Versão Inglês

Ano:  1935  Vol. 3   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 227 a 238

 

FISTULAS MEDIANAS DO PESCOÇO (1)

Autor(es): DR. EURICO BASTOS

Na cirurgia da tiroide, o problema do bocio, nos seus diferentes aspectos, tem quasi monopolisado a atenção de cirurgiões, clinicos, fisiologistas e dos pesquisadores em geral, deixando em abandono outras varias e interessantes afecções cirurgicas da glandula. Neste numero, evidentemente, se acham os cistos e fistulas medianas do pescoço, as chamadas fistulas e os cistos do tireo glosso. Mesmo admitindo, como adiante veremos, que os cistos e as fistulas não se originem do canal tireo-glosso que, segundo alguns embriologistas, não existe nunca, não é possivel entretanto deixar de subordinar o aparecimento de tais anomalias a disturbios na formação e no desenvolvimento do esboço tiroideo.

O cisto é sempre o primeiro tempo da fistula que resulta, no geral, da abertura para o exterior de um cisto. Na literatura do têma todavia se encontram referencias a fistulas congenitas. Tais casos devem ser acceitos com reserva, pois sua frequencia, inicialmente já pequena, diminue cada vez mais com a revisão e o estudo cuidadoso das primeiras observações. A comunicação para o exterior se póde fazer expontaneamente, em virtude da pressão crescente no interior do cisto, de processos de supuração repetidos, ou pode ainda resultar de intervenções cirurgicas mal sucedidas, simples incisão de um cisto supurado ou extirpação incompleta de um cisto mediano. Ha ainda que referir ao facto, citado na bibliografia, de cistos se esvasiando na cavidade bucal.

A posição nitidamente mediana de um tumor de consistencia cistica, indolor, não aderente a pele, movendo-se no sentido vertical com a deglutição, são as principais caracteristicas do cisto do tireoglosso. O volume varia muito; desde o de uma pequena saliencia, as vezes só perceptivel pela apalpação, até o tamanho de uma tangerina ou mesmo de uma laranja. Localisado na linha mediana, em qualquer altura da face Interior do pescoço, desde o mento até a furcula do esterno, algumas vezes, quando é exagerado o seu volume, ocupando-a inteiramente.

As fistulas que resultam de tais cistos apresentam, mutatis mutandis, os mesmos caracteres. A abertura na pele geralmente unica, pode ser dupla ou mesmo tripla. O orificio externo é marcado por uma saliencia, constituida de tecido de granulação determinado, seja pela propria irritação permanente do produto de secreção da fistula, seja pelos causticos frequentemente usados como meio terapeutico. O conteúdo do cisto, no comum, tem caráter mucoide, podendo entretanto conter tambem, nos casos antigos, produtos de necróse e cristais de colesterina. As fistulas possuem um corrimento discreto, continuo geralmente, as vezes intermitente, sujeito contudo á aumentos periodicos. Nos casos supurados encontra-se pus. Quando são repetidos os surtos de supuração, pode resultar a completa descamação das paredes do cisto ou da fistula, fácto que torna até certo ponto precario o diagnostico microscopico das peças que não apresentam, em tais eventualidades, o seu revestimento epitelial tipico.

Em tais circunstancias as fistulas apresentam um trajéto muito endurecido, fortemente aderente aos tecidos visinhos, o que torna mais dificil sua radical extirpação. O diagnostico é facil desde que se atentem os caracteres enumerados. A confusão pode ser feita apenas com um cisto dermoide supurado ou com adenite tuberculosa. A diagnose diferencial com a adenite é mais dificil e as vezes mesmo o exame da peça não é decisiva (processo supurativo tendo destruido o revestimento epitelial, determinado aderencia etc.) Recentemente, Wangensteen (2) propoz um processo novo de distinção entre um abcesso frio e um cisto do tireoglosso. Com uma agulha de injecção, de grosso calibre, ele punciona e esvasía o tumor, injetando em seguida, pela mesma agulha que não se retira, um liquido de contraste: si a radiografia revéla uma sombra de limites nitidos, é o caso de cisto; si ao contrario, se trata de um abcesso frio, obtem-se uma imagem de contornos irregulares: sinal que o liquido se espalhou entre os tecidos vizinhos.

Os cistos e as fistulas medianas do pescoço não constituem ocurencia muito frequente. Sua casuistica entretanto, deverá ser, na realidade, bem maior do que a fornecida pelos diversos trabalhos publicados nestes ultimos anos.

Estudando-as, recentemente, Clutte e Castell (3), do Lahey Clinic, fornecem, no particular de sua frequencia, alguns numeros interessantes. Para um total de 6.582 casos de afecções da glandula tiroide, registados na clinica até Janeiro de 1930, se contam apenas 75 casos de anomalias do "Tractus thyreo-grosso". Quasi igual é a estatistica da Mayo's Clinic, onde até 1925, é de Klingestein e Colf (4) a informação, se tinham fichados 73 observações. Na Inglaterra, o assunto foi estudado por Bailey (5) que em 1929 juntou 124 casos nos diversos hospitais de Londres. No mesmo ano, apareceu a tése de Remy Neris (6) que, fazendo cuidadosa revisão bibliogafica, refere cêrca de 600 observações de cistos e fistulas medianas do pescoço. Entre nós, o têma já foi tambem considerado: o dr. Recalde (7) referiu um caso e o dr. Piragibe Nogueira (8), em 1933, publicou duas observações de fistulas do tractus tireo-glosso, operadas pelo prof. B. Montenegro, não aludindo porém, ao numero total dos casos registados no serviço. Revendo o nosso fichario podemos colher os seguintes numeros: Num movimento geral de 1.432 doentes, operados por causas diversas, de 1932 a esta parte, apenas deparamos com fistulas medianas do pescoço quatro vezes. No mesmo numero de observações se contam 56 casos de intervenções cirurgicas sobre a glandula tiroide.

Estes dados apenas, coligidos rapidamente, nas publicações mais recentes e sem a preoccupação de rever bibliografia, já justificam a impressão de que a escassa casuistica destas anomalias crescerá rapidamente com o interesse que o assunto despertar e com a divulgação dos resultados que hoje se obtêm com um adequado processo de exerése.

Caracterisava, de um modo geral, tais fistulas, a sua resistencia ao tratamento cirurgico. Quasi todos os autores, que escreveram sobre o têma, referem casos de doentes operados varias vezes sem resultado satisfatório. Tal resistencia, entretanto, será bastante diminuida. Sistrunck (9) fala em 100% de cura, desde que se proceda a sua extirpação de acôrdo com os preceitos da tecnica moderna. O fundamento destes preceitos, a condição mesma para realizá-los reside no exáto conhecimento da morfogênese destas anomalias. Para operar convenientemente qualquer má formação do pescoço, muito particularmente, para se extirpar com sucesso uma fistula ou cisto mediano do pescoço, é preciso conhecer perfeitamente a sua origem, remontar assim a epoca do seu primeiro esboço e acompanhá-lo depois até o seu completo desenvolvimento.

Sem entrar no estudo pormenorisado da embriología que não tem aqui ambiente, me limitarei a algumas noções gerais necessarias a clareza de descrição. Aqui me valerei principalmente dos trabalhos de Wenglowski (10), talvez a maior autoridade no assunto, que ele estudou paciente e profundamente, revendo conhecimentos antigos que refundiu em varios pontos. Para tal, ele lançou mão de um copioso material, observando de 1908 a 1912, escrupulosamente, embriões humanos nas diversas fases de seu desenvolvimento e ainda operando adultos. Comprehende-se assim, o indiscutavel valor de seus estudos, infelizmente ainda não suficientemente divulgados.

A glandula tiroide, quér se admita a sua origem de um esboço unico ou se filie a sua formação á três esboços diferentes, apresenta um esboço mediano, que germinando no soalho da boca, désce, posteriormente, através dos tecidos do pescoço até atingir a cartilagem tiroide. Este esboço mediano é, para o caso que estudamos, o unico que interessa. Na parede ventral do faringe, as extremidades anteriores dos arcos branquiais, ainda não fundidos na linha mediana, delimitam um espaço triangular de base inferior que é o campo meso-branquial de His. Este será o teatro onde se desenrolarão os fenomenos da maior importancia para o desenvolvimento do esboço medio da tiroide e para a explicação das varias anomalias de que a sua evolução e involução poderão, remotamente, ser a causa determinante.

No triangulo meso-branquial aparecem, correspondendo as extremidades anteriores dos primeiros arcos branquiais, duas saliencias responsaveis pelo desenvolvimento das duas metades anteriores da lingua. Na frente dessas elevações, ha um tuberculo arrendodado, o tuberculo impar ou lingual que His responsabilisava inteiramente pela formação de toda a porção bucal da lingua. A raiz deste orgão se desenvolve a custa das porções medianas dos segundo e terceiro arcos branquiais e de uma outra massa celular colocada entre as duas saliencias referidas e conhecida pelo nome de furcula. Na depressão mediana, marginada por essas saliencias todas se encontra um espessamento celular que crescendo sobretudo no sentido caudal, em breve se transforma em um cordão cheio. Este cordão, ao mesmo tempo, pela propria direcção do seu crescimento e em virtude da pressão exercida sobre ele pelos esboços da ponta e da raiz da lingua, que se aproximam a medida que crescem, se insinua progressivamente nos tecidos da base da lingua e do pescoço até atingir a, sua séde definitiva, acima do bulho aortico.

Inicialmente, ele está ligado ao seu berço de origem por um cordão maciço que logo se fragmentará, não se encontrando um cordão continuo senão fragmentos escalonados. Cumpre agora examinar as relações do esboço nos varios andares do pescoço percorridos por ele na sua travessia. Com Wenglowski vale dividir o estudo das relações em tres capitulos:

Porção lingual - Nos embriões muito jovens, a lingua como já foi dito, se reconhece formada pelas extremidades internas dos primeiros arcos branquiais enquanto que as extremidades externas dos mesmos arcos vão constituir o esboço do maxilar inferior. A superficie da lingua é então revestida por um epitelio pavimentoso.


Fig. 1 - Desenvolvimento do tractus tireo-glosso. Mostra o cordão já segmentado, passando na frente do osso hioide (apud "Nelson Loose-Leaf Surgery").



Fig. 2 - Modificações determinadas na direcção do tractus tireo-glosso pelo desenvolvimento, progressivo do osso hioide (Wenglowski).





Fig. 3 e 4 - Caso de fistula do tireo-glosso. Ficha 1464.


Numa epoca mais avançada aparece o buraco cêgo que ora se abaixa em uma pequena depressão ora se afunda em um canal sem ramificações, revestido por um epitelio estratificado ciliado ou não. Este canal, que desce verticalmente, é o canal lingual e fica situado no ponto de fusão das metades anteriores com a raiz da língua e mergulha nos tecidos desta em virtude do repuxamento exercido na sua superficie pela descida do esboço tiroideo mediano. Mais ou menos contemporaneamente, aparecem as papilas linguais cobertas igualmente por um epitelio pavimentoso. Depois, com o desenvolvimento geral do embrião, o canal lingual vae se aprofundando e se eriçando de diverticulos, cada vez maiores e sempre forrados de epitelio chato e ciliado, inteiramente cercados de glandulas mucosas. Neste campo, o tractus tireo-glosso tem já desaparecido inteiramente ou está reduzido apenas á vestigios pequenos, perdidos nos tecidos da base da lingua. Aí se encontra, frequentemente, um canal situado para traz do primitivo tractus tireo-glosso, em plena massa dos musculos linguais e se aproximando do osso hioide, é um diverticulo do canal lingual, o canal de Bogdaleck. Aí tambem se identificam com relativa frequencia porções de epitelio lingual, vestigios do canal lingual ou de seus diverticulos, etc. que foram trazidos para baixo pelo esboço mediano da tiroide e onde serão a origem de pequenos cistos epiteliais. Assim como permanecem essas estructuras diversas, pode tambem resultar da transformação e da descida do esboço tiroide a permanencia, nos tecidos da base da língua, de restos de tecidos tiroideo que determinarão o aparecimento posterior de tiroides acessorias. Esta eventualidade, ainda que mais rara que a precedente tem sido entretanto encontrada. O proprio Wenglowski, examinando 30 embriões, encontrou 6 vezes cistos epiteliais e 4 vezes fragmentos de tecido tiroideo. Em 177 autopsias de adultos, ele constatou 26 cistos mucosos e 14 vezes restos do esboço tiroideo mediano, 1 vez havia combinação das duas anomalias.

Porção hioidéa - No começo de segundo mês, quando é ainda um cordão continuo a união entre a tiroide e o buraco cego aparece atraz do tracto, que tem então uma direcção vertical muito regular, o esboço do osso hioide. Este osso que, inicialmente, não tem nenhum contacto com o cordão tiroideo, em breve, em virtude do seu rapido desenvolvimento em varios sentidos não se contrae com este intimas relações como impõe modificações á direcção dó cordão tiroideo, quebrando até a sua continuidade. O osso hioide cresce rapidamente em todos os sentidos (para baixo, para frente, para cima e para traz). Ele atinge o tracto T. encurvando-o. O tractus sendo muito pouco elastico seus vestigios tiroideos são substituidos, neste ponto, por uma fita de tecido conjuntivo de elasticidade muito maior, uma vez estabelecidas as relações com o hioide. Fica assim o cordão tireo-glosso dividido em duas porções distintas; uma acima do osso hioide outra abaixo. O tecido conjuntivo que separa as duas porções adquire com o osso relações muito intimas e permanentes. Continuando o desenvolvimento o osso hioide, no 3.° mês da vida embrionaria, sofre modificações na sua forma, ele se incurva anteriormente apresentando na sua face posterior uma concavidade. Na parte superior da face anterior se forma uma crista transversal dividindo esta face em duas porções. Em virtude desta mudança de configuração e das intimas e firmes relações do T. com o osso, se observa que a porção do T. que anteriormente estava ligada á borda inferior do esboço do hioide tem agora uma posição nitidamente posterior, ficando colocada na face posterior e concava do hioide. A crista anterior exerce uma pressão muito forte sobre o cordão que, no geral, acaba por desaparecer inteiramente ao seu nivel. A porção mais persistente é a posterior, mais vezes encontrada nas pesquizas de Wenglowski; em seguida, aparece a porção superior da face anterior e, por fim, a porção inferior desta mesma face.

O tecido tiroide, porque mais diferenciado, exige para o seu crescimento de liberdade. Assim se explica a sua persistencia justamente nos pontos onde a pressão exercida pelos tecidos visinhos era menor, desaparecendo nos outros onde é maior a compressão. Examinando o seu copioso material, Wenglowski encontrou tambem, nas proximidades do osso hioide, porções do canal lingual ou de seus diverticulos e vestigios do T. Estes restos do T. foram objecto de um aprofundado estudo e consideramos necessario, neste ponto, transcrever as conclusões de Wenglowski. Microscopicamente, diz ele, os vestigios do T. diferem completamente da tiroide normal. Nunca apresentam luz e são forrados com um epitelio cubico. São fortemente envolvidos de fascia e de fibras musculares que explicam a nenhuma probabilidade de seu desenvolvimento e certamente tambem, a sua diferenciação nitida do tecido tiroideo normal. Eles não contem coloide. Quando situados adiante do hioide, se mostram divididos em varias porções por fibras musculares ou elasticas, fibras que ao mesmo tempo os prendem fortemente ao osso. De um lado eles estão em contacto como periosteo do hioide e do outro mergulham no plano muscular. As tiroides acessorias, resultantes do crescimento do tecido glandular do T., quando presentes a este nivel, são muito frequentemente acompanhados de cistos do hioide. No interior do hioide essas glandulas nunca são inteiramente cercadas de tecido osseo geralmente, elas fazem parte da parede do cisto. Os cistos do hioide só começam a ser encontrados quando vae muito adiantada a vida do feto isto é no 8.º ou 9.º mês, mais comumente, são observados em adultos. Autopsiando fetos á termo Wenglowski deparou em 117 casos, 35 cistos do hioide. Destes, 13 eram simples e 22 apresentavam vestigios de tiroide; em 25 adultos foram registrados 8 cistos simples e 6 com tecido tiroideo; em 95 infantes, 27 cistos simples e 12 com tecido de tiroide. Cumpre avisar que as paredes dos cistos nem sempre mostram tecido tiroideo puro, trata-se as vezes de glandulas mucoides que podem ser confundidas com tecido tiroideo.

Os cistos geralmente aparecem em grupos de 2 á 3, raras vezes se constatam cistos unicos; suas dimensões no adulto são em regra de 1 á 1, 5 cm. Eles se asséstam nas duas metades superior e inferior da face anterior do osso.

Contrariamente ao tecido tiroideo, como já vimos, são frequentes os cistos implantados na crista anterior do osso. O hioide se atrofia porque a pressão intra cistica é maior que a do osso.

Cistos da glandula tiroide podem se situar em frente ao osso hioide, nesses casos ha sempre tecido muscular ou conjuntivo interposto entre a parede cistica e o osso hioide. Quando porem persistem restos do tracto tireoglosso estes podem estar em contacto com a parede do cisto. Microscopicamente os cistos apresentam uma camada de tecido fibroso tenso, contendo no seu interior glandulas mucosas. As glandulas as vezes mostram um conduto que penetra a cavidade cistica sendo elas cheias de substancia mucoide. Tais glandulas mucoides devem ser claramente distinguidas das glandulas tiroides que não estão no interior do cisto porem coladas á sua parede. Mais raramente se encontra tambem nestes cistos tecido linfoide.

Algumas vezes a conformação dos cistos é alterada por prolongamentos que podem ser unico ou multiplos e tem, frequentemente, uma direcção ascendente para a base da lingua. De acôrdo com o revestimento de suas paredes pode-se dividir os cistos em: C. com epitelio ciliado; C. com epitelio pavimentoso; C. com epitelio chato ciliado; C. com epitelio multilocular; C. sem epitelio.

Do que acaba de ser expôsto, se conclue que o esboço tiroideo medio, quando é do seu movimento de descida da cavidade bucal para a parte mediana do pescoço onde será sua séde definitiva traz tambem preso ás suas celulas fragmentos do revestimento da cavidade bucal (epitelio pavimentoso estratificado e ciliado e algumas de seus derivados (peculiares, a este epitélio: glandulas mucosas, foliculos linfoides etc.). Quando qualquer um destes tecidos atinge ao lugar onde ficará posteriormente, porque eles chegam antes do aparecimento dos musculos e Pascias e do osso hioide, uma vez estas estruturas se desenvolvendo os alcança, comprimindo-os para traz ou crescendo através deles. Então se estabelece uma luta entre esses elementos que precisam crescer e os musculos e osso que embaraçam muito o seu desenvolvimento. O tecido tiroideo, porque mais diferenciado, é impedido de progredir porquanto ele exige liberdade para a transformação coloide que lhe é característica. As estructuras epiteliais têm entretanto, um poder de crescimento muito mais forte que o tecido tiroideo e os cistos epiteliais crescem através dos musculos e chegam mesmo, algumas vezes, a corroer o proprio osso hioide. O epitelio pavimentoso ciliado e as glandulas muciparas provênientes da mucosa da lingual, situada nas imediações do buraco cego, tendo sido arrastadas para baixo pelo esboço tiroideo guardam até aí, seus característicos iniciais. O canal lingual é, inicialmente, um raso canal forrado de epitelio pavimentoso, posteriormente, ele torna-se mais complicado aprofundando-se e emitindo diverticulos cada vez mais numerosos. Seus ramos terminais são cercados de glandulas muciparas. Desenvolvendo-se inteiramente a parte do cordão tireo-glosso, pode coexistir com ele, sem haver nenhuma relação entre ambos. O cisto multi-locular deve ser considerado como uma glandula mucosa que perdeu seu canal e distendendo-se perdeu tambem pela atrofia determinada pela compressão, o seu epitelio mucoso.

Porção sub-hioidea - Embriologicamente quasi que apresenta o mesmo aspéto da vida adulta. Em 107 autopsias Wenglowski encontrou apenas uma vez ausencia total do lobulo mediano e do lobulo esquerdo, havia apenas o lobulo direito. Em um outro caso não se encontrou o lobulo esquerdo, mas o mediano estava presente; 6 vezes foi notada ausencia do istmo da tiroide. O lobulo piramidal, total ou parcialmente foi verificado em 79 casos. Ele era completo em 48 casos, em 13 ele era incompleto atingindo a borda inferior da cartilagem tiroide. Todas as vezes que o L., piramidal atingia o osso hioide, passava sempre pela sua face posterior.

Entre outras variações interessantes verificadas pelo mesmo pesquizador, no particular do lobulo piramidal contam-se as seguintes: O. L. P. nasce da porção esquerda ou da porção direita do istmo - raramente da parte mediana; seu vertice está ligado ao periosteo da face posterior do osso hioide por uma faixa de tecido conjuntivo; Wenglowski, condiciona a forma do lobulo piramidal á pressão que ele sofre do exterior. Assim, dependendo dessa pressão, diferentes estagios de atrofia podem ser observados. Os cistos do L. piramidal se localisam de ordinario na extremidade superior e são revestidos geralmente por epitelio pavimentoso ciliado, são geralmente arredondados, não mostrando prolongamentos, seu conteúdo é transparente e mucoide. Cistos da extremidade inferior do L. Piramidal tambem têm sido verificados. Eles aí se localisam isoladamente ou coincidem com cistos da extremidade superior e são revestidos de epitelio pavimentoso ciliado. As estruturas peculiares a mucosa de revestimento lingual e trazidas para baixo pelo esboço tiroideo mediano são raramente encontradas nesta região. Elas se encontram preferencialmente na região supra hioidea, menos vezes, na porção hioidea e excepcionalmente na região piramidal ou sub-hioidéa. O esboço tiroideo medio, frequentemente se divide em duas porções que se reunem nas proximidades do istmo. Assim se explica a presença de dois lobulos piramidais. Póde suceder tambem que o esboço tiroideo desça mais baixo do que comumente.

Do que acaba de ser exposto se conclue:

a) - que o esboço mediano do tiroide se institue a custa do epitelio do soalho da boca, que forma um cordão maciço, sem luz.

b) - O esboço tiroideo, no seu desenvolvimento rapido, mergulha no seio do mesenquima trazendo juntamente as celulas de revestimento bucal que estão na sua visinhança.

c) - Tais celulas continuam na profundidade o seu caracteristico embrionario - crescem e se desenvolvem - apenas porque bloqueadas pelos tecidos da região, o seu carateristico se modifica formando varias especies de cistos.

d) - O esboço tiroideo se divide em duas porções: - um inferior que constituirá a glandula tiroide, outro superior que se segmenta e desaparece total ou parcialmente.

e) - O osso hioide que aparece posteriormente, quando o esboço tiroideo já emigrado para o pescoço ainda está.preso ao seu leito de origem pelo tracto tireo-glosso, logo toma contacto com o referido cordão cuja direcção ele modifica, interrompendo mesmo sua continuidade.

f) - Os vestigios do cordão tireo glosso encontrados em varias alturas do trajeto seguido pelo esboço tiroideo mediano, são constituidos mais por elementos epiteliais de revestimento lingual, arrastados para a profundidade, que por celulas tiroideas.

g) - Estes restos ou vestigios vão diminuindo de frequencia a medida que se desce no pescoço. Assim são mais encontradiços na base da lingua, raros na porção hioidea mais raros na porção sub-hioidea e excepcionais abaixo da tiroide.

h) - Os elementos epiteliais permanecem enquistados e anormalmente determinam os cistos e fistulas medianas do pescoço, forrados ambos por epitelio pavimentoso, ciliado ou mixto. As celulas tiroideas de ordinario se atrofiam. Pódem entretanto, mais raramente, tomar um desenvolvimento maior constituido as tiroides sucenjuriata.

i) - Como não se verifica nunca um canal tireo glosso, mas apenas um cordão que não toma parte na formação de cistos ou de fistulas. Estes dependem do epitelio bucal aí enterrado e podem dar lugar a um cisto ou a fistulas incompletas.

j) - O foramem cecum é um remanescente da depressão onde se localisa inicialmente o esboço tiroideo. O canal lingual não é uma parte da tracto tireo-glosso mais uma dependencia do epitelio lingual arrastado para baixo. Ele se forma depois do esboço tiroideo.

k) - Para cura radical desses cistos ou fistulas é preciso a completa exerése do cisto da porção mediana do osso hioide e dos tecidos que se estendem do buraco cego ao osso hioide, no trajeto percorrido pelo esboço tiroideo mediano.

OBSERVAÇÕES

Fistulas do tireo-glosso:

F. 798 - M. C., 30 anos, sexo feminino, casada, portuguesa, branca, domestica, residente em Ourinhos. Fistula no pescoço ha tres anos. Op. no dia 26-11-1932, anestesia para-vertebral; Sanatorio Santa Catarina.

F. 1278 - P. L. B., 7 anos, sexo masculino, brasileiro, branco, residente em Vila Pompeia. Fistula no pescoço ha um ano. Op. no dia 5-6-1934, anestesia geral; Sanatorio Santa Catarina.

F. 1422 - N. F., 9 anos, sexo masculino, brasileiro, branco, escolar, residente no Bom Retiro. Fistula no pescoço ha dois anos. Op. no dia 1-12-1934, anestesia geral; Sanatorio Santa Catarina.

F. 1464 - M. da G. B. - 32 annos, sexo masculino, casado, português, branco, empregado da Light, residente na rua Candido Espinheira. Cisto tireo-glosso, mediano, do tamanho de um ovo de galinha, ha cinco meses. Op. no dia 19-1-1935, anestesia local; Instituto Paulista.

TÉCNICA OPERATORIA

Listrunch propoz a tecnica que abaixo descrevemos com a qual ele tem obtido 100% de curas.

Em todos os nossos casos foi este o metodo empregado sempre e coroado de sucesso.

Anestesia-local-geral - Nos adultos usamos anestesia para-vertebral. Nas crianças, geral (éter). Doente deitado, pescoço em extensão forçada. Incisão transversa dos planos superficiais, se possivel acompanhando uma das pregas cutaneas, com cerca de 5 cents. de extensão. Nos casos de cistos, esta incisão corresponde ao maximo da convexidade tumoral; nos casos de fistulas, ela circunscreve o orificio cutaneo.

Procurar o plano de clivagem entre o cisto e os tecidos visinhos. No caso de fistulas dissecar cuidadosamente o trajéto até o osso hióide.

Resecção de um segmento mediano do hióide. Reparar o orificio cego com do dedo introduzido na boca. Com o auxílio do dedo bucal levantar a base da lingua para cima, aproximando-a do osso hioide. Dissecar o canal lingual que caminha irregularmente na musculatura da base da lingua.

É impossivel dissecar exclusivamente este canal. Assim se retira um pediculo muscular que tem o canal como eixo. Proseguese a disecção até o foramen cego evitando porém abrir a mucosa bucal.

Cabe advertir aqui, da necessidade que tem o cirurgião de a todo o momento, bem sabido o conhecimento da direcção canal lingual: na posição operatoria em que está a cabeça do doente, a linha representativa do trajeto do canal corresponde á bissectriz de um ângulo recto formado pelo encontro na borda inferior do osso hioide, de 2 linhas, uma horizontal e outra vertical.

REFERÊNCIAS

1 - Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringología da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Maio de 1935.
2 - Wangensteen - Annals of Surgery.
3- Howard M. Clutte and Richards B. Cattel - Annal's of Surgery XCII, 57.
4 - Klingestein and Colf - Annal's of Surgery LXXX11, 854, 1925.
5 - Bailey H. - British Medical Journal, pag. 138, julho 1931.
6 - Remy Neris - Le tractus thyréoglosse - G. Doin - Paris, 1929.
7 - Juan Recalde - Comunicação á Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.
8 - Piragibe Nogueira - Fistulas do tracto thyreo-glosso - Revista da Associação Paulista de Medicina II, 206, Abril de 1933.
9 - Sistrunck - Col. P. Mayo Clinic - Surg. Gynecol. Obst. XLVI, 109, 112, 1928.
10 - Wenglowski apud. Herbert Willy Meyer. - Annal's of Surgery XCV, 1, 1932.

ZUSAMMENFASSUNG

DR. EURICO BASTOS - Fiasteln dez Ductus thyreo-glossus.

Verfasser beginnt mit der Daratellung, dass sich die Chirurgie der Schilddrüse fast ausschliesslich mit dem Kopf beschaeftigt, waehrend andere wichtige Erkrankungen dieses Organs wie Cysten und Fisteln des Ductus thyreo-glossus vernachlaessigt werden.

Anschliessend beschreibt er die Diagnose und chirurgische Behandlung dieser Anomalien. Es wird die übliche Technik erwaehnt, die sich in allen seinen Faellen als nützlich erwiesen hat. Weiterhin schildert Verfasser die Grundlagen des chirurgischen Vorgehens, indem er kurze Betrachtungen über die Entwicklungsgeschichte der Schilddrüse anstellt und die verachiedenen Erklaerungen über das Entstehen der Cysten und der Fisteln des Ductua thyreo-glossus zusammenfasst. In der Mitte des Ganzen stehen die Arbeiten von Wenglowski, welcher als groesste Autoritaet in dieser noch nicht abgeschlossenen Frage angesehen wird. Verfasser liest auszugsweise vier Krankenblaetter von eigenen Kranken, welche mit Halsfisteln behaftet waren; von denen drei vor einigen Jahren, der vierte vor einem Monat operiert wurde. Er zeigt ein Krankenblatt eines Patienten mit Cysten dez Ductua thyreo-glossus.


Fig. 5 - Córte histologico da peça da observação 1422. Verifica-se a natureza chata das celulas de revestimento do canal.



Fig. 6 - Córte histologico da observação 1278. Mostra um canal revestido de celulas pavimentosas. Veem-se ao lado do canal, nodulos de tecido tiroideo.



Fig. 7 - Ficha A-106. Desaparecimento do parenquima normal da tireóide, que foi substituido por fibras conjuntivas. Infiltração linfoide. Algumas celulas gigantes.

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