LINFO-SARCOMA DA AMIGDALA (1)
Autor(es): DR. GABRIEL PORTO - Oto-rino-laringologista do Instituto Penido Burnier (Campinas).
Hühnermann no grande tratado de Oto-laringologia de Denker e Albrecht afirma que, dos sarcomas, a forma mais frequentemente observada nas amigdalas, é o linfo-sarcoma. Apesar disso, esta variedade neoplásica constitue ocorrência rara na rotina da clinica. A observação, que hoje vos relatamos apresenta além deste, outros aspectos dignos de reparo.
OBSERVAÇÃO
J. S. N. - branca, brasileira, casada e residente em Ribeirão Preto. Ficha N.° 20159. Data: 28 de Agosto de 1933.
Compareceu ao Instituto Penido Burnier afirmando que ha dois meses foi operada de aneurisma da carotida e que agora necessitava submeter-se a extirpação das amigdalas que lhe determinavam odinofagia.
Na região cervical, á esquerda, nota-se incisão ao nivel da borda anterior do esterno-cleido-mastoideu bem cicatrizada. Forte batimento arterial ao nivel da incisão, observado, tambem, do lado oposto.
Grande hipertrofia da amigdala esquerda que se exibe pediculada; amigdala direita encastoada e atrofiada.
Depois de termos obtido do cirurgião, que executou a primeira intervenção, a informação de que a operação praticada consistira na extirpação de um ganglio e não em aneurisma da carotida conforme afirmava a paciente, propuzemos a ablação da amigdala, realizada em 12-9-1933.
INTERVENÇÃO
Exame pre-operatorio.
Tempo de coagulação: 8'.
Urina: Albumina-traços; glicose nihil; filamentos de muco, algumas celulas epiteliais das ultimas vias. Exame clínico feito pelo Dr. Costa Pinto nada de anormal revelou.
Praticamos, então, sob loco-anestesia, pelo método de Sluder-Ballanger a extirpação total da amígdala esquerda. As sequências operatorias foram bôas; cicatrização rapida da ferida faringéia. A tonsila extirpada foi enviada ao Dr. Penna de Azevedo, do Instituto de Manguinhos, para exame histo-patológico, que nos remeteu o seguinte resultado:
"Na espessura dos cortes existe acentuada hiperplasia de celulas redondas, possuindo nucleos vesiculoso, claro, pobre de cromatina, e de volume pouco maior que o linfoblasto. Tal aspéto é visto de modo difuso, sendo raro reconhecer alguma estrutura com o arranjo de um foliculo linfoide. A proliferação celular compromete tambem, a capsula do orgão. No interior dos vasos linfáticos, existem massas celulares (êmbolos blastomatosos) sendo a sua estrutura semelhante a do proprio tumor. Não se encontram focos de necrose nem de hemorragia. Diagnostico: Linfosarcoma. Radio sensível (grau 1).
Um mês após a intervenção, compareceu a paciente ao nosso consultório em boas condições. Deante do resultado do exame histopatológico aconselhamos como terapeutica radioterapia profunda, que foi aplicada pelo Dr. Dias da Silva. Quinze dias depois (28 de Setembro), terminado o tratamento pela radioterapia pudemos examinar novamente nossa paciente, encontrando a faringe em excelentes condições; ausência de adenopatia cervical á esquerda, e a direita, pequeno ganglio superficial, não parecendo de origem blastomatosa.
Aconselhamos a paciente que comparecesse periodicamente de 20 em 20 dias ao consultório.
Só dois meses depois voltou á nossa presença contando que ha três dias o pescoço aumentara de volume. Ao exame notava-se acentuada adenopatia cervical á esquerda; todos os ganglios do pescoço apresentavam-se entumescidos. Indicamos o esvasiamento ganglionar do pescoço, praticado 20 dias depois pelo Dr. Azael Lobo. Em seguida submeteu-se novamente a radioterapia profunda. Em 7 de Fevereiro logo que teve alta desta ultima intervenção compareceu ao nosso consultório, apresentando-se abatida porém em condições relativamente bôas: faringe normal, ferida operatória cervical bem cicatrizada.
Dois meses após tivemos noticias de seu falecimento, determinado pela recidiva neoplásica.
Deixaremos de lado a questão da diagnose diferencial entre a doença de Hodgkin, linfoblastima e leucemia, por se tratar de assunto por demais complexo para ser abordado em uma simples nota clinica.
Do ponto de vista do diagnostico clinico o nosso caso apresenta uma curiosidade: a amigdala doente mostrava-se simplesmente hipertrofiada, com a mucosa inteiramente lisa. Não fôra a idade do paciente e talvez a unilateralidade da hipertrofia tonsilar, o caso poderia ser rotulado de simples hipertrofia da amígdala. O neoplasma desenvolveu-se somente no interior da amígdala. O linfosarcoma da amígdala raramente se apresenta sob a forma de tonsila hipertrofiada e pediculada.
Como tratamento impunha-se a radioterapia profunda pois tratava-se de tumor altamente radio sensivel; entretanto nossa terapeutica não produziu resultados pois a doença evoluiu de maneira fatal em prazo relativamente curto.
(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringología da Associação Paulista de Medicina. em 18 de Março de 1935.