino, comerciante e procedente de Santos, S. P., refere história de 5 meses, quando notou amolecimento dos dois últimos molares superiores do lado esquerdo, acompanhado de obstrução nasal e ligeiro abaulamento da hemi-face esquerda. Procurou o médico que receitou-lhe antibiótico e outros medicamentos que após 30 dias, não deram resultados benéficos. Procurou outro médico que indicou estudo radiográfico que resultou sinusite crônica (sic). Foi submetido a punção transmeática do seio maxilar esquerdo, de onde drenou pequena quantidade de líquido xaroposo. Refere ainda que por não apresentar melhora, foi biopsiado pelo sulco gengivo-labial e o resultado sugeriu "fibroma ossificante".

O paciente notou cada vez maior aumento de volume da hemiface esquerda, com saliência na região do sulco gengivo-labial e do hemi-palato correspondente, verificados pelo exame físico. (fig. 1).



Fig. 1 -Abaulamentodo hemipalato duro à esquerda.



Refere emagrecimento de 2 quilos desde início de sua doença, negando sangramento ou otalgia. Não se verificou comprometimento ganglionar ou alterações de sensibilidade da face. Na rinoscopia anterior verificou-se obstrução nasal total esquerda com a concha inferior acolada ao septo, não se retraindo mesmo com vaso constrictores. Na rinoscopia posterior e ouvidos, nada digno de nota.

O exame radiográfico revelou, inicialmente, apenas velamento do seio maxilar esquerdo, com limites indefinidos.

Nova radiografia 1 mês depois, evidenciou grande expansão do seio maxilar, comorometendo todas as suas paredes. (Figs. 2,3,4).



Fig. 2 - velamento do seio maxilar esquerdo.



Fig. 3 - Seio maxilar preenchido por massa tumoral com ausência de seus limites, principalmente de sua parede medial.



Fig. 4 - Seio maxilar preenchido por massa tumoral com ausência de seus limites, principalmente de sua parede medial.



Indicada a cirurgia para exerese do tumor, foi realizada incisão para-lateronaso-médio-labial e do sulco gengivo-labial esquerdo (Fig. 5).



Fig. 5-Incisáode rinotomia laterale médio labial.




Observou-se destruição das paredes que delimitam o seio maxilar e inferiormente o processo estava delimitando por delgada lâmina óssea que ainda mantinha fixos os dois últimos molares. (Figs. 6, 7).



Fig. 6- Incisão no sulco gengivo-labial esquerdo, exposição e retirada do tumor.



Fig. 7 - Incisão no sulco gengivo-labial esquerdo, exposição e retirada do tumor.



Apesar da sugestão do dentista de que os dentes deveriam ser removidos, optamos por mantê-los, pois não apresentavam erosões e por estarem fixados, achamos que deveríamos preservá-los.

O manuseio do tumor, no início, determinou sangramento, porém, á dissecação, apresentou limites nítidos.

Macroscopicamente, a peça cirúrgica tem cerca de 6 cm. de diâmetro, de superfície irregular e consistência mole, com numerosas lacunas hemorrágicas disseminadas. (Fig. 8).



Fig. 8 - Peça cirúrgica.



O exame microscópico evidenciou processo caracterizado por inúmeras lacunas sangüíneas irregulares no tamanho e na forma, delimitadas por septos de tecido conjuntivo que apresentam espessuras variadas, não revestidos por células endoteliais. Ao longo destes septos, existem traves osteóides irregularmente mineralizadas e circundadas por osteoblastos, entremeadas por algumas células gigantes multinucleadas. (Figs. 9, 10). Com estes caracteres histológicos foi firmado o diagnóstico de Cisto Aneurismático.

DISCUSSÃO

O Cisto ósseo Aneurismático, é processo que se inclui no grupo das lesões ósseas chamadas "pseudo-tumorais", pois apesar de comportar-se clínica e radiologicamente como tumor expansivo e também de caracter invasivo, não apresenta aspecto histológico de verdadeira neoplasia, não evoluindo como tal.

Seu nome, proposto por Jaffe (3) e Lichtenstein (5), embora não perfeitamente adequado pois não se trata de cisto e menos ainda de aneurisma, foi consagrado pelo uso e constitui entidade bem definida, de etiologia desconhecida.

Alguns consideram-no conseqüência de traumatismo, outros relacionam-no a mal formação vascular mas a maioria não tem idéia sobre sua verdadeira natureza.

O Cisto ósseo aneurismático é mais freqüente em faixa etária jovem, na 2° década da vida (7). Localiza-se nos mais variados ossos e em nossa experiência (serviço de Patologia da Santa Casa de São Paulo), obtida com o estudo de 62 casos, é mais freqüente na coluna vertebral, fêmur, tíbia, e úmero não sendo raro em ossos chatos como o ilíaco e o omoplata.O caso aqui apresentado é o segundo observado em ossos faciais, ambos localizados no maxilar superior.

Trata-se de processo benigno e em geral solitário que provoca abaulamento expansivo no osso comprometido e não raramente assume aspecto clínico e radiográfico que sugere malignidade pela sua capacidade infiltrativa, às vezes comprometendo o osso vizinho e destruindo a cortical, com possibilidade de comprometimento das partes moles adjacentes.

Quando localizado em osso facial, como é o presente caso, o crescimento é lento e praticamente indolor. O abaulamento da região da bochecha e o comprometimento do palato duro com amolecimento dos dentes, acompanhado de progressivo aumento da obstrução nasal, é freqüente. Quando há comprometimento dos seios etmoidais e esfenoidais, pode ocorrer compressão do nervo óptico (10). O ouvido pode ser envolvido pelo processo e isto ocorre quando o cisto ósseo aneurismático se localiza no rochedo (6).



Figs. 9 e 10. Aspecto microscópico: Presença de numerosas lacunas irregulares, delimitadas por septos de tecido conjuntivo, onde existem algumas células gigantes. H. E. 120x 240x



O exame radiográfico nos ossos longos, mostra aspecto multilobulado, à maneira de bolhas de sabão, em geral de localização excêntrica, formando expansão extra-óssea. No seio maxilar estas alterações nem sempre são nítidas, sendo evidentes a expansão do antro e o estreitamento da fossa nasal correspondente, como se observou em nosso caso.

Além da radiografia, também a tomografia computadorizada e a arteriografia são muito úteis, para diagnóstico diferencial com outros tumores vascularizados como, por exemplo, o angiofibroma.

Quanto à etiologia, ainda é desconhecida. Em cerca de 70% dos casos há referência clínica de traumatismo o que, no entanto, parece apenas uma forma pela qual o paciente foi despertado para a doença. Em nosso caso não há antecedente traumático no local.

Besnier e Blasker (1), extendendo suas teorias sob a patogênese deste processo, sugerem que tratar-se-ia de organização de um hematoma no qual os vasos sangüíneos lesados falham ao reter a conexão circulatória com a lesão. No caso publicado por Yarington em 1864 (9), havia cisto ósseo aneurismático na maxila, associado com granuloma reparador de células gigantes, dando a impressão que seria a mesma lesão em estágio diferente de evolução.

O diagnóstico diferencial sob ponto de vista clínico deve ser feito com o chamado granuloma reparador de células gigantes e com cistos odontogênicos. Sob aspecto anátomo-patológico, além destes processos, também o tumor giganto-celular deve ser descartado pois é o principal diagnóstico diferencial a ser considerado não só nesta como, principalmente, em outras localizações do esqueleto.

Também diagnóstico diferencial com tumor marrom do hiperparatireoidismo deve ser feito, não só com o exame local como pelo estudo de todo esqueleto e dosagens bioquímicas necessárias para o diagnóstico desta entidade.

Alguns cistos odontogênicos, como o Cisto Folicular, o Grande Cisto Radicular e mesmo tumores relacionados às estruturas dentárias, principalmente o ameloblastoma, poderão dar sinais e sintomas semelhantes. O envolvimento dentário nestas lesões é mais acentuado. O estudo apurado do nosso caso sob aspectos clinico e radiogáfico, bem como exame anátomo-patológico da peça, permitiu afastar em definitivo a hipótese inicial de outro serviço que sugeria Fibroma ossificante.

Quanto ao tratamento do Cisto ósseo aneurismático, é cirúrgico (4). O ideal é extirpação do processo, o que leva a cura definitiva. Na impossibilidade da ressecção em bloco, deve ser realizada a curetagem da lesão o que, também, freqüentemente leva à cura, sem recidiva.

Na literatura são raros os casos descritos de Cisto ósseo Aneurismático na maxila, todos foram tratados cirurgicamente.

A via de abordagem foi o sulco gengivo-labial, porém em 2 casos foi indicada a maxilectomia. Também não há referência quanto a recidiva do processo nestes pacientes em contrastes com o que ocorra; em outras áreas. (9).

O tratamento radioterápico deverá ser utilizado somente quando o acesso ao cisto for difícil ou impossível, pois estes tumores são radioresistentes. A possibilidade de transofrmação maligna em fibrossarcoma ou osteossarcoma é assinalada por alguns (Tillman - 1968) (8) nos casos submetidos a radioterapia.

A dose recomendada usualmente é de 1.400 a 2.000 rads. (8).

Quando se trata de criança, o uso do tratamento radioterápico deverá ser conduzido ainda com maior cuidado.

SUMMARY

A case of aneurysmal bone cyst of the maxilla is reported. This lession is rare ira the area. The clinical, radiological aspests, and histopathology and treatment are discussed.

The patient was opereted and he made a good recovery.

BIBLIOGRAFIA

1. Bernier J. L. Bhaskar SN: Aneurysmal bone cyst of the mandible. Oral Surg 11:1018-1028, 1958.

2. Jaffe H. L. Lichtentstein L: Solitary unicameral bone cyst, with emphasis on roentgenpicture, pathologic appeaarence and pathogenesis. Arch. Surg. 44: 1004-1025, 1942.

3. Jaffe H. L.: Aneurysmal bone cyst. Buli Hosp. Joint Dis, 11:3, 1950.

4. Kevin J. Kane: Aneurysmal bone cyst of maxilla Ann Otol. 88:217221, 1979.

5. Lichtenstein L.: Aneurysmal bone cyst; Pathological entity commonly mistaken for giant-cell tumor and occasionally for hemangioma and osteogenic sarcoma. Cancer, 3:279,1950.

6. Montgomery W. E.: Cystic lessions of the petrous apex transphenoid approach. Ann Otoi Rhinol Laryngol. 86 (4PT1).

7. Norman A, Schiffman M: Simple bone cysts factors of age dependency. Radiology 124 (3) 779-82 Sep. 77.

8. Tillman B. P. Dahlin D. C., Lipscomb PR, et ai: Aneurysmal bone cyst: An analysis of 95 cases. Mayo Clin. Proc. 43:478-495, 1968.

9. Yarington CT Jr., Abott J. Raines D.: Aneurysmal bone cyst of the maxilla, association with giant reparative granuloma, Arch Otoryngol. 80:313-317, 1964.

10. Yee R. D. Cogan D. G. Thorp T. R., Schint L.: Optic nerve Compression Due to Aneurysmal bone cyst. Arch Ophthalmol 95 (2) 21769. Dec 77.




* Professor Assistente da disciplina de O. R. L. da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
*** Otorrinolaringologista de Santos (S. P.).

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