Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 3 - Maio - Junho - (6º)
Seção: Artigos Originais
Páginas: 335 a 338
Xerostonmia: Estudo Retrospectivo de 40 Casos.
Xerostomia: Retrospective Study of 40 Cases
Autor(es):
Daniella B. Pupo*,
Ivo Bussoloti Filho**.
Palavras-chave: xerostomia, síndrome de Sjögren, drogas, radioterapia
Keywords: xerostomia, Sjögren's syndrome, drugs, radiotherapy
Resumo:
Forma de estudo: Avaliação retrospectiva de prontuarios. Material e método: Os autores realizaram estudo retrospectivo de todos os pacientes com xerostomia atendidos no Ambulatório de Estomatologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo, no período de janeiro de 1997 a maio de 2000. Eles foram avaliados quanto à idade, sexo, tempo decorrido entre o início dos sintomas e a primeira consulta em ambulatório especializado, e sintomas associados à queixa de boca seca, procurando-se determinar uma ou mais etiologias para cada caso. Resultados: Dos 40 pacientes avaliados, 95% eram do sexo feminino, com idade média de 61,37 anos. Eles demoraram em média 2 anos e 4 meses para procurar um ambulatório especializado e 85% dos pacientes tinham outras queixas orais associadas. As causas mais comuns de xerostomia foram o uso de drogas que diminuem o fluxo salivar e a síndrome de Sjögren.
Abstract:
Study design: Retrospective chart analysis. Material and method: The authors studied retrospectively all patients with xerostomia referred to our service between january 1997 and may 2000. We evaluated 40 patients and compared the following: age, sex, time between the onset of the symptoms and the search for specialized care, and related symptoms. The etiology of each case was determined based on clinical and laboratory aspects. Results: Ninety-five percent of the patients were female. The average age was 61,37 years. The patients took, in average, 2 years and 4 months to seek specialized care. Eighty-five percent had other oral complaints besides xerostomia. The most frequent causes of dry mouth in our study were the use of xerogenic drugs and Sjögren's syndrome.
INTRODUÇÃO
Xerostomia é a sensação subjetiva de boca seca, que pode ou não ser conseqüente a uma diminuição da função das glândulas salivares. É mais comum entre os idosos e pode ocasionar infecções orais e dentárias, disfagia, distúrbios na fala e alterações da gustação7. As causas mais comuns de xerostomia são o uso de drogas que diminuem o fluxo salivar, doenças autoimunes e a irradiação das glândulas salivares3, 8, 14. A saliva é muito importante para a manutenção da homeostase oral. Exerce atividade antimicrobiana, lubrifica a mucosa oral, estabiliza o seu pH, previne a desmineralização dos dentes7 e dissolve e transporta moléculas necessárias à gustação11, 12.
A xerostomia pode se apresentar com intensidade variável, incluindo desde os casos em que a mucosa oral é relativamente normal até aqueles casos em que há completa ausência de saliva, com alterações importantes na mucosa oral e maior desconforto por parte do paciente. Além da dificuldade para mastigar, deglutir e falar conseqüente à falta de lubrificação9, os pacientes com xerostomia costumam evitar alimentos crocantes, pegajosos e secos. Eles podem ainda evoluir com uma sensação de queimação na língua, halitose e diminuição da gustação1.
Ao realizar este trabalho, tivemos como objetivo uma análise retrospectiva dos casos de xerostomia atendidos em nosso Serviço, com especial atenção para as possíveis etiologias encontradas.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado levantamento retrospectivo de todos os pacientes com xerostomia atendidos no Ambulatório de Estomatologia do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de janeiro de 1997 a maio de 2000. O diagnóstico de xerostomia foi definido pelos autores como a sensação subjetiva de boca seca referida pelo paciente.
Foram estudados 40 pacientes, sendo analisados os seguintes parâmetros: sexo, idade, início da sintomatologia em relação à primeira consulta, sintomas referidos pelos pacientes e possíveis etiologias encontradas.
RESULTADOS
Dos 40 pacientes estudados, 38 (95%) foram do sexo feminino; e dois, (5%) do masculino. Suas idades variaram de 16 a 81 anos (média de 61,37 anos). A distribuição de acordo com a faixa etária e sexo pode ser avaliada na Tabela 1.TABELA 1 - Distribuição de idade e sexo.
O tempo decorrido entre o início dos sintomas e a primeira consulta no Ambulatório de Estomatologia variou de um mês a 12 anos (média de 2 anos e 4 meses). Além da sensação de boca seca, relatada por todos os pacientes avaliados, 20 pacientes (50%) se queixavam de queimação na boca e quatro (10%) sentiam queimação na garganta. Três pacientes (7,S%) evoluíram com disfagia e seis (15%) referiram algum tipo de intolerância alimentar, como dificuldades para o consumo de alimentos condimentados (três pacientes), duros (dois pacientes), secos (um paciente), quentes (um paciente), ácidos (um paciente) e doces (um paciente). Um paciente referiu intolerância a refrigerantes. Dois pacientes (5%) apresentaram diminuição do paladar, sendo que um deles se queixava também de gosto amargo na boca. O ressecamento ocular estava associado à xerostomia em cinco casos (15%). Outras queixas menos comuns foram: saliva espessa, edema recorrente na região correspondente às parótidas, ressecamento dos lábios, parestesia e prurido na língua, cada uma referida por um único paciente. Seis pacientes (15%) não tinham qualquer outro sintoma além da xerostomia.
As possíveis etiologias para cada caso de xerostomia foram determinadas a partir dos dados obtidos na anamnese e posterior confirmação através de exames laboratoriais e avaliação de outros especialistas. As causas conhecidas de xerostomia são mostradas na Quadro 2. O uso de drogas que diminuem a salivação foi observado em 24 casos (60%), sendo esta a maior causa de xerostomia no grupo estudado. A síndrome de Sjögren foi a responsável pelos sintomas de 11 pacientes (27,5%). Entre os pacientes estudados, 30% eram hipertensos, 10% eram diabéticos e 12,5% apresentavam dislipidemia. Em quatro pacientes do sexo feminino a xerostomia foi atribuída a alterações hormonais, havendo necessidade de terapia de reposição hormonal. Dois pacientes (5%) haviam sido submetidos a radioterapia na região de cabeça e pescoço, dois pacientes eram portadores de tireoidopatia, dois apresentavam doença psiquiátrica e dois tinham artrite reumatóide. Sialoadenite estava presente em um único caso, assim como acidente vascular cerebral.QUADRO 2 - Causas de xerostomia.
De: James C. Burns -Xerostomia - Va Dent J. 68(3): 34-9, 1991
DISCUSSÃO
Mais de 50% dos idosos têm queixa ocasional de xerostomia, enquanto que 10 a 25% apresentam este sintoma constantemente12, 15. Apesar disso, a xerostomia é freqüentemente negligenciada pelos profissionais de saúde e pelos próprios pacientes. Prova disso é que os pacientes com xerostomia por nós avaliados demoraram em média 2 anos e 4 meses para procurar um ambulatório especializado. Os mo tivos para que isto ocorra são complexos. Talvez alguns pacientes acreditem que este é um sintoma normal, ou uma conseqüência natural do processo de envelhecimento. Outros são acometidos por muitas queixas sistêmicas que, por comparação, dão menos valor à xerostomia. A idade média dos pacientes avaliados foi de 61,37 anos, fato este condizente com os dados obtidos na literatura que apontam a xerostomia como prevalente principalmente entre os idosos. O único paciente adolescente estudado (16 anos) havia sido submetido a radioterapia por linfoepitelioma de rinofaringe.
Vários fatores são descritos na literatura como causas de xerostomia. Entre os mais freqüentes estão o uso de drogas que diminuem o fluxo salivar, doenças autoimunes como a síndrome de Sjögren e a radioterapia em cabeça e pescoço8, 14. Encontramos essa mesma distribuição em nossa casuística, com excessão da radioterapia, que estava presente nos antecedentes de apenas 5% dos pacientes. Todos os anos, aproximadamente 40 mil pacientes são submetidos a radioterapia para tratamento de tumores de cabeça e pescoço nos Estados Unidos. Doses relativamente baixas de radiação são suficientes para diminuir o fluxo salivar, muitas vezes de modo permanente8. Assim, a pequena proporção de pacientes irradiados em nossa casuística poderia indicar que essas pessoas não estão recebendo orientação adequada quanto às possibilidades terapêuticas disponíveis para a xerostomia.
A alta prevalência de hipertensão, diabetes melitus, dislipidemia e alterações hormonais no grupo estudado, logicamente, se deve à faixa etária elevada desses pacientes. Essas alterações podem, em alguns casos, não ser as maiores responsáveis pelo surgimento da xerostomia, mas certamente contribuem para que ela ocorra4, 5, 16.
A redução do fluxo salivar não é uma conseqüência natural do processo de envelhecimento. Na maioria das vezes, ela resulta de condições que são mais comuns entre as pessoas de meia idade e os idosos. A maioria dessas condições são iatrogênicas, como o uso de medicamentos e a radioterapia2. Estima-se que nos Estados Unidos os idosos utilizem 30% de toda a medicação prescrita12. Eles freqüentemente têm doenças sistêmicas, incluindo as autoimunes, que culminam com maior consumo de medicação ou causam a xerostomia por si mesmas. Além disso, os idosos têm menor resistência ao estresse e uma reserva fisiológica limitada, o que os torna particularmente vulneráveis às conseqüências nocivas da xerostomia. Observamos em nosso estudo que 15% dos pacientes apresentavam intolerância a algum tipo de alimento, 7,5% tinham disfagia e 5% se queixavam de diminuição da gustação. Estudos sugerem que problemas como esses poderiam contribuir para um déficit nutricional em idosos10, 12.
Segundo a literatura, as mulheres têm mais xerostomia que os homens6, 13, o que também foi observado pelos autores no presente estudo. A provável razão para que isto ocorra é que as mulheres na pós-menopausa, entre os 50 e os 65 anos de idade, tendem a diminuir o seu fluxo salivar, e as glândulas salivares das mulheres são menores que as dos homens13, 17.
CONCLUSÃO
O presente estudo nos permite concluir que a xerostomia é queixa muito mais comum entre as mulheres de meia idade e idosas. É pouco valorizada por grande parte dos pacientes, que às vezes demoram anos para procurar tratamento. A baixa prevalência de pacientes irradiados em nossa amostra nos leva a crer que a xerostomia pode também estar sendo pouco valorizada por alguns profissionais de saúde, que não encaminham esses pacientes para avaliação otorrinolaringológica. A xerostomia deve ser minuciosamente investigada entre os grupos de risco, pois pode contribuir, entre outras complicações, para um déficit nutricional em pacientes que já têm reserva fisiológica limitada. As causas mais comuns de xerostomia em nosso ambulatório são o uso de drogas que diminuem o fluxo salivar e a síndrome de Sjögren.
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* Pós-Graduanda da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
** Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Trabalho apresentado como pôster no 35° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em Natal/RN, em 18 de outubro de 2000.
Endereço para correspondência: Daniella Belotto Pupo - Rua Itambé, 367 - Apto. 72A - Higienópolis - São Paulo/SP - Telefone: (0xx11) 257-7829 - Fax: (0xx11) 256-4062
Artigo recebido em 20 de novembro de 2000. Artigo aceito em 15 de janeiro de 2001.