Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 4 - Julho - Agosto - (4º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 467 a 473
Perda Auditiva em Motoristas e Cobradores de Ônibus.
Hearing Loss in Bus Drivers and Ticket Collectors.
Autor(es):
Adriana L. Martins*,
Katia F. Alvarenga**,
Maria C. Bevilacqua***,
Orozimbo A. Costa Filho****.
Palavras-chave: perda auditiva, ruído, motorista de ônibus
Keywords: hearing loss, noise, bus drivers
Resumo:
Objetivo: Este estudo teve como objetivo avaliar a audição de motoristas e cobradores de ônibus de uma empresa de Bauru, São Paulo. Forma do estudo: Clínico prospectivo. Material e método: A casuística constituiu-se de 174 indivíduos (140 motoristas e 34 cobradores), com idade entre 18 e 60 anos. Do total, 16 indivíduos foram excluídos da análise geral, por apresentarem referência a fatores de risco para a deficiência auditiva e/ou audiogramas com configuração sugestiva de outra etiologia associada ao ruído. Foi aplicado um curto questionário e realizada uma audiometria tonal limiar. As medições foram realizadas com a utilização do dosímetro, com o objetivo de verificar o nível de ruído ao qual os trabalhadores ficam expostos durante um dia normal de trabalho. Resultados: Os resultados mostraram que o zumbido foi a principal queixa encontrada nos dois grupos (6%). Conclusão: Foi constatada curva audiométrica sugestiva de perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados em 37% do total de indivíduos, com ocorrência maior no grupo de motoristas (34%) em relação ao dos cobradores (3%).
Abstract:
Aim: The present study evaluated the hearing of 174 employees of a bus company in Bauru, São Paulo, Brazil. Study design: Clinical prospective. Material and method: The study base consisted of two groups, comprising 140 drivers and 34 ticket collectors, ages ranging from 18 to 60 years. Sixteen subjects were excluded from the general analysis because they had risk factors for hearing loss and/or audiogram with configuration suggestive of other etiology associated with noise. They answered a short questionnaire and underwent pure tone audiometry. Noise level was measured in the work environment. Results: The results showed that the most frequent complaint among the surveyed group was tinnitus (6%). Conclusion: Noise-induced hearing loss was observed in 37% of the subjects and it was more frequent among drivers (34%) than ticket collectors (3%).
INTRODUÇÃO
O avanço da tecnologia propiciou melhoria de vida e bem-estar geral à sociedade, apesar de trazer também conseqüências como a poluição, tanto do ar quanto sonora. O ruído e seus efeitos prejudiciais à saúde física, principalmente à audição, têm sido objeto de estudo de numerosas pesquisas.
Diariamente, estamos expostos a elevados níveis de ruído, devido à grande concentração de veículos nas vias públicas. Dessa forma, tudo nos leva a crer que o ruído, nas vias de trânsito, pode ser prejudicial, assim como o ruído industrial, que é abordado com maior freqüência em estudos e pesquisas.
Desde o século passado, existe a preocupação com a questão do ruído nas cidades, tendo sido elaboradas leis na tentativa de controlar o crescimento do ruído urbano17.
Estudos demonstraram3, 4, 6, 10, 13 que as tentativas, nesse sentido, não têm produzido resultados satisfatórios, visto que diversas cidades têm apresentado níveis elevados de ruído, havendo a previsão de que o crescimento contínuo poderá atingir um nível de intensidade insalubre, com um aumento provável de perda auditiva na população8, 12, 16. De acordo com os dados obtidos', em uma cidade de médio porte os veículos automotores são a principal fonte de ruído, sendo que os ônibus ocupam o primeiro lugar, seguidos pelas ambulâncias, caminhões e motos.
Dessa forma, como em qualquer outro ambiente de trabalho onde o ruído é um fator presente, a saúde auditiva dos motoristas e cobradores de ônibus de passageiros deve ser considerada, devido à exposição contínua ao ruído proveniente do motor do ônibus e de outros veículos em tráfego.
Entretanto, os poucos estudos encontrados na literatura pesquisada preocuparam-se apenas com a audição do motorista, provavelmente pela posição geralmente dianteira do motor, não abordando a audição dos cobradores, profissão não comum em vários países.
A perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados (PAINPSE) - de acordo com BRASIL-PORTARIA N° 19, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO5, a terminologia perda auditiva induzida por ruído deve ser substituída por perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados; optou-se por essa terminologia, neste estudo, utilizando a sigla PAINPSE - foi constatada nos motoristas de ônibus, em todos os estudos que se propuseram a avaliá-la1, 15, 18, com ocorrência variando entre 17% e 89%, estabelecendo relação entre a perda auditiva e o tempo de trabalho acumulado para este tipo de exposição7. Sintomas não auditivos também têm sido descritos1. O estudo encontrado, que se preocupou com a situação dos cobradores, relatou que o nível de ruído ao qual os mesmos estão expostos, devido à posição do motor, não caracteriza risco potencial para surdez ocupacional9.
Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a audição de motoristas e cobradores de ônibus de uma empresa de Bauru, São Paulo, a fim de detectar possíveis alterações auditivas; e, posteriormente, caracterizá-las.
MATERIAL E MÉTODO
O presente estudo foi realizado em uma empresa de transporte localizada na cidade de Bauru, São Paulo, cuja população é de aproximadamente 300 mil habitantes. Os motoristas e cobradores da empresa trabalhavam em veículos com motor dianteiro, central ou traseiro sendo que o tempo de uso e o estado de conservação desses veículos eram variados.
Critérios para a seleção da casuística
Inicialmente, foi aplicada a anamnese para a obtenção de dados referentes a antecedentes otológicos, principais queixas, hábitos e estado de saúde em geral. Do total de 211 indivíduos, 37 foram excluídos do estudo por apresentarem referência a fatores de risco para a deficiência auditiva, sendo 14 indivíduos do grupo de cobradores e 23 do grupo de motoristas. Os fatores de risco observados foram: 24 indivíduos atuavam em outra atividade laboral ruidosa; seis indivíduos, em atividades que os expunham a agentes químicos e tinta; cinco indivíduos estavam expostos à associação de ruído e agente químico; e dois indivíduos sofriam de diabetes. Os indivíduos incluídos no estudo relataram que não participavam de atividades de lazer nem possuíam algum hobby com elevado nível de ruído.
Em seguida, foi realizada inspeção otológica com otoscópio da marca MISSOURI, modelo TK, com o objetivo de garantir condição adequada para a realização da audiometria tonal liminar.
A casuística compreendeu dois grupos:
- o de cobradores: apenas indivíduos que atuaram nessa atividade; e
- o de motoristas: indivíduos que desempenhavam a atividade de motorista no momento da avaliação.
Casuística
Fizeram parte do estudo 174 trabalhadores, sendo 140 motoristas e 34 cobradores, todos do sexo masculino, na faixa entre 18 e 60 anos de idade
Procedimentos
Medição do nível de ruído
Com o objetivo de verificar o nível do ruído ao qual os trabalhadores estavam expostos durante um dia normal de trabalho, foi realizada uma medição em alguns ônibus, em duas situações: com o dosímetro posicionado próximo ao motorista e, em seguida, próximo ao cobrador. Nessa medição, considerou-se o ruído proveniente do funcionamento do motor, associado ao provocado pelos passageiros, outros veículos em tráfego, etc. Para tanto, foi utilizado o dosímetro da marca Quest, modelo Micro 15, acoplado ao corpo do trabalhador durante a jornada de trabalho. Foram realizadas três medições em cada veículo selecionado, e a avaliação do nível de ruído foi realizada em 10 ônibus. Em todos, o dosímetro foi instalado junto ao motorista e, posteriormente, em cinco deles, junto ao cobrador. Os ônibus foram selecionados de acordo com a freqüência de utilização e o tipo comumente utilizado pela empresa.
Quanto à análise das medições da dose de ruído diária (quantidade de ruído a que o trabalhador fica exposto, expressa em porcentagem, tomando-se como tempo de medição a jornada diária máxima de trabalho de referência e tempo máximo considerado para definição dos limites de tolerância, ou seja, 8 horas), produzida pelos veículos; de acordo com a NR9 (1996)14, a dose não prejudicial à saúde do trabalhador não deve ultrapassar 0,5% para uma carga horária de oito horas (NR-9; 1990)14.
Aplicação de questionário
Foi aplicado um curto questionário, com perguntas relacionadas à carga horária de trabalho do indivíduo e a queixa auditiva.
Audiometria tonal liminar (ATL) e logoaudiometria
De acordo com a BRASIL-PORTARIA N° 19, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHOS, o exame audiométrico foi realizado por via aérea, nas freqüências de 0.5, 1, 2, 3, 4, 6 e 8 KHz. No caso de alteração detectada no teste por via aérea, o exame foi feito também por via óssea, nas freqüências de 0.5, 1, 2, 3 e 4 KHz. Foi pesquisado o limiar de recepção da fala (SRT) em todos os indivíduos, para confirmar os limiares tonais obtidos.
Foi utilizado o audiômetro da marca INTERACOUSTICS, modelo AD 28, para tais avaliações, em cabina acústica; e a calibração biológica foi feita diariamente.
Critério para análise da audiometria tonal liminar (ATL)
Para a interpretação e classificação dos audiogramas de acordo com a existência e o grau da perda auditiva, foram utilizados os critérios propostos pela BRASIL-PORTARIA N° 19, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO5 e MERLUZZI11:
o Foram considerados dentro dos limites aceitáveis os indivíduos cujos audiogramas mostraram limiares auditivos menores ou iguais a 25 dB (NA), em todas as freqüências examinadas e classificados como grupo 0, ou seja, com audição normal.
o Foram considerados sugestivos de PAINPSE os indivíduos cujos audiogramas, nas freqüências de 3 e/ou 4 e/ou 6 KHz, apresentaram limiares auditivos acima de 25 dB (NA) e mais elevados do que nas outras freqüências testadas, estando estas comprometidas ou não, tanto no teste da via aérea quanto da via óssea, em um ou em ambos os lados. Esses indivíduos também foram classificados nos grupos 1, 2, 3, 4 e 5, segundo a gravidade, ou seja, hipoacusia de ruído de primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto graus11.
o Nos grupos 6 e 7 situaram-se, independentemente de suas gravidades, os indivíduos cujas curvas audiométricas indicaram um déficit auditivo, decorrente de patologia do tipo mista ou neurossensorial com etiologia diferente ou associada ao ruído.
Para a análise, introduziu-se o item assimétrico, para os indivíduos que apresentaram perda auditiva neurossensorial bilateral, com diferente classificação quanto ao grau, considerando os grupos de 1 a 5. Os indivíduos classificados como 6 e 7 não receberam esse tipo de análise.
Análise estatística dos resultados
Os testes de comparação utilizados para o grau da perda auditiva nos grupos de motoristas e cobradores e para a relação da existência de perda auditiva e tempo de exposição para os dois grupos, foram, respectivamente, o Teste de Mann-Whitney e o teste t de Student. Para verificar a correlação entre o tempo de exposição e o grau da perda foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman.
Para toda a análise estatística, foi adotado o nível de significância de 0,05 (a = 5%). Níveis (p) inferiores a esse valor foram considerados significantes e representados por meio de um asterisco (*).
RESULTADOS
Medição do nível de ruído
Na Tabela 1 encontra-se o resultado da medição do nível de ruído obtido nos ônibus, nas posições dê cobrador e motorista.
Audiometria tonal limiar
A Tabela 2 mostra a análise da audiometria tonal liminar nos 174 indivíduos da casuística estudada, utilizando os critérios propostos por BRASIL-PORTARIA N° 19, DA SECRETARIA DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO5 e MERLUZZI11, para os grupos de motoristas e cobradores. Mostra também o resultado do estudo estatístico realizado para comparar a presença de PAINPSE entre os grupos.
Os dados a seguir excluem os indivíduos com perda auditiva classificadas como graus 6 e 7, por apresentarem outra etiologia, associada ou não ao ruído. Dessa forma, foram analisados os resultados obtidos em 158 indivíduos, sendo 34 no grupo de cobradores e 124 no de motoristas.
Na Tabela 3 encontram-se os dados do questionário referentes à presença de queixa auditiva, considerando os dois grupos estudados.
O estudo estatístico para analisar a carga horária diária de trabalho (tempo de exposição diária ao ruído), para os dois grupos, está apresentado na Tabela 4.TABELA 1 - Resultado da medição do nível de ruído obtido nos ônibus, com o dosímetro posicionado próximo ao motorista e próximo ao cobrador.
*ônibus articulados
TABELA 2 - Distribuição dos indivíduos quanto à classificação dos resultados obtidos na audiometria tonal limiar, nos 174 indivíduos da casuística estudada e estudo estatístico realizado para comparar a ocorrência de '' PAINPSE entre os grupos.
2 10,27
P 0.001*
P ? 50,05 - estatisticamente significante.
TABELA 3 - Dados obtidos no questionário para os grupos de cobradores e motoristas.
TABELA 4 - Resultado do estudo estatístico realizado para analisar a carga horária diária de trabalho (tempo de exposição diária ao ruído), nos dois grupos estudados.
A Tabela 5 apresenta o estudo estatístico realizado para comparar, entre os dois grupos estudados, o tempo de atuação na atividade de trabalho. O grau da PAINPSE também foi estudado estatisticamente (coeficiente de correlação de Spearman), com relação ao tempo de atuação na atividade, para os grupos de cobradores e motoristas (Tabela 6).
Na Tabela 7 está descrito o estudo estatístico realizado para a análise da idade dos indivíduos dos grupos de cobradores e motoristas.TABELA 5 - Comparação do tempo médio de atuação na atividade de trabalho (em anos e meses), entre os grupos com e sem perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados para os grupos de cobradores e motoristas.
*p ? 0,05 - estatisticamente significante.
TABELA 6 - Resultado do estudo estatístico realizado para analisar o grau da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados, com relação ao tempo de atuação na atividade de trabalho, para os dois grupos estudados.
* p ? 0,05 - estatisticamente significante.
TABELA 7 - Estudo estatístico para a idade dos indivíduos dos grupos de cobradores e motoristas.
TABELA 8 - Classificação da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados, quanto ao comprometimento unilateral e bilateral.
A caracterização da PAINPSE, quanto ao comprometimento unilateral ou bilateral, para os 58 indivíduos, encontra-se na Tabela 8; e a análise da PAINPSE, classificada como grau 1, com perda auditiva em entalhe, para as freqüências que apresentaram alteração isoladamente, considerando o número de ouvidos, encontra-se descrita na Tabela 9.
DISCUSSÃO
A dosimetria no ônibus demonstrou que o motorista está exposto a um nível de ruído superior ao do cobrador, com valores de 0.54 e 0.23, respectivamente (Tabela 1). O nível de ruído obtido na posição do motorista mostrou-se superior ao considerado como não prejudicial à saúde do trabalhador, justificando, assim, medidas preventivas para a perda auditiva nesse tipo de atividade de trabalho. Resultado semelhante foi obtido em estudo anterior, onde apenas a audição do motorista foi analisada, por ser este o único exposto a um nível de ruído prejudicial à saúde9.
Na análise da ATL dos 174 indivíduos, diagnosticaram-se 74 indivíduos (42% ou 74/174) com perda auditiva neurossensorial; e 100, com audição normal (58% ou 100/174). Considerando o grupo de cobradores, 30 indivíduos (88% ou 30/ 34) apresentaram audição normal; e quatro (12% ou 4/34); perda auditiva sugestiva de PAINPSE. Para o grupo de motoristas, 70 indivíduos (50% ou 70/140) apresentaram audição normal, 54 (39% ou 54/140), perda auditiva sugestiva de PAINPSE; e 16 (11% ou 16/140), perda auditiva sugestiva de outra etiologia, associada ao ruído ou não, classificados como graus 6 e 7 (Tabela 2). A ocorrência de PAINPSE foi maior no grupo de motoristas (39%), quando comparado ao grupo de cobradores (12%), com diferença estatisticamente significante, provavelmente justificada pelo nível de ruído ao qual os indivíduos estão expostos (Tabela 2). Porém, é importante ressaltar que a PAINPSE foi observada no grupo de cobradores, mostrando que as medidas preventivas para a perda auditiva devem envolver os dois tipos de atividade, não devendo estar voltadas apenas aos motoristas. Ainda referente à Tabela 2, fazendo uma análise mais detalhada da PAINPSE constatada, com relação ao grau da perda auditiva, observaram-se apenas graus 1 e 2, com maior ocorrência de grau 1 (29% ou 51/174), seguida do grau 2 (3% ou 5/174). A PAINPSE de grau 2 ocorreu apenas no grupo de motoristas.TABELA 9 - Análise da perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados, classificada como grau 1, com perda auditiva e entalhe em freqüência isolada, considerando o número de ouvidos, para os dois grupos estudados.
Considerando o grupo de 158 indivíduos, após a exclusão dos 16 com perda auditiva sugestiva de outra etiologia, associada ao ruído ou não, constatou-se, com relação ao questionário, que apenas 17 indivíduos (11% ou 17/158) apresentavam algum tipo de queixa auditiva. No grupo de cobradores, a queixa auditiva esteve presente em três indivíduos (9% ou 3/34) e no grupo de motoristas em 14 indivíduos (12% ou 14/124) (Tabela 3).
A dificuldade para ouvir foi relatada por um indivíduo (3% ou 1/34) do grupo de cobradores e sete indivíduos (6% ou 7/124) do grupo de motoristas, sendo que, destes, dois indivíduos (2% ou 2/124) mencionaram zumbido associado. Dessa forma, nos dois grupos avaliados, notou-se uma discrepância entre a ocorrência de perda auditiva e a queixa apresentada pelos indivíduos. Provavelmente, essa incompatibilidade se justifica pelo fato de que as alterações auditivas verificadas estão enquadradas na classificação de grau 1, e com poucos indivíduos no grau 2, não interferindo, assim, no processo de comunicação, tendo em vista a preservação da audição social.
Com relação ao zumbido, este esteve presente em dois indivíduos (6% ou 2/34) no grupo de cobradores e em sete indivíduos (6% ou 7/124) do grupo de motoristas. Foi possível constatar que, dos nove indivíduos com zumbido, apenas dois apresentaram perda auditiva associada, demonstrando que o zumbido pode ser o primeiro ou o único sintoma a ser constatado pelo indivíduo exposto a esse tipo de ruído. Não encontramos dados que pudessem ser confrontados com os nossos.
Com relação ao tempo de exposição diária ao ruído ambos os grupos apresentaram carga horária de trabalho semelhante: 6:01 ± 0:08 e 6:14 ± 0:25 para os grupos de cobradores e motoristas, respectivamente (Tabela 4). Entretanto, o tempo de atuação na atividade diferiu significativamente, pois o grupo dos motoristas, independentemente da presença de perda auditiva ou não, apresentou um tempo de trabalho superior ao dos cobradores. Considerando os indivíduos com perda auditiva, o tempo médio de atuação para o grupo de cobradores foi de 7,2 anos; e para o grupo de motoristas, 19,3 anos. Outro dado importante é que houve diferença estatisticamente significante no grupo de motoristas, ao ser comparado o tempo médio de atuação entre os grupos sem e com PAINPSE (Tabela 5). Assim, esses achados demonstram que o tempo de atuação é mais um fator a ser considerado na justificativa de maior ocorrência de perda auditiva no grupo de motoristas (Tabela 5). Foi observada também uma correlação significante entre o grau da perda auditiva e o tempo de atuação no grupo de motoristas (Tabela 6). O efeito cumulativo do ruído foi demonstrado em estudo anterior6. Outro achado a ser considerado foi a idade superior dos motoristas, quando comparada à dos cobradores (Tabela 7). Na literatura da área existe um consenso quanto ao fato de que até o momento da aposentadoria, a ação do ruído deve ser analisada em conjunto com a presbiacusia.
De acordo com a Tabela 8, a PAINPSE, no grupo de cobradores, caracterizou-se como unilateral em três indivíduos (75% ou 3/4) e bilateral em um indivíduo (25% ou 1/4). Já para o grupo de motoristas, em 31 indivíduos (57% ou 31/54) a PAINPSE foi unilateral e em 23 indivíduos (43% ou 23/54) bilateral. Nos dois grupos, a perda auditiva predominante foi unilateral, com semelhante ocorrência de comprometimento do ouvido direito e esquerdo, visto que a posição do motor no ônibus é bastante variável.
Nas perdas bilaterais, encontraram-se apenas dois indivíduos com curvas audiométricas assimétricas (1% ou 2/58), sendo um do grupo de cobradores e um do grupo de motoristas.
Analisando a PAINPSE de grau 1, dos 51 indivíduos com esse grau de perda, 46 apresentavam um entalhe em freqüência isolada. A freqüência de 6 KHz foi a mais comprometida erra termos de ocorrência, no total de 38 indivíduos (83% ou 38/ 46), seguida pela freqüência de 4 KHz, no total de oito indivíduos (17% ou 8/46). As demais freqüências não foram comprometidas isoladamente, nos permitindo concluir que esse tipo de ruído compromete inicialmente as freqüências de 4 e 6 KHz, sendo que a ocorrência maior foi em 6 KHz (Tabela, 9).
CONCLUSÕES
A avaliação de 174 indivíduos que atuam como motoristas ou cobradores em transporte urbano permitiu as seguintes conclusões:
- a ocorrência de PAINPSE foi maior no grupo de motoristas (39%), quando comparado ao grupo de cobradores (12%), com diferença estatisticamente significante;
- o nível de ruído constatado para a posição do motorista está acima do considerado não prejudicial à saúde do trabalhador;
- a queixa com relação à dificuldade para ouvir não foi comum nos indivíduos com PAINPSE, visto que a maioria apresentava PAINPSE de graus 1 e 2, havendo assim a preservação da audição social;
- a principal queixa auditiva observada nos indivíduos com PAINPSE foi o zumbido;
- a PAINPSE caracterizou-se predominantemente como unilateral;
- as PAINPSE bilaterais foram predominantemente simétricas;
- o nível de ruído na posição do motorista, tempo de atuação na atividade e carga horária de trabalho apresentaram resultados estatisticamente significantes, o que possivelmente justifica a maior ocorrência de PAINPSE no grupo de motoristas;
- a freqüência mais comprometida isoladamente foi de 6 KHz, seguida de 4 KHz, sendo que as demais freqüências não foram comprometidas isoladamente; e
- medidas de prevenção da perda auditiva devem ser assumidas nesse tipo de atividade de trabalho, tanto para os cobradores quanto para os motoristas de ônibus.
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* Especialista em Audiologia Clínica e Reabilitativa, pela Fundação para Estudo e Tratamento das Deformidades Craniofaciais (FUNCRAF) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), Bauru/ SP.
** Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana-Campo Fonoaudiológico, pela Universidade Federal de São Paulo (EPM) e Professora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo (FOB-USP), Bauru/ SP.
*** Fonoaudióloga do HRAC-USP e Professora Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FOB-USP, Bauru/ SP.
**** Médico do HRAC-USP e Professor Livre Docente do Departamento de Fonoaudiologia da FOB-USP, Bauru/ SP.
Instituição: Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, Bauru-SP.
Apoio Financeiro: Fundação de Amparo ã Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Endereço para correspondência: Adriana L. Martins - Rua Machado de Assis, 16-33 - Bauru/ SP - Telefone: (0xx14) 223-5532.
Artigo recebido em 11 de janeiro de 2001. Artigo aceito em 20 de abril de 2001