Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 4  - Julho - Agosto - (21º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 581 a 584

 

Miíase Nasal: Relato de Caso.

Nasal Myiasis: Case Report.

Autor(es): Jeanne R. O. Ramalho*,
Eloisa P. Prado*,
Fernando C. C. Santos**,
Pedro P. V. C. Cintra**,
José A. Pinto***.

Palavras-chave: miíase, infestação cavitária nasal, larvas

Keywords: myiais, infestation of the nasal cavities, larvae

Resumo:
Miíase nasal é a infestação cavitária nasal por larvas de dípteros. Rara em humanos, quando identificada é prevalente em regiões tropicais, na zona rural, tendo como fator predisponente mais freqüente a rinite atrófica. Neste trabalho, descrevemos um caso de miíase nasossinusal e faríngea, e a conduta terapêutica adotada. Observamos que, neste caso, a remoção cirúrgica manual, associada a Ivermectina, foi efetiva.

Abstract:
Nasal myiasis is an infestation of the nasal cavities by fly larvue. It is rarely found in humans, but it is more prevalent in tile tropics and rural areas and the most common predisposing factor is atrophic rhinitis. The purpose of the present article was to publish a case about sinunasal myiasis, the genus larvae found in our arca and the management of the case. Surgical removal and Ivermectine proved to be effective.

INTRODUÇÃO

Miíase é a infestação em vertebrados vivos por larvas de dípteros que se alimentam de tecidos vivos ou mortos do hospedeiro, de suas substâncias corporais líquidas ou do alimento por ele ingerido.

Etimologicamente, o termo miíase significa: myie (mosca); ase (doença).

Pode ser classificada quanto ao local de ocorrência em: cutânea, subcutânea, cavitária (nariz, boca, seios paranasais, ocular, vaginal e anal); quanto às características biológicas da mosca, em: obrigatória (miíase primária), ocorre em vertebrados vivos; facultativa (miíase secundária), ocorre em tecidos necrosados do hospedeiro vivo ou em matéria orgânica em decomposição; pseudomiíase (miíase acidental), decorre da ingestão de larvas juntamente com alimentos; estas passam pelo intestino sem se desenvolver, podendo ocasionar distúrbios5.

A miíase nasossinusal é rara em humanos. É doença oportunista, causada por agentes não patogênicos, que, em situações de deficiência orgânica geral ou de lesões tissulares locais, tomam-se lesivos. É prevalente em regiões de clima quente e úmido de países tropicais, onde as moscas são mais ativas e em maior densidade populacional, sendo agravada, por baixas condições sócio-econômicas e de higiene, em pacientes pertencentes à zona rural. Qualquer faixa etária pode ser afetada, sendo mais comum em grupos de meia-idade e idosos. Ambos os sexos podem ser igualmente acometidos.

Como fatores predisponentes, temos: rinite catarral crônica, rinite sifilítica, hanseníase, tuberculose, rinoescleroma e rinite atrófica ou cozeria. Sendo este o fator mais freqüente, diminuindo a sensibilidade da mucosa nasal, ampliando a cavidade nasal, produzindo crostas de odor fétido e descarga purulenta espessa, fatores de grande atratividade para as moscas que depositam seus ovos enquanto o hospedeiro dorme. As larvas que eclodem migram para as cavidades nasais e seios paranasais, onde se desenvolvem, alimentando-se das secreções mucosas presentes e podendo até mesmo intensificá-las, destruindo a membrana mucosa que recobre essas cavidades, cartilagens e ossos, chegando a invadir meninges e crânio nos estágios mais avançados - podendo levar ao óbito.
Os sinais e sintomas observados são: epistaxe, obstrução nasal, prurido nasal, espirros, rinorréia purulenta, sensação de corpo estranho movendo-se no nariz, odor fétido, cefaléia, edema facial e disfagia. Alguns pacientes relatam a saída de larvas pela boca ou nariz. O exame evidencia presença de larvas dotadas de mobilidade nas cavidades nasais e seios paranasais, com necrose da mucosa e do esqueleto osteocartilagíneo.

Revisão da Literatura e diagnóstico diferencial

Hungria4 relata ser enfermidade causada por larvas de moscas do gênero Cochlioma macellaria. E o tratamento consiste na remoção das larvas com pinça e o uso prévio de calomelano ou iodofórmio.

Sharma8, em estudo retrospectivo de 10 anos de experiência, apresenta 252 casos de miíase nasal. Relata que, em sua região, a larva da mosca causadora de miíase nasal pertence ao gênero Chrysomia bezziana, e a maioria dos seus pacientes (97%) tinha como fator predisponente mais freqüente rinite atrófica. O tratamento realizado com tampão nasal embebido em clorofórmio e terebintina, seguido da remoção manual das larvas, é efetivo. Nos casos em que os pacientes recusaram cirurgia, houve recorrência da doença (81%).

Agrawal1 relata caso de miíase nasal por Oestrus ovis em paciente HIV+, enfoca que a infestação em humanos pode ocorrerem ambiente urbano e que o tratamento com clorofórmio e terebintina é ineficaz.

Quesada7 relata caso de miíase nasalem população urbana. Cita que a infestação humana pela larva de Oestrus ovis não faz parte do ciclo natural do hospedeiro, sendo autolimitada, já que as larvas não se desenvolvem além do primeiro estágio, havendo expulsão espontânea das mesmas e não sendo necessários maiores tratamentos.

Popov6 refere que espirros são sintomas precoces e constantes, devido à sensação de movimento das larvas e que sempre devem ser valorizados, que o clorofórmio é o mais satisfatório no tratamento, pois mata as larvas em trinta segundos, e que a lavagem nasal deve ser evitada, pois a corrente pode levar os ovos para outros espaços.

Lucientes3 relata caso em que a infestação por Oestrus ovis ocorre em paciente eutrófico, desenvolve-se até o terceiro estágio larvar, e que a queixa de movimentação de corpo estranho na cavidade nasal deve sempre ser investigada, principalmente em países tropicais.

Smith9 relata casos de miíase nasalem humanos por larvas do gênero Cochliomya macellaria, que necessitam de três a seis dias para completar seu desenvolvimento. Constatou também que a infestação se dá com maior freqüência no verão, pelo aumento da densidade populacional de moscas.

Cabrera2 relata sucesso no tratamento da miíase superficial com Ivermectina, um antiparasitário sintético, derivado das lactonas pentacíclicas e que atua abrindo os canais de cloro, determinando paralisia flácida por bloqueio irreversível das sinapses entre neurônios centrais e motoneurônios de invertebrados. Tem sido usada desde 1987 pela OMS no tratamento de parasitoses. Segundo o autor, apresenta-se como excelente opção terapêutica no tratamento da miíase.

APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

O presente artigo tem por finalidade apresentar caso clínico de um paciente com 51 anos de idade, do sexo masculino, casado, natural e procedente de Caieiras; São Paulo, residente, em sítio na zona rural. Há quatro dias evoluindo com epistaxe, espirros, associados a saída de larvas pelo nariz e boca. Relata obstrução nasal constante. Refere episódio semelhante há um ano, quando foi submetido à cirurgia endoscópica nasal, para retirada das larvas, permanecendo sem sintomas desde então.



Figura 1. Tomografia computadorizada mostrando destruição osteocartilaginosa do septo nasal, velamento dos seios paranasais, sem corpos estranhos.



Figura 2. Tomografia computadorizada evidenciando erosão das paredes mediais dos seios maxilares, processos unciformes e lâminas ósseas das conchas.



Figura 3. Endoscopia nasal evidenciando larva de mosca Cochliomyia hominivorax em fossa nasal esquerda, migrando para rinofaringe.



Figura 4. Endoscopia nasal mostrando larvas de mosca infiltradas em tuba auditiva, fossa nasal esquerda.



Ao exame físico e endoscopia nasal, havia congestão e edema da mucosa nasal com secreção catarral, material necrótico e inúmeras larvas brotando pelas narinas, perfuração septal e ulceração das paredes laterais da cavidade nasal e tubas de Eustáquio. A tomografia computadorizada, sem contraste, mostrou velamento dos seios paranasais, sem corpos estranhos, falhas ósseas de septo nasal, paredes mediais dos seios maxilares, processos unciformes e lâminas ósseas das conchas. Espessamento ósseo das paredes anterior, posterior e lateral dos seios maxilares, sugestivo de processo inflamatório crônico (Figuras 1 e 2).

O paciente foi submetido à microcirurgia endoscópica nasal, com remoção de larvas das fossas nasais, seios maxilares, tubas de Eustáquio, parede posterior da rinofaringe e amígdalas. As larvas haviam destruído as estruturas ósseas e estavam infiltradas nas partes moles, tornando difícil sua retirada (Figuras 3 e 4).

Após o ato cirúrgico, fizeram-se reposição volêmica e antibioticoterapia parenteral, para controle da infecção associada. O material retirado foi colocado em clorofórmio e enviado para análise, tendo sido avaliado pelo Instituto Biológico de São Paulo - Centro de Sanidade Vegetal, que identificou 200 larvas da espécie Cochliomyia hominivorax, incluída na família Calliphoridae, ordem díptera. A miíase provocada por esta espécie é conhecida popularmente por bicheira. As larvas são parasitas obrigatórias, desenvolvem-se em tecidos sãos, não necrosados. As fêmeas são atraídas para postura, em tecidos vivos, pelo cheiro de sangue ou de tecidos mórbidos. As larvas desta espécie originam miíase cutânea ou cavitária.

No sétimo dia de pós-operatório, o paciente retornou ao centro cirúrgico, foi feito tamponamento nasal bilateral embebido em calomelano por 30 minutos e, em seguida, realizou-se nova endoscopia nasal, que revelou ausência de larvas. Administrou-se então Ivermectina 12 mg, via oral, dose única no pós-operatório imediato, e novamente no retorno ambulatorial, uma semana depois. Este antiparasitário induz paralisia tônica da musculatura das larvas, resultando em sua imobilização e morte.

O controle ambulatorial semanal foi feito por dois meses, para retirada de crostas e higiene nasal - permanecendo o paciente assintomático e sem larvas.

DISCUSSÃO

Na literatura médica, encontramos poucos relatos e discussões de casos de miíase nasal.

As espécies causadoras de miíase nasal em humanos vão variar de acordo com as diversas regiões geográficas. Os autores citam larvas do gênero Cochliomya macellaria5, 9, Chrysomia bezziana8, Oestrus ovis1, 7, 3, tendo sido detectadas larvas do gênero Cochliomyia hominivorax no caso em relato. Apesar de referências na literatura de miíase nasalem população urbana1, 7, 3, o caso em relato é de paciente proveniente da zona rural, com baixas condições sócio-econômicas, portador de rinite atrófica, concordando com os achados de Sharma8.

Discordamos de Popov6, quando cita que o clorofórmio é o mais satisfatório no tratamento, matando as larvas em 30 segundos. Em nosso caso clínico, após a remoção, as larvas foram colocadas em clorofórmio, permanecendo móveis por 24 horas.

Concordamos com Sharma8, quando cita que o tratamento, para ser efetivo, depende da ampla remoção das larvas, com pinças. Assim como Cabrera2, também achamos válido o uso associado de um antiparasitário sintético, que permite a quebra do ciclo larvário e impede a eclosão de novo ovos de larvas remanescentes.

COMENTÁRIOS FINAIS

A miíase nasal é rara em centros urbanos e os poucos casos vistos são provenientes da zona rural; em nossa região, as larvas de moscas envolvidas são do gênero Cochliomyia hominivorax, família Calliphoridae.

O tratamento é bem-sucedido com remoção cirúrgica das larvas por meio de pinças e uso oral da Ivermectina, utilizada como reforço para as larvas que não forem identificadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

1. AGRAWAL, R. D.; AHLUWALIA, S. S.; BHATIA, B. B. Occurence of Oestrus ovis larvae in nasal cavity of a woman. J. Indian Med. Assoc, 70 (11):263, 1978.
2. CABRERA, H.; PIETROPAOLO, N.; ARTO, G. - Tratamiento de miasis superficial con Ivermectina. Act. Terap. Dermatol., 21: 370-372, 1998.
3. LUCIENTES, J.; CLAVEL, A. - One case of nasal human myiasis caused by third stage instar larvae of Oestrus ovis. Am. J. Trop. Med. Hyg., 56 (6): 608-69, 1997.
4. HUNGRIA, H. - Otorrinolaringologia, 8ª edição, Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2000, 25-28.
5. NEVES, D. P. - Parasitologia Humana, 8ª edição, São Paulo, Editora Atheneu, 1991, 401-410.
6. POPOV, C. N. P. - Myiasis of the nose. Archieves of Otolaryngology, 112-116, 1942.
7. QUESADA, P.; NAVARRETE, M. L.; MAESO, J. - Nasal myiasis due to Oestrus ovis larvae. Eur. Arch. Otorhinolaryngol, 247.131-132, 1990.
8. SHARMA, H.; DAYAL, D.; AGRAWAL, S. P. - Nasal myiasis: Review of 10 years experience. The Journal of Laryngology and Otology, 103: 489-491, 1989.
9. SMITH, D. R.; CLEVENGE, R. R. - Nasocomial nasal myiasis. Arch. Pathol. Lab. Med., 110: 439-440, 1986.




* Médica Residente do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo.
** Médico Assistente do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo.
*** Médico Diretor do Núcleo de Otorrinolaringologia de São Paulo.

Endereço para correspondência: Dr. José Antônio Pinto - Alameda dos Nhambiquaras, 159 - Indianápolis - 04090-010 São Paulo/ SP.
Telefone/Fax: (0xx11) 5573-1970 - E-mail: japorl@cepa.com.br
Artigo recebido em 30 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 9 de março de 2001.

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