Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 3  - Maio - Junho - (16º)

Seção: Relato de Casos

Páginas: 405 a 408

 

Fibroma Ossificante do Corneto Inferior - Relato de Caso.

Ossifying Fibroma of the Inferior Turbinate - Case Report.

Autor(es): Carla R. Monteiro*,
Marise P. C. Marques**,
Noísio G. M. Ferreira***,
Shiro Tomita****,
Paulo M. N. Valiante*****.

Palavras-chave: lesões ósseas, fibroma ossificante, displasia fibrosa, polipose

Keywords: osseous lesions, ossifying fibroma, fibrous dysplasia, polyposis

Resumo:
Os autores relatam um caso raro de fibroma ossificante localizado no corneto inferior da fossa nasal direita, em uma mulher com 68 anos de idade, cuja única queixa era obstrução nasal à direita. O exame clínico evidenciava pólipo preenchendo a fossa nasal direita, mas ao avaliar a tomografia computadorizada (TC) das cavidades paranasais, além do preenchimento da narina direita com material com densidade de partes moles, encontramos lesão óssea bem circunscrita, envolvendo apenas o osso próprio do corneto inferior. Foi realizada ressecção total da massa, com ótima evolução pós-operatória, sem recidiva após 15 meses do procedimento. Apesar do estudo endoscópico nasal e radiológico, o diagnóstico definitivo só foi possível após análise histopatológica da peça operatória, cujo laudo foi de fibroma ossificante. Uma revisão bibliográfica do assunto foi feita (Medline, últimos 10 anos), não tendo sido encontrado relato similar até o momento.

Abstract:
The authors present an uncommon case of ossifying fibroma of the right inferior turbinate in a 68-year-old woman, whose only complaint was right nasal obstruction. The only physical examination finding was a right nasal cavity polyp, which raised the suspicion of an antrochoanal polyp. The computed tomography (CT) scan showed a well-limited bone lesion involving the proper bone of the inferior turbinate. The lesion was totally resected with excellent postoperative evaluation. After 15 months of follow-up, there was no sign of recurrence of the disease. The radiographic findings suggested a fibro-osseous lesion and the histopathological analysis revealed the diagnose of ossifying fibroma. A bibliografic review of the subject (Medline, last 10 years) was made and we haven't found another similar case.

INTRODUÇÃO

Os tumores (ou massas) oriundos da fossa nasal podem ser de natureza benigna ou maligna. Os pólipos nasais inflamatórios, por exemplo, podem ser uni ou bilaterais. As lesões unilaterais mais comumente encontradas são: pólipo antrocoanal, encefalocele, papiloma invertido, angiofibroma, carcinoma e sarcoma, entre outras doenças3.

Como se pode observar, o diagnóstico diferencial faz-se necessário, devido às condutas terapêuticas diferentemente requeridas em cada caso. Diante de um paciente portador de obstrução nasal unilateral, devemos ficar atentos às enfermidades que cursam inicialmente com este sintoma.

No caso em questão, inicialmente foi feito diagnóstico de pólipo antrocoanal (anamnese e exame físico). Durante a avaliação pela TC das cavidades paranasais, foi observado o envolvimento das partes moles e do osso próprio do corneto inferior da fossa nasal direita, tratando-se, portanto, de uma lesão fibro-óssea restrita ao cometo inferior. Devido à raridade desta patologia na região, foi realizada uma revisão bibliográfica na do assunto - e relatado o caso em seguida.

REVISÃO DE LITERATURA

Uma grande variedade de lesões podem envolver os ossos maxilofaciais7. Fibroma ossificante (FO) e displasia fibrosa são os tipos mais comuns de lesões fibro-ósseas que acometem os ossos craniofaciais1. Apesar das diferenças entre manifestações clínicas e radiológicas, ponto em comum entre essas duas enfermidades é a substituição da arquitetura óssea normal por tecido fibroso benigno, que contém quantidade variável de material mineralizado1. A identificação de uma lesão fibro-óssea está na dependência da história do paciente, achados clínicos, critérios radiológicos e análise histopatológica1.

Ainda não há uma unanimidade em relação à classificação das lesões fibro-ósseas. Uma classificação objetiva, descrita por Waldron (1983) e Kramer e colaboradores (1992), e citada por Slootweg (1996)7, classifica essas lesões em: displasia fibrosa (poliostótica e monostótica); fibroma ossificante (convencional, psamomatóide e juvenil); e displasia cemento periapical. Brademann e colaboradores (1997)4 citam ainda uma forma agressiva, localmente destrutiva e com alta taxa de recorrência de FO, que é o fibroma ossificante cemento, cuja lesão relatada ocorreu na região petromastóide, sem registros na literatura até aquele momento. Com relação à displasia fibrosa, uma terceira forma clínica que não foi citada pelo autor é a forma disseminada, também chamada de síndrome de McCune-Albright com manifestações sistêmicas6. FO, como relatamos, é uma lesão comumente vista nos ossos faciais, com particular predileção pela mandíbula (o envolvimento do seio maxilar é incomum) responsável por 75% de todos os casos2. Entretanto, lesões gigantes (maiores que 8 cm) são mais comumente encontradas na maxila2. Os FO podem afetar qualquer faixa etária, sendo de 31 anos a média de idade dos indivíduos acometidos2. É mais comum nas mulheres, com uma proporção mulher:homem de 1,6:1. Para lesões mostrando comportamento benigno, sem deformidade, curetagem e osteotomia podem ser suficientes, com taxa de recorrência variando de 0% a 28%2. Os FO apresentam algumas características histopatológicas semelhantes a um outro tipo de lesão fibro-óssea chamada displasia fibrosa. Além disso, o FO algumas vezes pode assemelhar-se a uma forma bem diferenciada de osteossarcoma, principalmente nas formas histológicas com aumento da celularidade e aumento do número de mitoses7.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

M. S. M, do sexo feminino, com 68 anos de idade, casada, natural de Minas Gerais, moradora do Rio de Janeiro, do lar.

Queixa principal: obstrução nasal a direita.

H. D. A.: Paciente refere que há um ano e meio iniciou quadro de obstrução nasal a direita, de início insidioso, com piora progressiva. Negava cefaléia, rinorréia, epistaxe, prurido nasal ou crises esternutatórias. Notou alguma melhora na respiração quando iniciou tratamento com Betametasona injetável e Dipropionato de beclometasona em spray nasal.

H. P. P.: Hipertensão arterial controlada e hipercolesterolemia.

H. S.: Nega etilismo ou tabagismo.

Ao exame otorrinolaringológico: Oroscopia - sem alterações. Rinoscopia anterior: lesão com aspecto de pólipo nasal preenchendo fossa nasal direita. Fossa nasal esquerda sem alterações. Otoscopia - sem alterações.

Tomografia computadorizada (TC): material com densidade de partes moles preenchendo a fossa nasal direita. Espessamento concêntrico da mucosa do seio maxilar direito (assoalho). No inteiro da massa observava-se destruição do osso do corneto inferior. Lesão "salpicada", sem invasão de estruturas vizinhas (Figuras 1 e 2).

Endoscopia nasal: Pólipo de consistência firme preenchendo fossa nasal direita, obliterando meato médio. O corneto inferior não se diferenciava do restante da lesão. Restante sem alterações.

A paciente foi submetida à cirurgia para exérese da massa. Durante o ato cirúrgico, notou-se que a massa correspondia a uma grande degeneração na porção anterior e média do corneto inferior. Meato e corneto médio estavam intatos. Toda a lesão foi removida como peça única (Figuras 3 e 4).

Evolução: a paciente evoluiu satisfatoriamente com retorno da respiração pela fossa nasal direita e permanece assintomática até 15 meses pós-cirurgia.

Laudo histopatológico:

Macroscopia: lesão assemelhando-se a um pólipo pediculado, com extremidade distal de forma arredondada, consistência elástica, superfície externa brilhante e superfície de corte com aspecto mixóide. Os três quartos proximais têm consistência firme, coloração pardo-clara e áreas ossificadas no centro.



Figura 1. TC, em corte axial mostrando lesão preenchendo fossa nasal direita. Nota-se a destruição óssea envolvendo o corneto inferior.



Figura 2. TC, em corte coronal. Lesão óssea "salpicada" envolvendo o osso próprio do corneto inferior.



Figura 3. Peça operatória, face externa. A lesão polipóide corresponde ao terço anterior do cometo inferior.



Figura 4. Peça operatória, face interna. O terço posterior do cometo inferior está preservado.



Microscopia: edema e intensa congestão na mucosa através de toda a lesão. As áreas de proliferação óssea apresentam trabéculas jovens formadas por deposição lamelar de matriz, envolvidas por numerosos osteoblastos. O estroma adjacente tem aspecto fibroso, mixóide e hipocelular. Tais características definem o diagnóstico de fibroma ossificante (Figuras 5 e 6).

DISCUSSÃO

Os dados da anamnese e exame físico, em princípio, sugerem pólipo antrocoanal, sendo esta a primeira hipótese diagnóstica aventada.

Entretanto, na TC das cavidades paranasais, pode se identificar uma lesão que compromete o osso do corneto inferior, sem obliteração do complexo óstio-meatal, que na maioria das vezes está comprometido tanto no pólipo antrocoanal quanto na polipose nasal. A lesão era circunscrita, de margens bem definidas e sem invasão de estruturas ósseas vizinhas. Ao ser verificado o comprometimento ósseo, foi questionado o diagnóstico diferencial com displasia fibrosa e sarcoma. Displasia fibrosa, fibroma ossificante e fibroma ossificante cemento são lesões com componentes ósseo e fibroso que compartilham algumas características histopatológicas, sendo alguns detalhes importantes na diferenciação. No caso da displasia fibrosa, as trabéculas ósseas, envolvidas por tecido fibroso, geralmente se fundem com o osso circundante, apresentam ramos irregulares e ausência de osteoblastos nas margens da trabécula5. Por outro lado, no FO é encontrado osso lamelar bem delineado por osteoblastos. As trabéculas tendem a ser mais contínuas entre si5. O FO caracteriza-se por aparência histológica divergente, ou seja, o tecido fibroso pode variar consideravelmente em uma mesma lesão, com áreas de alta celularidade alternadas com partes com mais colágeno ou escleróticas7. A fusão do osso trabecular pode resultarem largas "ilhotas" ósseas que formam a maior parte da lesão.



Figura 5. Edema e congestão intensos da mucosa respiratória do corneto inferior (H & E, 40x).



No esforço para atingir o diagnóstico correto, Boysen e colaboradores (1979), citado por Sternberg (1994)5, afirmam que o diagnóstico diferencial entre displasia fibrosa e FO fica na dependência de critérios radiológicos, uma vez tendo o patologista identificado a natureza fibro-óssea da lesão". Em contraste com a displasia fibrosa, o FO apresenta-se como uma lesão expansiva, bem delimitada, apesar da opacidade de a lesão variar de acordo com sua maturidade. A característica mais marcante na TC da displasia fibrosa é a aparência em "vidro fosco" - e a lesão não tem margens bem definidas.



Figura 6. Neoformação de trabéculas ósseas envolvidas por osteoblastos e tecido fibroso (H & E, 40x).



COMENTÁRIOS FINAIS

As lesões fibro-ósseas maxilo-faciais continuam sendo um dilema diagnóstico tanto para o clínico quanto para o patologista. Devido às incertezas no que diz respeito a especificidade no diagnóstico clínico, radiológico e histopatológico, ainda não há uma classificação completamente satisfatória ou totalmente aceitável dessas lesões. A única certeza diz respeito à avaliação multidisciplinar, indispensável nestes casos, envolvendo otorrinolaringologistas, radiologistas e patologistas experientes, a fim de se definir o prognóstico da enfermidade - e o correto tratamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BEASLEY, D. J.; LEJEUNE, F. E.- Fibro-osseous lesions of the head and neck. J. La. State Med. Soc., 148: 413-415, 1996.
2. CHONG, V. F. H; TAN, L. H. C. - Maxillary Sinus ossifying fibroma. Am. J Otolaryngol., 18(6): 419-424, 1997.
3. FELDMAN, B. A.; FELDMAN, D. E. - In LEE, K. J. - Essential Otolaryngology Head & Neck Surgery, 6ª edição, Connecticut, Appleton & Lange, 1995, 715-756.
4. BRADEMANN, G; WERNER, J; JANIG, U; MEHDORN, H. M.; RUDERT, H. - Cemento-ossifying fibroma of the petromastoid region: case report and review of the literature. J. Laryngol. Otol., 111: 152-155, 1997.
5. MILLS, S. E.; FECHNER, R. E.- In STERNBERG, S. S. et al. - Diagnostic Surgical Pathology, 2ª edição, New York, Raven Press, 1994, 851-891.
6. SÁNCHEZ, J. C.; CABALLERO, D. H. B.; CALATAYUD, M. F. R. - Displasia fibrosa monostótica de maxilar superior. Presentación de un caso clínico. Acta Otorrinolaringol. Esp., 48(7): 579-582, 1997.
7. SLOOTWEG, P. J. - Maxillofacial Fibro-osseous Lesions: Classification and Differential Diagnosis. Semin. Diagn. Pathol., 13(2): 104-112, 1996.




* Aluna do Curso de Mestrado em Medicina na Área de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
** Médica e Preceptora da Residência Médica do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ.
*** Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da UFRJ.
**** Professor Assistente e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do HUCFF.
***** Professor Assistente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Trabalho desenvolvido no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Dra. Carla Ribeiro Monteiro - Rua Alceu Amoroso Lima 105/901 - Barra da Tijuca - 22631-010 Rio de Janeiro/ RJ.
Telefone: (0xx21) 9626.2987 - Fax: (0xx21) 430.9120 - E-mail: comcarla@openlink.com.br
Artigo recebido em 4 de agosto de 2000. Artigo aceito em 14 de setembro de 2000.

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